Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 401/2020-T
Data da decisão: 2021-05-12  IRS  
Valor do pedido: € 13.572,20
Tema: IRS. Residente não habitual. Dupla tributação jurídica internacional. Prova.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

1.            A isenção de que beneficiam os rendimentos obtidos no estrangeiro pelos residentes não habituais é uma isenção com progressividade, pois tais rendimentos, não obstante isentos, são tomados em consideração na determinação da taxa aplicável aos rendimentos de fonte interna, bastando para tal que, no caso dos rendimentos das categorias E e F, haja a possibilidade da sua tributação “no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado” , conforme o disposto no artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS.

2.            Nos termos da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de março, não estando expressamente previsto o tratamento dos rendimentos pagos em França a um residente em Portugal, provenientes do resgate de seguros do ramo vida, caem estes na previsão do artigo 23.º, da Convenção, podendo ser tributados em Portugal, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código do IRS.

3.            Sendo regra a admissibilidade de todos os meios de prova (artigo 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e não havendo norma que exija prova específica para o caso em análise, não poderá a Requerida exigir documentos originais ou fotocópias certificadas, acompanhadas da respetiva tradução, tanto mais que é a própria AT que, em situações similares, dispensa a tradução de documentos redigidos nas línguas espanhola, francesa, inglesa ou alemã (ponto 2 do ofício-circulado n.º 20124, da DSRI).

4.            Tendo a liquidação em apreço sido emitida com base na declaração de substituição apresentada pelos Requerentes e por estes assumidamente errada, erros que não podem ser imputados à Requerida, não são devidos juros indemnizatórios, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito.

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

Em 8 de agosto de 2020, A…, com o NIF ………, casado com  B…, com o NIF ………, residentes na Travessa ….., n.º 17, 6.º, ……. Lisboa  (adiante designados por Requerentes e, individualmente, por Requerente marido), a quem foi reconhecido o estatuto de residente não habitual para os anos de 2017 a 2026, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea ) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.           Objeto do pedido:

Os Requerentes pretendem a apreciação da legalidade, assim como a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2018………., referente ao ano de 2017, de que resultou o valor a pagar de € 13 572,20.

 

Mais formulam os pedidos de restituição do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Dos Requerentes:

Como fundamentos do pedido, invocam os Requerentes o seguinte:

•             São ambos residentes em Portugal desde 02.11.2017, não tendo obtido quaisquer rendimentos em território nacional naquele ano de 2017, embora no período da sua residência tivessem auferido rendimentos de fonte estrangeira;

•             Por erro, entregaram inicialmente uma declaração modelo 3 de IRS, na qualidade de residentes em território nacional, integrando um anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro – capitais e prediais), no qual inscreveram rendimentos muito superiores aos efetivamente percebidos;

•             Em 24.07.2018, apresentaram declaração de substituição, na qual mantiveram o mesmo anexo J e incluíram um anexo L (Residente não habitual), optando pelo método de isenção para eliminação da dupla tributação internacional sobre os rendimentos declarados;

•             Notificados da liquidação de IRS n.º 2018………., da quantia de € 13 572,20, apresentaram reclamação graciosa tendo em vista a anulação da mesma e a restituição do imposto indevidamente pago, por considerarem não deverem ser tributados em Portugal e juntando prova documental dos rendimentos obtidos fora do território nacional, bem como da sua declaração à autoridade fiscal estrangeira competente;

•             A reclamação graciosa foi indeferida com fundamento na falta de idoneidade da prova documental apresentada, por não serem os documentos originais ou suas cópias certificadas, sem que o decisor tivesse previamente dado cumprimento ao princípio do inquisitório ou retirado consequências do estatuto de residente não habitual atribuído aos Requerentes com efeitos a 02.11.2017;

•             Face ao que pretendem que a liquidação de IRS de 2017 seja anulada por ilegal, ilegalidade decorrente da errónea quantificação da matéria coletável, da falta ou insuficiência de fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, do vício de violação de lei por inobservância do princípio do inquisitório e consequente omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade do regime de Residente Não Habitual.      

 

b. Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta em que veio defender a manutenção do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, fazendo juntar cópia da declaração de substituição apresentada pelos Requerentes e protestando juntar cópia da decisão de atribuição do Estatuto do Residente Não Habitual ao Requerente, remetendo, no mais, para a prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral.

 

Como questão prévia, nota a Requerida a falta de assinatura da petição inicial, que considera ser fundamento para a sua recusa pela secretaria.

 

Na defesa por impugnação, aduz a AT os seguintes argumentos:

•             A matéria sobre a qual foi suscitada a apreciação do tribunal arbitral respeita essencialmente ao valor e momento em que os rendimentos foram colocados à disposição do Requerente, cuja verificação se revela imprescindível ao apuramento das quantias sujeitas a IRS em Portugal, dada a sua inscrição como residente em território português, em 02.11.2017;

•             Quanto aos rendimentos prediais contestados, não consta dos autos qualquer documento relacionado com eventuais ganhos desta natureza e, quanto aos rendimentos de capitais, as declarações alinhadas nos autos não distinguem os momentos em que os ganhos em juízo foram pagos ao Requerente;

•             O Requerente entende que a administração fiscal portuguesa, teria o dever, por força do princípio do inquisitório, de evidenciar que a declaração por ele entregue padeceria de uma incorreção, alicerçada em erros de soma de valores que não são de fácil deteção, o que afasta a demonstração de que a inscrição dos montantes controvertidos se deveu a mero lapso e adensa a dificuldade probatória, em juízo;

•             É indispensável clarificar que os ganhos objetados foram declarados pelo Requerente e que o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, estabelece a presunção de veracidade dos elementos alinhados na dita declaração, julgando-se manifesto que incumbe ao Requerente, a demonstração da natureza, dos montantes e da proveniência dos rendimentos, que afirma derivarem do pagamento de juros, bem como o momento em que foram disponibilizados;

•             Não se vislumbrando qualquer ilegalidade, associada à liquidação em crise, não existe motivo justificativo para o pagamento de juros indemnizatórios;

•             Pelos motivos expostos, entende a Requerida que deve ser mantida a liquidação, devendo-se concluir pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Pelo despacho arbitral de 14.12.2020, foram os Requerentes convidados, nos termos do n.º 2 do artigo 110.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a suprir a irregularidade formal da falta de assinatura do pedido de pronúncia arbitral, solicitação satisfeita em 19.12.2020.

 

Nos termos do despacho arbitral de 13.01.2021, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, salvo oposição expressa e devidamente fundamentada de qualquer das Partes, no prazo de 5 dias, findos os quais se iniciaria o prazo simultâneo de 20 dias para alegações escritas. Mais se indicou o dia 10 de março de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral, advertindo-se os Requerentes de que deveriam, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Os Requerentes apresentaram as suas Alegações escritas em 28.01.2021, nas quais reiterou a posição inicial.

 

Com a publicação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, entrada em vigor no dia subsequente, que aditou o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, ficaram suspensos “todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos (…) tribunais arbitrais (…)”, designadamente, no que aos autos interessa, o prazo para alegações escritas da Requerida.

 

A necessidade de assegurar o contraditório (artigo 16.º, alínea a), do RJAT), prejudicou que a decisão arbitral fosse proferida na data designada, do que as Partes foram devidamente notificadas, com indicação de que a decisão final seria proferida dentro do prazo a que se refere o artigo 21.º, do RJAT.

 

A Requerida apresentou Alegações escritas em 16.03.2021, nas quais remeteu expressamente para tudo o que havia dito em sede de Resposta.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 26 de outubro de 2020, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.            As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.            O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 08.08.2020, é tempestivo, face à suspensão dos prazos mencionados no artigo 7.º, n.º 6, alínea c) e n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação originária – “Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares”, que “dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários”.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A – Factos provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao processo administrativo (PA) e à posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, fixa-se como segue:

1.            Ao Requerente marido foi atribuído o estatuto de “Residente não Habitual” (RNH), com efeitos reportados a 02.11.2017 – (facto admitido por acordo das Partes);

2.            Em 03.07.2018, os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2017, na qualidade de residentes, incorporando um anexo J em que foram declarados rendimentos de capitais (categoria E) e rendimentos prediais (categoria F) –, da titularidade do Requerente marido (facto admitido por acordo das Partes);

3.            Em 24.07.2018, os Requerentes apresentaram a declaração de substituição ….-2017-J-….-85, a que foi junto um anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro) e um anexo L (Residente não habitual), com cópia junta ao PA, nos quais inscreveram rendimentos auferidos pelo Requerente marido:

a.            Anexo J – Quadro 7 (Rendimentos prediais – categoria F), campo 701- código F01, país da fonte 250 (França): Rendimento líquido € 5 587,50, optando pelo não englobamento destes rendimentos;

       – Quadro 8 (Rendimentos de capitais – categoria E), campo 801 - código E22 (Outros rendimentos de capitais sem retenção), país da fonte 250: Rendimento bruto € 48 472,14, imposto pago no estrangeiro € 2 115,30; campo 802 - código E11 (Dividendos ou lucros – sem retenção em Portugal), país da fonte 250: Rendimento bruto € 686,00, imposto pago no estrangeiro € 91,76; campo 803 – código E21 (Juros sem retenção em Portugal), país da fonte 826 (Reino Unido), Rendimento bruto € 19,57, optando pelo não englobamento destes rendimentos;

– No Quadro 11 os Requerentes indicaram a titularidade do Requerente marido sobre duas contas bancárias domiciliadas no Reino Unido e duas contas bancárias domiciliadas em França;

b.            Anexo L – Os Requerentes indicaram no Quadro 6B, campo 05, pretender a eliminação da dupla tributação internacional pelo método de isenção;

4.            Em resultado da declaração de substituição apresentada pelos Requerentes em 24.07.2018, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2018……….., no valor de € 13 572,20, apurado por tributação autónoma dos rendimentos declarados (cfr. cópia da demonstração da liquidação de IRS junta ao PPA);

5.            Em 19.06.2019, o Requerente marido apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, reclamação graciosa, na qual alegou que os rendimentos de capitais por si obtidos no período da sua residência em Portugal, no ano de 2017, o foram pelas quantias de € 4 127,00, de fonte francesa e de € 19,57, de fonte britânica, requerendo a anulação da liquidação de IRS n.º 2018……….., bem como a restituição do imposto pago (Doc. 1, junto ao PPA);

6.            Em anexo à petição da reclamação graciosa, o Requerente juntou os seguintes documentos (Doc. 1, junto ao PPA):

a.            Cópia da “déclaration des revenus 2017”, modelo 2042 (formulário disponível em https://www.impots.gouv.fr/), entregue à administração fiscal francesa por referência ao período de 01.01.2017 a 01.11.2017, na qual declarou, no quadro 2.1, rendimentos de capitais: Produtos de seguros de vida e capitalização sujeitos à taxa liberatória de 7,5% - € 20 270,00; Outros produtos de investimento submetidos a taxa liberatória - € 7 934,00 e Dividendos - € 686,00;

b.            Cópia da declaração emitida pelo Cardif Groupe BNP Paribas, agência de Nanterre, em 26.03.2018, declarando o rendimento de € 4 127,00 para o ano de 2017, referente a um contrato de “assurance vie, capitalisation et retraite”;

c.            Cópia do extrato da conta da sua titularidade sobre o banco britânico HSBC (Hong Kong and Shanghai Banking Corporation), referente ao pagamento, em 2017, de juros da quantia de € 19,57, sem indicação de retenção na fonte;

7.            Pelo ofício n.º 3…, da Direção de Finanças de Lisboa, de 13.12.2019, foi o Requerente notificado do projeto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3…………., para efeito do exercício do direito de audição prévia (Doc. 2 junto ao PPA);

8.            Na informação prestada no procedimento de reclamação graciosa, consta, designadamente, o seguinte (Doc. 2 junto ao PPA):

 

9.            A informação supra foi corroborada pelo parecer da Senhora Chefe de Equipa, segundo o qual “(…) para efeitos de comprovação da data em que foram auferidos os rendimentos de modo a determinar quais os rendimentos a tributar em território nacional, cabe ao reclamante, nos termos do art. 74º da LGT, comprovar através de documentos originais emitidos pelas autoridades fiscais francesas, as datas e os valores dos rendimentos auferidos naquele país. (…)” - (Doc. 2 junto ao PPA);

10.          Por requerimento de 31.12.2019, a juntou dois documentos, o Requerente exerceu o direito de audição, terminando com o pedido de “um prazo adicional de 30 dias a contar de 2 de janeiro de 2020 para, caso tal ainda se considere necessário, a apresentação dos originais [da prova documental solicitada] os quais se encontram arquivados em França onde só estará em meados de janeiro.”, sem que a AT se tivesse pronunciado sobre aquele pedido - (Doc. 3 junto ao PPA);

11.          Foram os seguintes os documentos juntos pelo Requerente ao requerimento de audição prévia (Doc. 3 junto ao PPA):

a.            Cópia da notificação da demonstração da liquidação do imposto sobre o rendimento do ano de 2017, declarado em 2018, emitida pela Direction Générale des Finances Publiques - Centre de Finances Publiques, remetida para a morada em Portugal, que dá nota dos rendimentos declarados em França e do resultado da liquidação, como segue: - Montant de votre impôt: 0 €; Montant restitué: 2.815,00 €

 

b.            Cópia da declaração emitida pelo Cardif Groupe BNP Paribas, agência de Nanterre, em 26.03.2018, declarando os rendimentos do ano de 2017, referentes ao contrato de “assurance vie, capitalisation et retraite” n.º 4243532,:

 

12.          O projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi convertido em definitivo, conforme o despacho da Senhora Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, de 27.02.2020, notificado ao Requerente pelo ofício n.º 5… da mesma Direção de Finanças, de 28.02.2020 (Doc. 4 junto ao PPA);

13.          Foi prestada informação complementar de suporte à decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3…………., com o seguinte teor:

 

 

14.          Em sede arbitral, vieram os Requerentes juntar prova documental dos rendimentos prediais declarados e dos rendimentos de capitais auferidos no período da sua residência em território nacional (Docs. 5, 6, 7 e 8 juntos ao PPA);

a.            O documento n.º 5 consiste num extrato da plataforma Airbnb que indica ter o Requerente marido recebido, entre os meses de abril a agosto de 2017, rendimentos prediais no valor de € 11 175,00;

b.            O documento n.º 6 reporta-se aos rendimentos provenientes dos resgates efetuados no ano de 2017 sobre o contrato de seguro de vida e capitalização – contrato n.º 4…..:

Date effet          Montant brut rachat      Montant net r   Capital racheté Plus value           Assiette PFL       Montant PFL                Taux PFL              Assiette PS         Montant PS        Taux PS

24-11-2017         20 538,14             20 000,00            16 411,25             4 126,88               4 126,88               309,52   7,50%    1 474,98   228,62   15,50%

27-10-2017         10 266,19             10 000,00            8 214,31               2 051,88               2 051,88               153,89   7,50%    724,52                112,30   15,50%

05-10-2017         20 527,86             20 000,00            16 442,29             4 085,57               4 085,57               306,42   7,50%    1 428,65   221,44   15,50%

03-08-2017         20 514,88             20 000,00            16 481,46             4 033,43               4 033,43               302,51   7,50%    1 370,18   212,38   15,50%

01-06-2017         30 752,83             30 000,00            24 781,04             5 971,80               5 971,80               447,88   7,50%    1 967,41   304,95   15,50%

31-03-2017         20 795,53             20 000,00            16 807,05             3 988,48               3 988,48               598,27   15%       1 272,62   197,26   15,50%

09-02-2017         20 781,74             20 000,00            16 836,09             3 945,65               3 945,65               591,85   15%       1 225,09   189,89   15,50%

c.            O documento n.º 7 reproduz a declaração de rendimentos emitida pelo Cardif Groupe BNP Paribas, agência de Nanterre, em 26.03.2018, referente aos rendimentos pagos ao Requerente no âmbito do contrato de seguro de vida e capitalização n.º 4….., reproduzida supra em 11-b;

d.            O documento n.º 8 reproduz a declaração de rendimentos emitida pelo Cardif Groupe BNP Paribas, agência de Nanterre, em 26.03.2018, referente aos rendimentos pagos ao Requerente no âmbito do contrato de seguro de vida e capitalização n.º 4……, de € 4 127,00, sem retenção na fonte, já referida supra em 6 – b;

15.          Os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2018 ………., pela quantia de € 15 242,50, emitida com base na declaração inicial, que após emissão da liquidação objeto dos autos, resultou a anulação do montante de € 1 670,30 (informação da reclamação graciosa – Doc.1 junto ao PPA).

 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, do processo administrativo e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

 

III.2 DO DIREITO

1.            As questões a decidir

A principal questão a decidir nos autos é a de saber se, não estando provado que os Requerentes tivessem auferido rendimentos de fonte portuguesa, no ano de 2017, após aqui terem obtido o estatuto de “Residente não habitual”, com efeitos a partir de 2 de novembro daquele ano e tendo declarado tão somente rendimentos de capitais e prediais de fonte estrangeira, tendo optado pelo método de isenção como forma de eliminação da dupla tributação internacional, poderiam ser tributados em Portugal.

 

Conexa com esta questão principal, está a da avaliação da idoneidade do meio de prova dos rendimentos obtidos pelos Requerentes naquele ano de 2017, não obstante a liquidação emitida ter tido por base uma declaração modelo 3 de substituição, em que, à semelhança da declaração inicial, foram cometidos erros, no que respeita ao quantitativo dos rendimentos de fonte estrangeira.

 

a.            Da tributação dos residentes não habituais

O estatuto de residente não habitual (RNH) foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, que aprovou o Código Fiscal do Investimento, encontrando-se o respetivo enquadramento fiscal previsto no artigo 16.º, n.ºs 8 a 12, do Código do IRS.

 

Tratando-se de sujeitos passivos residentes, ainda que a residência em determinado ano seja apenas parcial, o IRS incide sobre a totalidade dos rendimentos auferidos naquela qualidade, tanto de fonte nacional, como de fonte estrangeira, nos termos do artigo 15.º, n.ºs 1 e 3, do Código do IRS (worldwide taxation).

 

Contudo, no que respeita aos rendimentos obtidos no estrangeiro, há que ter em conta a cumulação das pretensões tributárias do Estado da residência do sujeito passivo e do Estado da fonte dos rendimentos, a fim de evitar a dupla tributação jurídica internacional, ou seja, a fim de impedir que os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no mesmo período de tempo possam ser objeto de tributação em mais do que um Estado, por um imposto idêntico ou similar.

 

Para além das normas de Direito Fiscal Internacional, constantes dos Acordos ou Convenções de Dupla tributação Internacional, podem os Estados produzir unilateralmente normas de enquadramento jurídico dos factos tributários com conexão com outros ordenamentos tributários (normas de Direito Fiscal Externo ou Exterior, na terminologia de Saldanha Sanches ).

 

Tem natureza de norma de Direito Fiscal Externo o artigo 81.º, do Código do IRS, no qual se preveem os dois métodos de eliminação da dupla tributação jurídica internacional: o método do crédito de imposto e o método da isenção.

 

No que toca aos rendimentos de fonte estrangeira obtidos por residentes não habituais, regem os n.ºs 4 a 8 do referido artigo 81.º, do Código do IRS, com a seguinte redação à data dos factos:

“Artigo 81.º - Eliminação da dupla tributação jurídica internacional

(…)

4 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria A aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Sejam tributados no outro país, território ou região, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

6 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

7 - Os rendimentos isentos nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos, com exceção dos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 72.º

8 - Os titulares dos rendimentos isentos nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 podem optar pela aplicação do método do crédito de imposto referido no n.º 1, sendo neste caso os rendimentos obrigatoriamente englobados para efeitos da sua tributação, com exceção dos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e nos n.ºs 3 e 6 do artigo 72.º.

(…)”.

 

Os Requerentes, na declaração de substituição apresentada em 24.07.2018, inscreveram no anexo J, rendimentos da titularidade do Requerente marido: rendimentos prediais e rendimentos de capitais, optando pelo seu não englobamento, tendo, no anexo L declarado pretender a eliminação da dupla tributação internacional pelo método da isenção (cfr. o ponto 3 do probatório supra).

 

A isenção de que beneficiam os rendimentos obtidos no estrangeiro pelos residentes não habituais é uma isenção com progressividade, pois tais rendimentos, não obstante isentos, são tomados em consideração na determinação da taxa aplicável aos rendimentos de fonte interna, bastando para tal que, no caso dos rendimentos das categorias E e F, haja a possibilidade da sua tributação “no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado” , conforme o disposto no artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, não sendo necessária a sua tributação efetiva.

 

Em sede de reclamação graciosa, invocam os Requerentes o erro no montante dos valores declarados a título de rendimentos de capitais, por duplicação com os que haviam declarado à administração fiscal do anterior Estado da residência (França), juntando cópia da declaração de rendimentos apresentada à administração fiscal francesa para o ano de 2017, de acordo com o artigo 167.º, do Code Général des Impôts , na qual inscreveram esses rendimentos, por referência ao período da sua residência naquele país.

 

Questionam os Requerentes se, face ao disposto no artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, poderão ser tributados em Portugal, independentemente do montante dos rendimentos auferidos após o momento da atribuição do estatuto de residente não habitual.

 

A resposta a esta questão dependerá da qualificação dos rendimentos auferidos pelo Requerente marido, bem como da possibilidade de os mesmos poderem ser objeto de tributação no Estado da fonte.

 

b.            Dos rendimentos auferidos no ano de 2017

Quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede arbitral, vêm os Requerentes justificar o erro declarativo, tanto da declaração inicial, como da declaração de substituição com base na qual foi emitida a liquidação de IRS contestada.

 

É, resumidamente, a seguinte a justificação daquele erro (artigos 33.º a 48.º, do PPA), documentalmente sustentada:

•             Com referência aos rendimentos de capitais, foram declarados erradamente quanto ao seu montante, no Campo 801 do Quadro 8 do anexo J, no valor de € 48 472,14 e uma retenção, no país da fonte, de € 2 115,30;

•             Este valor de € 48 472,14 resultou de uma soma indevida de parcelas que correspondem a: (i) Por um lado, os valores brutos de resgate de títulos BNP Life, correspondentes a € 20 538,14; (ii) Por outro lado, a rendimentos líquidos declarados na declaração fiscal francesa, mais concretamente no respetivo Quadro 2.1 – Revenues des Valeurs et Capitaux Mobiliers –, Campo 2DH (no valor de € 20 270,00) e Campo 2EE (no valor de € 7 934,00);

•             Acresce, ainda, um "erro de simpatia", porque, ao inscrever-se o valor na declaração, os

algarismos 7 e 4 foram trocados e foi declarado o valor de € 48 472,14;

•             Certamente por exigências da legislação francesa, o valor de "Capital Gain" obtido, e imputável a França, de € 24 077,00, foi subdividido em duas componentes, de € 7 934,00 e de € 16 143, 00, que totalizam os € 24 077,00;

•             Perguntar-se-á, então, por que razão na declaração de rendimentos francesa foram declarados € 20 270,00 + € 7 934,00, se imputáveis a França apenas seriam € 16 143,00?

•             A resposta não oferece dúvidas: o valor do rendimento imputável a Portugal (€ 4 127,00

foi somado ao imputável a França (€ 16 143,00), o que soma € 20 270,00;

•             O montante de € 686,00 declarado no campo 802 do Quadro 8 do Anexo J corresponde ao mesmo montante de dividendos (Código E11), já declarado na declaração apresentada em França no campo 2DC.

 

A justificação supra quanto aos rendimentos de capitais, afigura-se compatível com a prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral, donde resulta que aqueles rendimentos de fonte estrangeira obtidos pelos Requerentes no período da sua residência em Portugal são constituídos por juros de fonte britânica, cuja qualificação e quantificação a Requerida não contesta e, na sua maior parte (€ 4 127,00), de fonte francesa, derivados do resgate de um seguro do ramo vida.

 

Trata-se, portanto de rendimentos de capitais, de acordo com o artigo 5.º, nº 2, alínea a) e n.º 3, respetivamente. Resta, pois, saber se poderão beneficiar da isenção pretendida pelos Requerentes, nos termos do artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, por poderem “ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado”.

 

Quanto aos juros de fonte britânica, sobre os quais não incidiu qualquer retenção na fonte, existe a possibilidade da sua tributação no Estado da fonte (artigo 11.º, n.º 2, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino Unido, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 48 497, de 24 de julho de 1968), bastando tal possibilidade para que fiquem isentos de tributação em Portugal .

 

Nos termos da Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação (adiante Convenção), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de março, não estando expressamente previsto o tratamento dos rendimentos provenientes do resgate de seguros do ramo vida, caem estes na previsão do artigo 23.º, da Convenção, podendo ser tributados em Portugal, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código do IRS. Não esclarecendo os Requerentes se o montante dos prémios pagos na primeira metade da vigência do contrato de seguro de vida representam, pelo menos, 35 % da respetiva totalidade, presume-se que o rendimento de € 4 127,00 seja tributado em Portugal pela sua totalidade.

 

No que respeita aos rendimentos prediais, determina o artigo 6.º da Convenção que estes podem ser tributados no Estado em que se localizem os bens imóveis a que respeitam. Assim, independentemente do seu valor, sempre os mesmos estariam isentos no Estado da residência, por força do mencionado artigo 81.º, n.º 5, alínea a), ainda que tivessem sido colocados à disposição dos Requerentes após a aquisição do estatuto de residente não habitual, o que se verifica não ter ocorrido.

 

c.            Ónus da prova

O fundamento exclusivo da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS emitida em nome dos Requerentes para o ano de 2017 consistiu na falta de idoneidade dos meios de prova apresentados e na exigência de “documentos originais ou fotocópias certificadas e no caso de não redigidas em língua portuguesa, (…) acompanhados da respetiva tradução”.

 

Como notam os Requerentes, trata-se da prova a produzir nos termos do artigo 128.º, do Código do IRS, que obriga os sujeitos passivos à comprovação dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na declaração de rendimentos, sempre que a AT o exija, e que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, não impede a utilização de outros elementos de prova, em caso de extravio dos documentos originais, por facto que lhes não seja imputável.

 

Ora, em matéria tributária são admitidos os meios gerais de prova (artigo 115.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), podendo o órgão instrutor do procedimento utilizar todos os meios de prova admitidos em direito para o conhecimento dos factos necessários à decisão (artigo 72.º, da Lei Geral Tributária).

 

A prova tem por função demonstrar a realidade dos factos (artigo 341.º, do Código Civil),  e, embora possa não conduzir a uma certeza absoluta, deve, no entanto, conduzir a um elevado grau de probabilidade sobre a sua verificação.

 

De entre os meios de prova legalmente admissíveis avulta a prova documental, regulada pelos artigos 362.º e seguintes do Código Civil e 423.º e seguintes do Código do Processo Civil, sendo havido como documento “qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto” (artigo 362.º, do CC), definição em que se enquadram as cópias juntas pelos Requerentes ao pedido de pronúncia arbitral e cuja falsidade não é invocada pela Requerida.

 

Sendo a regra a da admissibilidade de todos os meios de prova e não havendo norma que exija prova específica para o caso em análise, não poderá a Requerida exigir documentos originais ou fotocópias certificadas, acompanhadas da respetiva tradução, tanto mais que é a própria AT que, em situações similares, dispensa a tradução de documentos redigidos nas línguas espanhola, francesa, inglesa ou alemã (ponto 2 do ofício-circulado n.º 20124, da DSRI).

 

Estando o tribunal arbitral habilitado a compreender o teor dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, de cuja análise resulta um razoável grau de certeza quanto aos factos alegados pelos Requerentes, conclui-se que a liquidação impugnada apurou imposto em excesso, devendo o mesmo incidir apenas sobre o montante de € 4 127,00, conforme acima melhor explicitado, o que justifica a anulação parcial da liquidação de IRS emitida aos Requerentes para o ano de 2017.

 

d.            Juros indemnizatórios

Para além da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2017, sua anulação e reembolso o imposto indevidamente pago, pedem os Requerentes que lhes sejam pagos juros indemnizatórios, invocando erro da Requerida na emissão da liquidação impugnada, mormente por violação do princípio do inquisitório na instrução da reclamação graciosa contra a mesma apresentada.

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, aplicável subsidiariamente ao

processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Tendo o processo arbitral tributário sido concebido como meio alternativo ao processo

de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º,

n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), deve entender-se que se compreende na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD o poder de apreciar o erro imputável aos serviços, considerando-se como tal o que não tenha sido motivado por errada declaração do contribuinte .

 

                Tendo a liquidação em apreço sido emitida com base na declaração de substituição apresentada pelos Requerentes, por estes assumidamente errada, erros que não podem ser imputados à Requerida, não são devidos juros indemnizatórios, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:

a.            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarar a ilegalidade e determinar a anulação parciais da liquidação de IRS do ano de 2017 com o n.º 2018……….., nos termos acima expostos;

b.            Condenar a Requerida na restituição aos Requerentes do imposto indevidamente pago;

c.            Não condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, por não se acharem reunidos os respetivos pressupostos legais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 13 572,20 (treze mil, quinhentos e setenta e dois euros e vinte cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (91,49%) e dos Requerentes (8,51%).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de maio de 2021

 

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.