Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 183/2020-T
Data da decisão: 2021-05-06  IVA  
Valor do pedido: € 61.311,88
Tema: IVA – Compra e Venda de Imóveis - Cálculo do pro rata de dedução
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam as Árbitras Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma (Árbitra Presidente), Prof.ª Doutora Rita Calçada Pires e Dra. Cláudia Rodrigues (Árbitras Adjuntas) designadas, respectivamente, pela Requerida e pela Requerente para formarem este Tribunal Arbitral Colectivo, no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            A… –, S.A., titular do NIPC …, com sede na Avenida de …, n.º …, … …, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos actos tributários consubstanciados na decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra as seguintes liquidações adicionais de IVA:

 

Período

imposto               Liquidações adicionais de IVA    Liquidações Juros Compensatórios

                Nº          Valor     Nº          Valor

12T/2014             2018 …  24 968,41            2018 … 3 573,56

03T/2015             2018 …  325,92   2018 … 59,73

06T/2015             2018 …  781,07   2018 … 132,11

12T/2015             2018 …  17 703,65            2018 … 1 827,59

09T/2016             2018 …  565,24   2018 … 58,90

12T/2016             2018 …  625,30   2018 … 57,18

03T/2017             2018 …  9 588,66               2018 … 760,67

06T/2017             2018 …  283,89                  0,00

Total                     54 842,14                            6 469,74

 

2.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e tendo a Requerente e a Requerida procedido à nomeação de árbitro, as signatárias aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

 

3.            O presente tribunal foi constituído no dia 26 de Agosto de 2020, conforme comunicação do tribunal arbitral colectivo que se encontra junta aos presentes autos.

 

4.            No dia 29 de Setembro de 2020, o Tribunal, por despacho, notificou as partes da designação para o dia 13 de Novembro de 2020, às 15 horas da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT bem como à inquirição das testemunhas.

 

5.            No dia 13 de Novembro de 2020, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, da qual resultou a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Mais, informou, o Tribunal, Requerente e Requerida para apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, tendo-se marcado o dia 31 de Janeiro de 2021 como prazo para a prolação da decisão.

 

6.            Nos dias 18 de Dezembro de 2020 e 2 de Dezembro de 2020, a Requerida e Requerente apresentaram, respectivamente, as suas alegações escritas.

 

7.            No dia 18 de Janeiro de 2021, foi proferido despacho solicitando à Requerente que enviasse a este Tribunal, no prazo de 10 dias, indicação das datas e montantes dos imóveis vendidos pela Requerente nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, bem como informação relativamente aos montantes totais de IVA que foram deduzidos pela Requerente nos trimestres em que foram vendidos os imóveis referidos supra, com envio das correspondentes declarações de IVA. Fixou-se ainda como nova data de prolação da decisão até dia 26 de Fevereiro de 2021.

 

8.            Em 24 de Janeiro de 2021 a Requerente remeteu ao Tribunal os elementos solicitados.

 

9.            Tendo surgido dúvidas adicionais quanto ao verdadeiro âmbito do Pedido, de forma a um cabal esclarecimento das mesmas, no dia 2 de Fevereiro de 2021 foi proferido despacho solicitando à Requerente que confirmasse a este Tribunal, no prazo de 10 dias, se o Pedido formulado se reportava apenas às liquidações adicionais relativas a IVA indevidamente deduzido suportado nos anos de 2014 e 2015 e a correcções relativas a estes anos, ou se abrangia igualmente as liquidações adicionais relativas a IVA indevidamente deduzido suportado nos anos de 2016 e 2017 e correcções relativas a estes anos.

 

10.          Em 8 de Fevereiro de 2021 a Requerente esclareceu o Tribunal quanto às dúvidas suscitadas.

 

11.          Em 9 de Fevereiro de 2021, foi proferido despacho concedendo à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o teor dos esclarecimentos prestados pela Requerente, não tendo esta apresentado qualquer resposta.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO DA REQUERENTE

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

a.            A Requerente é uma sociedade anónima que exerce a actividade de compra e venda de imóveis a título principal e que presta serviços de contabilidade e de consultoria a título secundário.

 

b.            Enquanto que a actividade principal exercida pela Requerente é, por natureza, isenta de IVA nos termos do artigo 9.º, n.º 30 do Código do IVA, pelo que não confere direito à dedução do IVA suportado, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do mesmo diploma, no exercício da actividade de contabilidade e consultoria a Requerente liquida IVA o que, por conseguinte, lhe confere direito à dedução do IVA suportado nos bens e serviços relacionados com essa actividade, nos termos do artigo 19.º do Código do IVA.

 

c.            No pressuposto supra enunciado, a Requerente procedeu à afectação real do IVA suportado relativamente à actividade isenta, não deduzindo o IVA suportado relacionado com a sua actividade imobiliária.

 

d.            Para esse efeito, a Requerente considerou que a aquisição de outros bens e serviços se encontra directa e exclusivamente relacionada com a actividade (sujeita e não isenta de IVA) de prestação de serviços de contabilidade e de consultoria.

 

e.            No entanto, a Administração Tributária (AT) considerou que tais aquisições de bens e serviços deviam reputar-se como custos comuns, sendo os referidos bens e serviços utilizados, indistintamente, nas actividades isentas e nas não isentas, pelo que o IVA suportado pela Requerente nas referidas aquisições não podia ter sido integralmente deduzido.

 

f.             Com efeito, a AT considerou que o IVA suportado nas aquisições em causa deveria ter sido deduzido apenas na proporção (pro-rata) do volume de negócios imputável à actividade não isenta, nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 23.º do Código do IVA, como consta dos quadros seguintes, retirados do Relatório de Inspecção:

 

g.            Todavia, no que respeita à actividade de compra e venda de imóveis, a Requerente apenas procedeu à venda de dois imóveis: um durante o ano de 2014 e outro durante o ano de 2015.

 

h.            Tais vendas, isentas de IVA, ocorreram durante o ano de 2014, no valor total de € 460.000,00 e durante o ano de 2015 no valor total de € 4.673.321,00, tendo a Requerente registado os correspondentes montantes na conta de vendas de imóveis, situação que a AT não contestou.

 

i.             Acresce que, durante o ano de 2014, a Requerente facturou ainda rendas – também isentas de IVA – relativas à locação de bens imóveis no valor de € 48.000,00, conforme discriminado no balancete geral correspondente ao exercício em causa.

 

j.             Relativamente à actividade de prestação de serviços de contabilidade e de consultoria, a Requerente facturou o montante total de € 73.715,60 (IVA excluído) durante o ano de 2014 e o montante de € 60.168,00 durante o ano de 2015, conforme se verifica na conta #7211 dos balancetes dos anos em causa.

 

k.            Decorre do acima exposto que a actividade da Requerente relacionada com a venda de imóveis apenas conheceu a venda de um imóvel por cada um dos períodos, pelo que a maioria dos custos incorridos em tais períodos (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, etc.) teve maior conexão com a actividade secundária – prestação de serviços de contabilidade e consultoria – que se manteve em curso durante cada um dos anos.

 

l.             Optou, assim, a Requerente, atendendo à limitada actividade verificada no sector imobiliário em 2014 e 2015, por proceder, durante os anos de 2014 e 2015, à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços segundo o método de afectação real, opção essa efectuada com base no disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.

 

m.          Considera que, para além de ter agido no exercício de um direito que legalmente lhe assiste, usou critérios objectivos para determinar a afectação real dos custos incorridos e inerentes ao IVA suportado, não tendo, ao contrário do que refere a AT, deduzido a totalidade do IVA suportado indistintamente na sua actividade.

 

n.            A Requerente argumenta que é possível aferir, através da análise documental e contabilística, que a dedução por si calculada foi efectuada com base nos mencionados critérios objectivos que permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.

 

o.            Argumenta ainda que o IVA deduzido nas declarações periódicas relativas aos anos de 2014 e 2015 corresponde à aquisição de bens e serviços que, face à sua natureza, foram utilizados exclusivamente na prestação de serviços de contabilidade e de consultoria, designadamente, a aquisição de serviços jurídicos, de serviços de telecomunicações e de serviços de manutenção do edifício da sede.

 

p.            Acresce que o montante do IVA suportado em 2014 e 2015, relativamente à actividade isenta da Requerente, não foi deduzido nas suas declarações periódicas, como se verificou nos serviços de construção civil adquiridos para a sua actividade de compra e venda e de arrendamento de imóveis, cujo imposto suportado foi devidamente liquidado nas suas declarações periódicas.

 

q.            A venda de imóveis pela Requerente apenas ocorreu quanto a um único, quer no ano de 2014 quer no de 2015, o que evidencia que os custos comuns incorridos durante os anos em causa foram utilizados para a prática de operações tributáveis, i.e., serviços de consultoria e de contabilidade que a Requerente prestou com recorrência e regularidade durante todo o exercício fiscal, considerando, deste modo, que os custos comuns deveriam ser alocados exclusivamente a esta última actividade.

 

r.             Defende a Requerente que «o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA confere ao sujeito passivo o direito de opção de "efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação», sendo esta a disposição legal que considera estar na base da sua actuação.

 

s.            Com efeito, não obstante a AT considerar que a alocação dos custos comuns incorridos à prática de operações tributadas não se afigura correcta, uma vez que a prestação de serviços de consultoria e de contabilidade não é a actividade principal da Requerente, tendo representado em 2014 apenas 12% e em 2015 2% do volume de negócios da empresa, a disposição legal supra referida concede aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pelo método da afectação real.

 

t.             A Requerente considera, assim, que, tendo exercido esta opção, a AT afasta a mesma sem fazer referência expressa à sua inaplicabilidade ao caso concreto, violando assim o disposto no artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA e o dever de fundamentação previsto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT.

 

u.            Por outro lado, argumenta também a Requerente que embora seja claro que a venda de imóveis por si efectuada corresponde a uma operação realizada no exercício da sua actividade económica, caso se entendesse que o IVA incorrido relativamente aos custos comuns não confere direito à dedução integral, deveria ser aplicado outro critério que não o volume de negócios.

 

v.            Isto porque os valores facturados na prestação de serviços de consultoria e de contabilidade nunca serão comparáveis aos valores facturados com a venda de qualquer imóvel, pelo que o método pro rata baseado exclusivamente no critério do volume de negócios nunca poderá ser considerado, objectivamente, como adequado à realidade económica da Requerente, sendo totalmente artificial a correspondência efectuada entre o imposto suportado na aquisição de bens e serviços e o volume de negócios e prejudicando a neutralidade que se pretende seja estrutural no IVA.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO DA AT

 

Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a.            Nos termos do n.º1 do artigo 23.º do CIVA: “quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte dos quais não confira o direito a dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução”, tendo o referido artigo o seu âmbito de aplicação restrito à determinação do imposto dedutível relativo aos bens de utilização mista, ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em actividades que conferem direito a dedução e em actividades que não conferem esse direito.

 

b.            Tratando-se de bens ou serviços parcialmente afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem de dedução, apurada nos termos do n.º4 do mesmo artigo, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afectação real, nos termos do n.º 2 da mesma norma.

 

c.            Considera a Requerida que, da análise documental e contabilística, verifica-se que a Requerente procedeu à afectação real do IVA suportado relativamente à actividade isenta, não tendo deduzido o imposto suportado relacionado com a actividade imobiliária, isenta nos termos do artigo 9.º do CIVA.

 

d.            Contudo, relativamente à prestação de serviços de contabilidade, facturados pela Requerente, verifica-se que estes serviços são realizados pelos próprios trabalhadores da empresa, não tendo sido identificado nem demonstrado que tenha suportado IVA directa e exclusivamente relacionado com a actividade sujeita e não isenta de IVA da prestação de serviços e consultoria.

 

e.            Nestes termos, tendo por base os elementos contabilísticos da Requerente, os Serviços de Inspecção Tributária apuraram:

 

i.             para o ano 2014, uma percentagem de dedução do IVA suportado da utilização mista de 12% (pro rata) calculada de acordo com os parâmetros descritos nos artigos20.º e 23.º do CIVA e as regras de arredondamentos previstas no n.º8 do artigo 23.º do mesmo diploma e,

ii.            para o ano 2015, uma percentagem para dedução do IVA de 2%, nos termos do n.º8 do artigo23.º do CIVA.

 

f.             Atendendo ao n.º 6 do artigo23.º do CIVA, concluiu, assim, a Requerida por uma única regularização do IVA apurado a favor do Estado no último período de cada ano (12T):

i.             Período 2014-12T: 39.514,23€ (total do IVA deduzido durante o ano 2014) * 88% = 34.772,52€

ii.            Período 2015-12T: 20.479,20€ (total do IVA deduzido durante o ano 2014) * 98% = 20.069,62€

 

g.            Entende, pois, a Requerida que, ainda que a Requerente, no que respeita aos critérios de dedução do imposto suportado com bens e serviços de utilização comum ao sector isento e ao tributado, faça referência aos indicadores que considera mais justos e proporcionais para a dedução do imposto, não demonstra, contudo, a materialização dos gastos comuns efectivamente correspondentes a cada sector de actividade.

 

h.            Por outro lado, não sendo possível a determinação de um pro rata genérico por ter ficado vedada essa possibilidade com a alteração legislativa clarificada através do Ofício Circulado n.º 30103 de 23-04-2008, por ter a natureza de sujeito passivo misto, ficam assim desprovidos de conteúdo os indicadores enunciados pela Requerente.

 

i.             Em conclusão, tendo em consideração o exposto e após análise dos elementos recebidos, a Requerida conclui que a Requerente não carreou para o processo dados relevantes e fidedignos que permitam afastar as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária.

 

j.             Quanto à falta de fundamentação das Liquidações para os anos de 2016 e 2017, considera a Requerida que, tendo em causa o contexto em que os actos tributários em causa foram proferidos, o seu conteúdo, e a posição do seu destinatário concreto, é de concluir que foram atingidos os fins visados pelo dever de fundamentação, tendo aquele ficado a conhecer, efectivamente, as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, o que fez, de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, o que também acontece.

 

IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, o processo administrativo, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos, tudo conjugado com os depoimentos testemunhais prestados em audiência.

Salienta-se que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a seguinte matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental e testemunhal constante dos autos:

 

1.            A Requerente exerce a actividade de compra e venda de imóveis a título principal e presta serviços de contabilidade e de consultoria a título secundário.

 

2.            Na medida em que exerce simultaneamente uma actividade isenta de IVA nos termos do artigo 9.º, n.º 30 do Código do IVA, a qual não confere direito à dedução do IVA suportado, e uma actividade lhe confere o direito à dedução do IVA suportado nos bens e serviços relacionados com a mesma, a Requerente adopta o método da afectação real para dedução do IVA incorrido.

 

3.            Durante os anos de 2014 e 2015, no que respeita à actividade de compra e venda de imóveis, a Requerente procedeu à venda dos seguintes imóveis: um durante o ano de 2014 (escritura de 17-12-2014) e seis imóveis durante o ano de 2015 (datas de escritura 6-4-2015, 1-6-2015, 9-6-2015, 23-6-2015, 14-7-2015 e 31-7-2015).

 

4.            Tais vendas, isentas do IVA, ocorreram durante o ano de 2014, no valor total de € 460.000,00 e durante o ano de 2015 no valor total de € 4.673.321,00,

 

5.            Durante o ano de 2014 a Requerente facturou ainda rendas relativas à locação de bens imóveis – igualmente isentas de IVA – no valor de € 48.000,00.

 

6.            A Requerente procedeu à afectação real do IVA suportado relativamente à actividade isenta.

 

7.            Foi o caso dos serviços de construção civil adquiridos pela Requerente para a sua actividade de compra e venda e de arrendamento de imóveis.

 

8.            No que se refere à actividade de prestação de serviços de contabilidade e de consultoria, a Requerente facturou o montante total de € 73.715,60 (IVA excluído) durante o ano de 2014 e o montante de € 60.168,00 durante o ano de 2015.

 

9.            A Requerente procedeu à afectação real do IVA suportado relativamente a esta última actividade.

 

10.          Para este efeito, a Requerente considerou que a maioria dos custos incorridos nos dois anos em causa (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, manutenção do edifício da sede, etc.) teve maior conexão com a referida actividade, tendo, portanto, deduzindo a totalidade do IVA incorrido em tais custos.

 

11.          De uma acção inspectiva externa levada a efeito pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária aos elementos contabilístico-fiscais da Requerente, com referência aos anos de 2014 e 2015, resultaram correcções em sede de IVA no valor de € 34.772,52 e €20.069,62, respectivamente.

 

12.          As liquidações adicionais de IVA e de juros decorrentes das correcções supra referidas foram pagas pela Requerente.

 

13.          Na base das referidas correcções esteve o entendimento da Autoridade Tributária de que a Requerente deduziu a totalidade do IVA suportado indistintamente na sua actividade, não cumprindo com os requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IVA.

 

14.          A AT considerou que a Requerente não demonstra a materialização dos gastos comuns efectivamente correspondentes a cada sector de actividade, sendo, portanto, incorrecta a alocação dos custos comuns incorridos à prática de operações tributadas.

 

15.          , A AT procedeu ao apuramento do montante de IVA a deduzir pela Requerente com base num pro rata calculado em função do volume de negócios, em 2014 apenas 12% e em 2015 2%, concluindo por uma única regularização do IVA apurado a favor do Estado no último período de cada ano

 

•             Período 2014-12T: 39.514,23€ (total do IVA deduzido durante o ano 2014) * 88% = 34.772,52€

•             Período 2015-12T: 20.479,20€ (total do IVA deduzido durante o ano 2018) * 98% = 20.069,62€

 

16.          A Requerente referiu aos Serviços de Inspecção Tributária, em sede de exercício do direito de audição prévia à emissão do Relatório e em sede de Reclamação Graciosa, quais os indicadores que consideraria justos e proporcionais para a dedução do IVA correspondente aos seus gastos que se destinam a operações tributadas e não tributadas, nomeadamente, número de facturas emitidas ao ano; ou número de meses em que as operações foram praticadas.

 

b.            Factos dados como não provados

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Neste contexto, não foi dado como provado que os critérios objectivos utilizados pela Requerente para exercer o seu direito à dedução do imposto foram os mais apropriados.

 

V. DIREITO – ENQUADRAMENTO EM IVA

 

1.            O direito à dedução como garante da neutralidade do IVA

 

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo). 

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.

Na realidade, o direito à dedução consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”, assentando no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtractivo indirecto ou ainda método das facturas. De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do CIVA, através de uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (de ora em diante DIVA) , “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”. O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o reflectindo assim como custo operacional da sua actividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando a neutralidade económica do imposto.

O critério determinante para a dedutibilidade do IVA pago a montante é a utilização dos bens ou dos serviços para a realização de operações tributáveis.

Com efeito, decorre dos artigos 168.º e 169.º da Directiva IVA que o sujeito passivo apenas pode deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para efeitos das próprias operações tributadas, ou isentas que concedam tal direito. Por sua vez, o imposto suportado em inputs destinados à realização de operações não sujeitas ou isentas sem direito à dedução do IVA suportado, como é o caso das operações de venda de imóveis, não é susceptível de vir a ser deduzido, salvaguardando-se, contudo, as operações localizadas no estrangeiro (não sujeitas no território nacional), mas que seriam tributáveis concedendo direito a dedução se localizadas no território nacional.

Quer dos princípios gerais do imposto, quer dos objectivos de neutralidade e de não distorção da concorrência que lhes estão subjacentes, decorre que só na exacta medida em que os inputs das actividades desenvolvidas forem atribuíveis à prossecução de operações abrangidas pela incidência do IVA, que possibilitem a dedução do imposto suportado a montante, é que o IVA contido nesses inputs pode ser deduzido.

Ou seja, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, exige-se que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível.

Apenas as despesas estritamente profissionais se podem considerar como referentes a bens ou serviços “utilizados [pelo sujeito passivo] para os fins das próprias operações tributáveis”, na acepção do artigo 168.º Directiva IVA e, assim, beneficiar do direito à dedução do IVA.

De acordo com o disposto no artigo 168.º da Directiva IVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir no Estado-membro em que se encontra estabelecido o IVA suportado nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como nas operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…) ”.

Conforme o estatuído no artigo 179.º da Directiva IVA, “[o] sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º

(…).”

É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE que o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do IVA tal como foi desenhado nas Diretivas IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igualdade de tratamento fiscal. Assim, é jurisprudência constante do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

Como se refere nas conclusões do Acórdão no Caso BP Soupergaz, “A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17. e seguintes da Sexta Diretiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela diretiva.”  

E no Caso Comissão/França o TJUE acrescenta que “As características do imposto sobre o valor acrescentado (…) permitem inferir que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA”. 

Note-se ainda que, conforme se salienta no Caso Metropol, “59. As disposições que preveem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restrita.” 

Como o TJUE salienta, é a aquisição do bem pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, que determina a aplicação do sistema do IVA e, portanto, do mecanismo de dedução.   O sujeito passivo actua nessa qualidade quando age para os fins da sua actividade económica, na acepção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da DIVA.  Acresce que, como se conclui no Caso Intiem, o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Diretiva “deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das actividades profissionais do sujeito passivo”. 

Em resumo, da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito.

 

2.            Regras gerais nacionais

 

De acordo com o previsto na Directiva IVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na Directiva IVA, em função do tipo de despesas em causa.

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos, relativos ao sujeito passivo e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

Como requisitos objectivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA).

De acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do CIVA, “[s]ó confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: Em faturas passadas na forma legal”.

 

3.            Exercício do direito à dedução do imposto pelos sujeitos passivos mistos

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA, para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado os sujeitos passivos mistos, isto é, aqueles que em simultâneo praticam operações que conferem direito à dedução de IVA e operações que não conferem tal direito e utilizam bens e serviços de forma mista em ambas as operações, como é o caso da ora Requerente, podem optar pela aplicação do designado método do pro rata ou pelo método da afectação real.

Se atentarmos ao parágrafo 6.º do ponto 98 relativo às conclusões do Relatório do Grupo de Trabalho que entre nós se debruçou sobre esta questão, é-nos referido que a condição de sujeito passivo misto em sede de IVA, abrangida pelo disposto no artigo 23.º do CIVA, não resulta propriamente do exercício simultâneo de operações que conferem o direito à dedução e de operações que não conferem esse direito, mas sim, da utilização “mista” dos seus inputs, isto é, pela afectação simultânea dos inputs em que foi suportado IVA aos dois tipos de operações.

Neste sentido, o TJUE, em reiterada jurisprudência, tem entendido que, como referimos, antes do mais, para efeitos do exercício do direito à dedução, deverá atender-se ao tipo de operações praticadas pelo sujeito passivo em que os bens ou serviços são utilizados. Se tais bens e serviços são afectos exclusivamente à prática de operações que permitem a dedução do imposto, apresentando uma relação directa e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, o respectivo IVA pode ser deduzido integralmente. Diversamente, caso os bens ou serviços adquiridos sejam afectos exclusivamente à prossecução de operações que não possibilitam a dedução do IVA suportado, tendo uma relação directa e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, então o respectivo imposto não pode ser objecto de dedução.

Nestes termos, tal como a Administração Fiscal esclarece, a aplicação do método do pro rata restringe-se à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista, isto é, aos bens e serviços utilizados conjuntamente em actividades que conferem o direito à dedução e em actividades que não conferem esse direito. 

Assim, caso um sujeito passivo suporte IVA em aquisições de bens ou serviços e os utilize numa actividade não tributada, por se encontrar isenta (isenção simples, do tipo consignado nos artigos 9.º ou 53.º do CIVA), como é o caso da actividade de compra e venda de imóveis ora em apreço, não obstante estar sujeita ou simplesmente não se encontrar sujeita, o IVA suportado não será, consequentemente, dedutível, dado que o custo dos bens ou serviços não será repercutido no preço praticado em operações efectivamente tributadas.

Caso se constate não ser possível estabelecer um nexo objectivo entre a operação a montante e a operação a jusante “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição” (apportionment) (…)”.

Poderá assim suceder que o sujeito passivo tenha despesas de IVA afectas conjunta ou simultaneamente a actividades económicas (sujeitas a imposto) e a actividades não económicas (não sujeitas a imposto), ou mesmo na esfera das actividades económicas, afectos conjuntamente a operações tributadas e não tributadas.

Ora, a dedução será parcial se tais inputs forem mistos, isto é, se forem imputados pelos sujeitos passivos (sujeitos passivos mistos), simultaneamente, a actividades que conferem direito a dedução a par de actividades que não o conferem por se encontrarem isentas de IVA ou, simplesmente, fora do seu campo de incidência.

Como salienta Rui Bastos, existem sempre dois momentos para calcular o montante do IVA dedutível. 

Num primeiro momento, tendo por base a possibilidade de se efectuar um nexo objectivo entre a operação a montante e a operação a jusante, de tal forma em que o custo da primeira seja integralmente reflectido no preço da segunda (“direct attribution of the input tax” na terminologia britânica), o IVA suportado ou será deduzido na íntegra ou totalmente excluído do direito à dedução.

Num segundo momento, caso se verifique imposto suportado em que não seja possível a imputação directa e exclusiva nos termos anteriormente enunciados “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição” (apportionment) (…).”

Esta regra geral, normalmente conhecida por método de percentagem de dedução (pro rata), poderá ser afastada por aplicação, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA, do chamado método de afectação real, que consistirá na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a actividades que dêem lugar à dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.

Assim, o n.º 1 do artigo 173.º Directiva IVA vem determinar que, “No que diz respeito os bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (…)”

Por um lado, a Directiva permite aferir sobre aquela proporção em função do método de percentagem de dedução ou pro rata  , tendo por referência o peso do volume de negócios referente às operações que conferem direito a dedução em relação à globalidade das operações.

Por outro lado, de acordo com o n.º 2 daquele preceito, determina-se que os Estados-membros podem autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores, obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores, autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas, e estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respectivo for insignificante.

Por sua vez, o artigo 174.º, n.º 1, da Directiva IVA, estabelece as modalidades de cálculo do pro rata de dedução, determinando que resulta de uma fracção que inclui, no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e, no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Sendo assim, o pro rata de dedução conforme refere a epígrafe do capítulo 2 da Directiva IVA poderá, em síntese, ser aferida em função do método da percentagem de dedução, o denominado pro rata (que poderá ser geral ou sectorizado), determinado em função do volume de negócios e o regime alternativo, denominado entre nós  por afectação real, que terá por base a utilização efectiva dos inputs.

Concluindo pela primazia na aplicação do método da afectação real, Xavier de Basto e Odete Oliveira referem que ”(…) a leitura correta destas normas obriga a considerar esses procedimentos previstos na diretiva por ordem crescente de “finura” em termos de resultado a obter, constituindo a regra do pro rata, portanto, segundo esta leitura, a que conduz ao resultado menos rigoroso – e por isso ela é a regra aplicável sempre que não seja possível outro procedimento com resultado mais adequado.”  Como adequadamente notam os autores, a Directiva IVA “ (…) deixa aos Estados membros a possibilidade de aceitar ou mesmo impor os procedimentos mais rigorosos, reservando o pro rata como sistema residual e supletivo.”   Ora, como salienta Rui Bastos, na realidade apenas a afectação do bem, tendo por base critérios objectivos, poderá traduzir a real proporção do IVA susceptível de ser deduzido. 

Isto é, como refere Rui Bastos, adoptando a terminologia utilizada por Saldanha Sanches e Taborda da Gama  existem duas hipóteses de actuação no âmbito da determinação dos limites do direito à dedução por parte de um “sujeito passivo misto”, a saber: uma separação ex ante ou uma separação ex post entre actividades que conferem direito à dedução e actividades que não conferem esse direito.

No plano da separação ex ante encontra-se o método da afectação real, de acordo com o qual a autonomização do IVA dedutível no âmbito do IVA suportado pelo sujeito passivo misto deverá efectuar-se por via de uma proporção, em que se pondera a afectação dos inputs a cada uma das actividades (conferidoras ou não do direito à dedução), por forma a reflectir a real utilização de cada umas das despesas, tendo por base a utilização de chaves de repartição (cost drivers na terminologia contabilística) determinadas em função de indicadores ajustados.

Em contrapartida, no plano da separação ex post, o grau de utilização dos inputs em função de cada tipo de operação será aferido por via de um rácio ponderado em função dos outputs da actividade, nomeadamente em função do volume de negócios, vulgarmente denominado como “método de percentagem de dedução” (pro rata), previsto na al. b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA.

Este artigo veio transpor o disposto no artigo 173.º da Directiva IVA, determinando o seguinte: “1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.”

Por outro lado, nada obsta à utilização deste método em determinados inputs cuja natureza assim o permita, deixando o método do pro rata para outros consumos em que a aplicação desta metodologia não se mostre eficiente.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.

No contexto da separação ex post, em conformidade com o método da percentagem de dedução ou pro rata, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA, toma-se como referência, no seu numerador, o montante anual das operações que conferem direito a dedução, ponderado em função da totalidade das operações que se insiram no conceito de actividade económica.

Refere assim o n.º 4, do artigo 23.º do CIVA, que “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”

O método da afectação real encontra-se previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, tendo a Lei do OE para 2008 aditado à redacção daquele articulado a expressão “(…) com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Este método tem por base a dedução do IVA consoante a efectiva utilização de bens ou serviços mistos, o que pressupõe a autonomização do IVA dedutível, no âmbito do IVA total suportado pelo sujeito passivo, através da afectação dos inputs a cada uma das actividades (actividades que conferem direito a dedução e actividades que não conferem esse direito), não necessariamente numa correspondência individualizada com determinado output, mas em qualquer caso, com outputs específicos agrupados por sectores, e tendo por base a utilização de critérios objectivos, nos termos previstos no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA.

Nestes termos, este método de dedução coloca como premissa a existência de uma conexão directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução.

Justamente porque o método da afectação real impõe maiores exigências na informação contabilística de suporte, mas também porque permite um maior nível de rigor quanto ao montante de IVA que o sujeito passivo tem direito a deduzir, entende a doutrina maioritária acompanhada pela jurisprudência dos tribunais superiores que seria desejável que todos os sujeitos passivos optassem por esta via, sempre que possível, em detrimento do método do pro rata. Este método, apesar da maior simplicidade aplicativa, não deixa de constituir uma forma de cálculo indiciário.

A Directiva IVA consigna a possibilidade/obrigatoriedade de utilização deste método na alínea c), do n.º 2, do artigo 173.º, de acordo com o qual o Estado-membro pode: “(…) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (…)”.

Importa em especial salientar que o Código do IVA consigna que a dedução com recurso ao método da afectação real deverá ter por base critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito (área ocupada, número de elementos do pessoal afecto, massa salarial, horas-máquina, horas-homem). A este respeito interessa referir que o legislador nacional nunca especifica a técnica adequada à utilização do método da afectação real remetendo para a opção do sujeito passivo, o qual, regra geral, estará em melhores condições de decidir quanto à forma mais adequada de proceder à autonomização das suas actividades, à identificação dos custos que incorre e à repartição contabilística segundo as operações que pratica. Contudo, através do Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de Abril de 2008, da Área de Gestão. Tributária – IVA, a AT fornece alguns elementos para uma melhor aplicação da afectação real, indicando a título exemplificativo, critérios objectivos assentes em pressupostos físicos, tais como a área ocupada, o número de elementos de pessoal afecto e a massa salarial, entre outros.

Assim, "os critérios mais indicados para pôr em prática o método da afectação real (...) deverão levar em consideração, nomeadamente, os recursos em bens e serviços que sejam sempre necessários ao normal desempenho da atividade principal, caso as referidas sociedades optassem por não praticar complementarmente operações tributadas.”

Para o efeito, vem o Ofício-Circulado referir que "no caso dos bens ou dos serviços de utilização mista parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do montante de IVA não dedutível relativo a estas não pode ter por base o método de pro rata (. ..), devendo ser obrigatoriamente utilizada a afetação real em função da efetiva utilização (...) através de critérios objectivos (...).

(…)

Em consequência, deve determinar-se o grau, proporção ou intensidade da utilização de cada bem ou serviço em operações que decorrem de atividade económica sujeita a IVA e de operações que não decorrem, através de critérios objetivos, podendo ser referidas a título meramente indicativo, os seguintes:

a) A área ocupada;

b) O número de elementos do pessoal afeto;

c) A massa salarial;

d) As horas-máquina;

e) As horas-homem; (negrito nosso)

(... )

Em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objetivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviço adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevantes."

Como se determina (ponto 9), “Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução…”.

No Caso Securenta  o TJUE foi chamado pronunciar-se sobre o critério de repartição adequado quando os inputs são simultaneamente afectos a uma actividade económica e a uma actividade não económica, tendo salientado que “a Sexta Diretiva não contêm qualquer disposição relativa aos métodos ou aos critérios que os Estados Membros devem utilizar na separação dos montantes de imposto a montante relativos à actividade económica dos relativos à actividade não económica.”   No entanto, alerta que os Estados-membros no exercício desse poder devem assegurar os objectivos prosseguidos pela Directiva, não podendo contrariar o princípio da neutralidade fiscal.

A Autoridade Tributária entendeu sempre a aplicação prioritária do pro rata em detrimento da afectação real, contudo, esta posição foi invertida na sequência da alteração introduzida no artigo 23.º do CIVA. Efectivamente, pro rata e afectação real são agora percepcionados pela Administração Fiscal, no âmbito do exercício de uma actividade económica, num plano de igualdade, de utilização facultativa, ambos norteados pelo magnum princípio da neutralidade económica do imposto e da tradução da objectiva afectação de cada input.

 

VI. ENQUADRAMENTO DO CASO CONCRETO

 

1.            Da falta de fundamentação das liquidações em 2016 e 2017

 

A Requerente invoca que não consegue alcançar o «iter cognoscitivo» das liquidações para os anos de 2016 e 2017, o que constitui exigência (mínima) para que se considere fundamentado o Relatório de Inspecção.

Ora, tal como a AT conclui, não se nos afigura que lhe assiste razão, dado não estarem em causa especiais requisitos de fundamentação, aferindo-se o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração Tributária considerando o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação.

Com efeito, na situação controvertida, tendo em causa o contexto em que os actos tributários em causa foram proferidos, o seu conteúdo, e a posição do seu destinatário concreto, a Requerente pode conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese das liquidações em apreço, de forma a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de forma a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

 

2.            Exercício do direito à dedução do IVA suportado

 

Como vimos, a Requerente exerce, a título principal, a actividade de compra e venda de imóveis, isenta de IVA nos termos do artigo 9.º, n.º 30 do Código do IVA, configurando-se como uma isenção incompleta, pelo que não confere direito à dedução do IVA suportado nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do mesmo diploma.

Contudo, a título secundário, presta serviços de contabilidade e de consultoria liquidando IVA, tendo direito à dedução do IVA suportado nos bens e serviços relacionados com essa actividade, nos termos do previsto no artigo 19.º do Código do IVA.

Isto é, estamos perante um sujeito passivo misto que, como vimos, procedeu à afectação real do IVA suportado relativamente à actividade isenta, não tendo deduzido o IVA suportado relacionado com a actividade imobiliária. Contudo, deduziu na sua totalidade despesas de IVA afectas indistintamente a ambas as actividades, como é o caso das despesas de electricidade e de água do edifício onde se desenvolvem tais actividades. Aliás, a própria Requerente admite que “a maioria das despesas” (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, etc.) (e não a totalidade) teve maior conexão com a actividade secundária de prestação de serviços de contabilidade e consultoria.

Entendem os Serviços de Inspecção Tributária que a Requerente não conseguiu demonstrar que a aquisição de outros bens e serviços se encontra directa e exclusivamente relacionada com a actividade (sujeita e não isenta de IVA) de prestação de serviços de contabilidade e de consultoria, devendo reputar-se como custos comuns, dado terem sido utilizados, indistintamente, nas actividades isentas e nas não isentas, pelo que o IVA suportado nas referidas aquisições não podia ter sido integralmente deduzido, devendo apenas ser deduzido apenas na proporção (pro rata) do volume de negócios imputável à actividade não isenta.

Contudo, resulta provado que a Requerente, no referente à actividade de compra e venda de imóveis, apenas procedeu à venda de dois imóveis: um durante o ano de 2014 e seis durante o ano de 2015, pelo que, efectivamente, a maioria dos custos incorridos, em tais períodos (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, de manutenção do edifício da sede, etc.) teve maior conexão com a actividade tributada.

A Requerente não conseguiu fazer prova cabal de que usou critérios objectivos para determinar a afectação real dos custos incorridos e inerentes ao IVA suportado, não tendo deduzido a totalidade do IVA suportado indistintamente na sua actividade.

Com efeito, se é possível aferir, através da análise documental e contabilística, que a dedução calculada pela Requerente foi efectuada com base em critérios objectivos que permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, outras situações existem em que tal não é possível, como é o caso dos referidos consumos de água, luz, gás, telecomunicações e de manutenção do edifício da sede. Por outro lado, há montantes de IVA suportado em 2014 e 2015, relativamente à actividade isenta da Requerente, que não foram deduzidos nas suas declarações periódicas, como é o caso dos serviços de construção civil adquiridos pela Requerente para a actividade de compra e venda e de arrendamento de imóveis.

Ou seja, não podemos, contrariamente ao invocado pela Requerente, concluir que em todos os casos se constata “que o IVA deduzido pela Requerente nas declarações periódicas relativas aos anos de 2014 e 2015 correspondem à aquisição de bens e serviços que, face à sua natureza, foram utilizados exclusivamente na prestação de serviços de contabilidade e de consultoria.”

Contudo, a Autoridade Tributária ao considerar nos termos referidos que a alocação dos custos comuns incorridos à prática de operações tributadas não se afigura correcta, dado a prestação de serviços de consultoria e de contabilidade não ser a actividade principal da Requerente, tendo representado em 2014 apenas 12% e em 2015 2% do volume de negócios da empresa, aplicando o método do pro rata, desvirtua, em nosso entendimento, de forma desproporcional, o exercício do direito à dedução da Requerente penalizando-a, pondo em causa o princípio da neutralidade do imposto.

Com efeito, tal como invoca a Requerente, ainda que se considerem estes custos como comuns e que se pretenda aplicar o método de percentagem (pro rata) de dedução de imposto, o cálculo da percentagem efectuado pelos Serviços de Inspecção Tributária, não se afigura conforme à lei por não ser proporcional face à realidade da actividade económica da Requerente.

De facto, se no âmbito do pro rata apenas se deverá identificar o volume de negócios associado a cada uma das actividades, no âmbito da afectação real, assente numa perspectiva ex ante, após a identificação e autonomização das actividades em referência, sucede-se a identificação dos inputs mistos e a sua repartição, de acordo com critérios objectivos que mais fielmente revelem a sua real utilização, por cada uma das actividades. Ora, no caso concreto, os valores facturados na prestação de serviços de consultoria e de contabilidade não podem ser comparados com os valores facturados com a venda dos imóveis, pelo que a aplicação do método do pro rata baseado exclusivamente no critério do volume de negócios, como afirmámos, resultaria numa penalização do sujeito passivo.

Tal como vimos, de acordo com a doutrina da AT, relativamente aos bens e serviços cuja afectação não seja possível de concretizar, a dedução do imposto deverá “ser efectuada em proporção aos indicadores que se mostrarem mais justos e racionais: volume de negócios, espaço ocupado, número de horas das máquinas, etc.”

Neste contexto e dado que as vendas dos imóveis ocorreram nos meses de Dezembro, no ano de 2014 (4º trimestre de 2014), e Abril, Junho e Julho, no ano de 2015 (segundo e terceiros trimestres de 2015), entende este Tribunal que o critério mais objectivo conducente a uma maior justiça será conceder o direito à dedução relativamente aos trimestres em que não houve venda de imóveis e, em particular, aos dois meses do trimestre em que não se verificou a venda de imóveis.

Para o efeito, deverá ter-se em consideração o total do valor do IVA deduzido nos trimestres em que se verificou a venda de imóveis e não conceder, proporcionalmente, o direito à dedução do IVA relativamente ao mês em que ocorreu a venda, nos termos do quadro seguinte:

Período imposto              IVA deduzido    Nº meses c/ venda de imóveis   Proporção IVA não dedutível

12T/2014             19 486,70             1             6 495,57

06T/2015             3 693,99               2             2 462,66

09T/2015             5 836,66               1             1 945,55

Total IVA Não dedutível 10 903,78

 

Trata-se, em nosso entendimento, da forma mais cabal de dar cumprimento aos princípios que regem este imposto, mormente o da neutralidade, não penalizando a Requerente com a aplicação de um pro rata baseado no volume de negócios, manifestamente desadequado, dando-se assim cumprimento às regras do Direito da UE e à doutrina da AT, de acordo com a qual, “a determinação desses critérios objetivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviço adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevantes."

Atendendo a que as liquidações adicionais objecto de contestação pela Requerente respeitam a IVA declarado como dedutível nas declarações dos anos de 2014 e 2015, parte do qual foi objecto de reporte para períodos subsequentes, designadamente dos anos de 2016 e 2017, entende o Tribunal declarar a legalidade parcial dos actos tributários colocados em crise nos seguintes termos:

 

Período imposto                              Liquidações adicionais IVA                          Liquidações corrigidas                   Resultado das liq adicionais IVA emitidas           Montante a anular

12T/2014                             24 968,41                            6 495,57                               Anulação parcial              18 472,84

03T/2015                             325,92                  325,92                  Aceite   0,00

06T/2015                             781,07                  781,07                  Aceite   0,00

12T/2015                             17 703,65                            3 301,22                               Anulação parcial              14 402,43

09T/2016                             565,24                  0                             Anulação total   565,24

12T/2016                             625,30                  0                             Anulação total   625,30

03T/2017                             9 588,66                              0                             Anulação total  9 588,66

06T/2017                             283,89                  0                             Anulação total   283,90

                               54 842,14                            10 903,78                                            43 938,37

Nesta sede, entende este Tribunal declarar:

- a legalidade das liquidações adicionais em sede de IVA relativas aos períodos de imposto 03T/2015 e 06T/2015, no valor de € 325,92 e 781,07, respectivamente

- a ilegalidade das liquidações adicionais em sede de IVA relativas aos períodos de imposto 09T/2016, 12T/2016, 03T/2017 e 06T/2017, no valor de € 565,24, €625,30, €9.588,66 e €283,89, respectivamente;

- a legalidade parcial das liquidações em sede de IVA relativas aos restantes períodos de imposto, nos seguintes termos:

                Parte aceite        Valor a anular

12T/2014             € 6.495,57           € 18 472,84

12T/2015             € 3.301,22           € 14 402,43

 

3.            Dos juros compensatórios

Como refere António Lima Guerreiro , o direito a juros compensatórios depende “da conjunção de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto” e de “outro subjectivo, a culpa do contribuinte”.

Mais se diga que a jurisprudência e doutrina dominantes têm entendido uniformemente que os juros compensatórios previstos na LGT têm carácter indemnizatório, pressupondo: 

(i) uma conduta culposa do contribuinte; 

(ii) a ocorrência de um dano para a Fazenda Pública, e; 

(iii)o nexo de causalidade entre a conduta do contribuinte e o dano provocado à Fazenda Pública.

Veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de janeiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 03177/09, nos termos do qual é explicitado que a “razão de ser dos juros compensatórios [se] prende, além do mais, com um juízo de censura, a título de culpa, ou seja, numa conduta dolosa ou negligente, imputável ao sujeito passivo, determinante do não recebimento atempado, pelo Estado, da totalidade do imposto devido, e nessa medida, constitutiva de uma obrigação de indemnizar de natureza civil”.

Acresce que, como bem referiu o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão datado de 16 de abril de 2009, no âmbito do processo n.º 00280/06.8, a “responsabilidade por juros tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e actuação do contribuinte.”

A imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa por parte do contribuinte, resultando desse facto prejuízo para a AT - cf. Acórdão do STA, de 19 de novembro de 2008, proferido no âmbito do Processo n.º 0325/08.

O Supremo Tribunal Administrativo sancionou, em Acórdão de 23 de outubro de 2002, proferido no âmbito do processo n.º 01145/02, que não haverá culpa do sujeito passivo quando o eventual atraso na liquidação se tenha ficado a dever “a mera e compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte ou a erro desculpável deste”.

E, apesar de não existir uma posição unitária da jurisprudência emanada pelo STA sobre a matéria, crê a Requerente que da jurisprudência relevante na matéria é possível retirar a tendência daquele Tribunal para apenas julgar válida a aplicação de juros compensatórios nos casos em que a actuação do sujeito passivo se afigure culposa (com dolo ou negligência), o que não sucederá nos casos em que existem questões discutíveis ou controvertidas no plano dos factos e do direito.

Não basta, assim, o retardamento ligar-se objectivamente à conduta do contribuinte, sendo indispensável que esta seja passível de censura, por dolo ou negligência.

Em suma, mesmo que não sejam de anular as liquidações adicionais de IVA, algo que por mera cautela de raciocínio se admite sem conceder, são ilegais as liquidações de juros compensatórios, por não estar demonstrada a culpa da Requerente, exigida pelo artigo 35.º da LGT.

Termos em que a AT incorreu em erro na aplicação do direito, que consubstancia vício de violação de lei, e que, nos termos do artigo 135.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, determina a anulabilidade da liquidação de juros compensatórios no que se reporta aos montantes que resultam das liquidações adicionais de IVA consideradas ilegais, nos seguintes termos:

Período imposto              Liquidações Juros compensatórios                          Liq Corrigidas JC               Resultado das liquidações de JC emitidas

12T/2014             3 573,56                               929,67   Anulação parcial

03T/2015             59,73                     59,73     Aceite

06T/2015             132,11                   132,11   Aceite

12T/2015             1 827,59                               340,79   Anulação parcial

09T/2016             58,90                     0,00       Anulação total

12T/2016             57,18                     0,00       Anulação total

03T/2017             760,67                   0,00       Anulação total

                6 469,74                               1 462,30              

 

Nesta sede, entende este Tribunal declarar:

- a legalidade das liquidações de juros compensatórios relativas aos períodos de imposto 03T/2015 e 06T/2015, no valor de 59,73 e €132,11, respectivamente

- a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios relativas aos períodos de imposto 09T/2016, 12T/2016 e 03T/2017, no valor de € 58,90, €57,18 e €760,67, respectivamente;

- a legalidade parcial das liquidações de juros compensatórios relativas aos restantes períodos de imposto, nos seguintes termos:

                Parte aceite        Valor a anular

12T/2014             € 929,67               € 2 643,89

12T/2015             € 340,79               € 1 486,80

 

4.            Dos juros indemnizatórios

A Requerente solicita o reembolso das quantias que pagou no valor de € 61.061,14, relativas às liquidações em causa, com juros indemnizatórios.

Em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Tal como se nota no Processo n.º 742/2014-T, deste Tribunal, de 1 de Setembro de 2015, embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Naturalmente que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, na sequência de um processo anulatório, pressupõe o reconhecimento do direito ao reembolso de quantia paga em cumprimento de liquidação ou liquidações, pois é sobre o valor a reembolsar que são calculados os juros indemnizatórios.

 

VII. DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido e, em consequência, decide-se:

a)            Declarar, nos termos expostos supra:

- a legalidade das liquidações adicionais em sede de IVA relativas aos períodos de imposto 03T/2015 e 06T/2015, no valor de € 325,92 e 781,07, respectivamente;

- a ilegalidade das liquidações adicionais em sede de IVA relativas aos períodos de imposto 09T/2016, 12T/2016, 03T/2017 e 06T/2017, no valor de € 565,24, €625,30, €9.588,66 e €283,90, respectivamente;

- a legalidade parcial das liquidações adicionais em sede de IVA relativas aos períodos de imposto 12T/2014 e 12T/2015, no valor de € 6.495,57 e de € 3.301,22, respectivamente;

- a ilegalidade das liquidações em sede de IVA relativas aos períodos de imposto12T/2014 e 12T/2015, no valor de € 18 472,84 e de € 14 402,43, respectivamente;

b)           A anulação das liquidações de juros compensatórios relativas aos períodos de imposto 09T/2016, 12T/2016 e 03T/2017, no valor de € 58,90, €57,18 e €760,67, respectivamente e a anulação parcial das liquidações de juros compensatórios relativas aos períodos de 12T/2014 e 12T/2015 no valor de € 2 643,89, € 1 486,80, respectivamente;

c)            Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia a reembolsar de € 43 938,37 de IVA e 5 007,44 de juros compensatórios, calculados desde 1 de Fevereiro de 2019 até ser efectuado o reembolso.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 61.311,88 (sessenta e um mil, trezentos e onze euro e oitenta e oito cêntimos).

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 6 de Maio de 2021,

 

 

O TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO

 

Clotilde Celorico Palma

(Presidente)

 

Rita Calçada Pires

(Adjunta)

 

Cláudia Rodrigues

(Adjunta)