Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 12/2020-T
Data da decisão: 2021-05-17  IRS  
Valor do pedido: € 10.285,10
Tema: IRS. Rendimentos da Categoria A. Art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS. Compensação por cessação de contrato de trabalho. Limite da não sujeição.
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SUMÁRIO:

 

1) O art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS determina a incidência do imposto e, ao fazê-lo, estabelece um limiar máximo de não sujeição por referência à antiguidade do trabalhador na entidade devedora. 2) É este – antiguidade na entidade devedora – o conceito de antiguidade directamente decorrente da lei. 3) Não se revela, assim, dependência do recurso ao conceito legal de antiguidade em Direito Laboral – que é o de antiguidade na empresa – uma vez que o conceito eleito pelo legislador tributário na norma é ainda mais específico que aquele. 4) A incidência, como elemento essencial do facto tributário que é, nunca poderia em qualquer caso ficar dependente na sua delimitação de normas que não de natureza legislativa nem, bem assim, de cláusulas contratuais.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A…, doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal n.º ………., residente na Avenida ………., n.º .., …, …..-… Mem Martins, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2017.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também “AT” ou “Requerida”).

 

À Liquidação em crise (doravante também “a Liquidação”), com o n.º 2018 ………., e data de 03.07.2018, corresponde um valor a reembolsar de € 10.285,10 (cfr. Demonstração de Liquidação junta pelo SP).

 

A Liquidação foi efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da apresentação da competente Declaração Modelo 3 pelo Requerente.

O Requerente não se conforma com a liquidação de IRS assim efectuada, e que aqui coloca em crise, tendo por isso também a seu tempo interposto Reclamação Graciosa (doravante também “RG”), cujo indeferimento igualmente coloca em crise.

 

Desde logo e no seu entender, a Liquidação padece de vício de falta de fundamentação. Determinante da nulidade da notificação e, bem assim, do acto de liquidação.

 

Mais expõe que a Liquidação teve por base a não aceitação - para efeitos da exclusão de tributação constante do art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS - “[d]os anos em que ficaram assegurados os direitos decorrentes da antiguidade que o Impugnante detinha na actividade seguradora desde 21.01.1991”. Entendimento que defende ser incorrecto, passando a desenvolver as razões por que assim o vê.

 

Refere que nada impede que na contagem do tempo de antiguidade seja considerado o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutra ou noutras entidades patronais. Por forma a que o trabalhador seja admitido sem prejuízo da sua antiguidade na profissão. O estabelecer de uma antiguidade anterior à da admissão na empresa pode ser obtido seja por lei, seja por contrato individual de trabalho, seja por contrato colectivo de trabalho.

 

No entender do Requerente “nada sugere ou indicia” que o conceito de antiguidade constante do art.º 2.º, n.º 4, do CIRS “não possa ter em conta o tempo de serviço (antiguidade) alcançado noutra empresa”. Se o (mais recente) contrato de trabalho reconhecer que o tempo de serviço prestado noutra empresa conta para efeitos de antiguidade, esta não pode depois ser restringida, para efeitos indemnizatórios, ao tempo de serviço prestado na última das empresas.

 

O conceito de antiguidade, em Direito Laboral, pode ser entendido num sentido amplo, e da leitura do art.º 2.º, n.º 4 do CIRS não resulta que o conceito tenha sido utilizado no seu sentido mais restrito. Dessa leitura não resulta que o conceito de antiguidade, aí, se refira exclusivamente ao tempo de serviço na entidade devedora.

Assim, e com esta fundamentação, entende o Requerente poder invocar, no seu caso, a noção mais lata de antiguidade para efeitos do cálculo da importância (na indemnização por cessação de contrato de trabalho auferida) sujeita a tributação em IRS. 

 

Invoca Jurisprudência em abono do sentido da posição que defende, e, bem assim, Voto de vencido em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Pleno do STA mais recente.

 

Refere que o novo contrato individual de trabalho que celebrou, com a nova entidade patronal, teve lugar por ter havido uma transmissão, a favor da mesma, de estabelecimento de que era detentora a sua anterior entidade patronal. Não tendo havido transmissão de contratos de trabalho mas sim a celebração, no seu caso e por ter entendido ser essa a solução para si mais segura, de um outro contrato de trabalho com a nova entidade patronal. Porém “numa mera solução de continuidade em relação ao ex ante”. Pelo que não terá aqui aplicação a doutrina do mesmo Acórdão do Pleno do STA.

 

Entende,  assim, ferida de ilegalidade a Liquidação.

 

Invoca, ainda, à cautela, fundada dúvida sobre a existência do facto tributário e sobre a sua quantificação. Cabe à AT provar facto a facto em que consistiu a conclusão de que teria ocorrido facto tributário, e a concreta quantificação efectuada. Por aplicação das regras gerais de repartição do ónus da prova e por aplicação, também, do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT, a sua pretensão deverá proceder, e assim ser totalmente anulado o acto tributário em crise.

 

Mais alega que tinha direito a um reembolso superior ao que recebeu, de que assim se encontra desapossado, e, por isso, tem também direito a juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43.º, n.º 3, al. a) da LGT.

 

Pede, a final, a anulação da Liquidação, a reformulação das contas, a exclusão da tributação e o reembolso do imposto, acrescido de juros indemnizatórios.

As posições das Partes são divergentes, desde logo, quanto à interpretação devida do conceito de antiguidade para efeitos do disposto no art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS. Mais concretamente, como bem nota a Requerida, estando em causa a questão - em que divergem - de saber se o dito conceito, de “antiguidade na empresa”, poderá ser permeável a outras qualificações de antiguidade.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 07.01.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 28.02.2020 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 06.07.2020.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

A não aceitação - para efeitos de determinação da exclusão de tributação prevista no art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS - da antiguidade reportada ao exercício de funções em entidade patronal distinta daquela que paga o montante indemnizatório por cessação de contrato de trabalho, que é o que está em causa nos autos, está correcta.

 

Refere que o Requerente exerceu funções na área seguradora desde 21.01.1991, ao abrigo de contrato de trabalho com a B…. Contrato de trabalho esse que cessou. E que o Requerente celebrou novo contrato de trabalho com a C…– em 07.07.2014, para produzir efeitos a 15.07.2014. Tendo-se este prolongado até 31.04.2017, e então sido revogado por extinção do posto de trabalho.

 

Tendo-lhe sido disponibilizada compensação por cessação do contrato de trabalho, em 2017, e tendo para o efeito a então entidade patronal contabilizado a totalidade da antiguidade do Requerente no exercício de funções no sector segurador - porque assim havia sido acordado no contrato e sendo tal conforme com o disposto em Acordo Colectivo de Trabalho aplicável – refere, o Requerente entende não dever ela, Requerida, adoptar uma interpretação mais restritiva (do que aquela) para o cálculo do montante da compensação que beneficiará de exclusão de tributação - cfr. art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS.

 

Faz notar que o Requerente entende que a antiguidade alcançada noutra empresa pode ser considerada para os efeitos da dita norma, e que o conceito mais amplo de antiguidade admissível em Direito Laboral deverá ser aceite em IRS quando tal tenha sido reconhecido no contrato de trabalho (como no caso).

 

Contudo, no entender da Requerida, que se afasta da do Requerente, a interpretação da conceitualização a considerar para efeitos de delimitar o benefício consagrado na norma em causa deve ser rigorosa e “atender, em primeira linha, ao que se encontra expresso de forma clara no texto da norma.” E neste está claramente expresso a antiguidade a considerar ser a correspondente ao exercício funcional na entidade devedora da indemnização. Pelo que, também, o art.º 11.º, n.º 2 da LGT não é aqui de convocar.

 

O acordo para o cálculo da indemnização no âmbito da liberdade contratual das partes não pode impor-se ao que a lei tributária prevê. Sob pena de a interpretação de conceitos permitir direccionar a norma a determinado sector de actividade em prejuízo da imparcialidade, e da interpretação conforme o vertido de forma clara na norma jurídico-tributária.

 

Ao regime jurídico em causa subjaz uma vocação anti-abuso, e não seria em qualquer caso de aceitar que possíveis acordos entre as partes reconhecendo antiguidades meramente artificiais se impusessem para efeitos de delimitação negativa da incidência do imposto.

 

Mesmo que se entendesse ser de recorrer ao art.º 11.º, n.º 2 da LGT, a escolha do conceito de antiguidade sempre requereria adoptar critério metodologicamente válido, para alcançar uma das qualificações possíveis em Direito Laboral excluindo todas as demais. Nos autos não se trata apenas de saber qual o conceito de antiguidade a atender mas, antes, de saber se a norma “enquanto detentora de um sentido próprio do conceito de antiguidade na empresa” pode ou não ser permeável a outras qualificações de antiguidade acordadas, e que se imponham à entidade devedora da compensação no sentido de uma antiguidade maior que a correspondente à duração da respectiva relação contratual.

 

A resposta à questão foi já dada pelo STA em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, a cuja doutrina adere, e que – contrariamente ao Requerente – entende ter aplicação nos autos. Como aí decidido, a antiguidade a ter em conta é a antiguidade na entidade devedora da indemnização.

 

A Liquidação não merece por aqui censura, falecendo os argumentos do Requerente.

 

Quanto ao alegado pelo Requerente no sentido de se verificar fundada dúvida e de que a Requerida não provou nem a existência, nem a forma de quantificação, do facto tributário, refere, desde logo, que a Liquidação tem por base os elementos declarados pelo contribuinte. E, bem assim, a declaração apresentada pela entidade patronal pagadora da indemnização.

 

O imposto resulta da aplicação das regras do CIRS aos factos tributários identificados, e estão também identificados os montantes considerados em cada um dos momentos do apuramento e a taxa aplicada.

 

Da Declaração da entidade pagadora - DMR -, do ano de 2017, constam as quantias que a mesma declarou ter pago ao Requerente a título de rendimento do trabalho dependente. Sendo que aí foi considerado, pela mesma entidade, como não sujeito a tributação apenas o montante de € 5.745,25, que é a parte da indemnização correspondente à antiguidade na dita entidade. Pelo Requerente, por seu lado, foi declarado ter auferido, em 2017, as quantias constantes da declaração da entidade pagadora - seja na Declaração inicial que apresentou a 31.05.2018, seja na de substituição que apresentou a 23.06.2018.

 

Quer na Declaração (DMR) da entidade pagadora, quer na do Requerente, foi declarado o rendimento de € 49.922,92. Este montante foi apurado após subtracção, ao rendimento anual de € 56.124,86, do valor de € 5.745,25 (acrescido por sua vez de € 456,69 - subsídio de refeição). Que é a parte da indemnização sobre que não incidiu tributação em IRS. 

 

A Requerida procedeu à liquidação em razão da Declaração de substituição apresentada pelo Requerente, e também cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT. Não corrigiu ou alterou montantes. Não houve um apuramento oficioso (qualquer DC oficioso). O facto tributário existe, preenchem-se as normas de incidência.

 

Quanto à alegada insuficiência de fundamentação apela aos art.ºs 36.º e 38.º, n.º 4 do CPPT, e a Jurisprudência, e conclui que a notificação da Liquidação não enferma de qualquer irregularidade. Mais a competência para liquidar o IRS tem por base os art.s 75.º e 76.º do respectivo Código e foi cumprido o princípio da legalidade.

 

Também não tem aplicação o art.º 43.º da LGT, a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

*

Por despacho de 28.10.2020 decidiu o Tribunal notificar as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atento o requerimento do Requerente de produção de prova testemunhal. Por despacho de 05.11.2020, face ao entretanto requerido pelo Requerente, foi a reunião reagendada para 21.12.2020. Por requerimento de 15.12.2020 veio o Requerente prescindir da inquirição de testemunhas e não de prazo para alegações.

 

A reunião foi desconvocada, por despacho de 17.12.2020, e aí notificadas as Partes para apresentar alegações escritas facultativas, sucessivas, no prazo de 10 dias cada, iniciando-se a contagem do prazo pelo lado do Requerente.

 

No mesmo despacho, tendo em conta o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT em curso, e que iria terminar a 06.01.2021, o Tribunal determinou ainda, aí a justificando, a prorrogação do mesmo, por dois meses, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

O Requerente veio, em tempo, apresentar as suas alegações. Reiterando o que afirmara no PPA. E fazendo referência a que teria em sede de PPA sustentado existir “uma relação grupal” entre as sociedades nas quais prestou o seu trabalho. E que seria por isso de não aplicar a doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA (de 08.05.2019, no Proc. n.º 0407/18).

A Requerida veio igualmente em tempo apresentar alegações. Remetendo para o desenvolvido em sede de Resposta e reiterando ser de aderir ao entendimento do mesmo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.

 

*

Pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro – cfr. respectivos art.ºs 2.º e 4.º – ficou suspenso, com efeitos a 22.01.2021, o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT em curso. Pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril - cfr. respectivos art.ºs 6.º e 7.º -, o mesmo prazo retomou a contagem a 6 de Abril.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s s) e u) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente foi trabalhador por conta de outrem no sector segurador com início a 21.01.1991;

 

b) Após a cessação no ano de 2014, sem pagamento de compensação, do contrato individual de trabalho que vigorava entre o Requerente e a sua anterior entidade patronal, B…. - Companhia de Seguros Vida, S.A., foi celebrado, a 07.07.2014, entre o Requerente e a C… - Companhia de Seguros, S.A. (“C…”), nipc ………, contrato individual de trabalho (este último doravante também “o Contrato”), por tempo indeterminado, com início de produção de efeitos a 15.07.2014 (cfr. 13. e 14. do PPA e Contrato a pp. 21 e ss. do PA);

 

c) A C… admitiu então - a 15.07.2014 (v. alínea anterior) - o Requerente ao seu serviço, com a categoria profissional de comercial, para exercer funções de consultor comercial, e uma remuneração mensal ilíquida de € 1.800,00, acrescida de subsídio de férias e Natal, e de subsídio de refeição no valor de € 9,00/dia de efectivo trabalho prestado;

d) A cláusula terceira do Contrato, sob a epígrafe “Antiguidade”, dispunha: “Para quaisquer efeitos do presente contrato, incluindo uma eventual compensação por rescisão do contrato por parte da C…, esta garante ao TRABALHADOR o direito à Antiguidade que este detém pelo exercício de funções na atividade seguradora, ou seja, desde 21 de janeiro de 1991.”;

 

e) As únicas Partes no Contrato são o Requerente e a C… (cfr. 18. do PPA e, no Contrato, respectivo cabeçalho, cláusula oitava e assinaturas - Contrato a pp. 21 e ss. do PA);

 

f) O Requerente pertenceu ao quadro de trabalhadores, efectivos, da C… desde 15.07.2014;

 

g) A 31.04.2017 o Contrato cessou por acordo de revogação motivada por extinção do posto de trabalho, e a C…, a esse título, pagou ao Requerente uma compensação, para cujo cálculo considerou não apenas o tempo decorrido ao abrigo do Contrato entre ambos como, também, o tempo de serviço do Requerente ao abrigo de contrato individual de trabalho anterior, com outra empresa (a B… - Companhia de Seguros Vida, S.A.), na actividade seguradora;

 

h) Ao apurar o montante a pagar ao Requerente pela cessação do Contrato como o fez (cfr. alínea anterior), e ao assim considerar, na respectiva base de cálculo, todo o tempo pelo qual o Requerente prestou trabalho no sector da actividade seguradora, a saber, desde Janeiro de 1991 e até à cessação do Contrato, a C…. actuou de acordo com o previsto na Cláusula terceira do Contrato (v. al. d) supra), que vai em linha com o disposto em Acordo Colectivo (ACT) aplicável;

 

i) No ano de 2017, após processar pagamentos ao Requerente nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, no mês de Junho a C… pagou ao Requerente um valor total de € 47.000,00, e, ao proceder ao pagamento deste último valor processou retenção na fonte e contribuições obrigatórias relativamente ao valor de € 41.254,75, enquanto que relativamente ao valor remanescente, de € 5.745,25, não processou seja retenção na fonte, seja contribuições (cfr. Declaração Mensal de Remunerações - “DMR”, fls. 42 do PA);

 

j) O valor de € 5.745,25 corresponde à antiguidade do Requerente na C… – i.e., foi apurado tendo por base de cálculo o tempo decorrido ao abrigo do contrato individual de trabalho entre ambos - e foi o único que a mesma considerou não sujeito a tributação nos termos do art.º 2.º, n.º 4, al. b), do CIRS;

 

k) No ano de 2017 a C… pagou, com referência ao Requerente, enquadrados na Categoria A do IRS, rendimentos no valor total de € 56.124,86, processou retenções na fonte no valor total de € 20.635,00, e pagou contribuições obrigatórias no valor de € 5.478,03 (cfr. DMR, fls. 28 e 42 do PA);

 

l) Os rendimentos do trabalho Categoria A auferidos pelo Requerente em 2017, e pagos pela C…, no total de € 56.124,86 (cfr. alínea anterior), incluem diversos montantes, a título, cada um, de tipos de rendimentos distintos, como segue (cfr. DMR, fls. 28 e 42 do PA):

€ 47.211,96 – Tipo de Rendimento A;

€ 5.745,25 – Tipo de Rendimento A20;

€ 2.263,28 – Tipo de Rendimento A3;

€ 447,68 – Tipo de Rendimento A4, e

€ 456,69 - Tipo de Rendimento A21;

 

m) Os Tipos de Rendimentos pagos ao Requerente, cfr. alínea anterior, e como aí identificados, correspondem a (cfr. Portaria que aprova as Instruções de Preenchimento das DMR ):

A -  Rendimentos do trabalho dependente sujeitos

A20 - Importâncias auferidas pela cessação do contrato de trabalho ou exercício de funções na parte que não excedam o limite previsto na al. b) do n.º 4 do art.º 2.º do CIRS

A3 - Rendimentos do trabalho dependente – subsídio de férias

A4 - Rendimentos do trabalho dependente – subsídio de Natal

A21 - Subsídio de refeição – parte não sujeita.

 

n) O Requerente submeteu a sua Declaração Modelo 3 reportada a 2017 a 31.05.2018 e, depois, declaração de substituição a 23.06.2018, tendo declarado, sempre, a título de rendimentos por si auferidos, Categoria A, o valor de € 49.922,92, retenções na fonte no valor de € 20.635,00, e contribuições no valor de € 5.478,03;

 

o) O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2018 …….…, datada de 03.07.2018, reportada ao ano de 2017 e referente aos rendimentos do seu agregado familiar, e da mesma consta um valor a reembolsar de € 10.285,10, tendo o rendimento de trabalho dependente declarado pelo Requerente sido considerado sujeito pelo total de € 49.922,92;

 

p) Da liquidação (em o) supra) apresentou o Requerente, a 17.01.2019, Reclamação Graciosa (“RG”), a que corresponde o Proc. n.º …………;

 

q) Na RG o Requerente invocou falta de fundamentação e consequentes nulidade da liquidação e da respectiva notificação, ilegalidade da liquidação por desconsideração, para efeitos de não sujeição, do montante da indemnização correspondente à sua antiguidade na actividade seguradora para além do tempo de trabalho ao serviço da C…, fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário e direito a juros indemnizatórios;

 

r) Notificado do projecto de decisão no procedimento de RG e para o efeito de exercício do direito de audição, o Requerente não exerceu direito de audição;

 

s) Por Ofício da Requerida de 24.09.2019, com o n.º …., foi o Requerente notificado do Despacho de indeferimento da RG;

 

t) Do Despacho de indeferimento consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):

“(...) é entendimento da AT que, relativamente à indemnização por cessação do contrato de trabalho, a não sujeição a tributação, em sede de IRS, corresponde apenas à antiguidade na entidade devedora, independentemente da existência de contrato coletivo de trabalho que majore essa antiguidade, nos termos do art.º 2.º, n.º 4 do CIRS.

(…) Analisando a declaração da entidade pagadora, verificamos que foi considerado não sujeito a tributação, nos termos do art.º 2.º, n.º 4 al. b) do IRS, a parte da indemnização correspondente apenas à antiguidade na entidade devedora, no montante de € 5.745,25. / A restante parte da indemnização foi considerada de englobamento obrigatório e sujeita a IRS. / Além disso, foi também declarado pelo reclamante, tanto na Declaração Modelo 3 de IRS que apresentou a 2018-05-31, como na sua substituição apresentada a 2018-06-23, ter auferido, no ano de 2017, essas mesmas quantias. / Conforme se pode verificar no quadro infra, foi declarado pelo contribuinte o rendimento de € 49.922,92, o qual está de acordo com a DMR da entidade pagadora, ou seja, ambas as declarações consideram excluída de tributação uma parte da indemnização no montante de € 5.745,25 (€ 56.124,86 (Rendimento Anual) - € 5.745,25 (indemnização não sujeita a tributação) - € 456,69 (subsídio de refeição) = € 49.922,92).

 

(…)

Quanto à exclusão de tributação da indemnização por cessação do contrato de trabalho cumpre também informar o seguinte:

(…)

Conforme decorre da letra da lei, a antiguidade a considerar no cálculo do valor da indemnização que se encontra excluído de tributação em sede de IRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho.

 

Esta interpretação mantém-se atual, conforme se refere na Inf. n.º …./17 – Proc. …./2016-DSIRS nos termos da qual (…). / Esta posição foi igualmente reiterada na Informação n.º …/2016 (…) de 2016-03-21. / (…) resta-nos reiterar que a parte da indemnização por cessação do contrato de trabalho correspondente à antiguidade em anterior entidade patronal não é excluída de tributação pelo art.º 2.º, n.º 4 do CIRS.

(…) 

(…)”

 

u) A 06.01.2020 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos e no Processo Administrativo (“PA”) - documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, tudo criticamente apreciado.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

De referir, ainda, que quanto ao que o Requerente veio invocar em sede de alegações, de que teria já em sede de PPA sustentado que existia uma relação de grupo de empresas entre a sua anterior entidade patronal (empregador, na expressão do actual Código do Trabalho, este doravante também “CT”) e a C…, não só o que refere não é exacto como, ademais, um tal facto sempre careceria de prova documental (prova necessária), como também, sempre se diga, ainda que um tal facto tivesse sido alegado, e provado, que não foi, o mesmo não influiria na decisão da causa.  Como mais adiante se verá.

De forma próxima, refira-se ainda, a alegada transmissão de estabelecimento da anterior empregadora para a C… não só careceria de prova, como, em qualquer caso, não relevaria para a decisão da causa qualquer que viesse a ser a decisão das questões de Direito. Pois que - antes ainda da apreciação da questão da medida com que o legislador tributário releva a antiguidade para os efeitos do art.º 2.º, n.º 4 al. b) do CIRS - desde logo os factos, provados, de o contrato com a C… ser um novo contrato e o, conexo, de ter ocorrido cessação do contrato anterior, implicam, só por si, que os efeitos que o Requerente parece pretender retirar da dita transmissão – cfr. art.º 285.º do CT – se não tenham podido produzir, i.e., não chega sequer a colocar-se, no caso, uma questão de transmissão da posição, num contrato de trabalho, de uma anterior empregadora para uma nova empregadora.

 

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

A fundamental questão a decidir nos presentes autos é de Direito, assim:

A)           Nos termos do art.º 2.º, n.º 4, al. b), primeira parte , do CIRS ficam apenas excluídas de tributação as importâncias auferidas em decorrência de cessação de contrato de trabalho correspondentes à (calculadas por referência à) antiguidade do sujeito passivo na entidade devedora ou, ao invés, poderão ser de considerar também excluídas as importâncias correspondentes à sua antiguidade noutra(s) entidade(s) patronal(ais) em que tenha prestado o seu trabalho ao abrigo de distinto(s) contrato(s) individual(ais) de trabalho?

 

Sendo que, com a resposta que alcançarmos quanto àquela, estaremos em condições decidir quanto à questão seguinte:

B)           Houve ou não vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de Direito ao, na Liquidação, apenas ter sido considerada excluída de tributação - por aplicação da norma em questão - não a totalidade da compensação paga mas apenas a parte da mesma correspondente à antiguidade do Requerente na C…?

 

Dependendo do que se decidir quanto à questão anterior, assim haverá ou não, ainda, que responder à/às seguintes duas, e ao pedido em (iii):

(i)           A Liquidação encontra-se ferida de vício de falta de fundamentação/fundamentação insuficiente?

(ii)          Verifica-se fundada dúvida sobre a existência e/ou sobre a quantificação do facto tributário?

(iii)         É devida condenação em juros indemnizatórios?

 

Como segue.

 

Começando por recapitular brevemente, e pela ordem em que as questões vêm colocadas (não tendo sido estabelecida uma relação de subsidiariedade).

 

O Requerente defende que a Liquidação e a sua notificação não se encontram acompanhadas de uma fundamentação suficiente. No seu entender, “a fundamentação”, no caso, não permite ao órgão de controlo “conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do Autor” nem leva em linha de conta um destinatário normal ou razoável na situação do destinatário real, “não contém quaisquer elementos individualizadores” e falta-lhe “uma conclusão concreta e individualizadora”; “não se sabe quem fundamentou o acto”, pelo que o mesmo carece de fundamentação; verifica-se preterição de formalidade essencial, causa de nulidade (cfr.,entre o mais, 46. a 49., 59.- 60., e 75.-87., 101.-103. do PPA).

 

Defende, depois, que da leitura do art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS não resulta que o conceito de antiguidade daí constante tenha sido utilizado no seu sentido mais restrito. E que tanto basta para poder invocar, no seu caso, e para os efeitos daquela norma, uma noção mais lata de antiguidade, nos termos em que ela também é de admitir no Direito Laboral. Daí que a Requerida devesse ter considerado abrangida pela exclusão de tributação a totalidade da compensação que auferiu, que foi calculada com base no total do tempo em que trabalhou na actividade seguradora. E, desde logo, já que no seu contrato de trabalho foi reconhecida essa noção mais ampla de antiguidade.

 

À cautela, defende ainda existir fundada dúvida nos termos do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT. E, por fim, que tem direito a um reembolso de IRS superior ao que recebeu, de que está desapossado e, assim também, direito a juros indemnizatórios, cfr. art.º 43.º, n.º 3, al. a) da LGT.

 

A Requerida, de seu lado, defende que a Liquidação não se encontra ferida de qualquer vício, de violação de lei ou outro, pelo que deve ser mantida na Ordem Jurídica, conforme razões que expõe.

 

Vejamos então.

Deixemos percorridos, desde já, os dispositivos legais potencialmente pertinentes, na parte que aos autos possa relevar.  

No CIRS:

Capítulo I – Incidência

Secção I – Incidência real

Art.º 1.º – Base do Imposto

1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, (...), depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;

(...)

 

Artigo 2.º - Rendimentos da categoria A

1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:

                a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

                b) Trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e direção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito ativo na relação jurídica dele resultante;

                c) Exercício de função, serviço ou cargo públicos;

d)           Situações de (…), ainda que (…) sejam devidos por fundos de pensões ou outras entidades, que se substituam à entidade originariamente devedora.

(…)

3- (…)

b) (…)

3) As importâncias (...) pela entidade patronal: (…)

(…)

4) Os subsídios (…) pela entidade patronal;

5) Os (…) pela entidade patronal (…);

(…)

7) (…) a favor da entidade patronal (…) recompra por essa entidade (…) mesmo que os ganhos apenas se materializem após a cessação da relação de trabalho ou de mandato social;

(…)

9) Os (…) para a entidade patronal, quando exista acordo escrito entre o trabalhador ou membro de órgão social e a entidade patronal sobre (…);

10) (…) para a entidade patronal;

(…)

d) (…) em serviço da entidade patronal, (…);

e) Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente, (…), sem prejuízo do disposto no número seguinte (…);

(…)

g) (…) pela respectiva entidade patronal;

 

4- Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, (…), ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a)            Pela sua totalidade, na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente da pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

 

(…)

7- As importâncias referidas no n.º 4 serão também tributadas pela totalidade quando o sujeito passivo tenha beneficiado, nos últimos cinco anos, da não tributação total ou parcial nele prevista.

(…)

10- Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação (…).

11- (…) pela respetiva entidade patronal (…).

12- (...)

13- (…) para a entidade patronal.

(…)

 

Capítulo II – Determinação do rendimento coletável

Secção X – Processo de determinação do rendimento coletável

Artigo 65.º – Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos

1- O rendimento coletável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes (…), com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha.

(…)

5- A competência para a prática dos atos de apuramento, (…) referidos no presente artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.

 

Artigo 66.º – Notificação e fundamentação dos atos

1- Os atos de fixação (…) previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respetiva fundamentação.

2- A fundamentação deve ser expressa através da exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.

 

Capítulo IV – Liquidação

Artigo 75.º – Competência para a liquidação

A liquidação do IRS compete à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Artigo 76.º – Procedimentos e formas de liquidação

1 – A liquidação de IRS processa-se nos termos seguintes:

a) Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados (…);

(...)

 

No CPPT:

Artigo 36.º- Notificações em geral

(…)

2 - As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências. / (...)

 

Artigo 59.º – Início do procedimento

1- O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes, (…).

2 - O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária. / (…)

 

Artigo 100.º - Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos

1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado./ (…)

 

 

Na LGT:

 

Artigo 8.º – Princípio da legalidade tributária

1- Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, (…).

(…)

 

Artigo 11.º – Interpretação

1- Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2- Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

(…)

 

Artigo 36.º – Regras gerais

1- (…)

2- Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.

(…)

 

Artigo 74.º- Ónus da prova

1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. (…)

 

Artigo 75.º- Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, (...). / (…)

 

Artigo 77.º- Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo./ (...)

Na CRP:

 

Artigo 103.º – Sistema Fiscal

(…)

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, (…).

 

Artigo 112.º – Actos normativos

1- São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.

(…)

5- Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar (…) qualquer dos seus preceitos.

(…)

 

 

*

Percorrida que fica a legislação, e em conformidade com o disposto no art.º 124.º do CPPT, que rege quanto à ordem de conhecimento dos vícios na sentença, procederemos prioritariamente à apreciação do vício de violação de lei (v. questões A) e B) supra), por ser, dos invocados, o vício cuja procedência determina “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”. Como segue.

 

Apreciemos então se houve ou não vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de Direito, ao a Requerida liquidar como liquidou. Tendo a norma que delimita negativamente a incidência do imposto - o art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS (doravante também “a norma” ou “a nossa norma”) - sido indevidamente aplicada. Apreciemos pois se a norma não foi aplicada, na parte em que delimita negativamente a incidência do imposto, com a abrangência com que o deveria ter sido, como alega o Requerente.

 

Em questão está, terá ficado claro, uma norma de incidência objectiva, não vindo a incidência subjectiva questionada. O Requerente celebrou com a sua então empregadora, C…, em 2017, acordo de revogação de contrato de trabalho, no qual foi acordada uma compensação pela cessação do Contrato , que lhe veio a ser paga em Junho de 2017, e, assim, auferiu efectivamente os rendimentos de que se cuida, rendimentos do trabalho dependente (v. factualidade assente, supra), enquadrados pois na Categoria A do CIRS  – cfr. art.º 2.º, n.º 3, al. e) do CIRS. Porém, tendo o legislador delimitado negativamente, e numa determinada medida, a incidência do imposto sobre esses mesmos rendimentos, apenas os sujeitando a partir de um determinado limiar, está em causa a (medida da) subsunção dos factos (a obtenção dos ditos rendimentos) àquela norma de incidência objectiva. Simultânea e consequentemente, a medida da exclusão da tributação (dos ditos rendimentos) que daí decorre.

 

Dito de outra forma, está em causa a medida em que aqueles rendimentos, efectivamente auferidos pelo Requerente, se subsumem à previsão da norma na parte em que determina a incidência e, por outro lado, a medida em que, por aí não se subsumirem, recaem na delimitação negativa de incidência também operada pela norma.

 

Vejamos.

 

Não vem questionado nos autos que o valor de € 5.745,25 é, no total da compensação auferida, a sua parte que corresponde ao tempo decorrido ao abrigo do Contrato, revogado por acordo em 2017 (e v. factos provados, supra). Tão só vem questionado se é apenas esse o montante que deveria ter sido considerado recair na delimitação negativa de incidência da norma ou se, diferentemente, também deveria aí ter sido considerado recair o mais que auferiu como compensação pela cessação, e que foi calculado por referência ao tempo decorrido ao abrigo não do Contrato, cessado então, mas sim por referência ao tempo que decorrera ao abrigo de anterior contrato de trabalho do Requerente na actividade seguradora, celebrado em 1991 e cessado em 2014.

 

Dispõe o art.º 65.º do CIRS que o rendimento coletável de IRS se apura, de acordo com as regras das secções que o antecedem, e com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo e noutros elementos de que a AT disponha. Por sua vez, dispõe o art.º 59.º, n.º 2 do CPPT que o apuramento da matéria tributável se faz com base nas declarações dos contribuintes, desde que as mesmas sejam por estes apresentadas nos termos previstos na lei. E dispõe, depois, o art.º 75.º, n.º 1 da LGT, que tais declarações se presumem verdadeiras e de boa fé.

 

Descendo novamente ao nosso caso, verificamos que o Requerente apresentou em tempo a sua Declaração de rendimentos, a que se seguiu a apresentação, igualmente em tempo, de declaração de substituição, tendo mantido inalterados, entre a primeira e a segunda, os seus rendimentos declarados.  A sua empregadora, por seu turno, declarou nas suas DMR  os rendimentos que pagou ao Requerente no ano em causa, devidamente classificados nos termos da Declaração, e sendo os montantes aí declarados coerentes com os declarados pelo Requerente (cfr. factos provados).

 

Assim, o Requerente declarou ter auferido, no ano em causa, rendimentos da Categoria A no valor de € 49.922,92. A sua empregadora, por seu lado, declarou ter-lhe pago rendimentos  (Categoria A) sujeitos nesse mesmo valor, e não sujeitos – por aplicação da nossa norma – no montante de € 5.745,25 (a que acrescem, igualmente pagos e não sujeitos, € 456,69 – subsídio de refeição, parte não sujeita) (cfr. factos provados), que o Requerente aceita ter-lhe sido pago a título da compensação e assim não sujeito a IRS.

 

Os valores de retenções na fonte efectuadas e das contribuições pagas são também coincidentes entre as Declarações do Requerente e da empregadora. O montante de € 5.745,25 foi considerado não sujeito pela empregadora e o Requerente a tal não se opõe, vimos, a não ser pelo facto de, segundo entende, dever ter sido considerado como não sujeito, na Liquidação, não só esse valor, essa parte da compensação, mas sim o total da compensação que lhe foi paga. Ou seja, também o demais montante incluído na mesma, e que na Liquidação se considerou sujeito (cfr. factos provados, supra).

 

Decorria da lei, como vimos também de ver, dever a Liquidação ser feita pela Requerida com base, precisamente, naqueles elementos, declarados. Como sucedeu. As declarações submetidas, e coerentes entre si no que aos autos releva, continham os elementos necessários, presumem-se verdadeiras e de boa fé (cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT) e, assim, serviram de base à Liquidação.

 

Vindo o Requerente, depois, invocar ilegalidade da Liquidação processada nesses mesmos termos, cabia-lhe demonstrar o bem fundado de tal alegação. O que, adiantemos já, não logrou fazer. Senão vejamos.

 

Aplicando a tese do Requerente, já supra percorrida, haveria de concluir-se que – como no Contrato foi consagrado um direito a uma indemnização por cessação englobando na sua base de cálculo quer o tempo decorrido ao abrigo do mesmo, quer o anterior tempo em que o Requerente foi trabalhador por conta de outrem ao serviço de distinta empregadora na actividade seguradora (desde, pois, 1991) – deveria concluir-se, dizíamos, que também a nossa norma tal consagrou. Ou, melhor, que a nossa norma, ao delimitar negativamente a incidência do imposto sobre esses rendimentos, aceitou aquele direito (contratualmente acordado) em toda a sua amplitude e pretendeu aqui abranger (na delimitação negativa de incidência) a totalidade do montante que em consequência pudesse vir a ser pago ao Requerente.

 

Ou seja, se se quiser, e para de certa maneira acompanhar o enquadramento feito pelo Requerente, deveria entender-se que aqui (na norma jurídico-tributária delimitadora de incidência), como ali (numa cláusula do Contrato de Trabalho), se estaria a trabalhar com um “conceito amplo” de antiguidade, com base no qual se apura um montante mais elevado de indemnização/compensação que a devida por lei (portanto, que a devida nos termos do Código do Trabalho). Nos casos em que tal conceito tivesse sido adoptado pelas partes no contrato de trabalho (e também em conformidade com o previsto em ACT aplicável). E, assim, valendo, e sendo queridas pelo legislador tributário, para efeitos de delimitação negativa de incidência, nesses casos, as consequências, em termos de montante compensatório pago, que possam vir a decorrer da adopção, pelas Partes no Contrato, desse “conceito amplo”.

 

A saber, o legislador tributário ao determinar uma medida a partir da qual há sujeição, e ao assim dizer que as quantias ficam sujeitas a tributação na parte que exceder X “multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade”, estaria também a aceitar adoptar uma medida (um limiar, resultante desta multiplicação) não cognoscível com base na lei. Porque medida que assim sempre ficaria dependente de contratações entre Partes. Isto, para os casos em que as Partes (empregador e sujeito passivo) acordassem montantes superiores aos devidos por lei. E porque em Direito Laboral o conceito de antiguidade com tal amplitude, mesmo para efeitos de cálculo de indemnização/compensação, é admissível. Realidade que se reflecte também em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho (também eles fruto de negociações e ao abrigo dos quais, depois, as cláusulas amplificadoras da antiguidade são acordadas pelas Partes nos contratos individuais de trabalho).

 

Sucede, porém, que estamos em Direito Tributário. Que não em Direito Laboral.

 

Enquanto que neste último, embora com todas as suas especificidades, a margem de livre conformação das partes é a regra - respeitados que estejam os mínimos imperativos estabelecidos pelo legislador -, sendo as relações individuais de trabalho relações jurídicas de Direito Privado, já no nosso Direito Tributário, bem se sabe, vigora a regra oposta. Às partes não é dado conformarem as suas relações – maxime nos respectivos elementos essenciais. Só à lei cabe fazê-lo. Rege o Princípio da legalidade, seja na sua vertente formal, seja, ao que ora em especial nos ocupará, na sua vertente material.

 

Nos termos do art.º 8.º, n.º 1 da LGT, como do art.º 103.º, n.º 2 da CRP, os elementos essenciais da relação jurídico-tributária são criados por lei. Entre eles, e desde logo, a incidência. Sujeita pois ao Princípio da legalidade tributária.

Em coerência, estabelece o legislador por sua vez no art.º 36.º, n.º 2 da LGT que “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”.

 

Com isto em mente, apreciemos a questão que vem colocada.

 

A norma em causa é uma norma jurídico-tributária que estabelece um elemento essencial da relação jurídico-tributária, a incidência. Vimo-lo acima.

 

As Partes em Direito Laboral podem ajustar livremente entre si os termos da obrigação de pagamento de indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho, no sentido em que pode ser livremente acordado para esse efeito o pagamento de montante superior ao patamar mínimo devido nos termos legais. A amplificação dos direitos garantidos ao trabalhador pelo legislador, cfr. Código do Trabalho, pode ser feita, como instrumento privilegiado para o efeito que é, por meio da contratação colectiva. Como bem se vê, estaremos aí no âmbito de negociações colectivas, conducentes a convenções colectivas, entre estas os Acordos Colectivos de Trabalho (ACT). Como o próprio nome indica, as condições aí estabelecidas são condições acordadas, entre sindicatos e associações patronais/pluralidade de empregadores, e depois aplicáveis entre as partes potencialmente abrangidas, trabalhadores e empregadores, que as reflectem no clausulado dos contratos de trabalho entre si firmados.

 

Como estabeleceu o legislador laboral no CT, o contrato de trabalho está sujeito aos instrumentos de regulamentação colectiva (IRC) e estes podem afastar normas legais reguladoras do contrato de trabalho em determinadas matérias, quando as mesmas a tal não se oponham, e desde que o façam em sentido mais favorável ao trabalhador, cfr. art.ºs 1.º e 3.º do CT. Sendo que, sempre se note, o conceito de antiguidade nem vem ali referido, entre as ditas matérias. Em rigor, o que o legislador laboral previu que pudesse ser livremente regulado por instrumentos de regulamentação colectiva (sempre acautelados os limites legais mínimos garantidos) foi a medida da indemnização - “os valores de indemnizações”, cfr. art.º 339.º, n.º 3 do CT - por cessação de contratos de trabalho.

 

Assim veio a suceder no caso dos autos, em alguma medida, em ACT aplicável , e, mais, assim foi reflectido no Contrato entre o Requerente e a C…. Fazendo-se aqui referência ao conceito de antiguidade para os efeitos do Contrato: “Para quaisquer efeitos do presente contrato, incluindo uma eventual compensação por rescisão do contrato por parte da C…, esta garante ao TRABALHADOR o direito à Antiguidade que este detém pelo exercício de funções na atividade seguradora (...)” (cfr. Cláusula terceira do Contrato, factos provados). Ou seja, bem se vê, o conceito de antiguidade é utilizado num sentido amplo, no Contrato, a reflectir em alguma medida o disposto em ACT, mas para efeitos que extravasam, embora os inclua também, os de que se cuida nestes autos (efeitos de cálculo de indemnização/compensação). O conceito de antiguidade é um conceito abrangente e que tem efeitos a nível de diversas realidades no campo laboral, como sejam, a título de exemplo, os relacionados com a antiguidade na categoria profissional (que poderão implicar promoções obrigatórias ou outros efeitos ainda nas carreiras), diuturnidades (com reflexos nos níveis remuneratórios), direitos retributivos como prémios de antiguidade, ou outros, entre o mais. Porém, se no geral essa antiguidade já de si vem normalmente referida à mesma empresa em que o trabalhador se encontra , quando se trata em especial de considerar/calcular montantes devidos por cessação de vínculo laboral ou equiparado é precisamente a tal que o legislador laboral – v. Código do Trabalho – normalmente se reporta.  

O conceito de antiguidade neste campo é pois polissémico, admite várias acepções. Sendo aliás em sede de instrumentos de regulamentação colectiva que se surpreendem muitas delas. Mas é àquela - antiguidade na empresa (que traduz, desde logo em Direito Laboral, o tempo durante o qual o trabalhador foi titular de determinado contrato de trabalho ) – que, não poderá deixar de entender-se, o legislador laboral ao tratar de cálculos indemnizatórios/compensatórios  se reporta.

 

Antiguidade na empresa, portanto.

 

O facto de, aproximámos já, em regulamentação colectiva se utilizar o conceito com maior amplitude, desde logo porque para outros demais efeitos, e, aí também, em relação com os valores indemnizatórios na cessação dos contratos de trabalho, não afasta o que ficou dito. Ao que acresce que os instrumentos em causa, ainda que de natureza normativa, são instrumentos resultantes de negociação, contratação. Desde logo não são lei em sentido formal, como o exigiria o Direito Tributário para os fins pretendidos pelo Requerente. Nem poderia aceitar-se serem definidores da incidência de impostos. Tudo cfr., entre o mais, art.ºs 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 1 e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, e art.s 8.º, n.º 1 e 36.º, n.º 2 da LGT. Princípio da legalidade em matéria tributária, portanto, em ambas as suas vertentes, a exigir ser respeitado.

 

E como bem se compreenderia, desde logo, atentando a que os mesmos instrumentos de regulamentação colectiva são fonte interna de Direito Laboral. I.e., fontes específicas do Direito do Trabalho, fontes próprias. Que não fontes comuns, que não fontes de direito compartilhadas com os demais ramos do Direito. Se dúvidas houvesse, v. CT, art.º 1.º que determina, inserido no Capítulo I - “Fontes do Direito do Trabalho” - do seu Título I - “Fontes e aplicação do Direito do Trabalho” -, sob a epígrafe “Fontes específicas”, assim:  “O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé”.

Em coerência, v. também como trata o legislador tributário no art.º 2.º da LGT o tema da legislação complementar, sem aí fazer referência expressa a legislação laboral e, menos ainda, a instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho.

 

Ora - e para concluir que o conceito a ter em conta para efeitos de delimitação de incidência constante da nossa norma nunca seria mais amplo que o de antiguidade na empresa, que é o tempo decorrido ao abrigo do contrato de trabalho de cuja cessação se trate - se o legislador Constituinte e o legislador tributário estabeleceram que os elementos essenciais dos impostos não podem ser determinados senão por lei, não se vê como poderia entender-se ter o mesmo legislador aceite ser possível delimitar a incidência com dependência de instrumentos de regulamentação colectiva e/ou, bem assim, de cláusulas contratuais naqueles legitimadas (ou de quaisquer cláusulas contratuais, mesmo que nem naqueles legitimadas).

 

Por todas as razões percorridas. E que, um exemplo, a aproximar do que estaria em causa nos autos, permite também elucidar. Simplificando. Pense-se numa remuneração mensal média dos últimos 12 meses no valor de € 1.850,00. Multiplique-se por 3 anos (aceite-se que estavam decorridos três anos completos de antiguidade ao abrigo do Contrato) e teremos € 5.550,00 não sujeitos. Aceitemos agora, por mero exercício, que a “antiguidade” a que a norma se quereria referir no caso seria a constante (do ACT e) do Contrato e, assim, a mesma “antiguidade” que aí se considerou para cálculo de indemnização seria aquela que em IRS se teria querido para delimitação negativa da respectiva incidência. Teríamos € 1.850,00 x 26 anos = € 48.100,00 não sujeitos. Por assim ter sido negociado em contratação colectiva  e/ou acordado entre empregador e trabalhador compensar o trabalhador na cessação do contrato em causa com um montante calculado por referência também ao tempo decorrido ao abrigo dos demais contratos de trabalho celebrados ao longo da vida na mesma área de actividade. Sem mais considerações, inclusive a nível de Princípio da Igualdade, já tão bem expostas em Decisão Arbitral no Processo n.º 505/2017-T , parece-nos a ilustração demonstrativa de que a aceitar-se tal solução ela seria ao arrepio do pretendido, e quanto a nós de forma clara expressamente consagrado, pelo legislador no art.º 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS. Como ainda veremos adiante.

E note-se também como não só a lógica legislativa da média dos últimos 12 meses perderia algum sentido, como, a própria existência de um limite de não sujeição, querida pelo legislador tributário, e com a teleologia que afloraremos infra, resultaria anulada.

 

E sempre se diga.

Tendo em vista o art.º 11.º, n.º 2 da LGT, e o apelo ao mesmo que na tese do Requerente se faz – para defender o entendimento de que na interpretação do conceito de antiguidade constante do art.º 2.º, n.º 4, l. b) do CIRS se deverá atender ao conceito tal como aceite em Direito Laboral na respectiva “acepção ampla”, e que seria, como vimos, aquele que, em sede desde logo de instrumentos de regulamentação colectiva, se vê utilizado e que, como fonte interna de Direito Laboral que os mesmos IRC são, o Direito Laboral incorpora. E uma vez que este percurso ainda nos acompanhará às conclusões a que chegaremos no nosso iter decisório.

 

Não só o legislador Constituinte, cfr. art.º 112.º, n.º 5 da CRP, não permitiria que por via da LGT - e do apelo que no dito artigo se faz ao sentido dos conceitos no ramo de Direito de que provêem - se abrisse a possibilidade de fazer derivar de instrumentos de regulamentação colectiva (cuja natureza vimos supra), e/ou de cláusulas contratuais, a interpretação/integração de um conceito determinante da delimitação da incidência de um tributo , como, mais.

 

Ao o legislador tributário, na LGT, ter apelado ao significado dos conceitos na sua origem (nos ramos de Direito de origem) não invalidou, como não poderá deixar de entender-se, que ao incorporar esses conceitos o Direito Tributário mantenha e preserve os seus próprios princípios e valores. Não os importando de forma necessariamente acrítica e em termos absolutos, como caso a caso haverá que ponderar-se, quanto a nós. E haveria que fazer-se, se necessário fosse no caso. Que não é, pelo já visto (o conceito de antiguidade utilizado pelo legislador laboral no Código do Trabalho é, afinal, seja em geral, seja especificamente quando reportado às indemnizações/compensações por cessação de contrato, o correspondente ao tempo de trabalho decorrido no contrato em causa, ou seja o conceito na sua acepção de antiguidade na empresa; e o que em sede de contratação se tenha majorado para esse efeito não pode determinar a incidência do imposto, tudo como supra).

 

Mas mais. Ao fazê-lo, ao na LGT ter apelado ao significado dos conceitos na sua origem, o legislador fê-lo com a ressalva dos casos em que outro significado decorra directamente da norma tributária/da lei.  Ora, na norma em causa escreveu o legislador assim:

 

“(...) valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, (…)” 

 

E diz-nos o n.º 1 do mesmo art.º 11.º que na interpretação do sentido das normas fiscais são de observar as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Os critérios hermenêuticos cfr. art.º 9.º do Código Civil, portanto, que estabelece:“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. / 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. / 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Sabemos como as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, também vigentes, pois, em Direito Tributário, operam. Sendo que os critérios ou factores interpretativos são essencialmente dois: (i) elemento gramatical, correspondente à letra da lei, ao texto, e (ii) elemento lógico, subdividido este, por sua vez, em três outros, a saber, o racional ou teleológico, o sistemático, e o histórico. Sendo que, a letra e o espírito da lei (elemento gramatical/elemento lógico) devem necessariamente ser utilizados em conjunto.

 

O intérprete“(…) tem que partir do pressuposto de que a lei emana de um legislador razoável;(...)”  / “(…) A interpretação teleológica pode conduzir, assim, a uma maior sistematicidade no Direito Fiscal, como uma técnica necessariamente estruturante e atribuidora de um sentido àquilo que, de outra forma, será um mero conglomerado de leis (…). A obtenção dessa unidade sistemática, que é uma condição indispensável para evitar o arbítrio na aplicação da lei fiscal, passa necessariamente por uma interpretação que assegure a coerência, como um postulado a obter, na ordenação das consequências do Direito, (...). / (…) Devemos (...) apelar também para o reforço dos elementos de sistematicidade e racionalidade dentro do Direito Fiscal.”

 

Pois bem. Antes de mais, na própria letra da lei encontramos a resposta à questão que vimos apreciando. E encontramo-la sem - quanto a nós - grande esforço interpretativo. Parece-nos, pelo contrário, claro o texto da lei a respeito. E aí também, inclusive a própria pontuação é por demais elucidativa.

 

Senão vejamos, retomando a norma:

 

“(...), multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, (…)” 

 

Desde logo neste trecho a especificação “na entidade devedora”, feita pelo legislador, há-de entender-se referente ao mais que, com ela, entre vírgulas se encontra: “, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora , ”. Não vemos como introduzir/interpretar uma (artificial) separação no texto delimitado entre essas vírgulas.

A ter o legislador pretendido a separação que na tese que é também a do Requerente se preconizaria, assim se entendendo que “na entidade devedora” se reportaria tão só a “ou de exercício de funções”, então, diremos, teria o mesmo (legislador) colocado uma vírgula antes desta última conjunção “ou”. Assim: “(...), multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade, ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, (…)”. O que não fez.

 

O que é também coerente com o sentido que apreendemos no demais corpo da norma. A expressão que se segue a “na entidade devedora”, também ela entre vírgulas, a saber “, nos demais casos,” é reportada a toda parte que a antecede na norma (na al. b), queremos dizer). E relaciona-se, afinal, com a al. a). Assim como na al. a) o legislador disse “, na parte que corresponda ao exercício (…) não residente;”, na al. b) disse “, nos demais casos”. Melhor ilustrado, segue a norma com os nossos realçados:

 

“4-  Quando, por qualquer forma, cessem os contratos (…) ou se verifique a cessação das funções (…), as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a)            Pela sua totalidade, na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente da pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;

b)           Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando (…).”

 

E numa tentativa de melhor ilustrar como entendemos dever ser interpretada a norma, assim (entre parêntesis rectos a nossa interpretação):

“4- Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas (…), ou se verifique a cessação das funções de (...), as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a)            Pela sua totalidade, na parte [da indemnização/compensação] [parte = natureza, título a que é devida] que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente da pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;

b) [não pela sua totalidade mas apenas] Na parte [da indemnização/compensação] [parte = quota-parte no seu montante total] que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos [i.e., nos casos que não os da al. a), ou seja nos casos em que se não trate de uma parte compensatória que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente, ou de representante...], salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza [*], com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.”

 

Com efeito, interpretada a norma no seu todo, somos levados a concluir que a distinção entre a al. a) e a al. b) tem que ver com a natureza do vínculo ao abrigo do qual é prestado o trabalho ou a actividade/funções (e consequentemente, em relação ao qual é paga a indemnização/compensação) – consoante seja trabalho ao abrigo de contrato individual de trabalho, ou, diferentemente, prestação de serviços ou outro de idêntica natureza sob a autoridade e direcção do sujeito activo nessa relação, incluindo-se aí seja o caso dos gestores públicos seja o dos administradores e dos gerentes de pessoas colectivas particulares. É aliás disso demonstrativo o legislador ter referido, na al b), ao excepcionar a delimitação negativa de incidência para os casos de retoma de prestação de trabalho à mesma entidade, ter referido que - em tais situações - então sim (porque desmerecedoras da protecção que se visara) se torna indiferente a natureza do vínculo/da prestação (v. [*] na nossa última transcrição).

Tais distintas naturezas do vínculo subjacente à relação que cessa encontramo-las nas situações em que se cumula mais do que um vínculo na mesma pessoa. Como será o caso de um gestor de uma sociedade por quotas, por exemplo, que sendo trabalhador por conta da mesma foi, a dado momento, nomeado gerente, passando então a exercer funções de gerente sem nunca ter prescindindo dos direitos adquiridos enquanto trabalhador; ou, outro exemplo, entre mais possíveis, o caso de um director financeiro que não só presta essas funções como é simultaneamente gerente da sociedade . Para casos como esses, o legislador separou entre a al. a) e a al. b) o tratamento respectivo: deu a protecção traduzida na delimitação negativa de incidência que vimos vendo para a segunda situação (compensação por cessação da prestação de trabalho por conta de outrem, mesmo que por alguém que simultaneamente é compensado pelo exercício de outras funções à parte essas) - al. b); e não a conferiu (a delimitação negativa - protecção) nos mesmos casos na sua parte correspondente à cessação da prestação de funções cumuladas com a prestação do trabalho por conta de outrem e desta distintas – al. a).

 

E se dúvidas houvesse quanto ao sentido da interpretação que deixamos exposta, pensemos também o elemento teleológico da norma. Pretendeu afinal o legislador, ao assim estipular, conferir alguma protecção/algum benefício a situações que considerou especialmente de tal merecedoras: o necessariamente reconhecido estado (desejavelmente temporário) de desamparo nas situações de desemprego. Que se pensa (o legislador), entre outras possíveis considerações, serão mais delicadas no caso de relações baseadas num vínculo contratual laboral, com as características de maior estabilidade e permanência que deste são próprias .

 

Depois, também o elemento sistemático, desde logo no próprio artigo em que a norma se insere, nos conduz no mesmo sentido. E conduzindo-nos até mais longe na apreensão do sentido da especificidade contida na norma quando o legislador refere “na entidade devedora”. Com efeito, atentando ao longo dos demais números e alíneas do mesmo art.º 2.º, é-nos fácil de ver que o legislador tratou duas realidades de forma distinta. São elas “entidade patronal” versus “entidade devedora”. Realidades que - na sua relação com o conceito de antiguidade que nos ocupa - à partida se reunirão numa mesma entidade. Mas não necessariamente sempre só assim.

 

Poderá suceder, em não raros casos, que a antiguidade na empresa - que é, como vimos, o tempo de duração do vínculo ao abrigo do contrato de trabalho que estiver em causa – abranja mais do que uma “entidade patronal” que, por exemplo, se sucedeu no tempo. Veja-se o caso de cessão da posição contratual da empregadora nos casos comuns de transmissão de estabelecimento. Em que se não põe fim aos contratos em vigor no momento da transmissão do estabelecimento, os quais se transferem, na posição subjectiva da parte empregadora, de uma “antiga” para uma “nova” entidade. Porém, em casos como estes, independentemente dos termos acordados e/ou decorrentes da lei quanto à transmissão dos direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo do contrato desde o início (contrato que se mantém, o que desde logo não sucedeu nos nossos autos) a entidade obrigada perante o trabalhador a, um dia sendo o caso, pagar uma indemnização/compensação por cessação de contrato será apenas a “nova” entidade. Apenas esta será a “entidade devedora”. E, assim, a “antiguidade na entidade devedora” será, como quis o legislador deixar claro, o tempo decorrido ao abrigo do contrato de trabalho em causa mas decorrido já e apenas com o trabalhador ao serviço desta última. Da entidade devedora, pois. Conceito, assim, potencialmente mais restrito, específico, que o de entidade patronal. Como cremos ter ficado claro. Ou veja-se, num paralelo também, o caso da transmissão do trabalhador entre empresas relacionadas e/ou o trabalhador que presta o seu trabalho  a uma empresa que se insere num mesmo grupo de empresas com outras. Que o legislador considerou, umas no n.º 5, outras no n.º 10 do artigo, nos termos daí constantes (que, no nosso caso, também se não verificou suceder (v. supra, fundamentação da matéria de facto), mas que sempre permitiria, igualmente, a distinção/identificação da “entidade devedora”, e a antiguidade nesta última, que o legislador pretendeu distinguir, e distinguiu, para os efeitos do n.º 4, al. b) do CIRS).

E a este respeito v. a transcrição da legislação, logo no início, onde destacámos a itálico os momentos em que o legislador, no artigo, utilizou as expressões relevantes .

 

É esta a interpretação que vai também de encontro ao elemento histórico, parece-nos, e que encontra este também alguma relação com o teor anti-abuso em especial dos referidos n.ºs 5 e 10 do artigo.

 

Assim, e para concluir, o conceito utilizado, expressa e intencionalmente, pelo legislador na nossa norma - “antiguidade na entidade devedora” - é um conceito mais específico que o conceito de “antiguidade na empresa”, próprio do Direito Laboral, nos termos que também percorremos. Este último significando a antiguidade, o tempo decorrido, ao abrigo do contrato de trabalho em causa e correspondendo, afinal, ao que se considera ser o conceito legal de “antiguidade na empresa” em Direito Laboral.

 

Já o de “antiguidade na entidade devedora” sendo o escolhido pelo legislador tributário no art.º 2.º, n.º 4, al. b) e enquadrando-se, no entender deste Tribunal, no teor da parte final do n.º 2 do art.º 11.º da LGT – é este o sentido de antiguidade que decorre no caso directamente da lei – antiguidade na entidade devedora.

 

Antiguidade na entidade devedora. Que não simplesmente antiguidade na empresa.

 

Ou seja, é não só (a antiguidade) no contrato de trabalho em causa como, mais especificamente ainda (quando tal distinção se coloque), o tempo durante o qual, ao abrigo desse contrato de trabalho, o sujeito passivo prestou o seu trabalho e/ou exerceu as suas funções ao serviço daquela entidade o que está em causa na norma – entidade que não só se qualifica como entidade patronal no caso, mas que é a entidade sobre quem recai a obrigação de pagamento da indemnização/compensação.

 

No caso dos autos não se chegando, afinal e bem vistas as coisas, a colocar-se qualquer dificuldade nesta distinção. Era a C… a única entidade empregadora e assim também a entidade devedora. E o mesmo quanto ao conceito de antiguidade na norma – não sendo este senão o de antiguidade na entidade devedora, sempre estaria apenas em causa a antiguidade ao serviço da C… que coincidia com a duração do Contrato que cessou.

 

Estamos pois em condições de responder às questões A) e B) supra, assim:

A)           Nos termos do art.º 2.º, n.º 4, al. b), primeira parte, do CIRS ficam apenas excluídas de tributação as importâncias auferidas em decorrência de cessação de contrato de trabalho correspondentes à antiguidade do sujeito passivo na entidade devedora; e

B)           Não houve vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de Direito ao, na Liquidação, apenas ter sido considerada excluída de tributação não a totalidade da compensação paga mas apenas a parte da mesma correspondente à antiguidade do Requerente na C….

 

Assim também, apreciemos as demais questões:

 

(i)           A Liquidação encontra-se ferida de vício de falta de fundamentação/fundamentação insuficiente?

 

(ii)          Verifica-se fundada dúvida sobre a existência e/ou sobre a quantificação do facto tributário?

 

Por fim, faltará apreciar se

(iii)         É devida condenação em juros indemnizatórios.

 

Pela ordem exposta, vejamos.

 

Quanto à questão (i)

Como também já acima percorrido, nos termos conjugados das normas constantes dos art.ºs 65.º do CIRS, 59.º, n.º 2 do CPPT, é com base nas Declarações dos contribuintes que o legislador manda processar-se a Liquidação. E que poderão ser conjugadas com mais elementos de que a Requerida disponha – como no caso dispunha das DMR da respectiva empregadora, também ela contribuinte, também as suas declarações de presumir verdadeiras. As Declarações dos contribuintes beneficiam da presunção de veracidade, cfr. art.º 75.º, n.º 1, da LGT.

Não houve qualquer discrepância entre montantes declarados, seja pelo contribuinte seja pela sua entidade empregadora. E a Requerida, vimo-lo, procedeu à Liquidação com base nas mesmas.

Tenha-se também em mente o princípio da legalidade e os corolários que do mesmo decorrem em matéria tributária desde logo para a Administração.

Como se sabe, no caso de uma Liquidação em que se aderiu à Declaração tal como submetida pelo contribuinte, a respectiva fundamentação subjacente há-de entender-se ser a que adere ao constante dessa Declaração. Como também ao a Requerida indeferir a respectiva RG e manter a Liquidação na Ordem Jurídica, há-de entender-se esta a aderir a essa mesma fundamentação subjacente.

Na nota de Liquidação de que o contribuinte vem notificado constam os elementos da Liquidação como devidos por lei no caso do IRS. Ademais sendo este um procedimento do tipo acto de massas, não se vê como a respectiva exigência de fundamentação possa ser acrescida. Não foram adoptados fundamentos que por obscuridade contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação subjacente – pelo que ficou agora também dito e v. art.º 66.º, n.º 2 do CIRS. Mais v. art.º 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, e no seu n.º 2 a determinação de que a fundamentação pode ser feita de forma sumária contendo “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

A fundamentação, sucinta é certo, não pode entender-se no caso como não contendo nela as suas razões de facto e de direito (os rendimentos como declarados e os artigos aplicáveis). Mais a notificação deve entender-se como tendo cumprido as exigências constantes dos art.s 36.º e 38.º, n.º 4 do CPPT, contendo os fundamentos da decisão nos termos também ora expostos e os meios de defes e prazo para reacção, e a indicação da entidade que praticou o acto de forma que se considara, para estes casos de actos de massa, suficiente. V., a respeito e neste sentido, entre outros, Acórdão do STA de 17.06.2009, no processo n.º 0246/09, onde se lê, entre o mais, assim: “Nos actos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação; (...)”. As finalidades do direito à fundamentação, que se conhecem, foram cumpridas. E o contribuinte Requerente demonstrou conhecer o iter cognoscitivo da Requerida ao liquidar como liquidou. Desde logo pela argumentação desenvolvida na defesa que apresentou.

Não se verifica, pois, também nesta sede, o vício invocado pelo Requerente.

 

Quanto à questão (ii)

De tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restarão de que se não verifica dúvida seja sobre a existência do facto tributário, seja sobre a sua quantificação. A Requerida presumiu verdadeiras as Declarações pertinentes, como determinado pelo legislador, e foram aplicadas as normas legais devidas, correctamente interpretadas, como visto, aos valores de rendimentos da Categoria A declarados pelo Requerente como tendo sido por si auferidos no ano em causa. Tudo como percorrido. Não havia como convocar a aplicação do art.º 100.º do CPPT, contrariamente ao alegado pelo Requerente.

Também aqui não procede o vício invocado.

 

Por fim, quanto ao pedido de juros indemnizatórios (iii)

Não tendo a Liquidação incorrido em qualquer dos vícios invocados pelo Requerente, o acto é legal e deverá manter-se na Ordem Jurídica. Assim, não houve pagamento de quantias indevidas (mesmo que por via de retenções na fonte como poderia, se fosse o caso, ter sucedido), condição necessária para que se pudesse detectar erro imputável aos serviços aí e, em consequência, nascer o direito a juros indemnizatórios – cfr. art.º 43.º da LGT.

Também aqui não assiste razão ao Requerente, improcedendo igualmente o peticionado.

*

Antecipando a decisão, conclui-se que a Liquidação não padece do vício de violação de lei nem de qualquer outro dos vícios invocados pelo Requerente.

E ao assim concluirmos aderimos também ao douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA supra , ainda que com a adicional especificação de fundamentação que ficou exposta.

 

*

 

4. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

a)            Absolver a Requerida do pedido de anulação da liquidação de IRS melhor identificada supra;

b)           Absolver a Requerida do pedido de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;

c)            Absolver a Requerida do pedido de devolução de qualquer quantia paga (em que se traduziria a peticionada condenação no pagamento de reembolso adicional) e do pedido de juros indemnizatórios.

 

 

5. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 10.285,10, que foi o indicado para o efeito pelo Requerente e que a Requerida não contestou.

 

6. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 17 de Maio de 2021

 

O Árbitro

(Sofia Ricardo Borges)