Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 807/2019-T
Data da decisão: 2021-05-29  IVA  
Valor do pedido: € 48.013,00
Tema: IVA - Ginásios – Consultas de nutrição
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

                1. A… - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, S.A., Pessoa Coletiva n.º ……., com sede na ………., Avenida ……, ……. Évora, apresentou, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerimento de constituição de Tribunal Arbitral da decisão de indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra atos tributários de liquidação de IVA, do exercício de 2016, pedindo a anulação do indeferimento da reclamação em consequência da anulação das liquidações de IVA e a condenação da Requerida pela prestação de garantia.

 

1.1.  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 2 de dezembro de 2019.

1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como o signatário como árbitro, nomeação aceite dentro do prazo legal.

1.3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 21 de fevereiro de 2020.

1.5. Prolatado o despacho determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, juntando o Processo Administrativo, pugnando pela suspensão da instância até existir decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia do processo C-581/19, em sede de reenvio prejudicial promovido no processo n.º 504/2018-T do CAAD.

1.6. Não existindo exceções a discutir ou controvérsia sobre a matéria de facto, foi proferido despacho arbitral, no dia 17 de outubro de 2020, dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, a produção de alegações, tendo-se designado o dia 2 de novembro de 2020 como data de prolação da decisão judicativa arbitral.

1.7. Verificando-se que, apesar de não existir controvérsia sobre a matéria de facto, os elementos documentais juntos nos Autos - seja o documento 1, seja o Processo Administrativo - não permitiam a comprovação das liquidações, maxime no que se refere ao valor dos juros apurado, foi prolatado despacho determinando a junção do pertinente suporte documental, dando-se sem efeito data preteritamente indicada para a prolação da decisão arbitral.

1.8. Após a junção de documentos, notificou-se a Requerente para exercer o contraditório, determinando-se, na sequência, a prorrogação do prazo para a decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

1.9. Não tendo sido possível proferir a decisão dentro de tal prazo, foi o mesmo novamente prorrogado, por despacho de 18 de janeiro de 2021, tendo-se designado o dia 1 de fevereiro de 2021, como data de prolação da decisão arbitral.

1.10. Por parte dos documentos enviados pela Requerente por “we transfer” não terem sido carregados no Sistema de Gestão Processual, foi dada sem efeito essa data, e foram aqueles solicitados, dando-se cumprimento ao princípio do contraditório.

1.11. No dia 13 de Março de 2021, a Requerida juntou aos autos o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 4 de março de 2021, tirado no Processo C-581/19.

1.12. Face a tal decisão, reponderou o tribunal a necessidade de produção de alegações, tendo-se determinado a notificação das partes para as apresentarem no prazo de 20 dias.

1.13. As alegações da Requerida deram entrada no dia 14 de maio de 2021, não tendo a Requerente apresentado alegações.

 

2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

II. Fundamentação

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos Provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

4.1.1. A Requerente desenvolve a sua atividade principal no setor da hotelaria com restauração, tendo como atividades secundárias a prossecução de atividades de ginásio e de saúde humana.

4.1.2. A Requerente dispõe de três ginásios: o ginásio “B…”, integrado em ….. em Évora, o ginásio “C…”, localizado no ….. Évora e o ginásio “D…”, localizado em Lisboa.

4.1.3. A Requerente desenvolve atividades ligadas à saúde, nomeadamente campanhas de alerta para o benefício e importância do consumo de determinados alimentos, tanto através das redes sociais como pela via da organização de eventos em restaurantes do hotel.

4.1.4. Em 2015, a Requerente iniciou a prestação de serviços de nutrição, tanto a “sócios” dos seus ginásios como a não “sócios”.

4.1.5. Esses serviços são prestados em espaços próprios através de profissionais qualificados para o efeito.

4.1.6. Quando os são disponibilizados aos “sócios” dos ginásios, é emitida fatura em que consta, discriminadamente, a mensalidade do ginásio referente à prática desportiva, com sujeição a IVA, e a aquisição de serviços de nutrição, com isenção de IVA.

4.1.7. Os serviços de nutrição estão abertos ao público em geral, não sendo exclusivo dos clientes do ginásio, considerando isenta de IVA a prestação de serviços de nutrição.

4.1.8. Em 2016, a Requerente contratou mais duas nutricionistas, passando a contar com a colaboração de cinco profissionais de nutrição.

4.1.9. Os serviços prestados pela requerente são compostos por uma “consulta inicial” e por “acompanhamento nutricional”, das quais resulta um relatório de avaliação que descreve e atualiza o plano abrangente de objetivos e de aconselhamento nutricional.

4.1.10. No relatório de avaliação de um utente dos serviços de nutrição os objetivos indicados foram o “bem estar geral”, “melhorar a condição física” e “tonificar os músculos”.

4.1.11. No que se refere aos “sócios premium”, as faturas mensais discriminavam o valor referente à utilização do ginásio – de 24,39€, acrescido de IVA, à taxa de 23%, totalizando 30,00€ – e o valor referente ao “acompanhamento nutricional” – de 20,00€, isento de IVA (artigo 9.º).

4.1.12. Pela Ordem de Serviço n.º OI2017….., foi determinada inspeção externa à Requerente, tendo os atos inspetivos início em 18 de julho de 2018.

4.1.13. Relativamente aos motivos subjacentes à realização da inspeção, invocou-se, inter alia, que a “ação surge na sequência da informação n.º …/2016 da DSIFAE – Direção de Serviços de Investigação da Fraude e Ações Especiais, no âmbito da qual se detetaram situações de sub tributação em IVA das mensalidades dos ginásios, nos casos em que é disponibilizado aos clientes acompanhamento nutricional incluído no valor da mensalidade cobrada”.

4.1.14. No relatório de inspeção, ao considerarem-se os “Factos Constatados”, deixou-se consignado:

“As atividades secundárias de ginásios e saúde humana são exercidas nos três ginásios propriedade do A….

Para ter acesso aos serviços disponibilizados os utentes tornam-se sócios mediante a assinatura de um contrato individual de adesão, o pagamento de uma jóia inicial e de uma mensalidade que dependerá da opção em termos de horário a frequentar (premium, executive ou economy).

As condições gerais de adesão a que se teve acesso nada referem relativamente aos serviços de nutrição, sendo apenas efetuada uma subdivisão no contrato de adesão em ‘Dados do contrato’ entre as modalidades, como se pode verificar pelo exemplo que se segue:

A… – Acompanhamento Nutricional       20,00€

A… – Premium Protocolo Nutr 50,00       30,00€

 

A correspondente fatura é emitida da seguinte forma:

 

Como se pode verificar o peso relativo do acompanhamento nutricional ascende a 45% do valor total do serviço prestado líquido de IVA, o que de facto não corresponde ao peso efetivo do serviço em causa no pacote de serviços contratado.

Com a mensalidade premium o utente pode frequentar o ginásio (sala de máquinas e aulas de grupo), a piscina, sauna, jacúzi e banho turco de domingo a sábado no horário de funcionamento do ginásio e pode, a partir de 2015, ainda, caso assim entenda, usufruir de acompanhamento nutricional sujeito à disponibilidade da nutricionista.

O serviço prestado mantém-se na sua essência inalterado ao longo do tempo, passando apenas a ser disponibilizado mais um serviço de que o utente poderá usufruir caso assim entenda.

Este serviço acrescido, que é acessório do serviço principal (ginásio) nunca poderia ser considerado como tendo um peso de 45% na mensalidade paga.

Na melhor das hipóteses o utente poderia usufruir de uma consulta de controlo mensal (ainda assim sujeita à disponibilidade de agenda da nutricionista), e por outro lado tem a possibilidade de frequentar o ginásio todos os dias do mês no seu horário de funcionamento.

Como se justifica que a possibilidade de frequentar essa consulta represente quase 50% da mensalidade paga.

Este utente específico tem data de inscrição de 2008.01.16, mantendo-se a mensalidade paga inalterada desde então, ou seja, o valor pago é constante, sendo o IVA retirado por dentro.

Com a entrada em vigor do orçamento de Estado para 2011, as atividades de prática desportiva que até aí estavam sujeitas à taxa reduzida, passaram a estar sujeitas à taxa normal, pelo que dos € 50,00 pagos pelo utente o A… até 2011 entregava de IVA €2,83 e após essa data passou a entregar €9,35.

Com o procedimento adotado a partir de 2015 (subdivisão da mensalidade em componente ginásio e componente de acompanhamento nutricional) passou a entregar €5,61, ou seja através de um conjunto de ações direcionadas à planificação fiscal, o A… conseguiu recuperar grande parte da receita perdida com a alteração da taxa de 2011, o que de facto, tendo por base o exposto, não se afigura como legítimo.

O serviço de acompanhamento nutricional é meramente acessório, sendo taxa de IVA aplicável a do serviço principal.

Relativamente ao cumprimento das condicionantes anteriormente elencadas, o A… cumpre com as mesmas podendo de facto faturar como isentas de IVA as consultas de nutrição efetivamente realizadas, mas faturado de forma independente do serviço de ginásio cuja natureza é diferente.

Fez-se o apuramento, a partir de mapa facultado pelo sujeito passivo, do valor das prestações de serviços de acompanhamento nutricional incluídas na mensalidade do ginásio, relativamente às quais está em falta a liquidação de IVA à taxa normal de 23% distinguindo-as das consultas externas devidamente isentadas de IVA ao abrigo do art.º 9.º do CIVA.

 

(...)”.

                4.1.15. Na sequência da inspeção, foram emitidas as liquidações de IVA, no valor global de 43.330,85 €,  e respetivos juros compensatórios no valor total de 3.712,79 €, nos termos do documento 1, junto pela Requerente e dos documentos juntos pela Requerida em 11 de novembro de 2020:

                - Liquidações n.os 2018………, no valor de 1972,42 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 145,97 € de juros compensatórios, referentes a janeiro de 2016;

                - Liquidações n.os 2018………, no valor de 2208,94 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 171,72 € (juros compensatórios), referentes a fevereiro de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 2649,89 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 270,36 € (juros compensatórios), referentes a março de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 3024,16 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 297,27 € (juros compensatórios), referentes a abril de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 3352,04 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 319,22 € (juros compensatórios), referentes a maio de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 3708,65 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 340,99 € (juros compensatórios), referentes a junho de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 4028,50€, a título de IVA, e 2018………, no valor de 355,83 € (juros compensatórios), referentes a julho de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 3715,55 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 316,78€ (juros compensatórios), referentes a agosto de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 4235,97 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 346,76 € (juros compensatórios), referentes a setembro de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 4655,96 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 364,82 € (juros compensatórios), referentes a outubro de 2016;

- Liquidações n.os 2018………., no valor de 5020,09 €, a título de IVA, e 2018………, no valor de 377,40 € (juros compensatórios), referentes a novembro de 2016;

- Liquidações n.os 2018………, no valor de 4758,68 €, a título de IVA, e 2018………., no valor de 405,67 € (juros compensatórios), referentes a janeiro de 2017;

4.1.16. Por requerimento com carimbo de entrada datado de 7 de maio de 2019, a Requerente deduziu reclamação graciosa peticionando a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios.

4.1.17. Considerando a mesma tacitamente indeferida, requereu a constituição do presente Tribunal Arbitral.

4.1.18. A Requerente prestou garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

 

4.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

4.3. Motivação da matéria de facto

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto pela Requerida.

Para além disso, a decisão da matéria de facto baseou-se no alegado pelos Requerentes que não foi questionado ou controvertido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, tendo as demais questões sido decididas pela ponderação da prova documental constante do processo.

 

5. Matéria de direito

5.1. Enquadramento da questão decidenda

No caso sub judicio, o thema decidendum centra-se na questão de saber se as prestações de serviços de nutrição, disponibilizadas pela Requerente, através de profissionais habilitados para o efeito e em instalações próprias, aos seus clientes que usufruem também do serviço de ginásio, devem ser tributadas em sede de IVA, tal como foi considerado pela Autoridade Tributária, ou devem ser consideradas isentas desse imposto, nos termos ora peticionados pela Requerente.

 

5.2. Fundamentos de direito

Sobre a presente quaestio decidendi, existe uma extensa jurisprudência arbitral – cf., a título exemplificativo, os Processos n.os 454/2017 -T, de 2018-04-02; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T, de 2019-09-30; 159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 179/2020-T, de 2021-01-29; 181/2019-T de 2019-11-27; 196/2019-T, de 2020-11-12; 236/2020-T, de 2021-03-01; 544/2019-T, de 2020-04-23; 760/2019-T de 2020-08-31 – que, de forma reiterada vem concluindo no sentido de que as prestações de serviços de nutrição, disponibilizadas pela Requerente, através de profissionais habilitados para o efeito e em instalações próprias, aos seus clientes que usufruem também do serviço de ginásio, se encontram isentas de IVA nos termos do disposto no artigo 9.º, 1), do CIVA.

Sobre a mesma matéria, e na sequência de reenvio solicitado também em processo arbitral – Processo n.º 504/2018-T –, foi proferido Acórdão do TJUE, em 4 de março de 2021, cujo teor não pode deixar de ser aqui considerado, sendo que face à prolação do acórdão perde utilidade apreciar o requerimento de suspensão da instância por parte da Requerida.

Nesse reenvio, foram submetidas ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais formuladas nos seguintes termos:

« (...)

                Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;

a)            se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;

b)           disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição,

deverá, para efeito do disposto no artigo 2º n.º 1, c), da Diretiva 2006/112/CE  de 28/11, considerar se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?

)              A aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, c), da Diretiva 2006/112/CE  de 28/11, pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?».

 Em resposta, o TJUE considerou e declarou que “[a] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva”.

Para chegar a tal conclusão, o Tribunal começou por verificar, a título preliminar, se o serviço de acompanhamento nutricional, era suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, ou seja, se estavam preenchidos os requisitos relativos à finalidade da prestação em causa e se a mesma ocorria no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas.

Na sua análise ao primeiro requisito, considerou o TJUE ser “pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica”. Continua o tribunal: “[p]or conseguinte, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA”. Para o TJUE, “[q]ualquer outra interpretação teria como consequência alargar o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 para além da ratio legis que traduzem a redação desta disposição, bem como a epígrafe do capítulo 2 do título IX desta diretiva. Com efeito, qualquer serviço efetuado no âmbito do exercício de uma profissão médica ou paramédica, que tenha por efeito, mesmo de forma muito indireta ou longínqua, prevenir certas patologias, estaria abrangido pela isenção prevista nessa disposição, o que não corresponderia à intenção do legislador da União e à exigência de interpretação estrita dessa isenção (...). Como salientou a advogada geral no n.º 61 das suas conclusões, uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito”.

Esta jurisprudência de conteúdo interpretativo determina a incorporação desse conteúdo na norma interpretanda, vinculando  os tribunais nacionais à aplicação do disposto no artigo 9.º, 1), do CIVA, com o sentido e o alcance definido nesse aresto, assim se concretizando o parâmetro jurídico-normativo de referência. Assim se estabelece na jurisprudência europeia – como se clarifica no Acórdão de 12 de maio de 2012, tirado nos processos apensos C-338/11 a C-347/11, onde se refere que “segundo jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.° TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido cumprida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daqui se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se também se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2002, Barreira Pérez, C 347/00, Colet., p. I 8191, n.° 44; de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C 453/02 e C 462/02, Colet., p. I 1131, n.° 41; e de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C 292/04, Colet., p. I 1835, n.° 34)”, mais se acrescentando que “só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé. Para que se possa decidir por esta limitação, é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C 402/03, Colet., p. I 199, n.° 51, e de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C 2/09, Colet., p. I 4939, n.° 50)” – e na jurisprudência pátria, vejam-se os Acórdãos do STA, tirados nos processos n.os 25 128 (de 2000-10-25), 26 432 (de 2003-03-26), 26 404 (de 2003-03-26) , 1090/03 (de 2005-11-09), 0587/08 (de 2008-12-03) e 0568/13 (de 2013-12-18), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Assim, será com base nessa jurisprudência que importará analisar sub species iuris o caso decidendo.

Compulsado o teor do excurso racional que suportou o juízo administrativo, constata-se que um dos argumentos a desconsideração do tratamento dado em sede de IVA pela Requerente consubstanciou-se na alegada desproporção entre o valor faturado a título de serviços de nutrição face aqueloutro relativo à utilização do ginásio, considerando que o serviço de nutrição “que é acessório do serviço principal (ginásio) nunca poderia ser considerado como tendo um peso de 45% na mensalidade paga”.

Uma primeira nota que emerge da sobredita fundamentação prende-se com a impropriedade dessa base de suporte no que concerne ao enquadramento em sede de IVA dos serviços de nutrição. A bem ver, ressalvadas concretas restrições concorrenciais antiabusivas face ao mercado (v.g. “dumping”), e, por outro lado, encontrando-se garantido o respeito pelo “at arms lenght”, o preço praticado pelos serviços prestados insere-se na liberdade de gestão da Requerente, sendo o resultado de uma política comercial, que não é passível de valoração administrativa a se. Nesta linha, as referências à diferente tipologia dos serviços ou dos horários em que os mesmos podem ser utilizados como fator de ponderação administrativa do preço praticado relativamente a cada serviço convocado para subtrair as consultas e o acompanhamento nutricional à aplicação do disposto no artigo 9.º, alínea 1), do Código do IVA, são desprovidas de objetividade jurídica face à adequada interpretação e aplicação da lei fiscal aos factos circunstancialmente em causa. Em sentido paralelo, não se deixou de referir no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T que “no que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao publico em geral”.

Tendo as liquidações adicionais repousado sobre esse entendimento, não é menos verdade que não deixaram de invocar, nesse contexto, a existência de uma alegada relação de acessoriedade entre as prestações de serviços, a qual, na ótica do princípio “accessorium sequitur principale”, constituiria óbice jurídico à aplicação da isenção do artigo 9.º, alínea 1), do Código do IVA.

Porém, in casu, não procede essa alegada relação de dependência e acessoriedade entre as prestações, como também se entendeu no Acórdão do TJUE, de 4 de março, onde se concluiu que as prestações de acompanhamento dietético não podem ser consideradas acessórias em relação às principais que são consideradas pelas prestações de manutenção e de bem-estar físico, militando no mesmo sentido a jurisprudência do CAAD supra mencionada e CLOTILDE CELORICO PALMA, «Enquadramento em IVA dos serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestados pelos ginásios», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 10, n.os 3 e 4, pp. 13 e ss., esp.te 36-40. De acordo com esta Autora, “a prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentam consultas de nutricionismo”. Esta posição, que aqui se acolhe, parte do princípio de que nos encontramos perante atividades independentes e, quando muito, complementares. Como discorre o TJUE, “[m]esmo que tais prestações de acompanhamento dietético fossem realizadas ou suscetíveis de o ser nas mesmas instituições desportivas que as prestações de manutenção e bem estar físico, não é menos verdade que a finalidade das primeiras não é de ordem desportiva, mas sanitária e estética, não obstante o facto de uma disciplina dietética poder ter por efeito contribuir para a performance atlética”, por isso, no caso concreto, quando os serviços de nutrição são também prestados a clientes que frequentam o ginásio, encontramo-nos perante duas prestações separadas, sendo que “o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços [ginásio e nutrição] em nada poderá alterar tal conclusão” – CLOTILDE CELORICO PALMA, «Enquadramento em IVA dos serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestados pelos ginásios», cit., p. 42.

Resta, por fim, apurar se a Requerente pode beneficiar da isenção de imposto prevista no artigo 9.º, alínea 1), do Código do IVA, à luz do critério firmado pela jurisprudência do TJUE. Como se referiu, nesse aresto, concretiza-se que a referida norma deve ser interpretada no sentido de que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, que suporta a isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

O tribunal europeu coloca essa conclusão “sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio”, de modo a que este possa destrinçar entre os casos em que exista uma finalidade terapêutica daqueloutros em que exista um propósito meramente sanitário, tendo o tribunal recusado aquela qualificação mesmo reconhecendo que “um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade”, exigindo, em contrapartida indicação de que o acompanhamento nutricional seja “prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde”, sob pena de não se ter por verificado o critério da atividade de interesse geral comum às isenções previstas no artigo 9.º do CIVA.

Essa verificação terá sempre como ponto de partida uma base factual, casuística, que aporte uma base de conhecimento suficientemente concretizada de modo a ver possibilitada a qualificação diferenciada dos fins sanitários ou terapêuticos, não bastando uma consideração genérica das vantagens do acompanhamento nutricional para a saúde de quem recorre a esses serviços.

Face à matéria de facto dada como provada, a Requerente apenas demonstrou que levava à aplicação do artigo 9.º, alínea 1), do CIVA, situações em que os objetivos em causa se prendiam com o “bem estar geral”, o propósito de “melhorar a condição física” ou “tonificar os músculos”, dimensões que, segundo o critério do TJUE, são reconduzíveis a uma finalidade meramente sanitária que exorbita da esfera delimitada pela referida norma de isenção, a qual exige, para o TJUE, que estejam em causa “prestações que tenham por finalidade diagnosticas, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.os 37 e 38, e de 18 de setembro de 2019, PetersC 700/17, EU:C:2019:753, n.º 20 e jurisprudência referida)”.

 Incumbindo o ónus da prova dos pressupostos da norma de isenção a quem dela aproveita, sempre competiria à Requerente fazer prova da finalidade terapêutica do acompanhamento nutricional, na aceção delimitada pelo Tribunal de Justiça, razão pela qual, na sua ausência, teremos que concluir, respeitando a jurisprudência europeia, que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, ainda que no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços que não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1), do CIVA.

 

6. Decisão

 

Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a) julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento da reclamação graciosa, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações de IVA; e

b) condenar a Requerente nas custas processuais infra determinadas.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária atribui-se ao processo o valor de € 47 043,64, correspondente à importância cuja anulação de pretende, considerando as liquidações e juros supra identificados.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 29 de maio de 2021,

 

João Pedro Rodrigues

 

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