Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 22/2012-T
Data da decisão: 2012-07-05  IRC  
Valor do pedido: € 120.158,49
Tema: Derrama – seguros de saúde, conceito de custos ou perdas para efeitos do artigo 23º do CIRC
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CAAD - CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA

Tribunal Arbitral Tributário

Proc nº22/2012 – T

Acórdão

I RELATÓRIO

 

, S.A., (que se designará também abreviadamente por …), pessoa colectiva n.º…, com sede em …, apresentou em 25-1-2012,sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, invocando os artigos 2º, nº 1, alínea a), 10º, nºs 1 e 2 e 30º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e artigo 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pedido de pronúncia arbitral sobre o acto de liquidação adicional n.º … de IRC e Derrama consequente relativo ao exercício de 2000 e respectivos juros compensatórios,

 

Alegou no essencial e em muito sumária síntese:

 

- Em 30-11-2004, a … (sociedade dominante do Grupo …) foi notificada da liquidação adicional relativa a IRC, Derrama e correspondentes juros compensatórios referentes ao lucro consolidado do exercício de 2000 do grupo de sociedades, no montante total de € 217.718,36, (duzentos e dezassete mil setecentos e dezoito euros e trinta e seis cêntimos);

- Essa liquidação teve como base correcções efectuadas na sequência do exame à escrita levada a efeito pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT).

- As correcções à matéria colectável ascenderam a € 492.148,84, tendo a Requerente apenas impugnado as correcções relativas às realizações de utilidade social, no montante de € 287.244,25.

- As correcções à matéria colectável, no montante de € 287.244,25, determinaram o pagamento de imposto em sede de IRC e Derrama no valor total de € 98.913,13, o qual a não relevação fiscal de gastos conexos com realizações de utilidade social.

- Não obstante a discordância de parte das correcções efectuadas, em 22.12.2004, a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação efectuada.

- Em 21-03-2005, a Requerente apresentou Impugnação Judicial da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2000.

- Esta acção foi deduzida junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de …, tendo corrido os seus termos na 2.ª Unidade Orgânica, com o número n.º ….

- Em 11-01-2012 deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por CAAD) o presente pedido de pronúncia arbitral na sequência de pendência de decisão há seis anos e 10 meses.

 

Não tendo a … manifestado vontade de designar árbitro, procedeu-se à nomeação nos termos do artigo 6º/2-a), do DL 10/2011, de 20 de Janeiro (Lei da Arbitragem Tributária, abreviadamente LAT), tendo sido designados árbitros, após prévia aceitação, os signatários, Dr. Juiz José Poças Falcão (presidente), que substituiu o Juiz Conselheiro Francisco Ferreira de Almeida que apresentou renúncia justificada, Dra. Maria da Graça Martins e Dr. Manuel Vaz.

 

Mostra-se junto o respectivo processo administrativo.

Teve lugar em 29-03-2012, neste CAAD, a reunião de constituição do Tribunal Arbitral conforme previsto no artigo 11º-7, da LAT.

 

Na resposta apresentada no prazo legal, a Autoridade Tributária e Aduaneira através dos seus Ilustres representantes, manteve as posições já anteriormente assumidas na fase administrativa, designada e sinteticamente o entendimento de que estão excluídos do âmbito do artigo 23º e do artigo 38º-2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), os custos com seguros de doença em que sejam abrangidos os familiares dos trabalhadores, reformados e viúvos.

Em 17-05-2012, realizou-se a primeira reunião do Tribunal para os fins e efeitos previstos no artigo 18º da LAT, tendo aí sido deliberado, com a concordância das partes, que estas apresentariam alegações orais e que não havia controvérsia relativa à matéria de facto alegada, reconduzindo-se o litígio à aplicação e interpretação da Lei (cf. acta respectiva de 17.05.2012).

Ambas as partes apresentaram doutas alegações orais em que os representantes da Requerente e Requerida mantêm, no essencial, as respectivas posições defendidas nos articulados e na fase administrativa do processo. (cf. acta da reunião do Tribunal Arbitral Colectivo de 21.06.2012)

 

Saneamento

Este Tribunal arbitral, constituído no âmbito do CAAD, é competente para apreciar e decidir o litígio.

As partes são legítimas, estão devidamente representadas e têm capacidade jurídica e judiciária.

Após extinção da instância referente aos autos de Impugnação Judicial nº … que corria termos na 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de …, não há nulidades ou questões incidentais ou prévias invocadas ou de conhecimento oficioso.

Cumpre então apreciar e decidir o litígio.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

  1. Os factos essenciais

- A … em 30-11-2004 foi notificada da liquidação adicional relativa a IRC, derrama e correspondentes juros compensatórios referentes ao lucro consolidado do exercício de 2000 do grupo de sociedades da qual constitui a sociedade dominante.

- Essa liquidação teve como base correcções efectuadas pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT).

- As correcções à matéria colectável no montante de € 287.244,25 determinaram o pagamento de imposto em sede de IRC e Derrama no valor total de € 98.913,13.

- Por não concordar, a tempo, a … exerceu o seu direito de audição prévia em 06-05-2003 (Doc. n.º 4 junto com a PI).

- Através do ofício n.º …, datado de 04-07-2004, a Administração tributária veio, relativamente ao lucro consolidado, propor correcções adicionais. (Doc. n.º 5 junto com a PI).

- Em 19-07-2004, a … exerceu o seu direito de audição prévia (Doc. n.º 6 junto com a PI).

- Em 02-08-2004, foi comunicado à Requerente o respectivo Relatório de Inspecção Tributária n.º … (Doc. n.º 7 junto com a PI), o qual manteve todas as correcções efectuadas no projecto de conclusões.

- Relativamente aos factos e fundamentos enunciados no relatório de inspecção, a … apenas impugnou, o descrito na alínea b) do ponto 1.2.1 do Relatório de Inspecção n.º …, e o ponto 3.1.2, do Relatório n.º … (Doc. n.º 3, pág. 7 e Doc. n.º 7, pág. 4 juntos com a PI):

(...)A empresa considerou como custo fiscal o valor total de 102.209.080$00 (€500.816,74) respeitante a prémios de seguro de doença pagos, tendo como beneficiários três grupos: funcionários no activo e familiares, reformados e viúvos (...).

(...)Considerando que nos termos do artigo 40º, n.º 2 (ex-art.38º) do CIRC, não são aceites como custos fiscais os suportados com seguros de doença a favor dos agregados familiares dos trabalhadores da empresa e reformados, e ainda todos os custos do módulo III (Viúvos), essas importâncias deveriam ter sido acrescidas para a determinação do lucro tributável.(...)”

- A AT considerou que tais despesas suportadas relativas a realizações de utilidade social, que existem e subsistem desde há décadas, (factualidade alegada pela … e não impugnada) não podiam ser dedutíveis por falta de assento legal.

- A … contestou igualmente o cômputo dos juros compensatórios efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

- Em 21-03-2005, a … apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada Impugnação Judicial da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2000 no valor de € 294.284,06 (duzentos e quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros e seis cêntimos).

- Muito embora discordando da parte das correcções efectuadas em resultado da não aceitação como custos fiscais os suportados com seguros de doença a favor de agregados familiares dos trabalhadores da empresa e reformados e viúvos, a … procedeu ao pagamento, em 22-12-2004, de € 217.718,36 (duzentos e dezassete mil setecentos e dezoito euros e trinta e seis cêntimos) correspondentes à totalidade do IRC e derrama liquidados, bem como os juros compensatórios respectivos.

- O aludido processo correu seus termos na 2.ª Unidade Orgânica, com o número n.º …, encontrando-se pendente de decisão há seis anos e 10 meses.

- Em 11-01-2012 deu entrada no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

- Nessa sequência, foi pela Requerente requerida àquele Tribunal a extinção da instância em virtude de ter requerido a Constituição de Tribunal Arbitral, pretensão que veio a ser atendida conforme despacho proferido a 28.04.2012 através do qual foi julgada extinta a instância.

 

2. Motivação

 

Os factos essenciais que se elencam estão documentalmente provados (cf documentos, em especial os Docs. N.ºs 9 a 12 da PI não impugnados e a documentação anexa aos Relatórios de Inspecção Tributária, Projecto de conclusões do relatório de Inspecção Tributária e Relatório de Inspecção Tributária identificados na PI como Docs n.º 3, 5, 7, bem como o processo administrativo apenso).

Os factos alegados pela Requerente não são postos em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como ficou expressamente declarado na primeira reunião deste Tribunal Arbitral (cf. acta: “ Nessa medida, a Requerente declarou prescindir da inquirição das testemunhas arroladas no seu requerimento inicial, uma vez que a Autoridade Tributária deu por assente que a atribuição (aos trabalhadores) do benefício de incluir na cobertura do seguro de saúde as suas famílias, constitui uma prática reiterada de há décadas; decorrente, aliás, de uma praxis interna da Requerente, conforme resulta, de resto, e designadamente dos documentos n.ºs 9, 10, 11 2 12 juntos com o requerimento inicial.”

 

3. O Direito1

 

São três as questões que cumpre apreciar e decidir:

Se os contratos de seguros de doença e acidentes pessoais e que abranjam ou possam abranger, para além dos trabalhadores, os familiares destes, poderão ser considerados custos ou perdas nos termos do artigo 23º do Código do IRC ou, se tal não for admissível, uma realização de utilidade social e, dessa forma, serem os correspondentes prémios dedutíveis nos termos do artigo 38º nº 2 do Código do IRC (na versão em vigor em 2000) e, nessa medida, deverá ser declarada a ilegalidade parcial da liquidação adicional, referente ao exercício de 2000, na parte correspondente a € 98.913,13 (noventa oito mil novecentos treze euros e treze cêntimos);

Concomitantemente, também requer a … a declaração de ilegalidade dos juros compensatórios associados, no montante de 21.245,36 (vinte um mil e duzentos quarenta cinco euros e trinta cêntimos);

Se em caso de procedência, total ou parcial, do pedido de anulação da liquidação de IRC e Derrama, há lugar ao reembolso pela AT à … no montante de € 120.158,49 (cento vinte mil cento cinquenta oito euros e quarenta nove cêntimos), acrescidos de juros indemnizatórios.

O cerne do litígio radica assim e no essencial, na interpretação e aplicação divergente dada às normas do CIRC – artigo 23º e actual artigo 43º (na redacção em vigor em 2000, era o artigo 38º) - com a epígrafe “realizações de utilidade social” -, de tal modo que, não havendo divergências factuais, resultará, no limite, total improcedência da impugnação no caso de ser mantida a interpretação e aplicação normativa da Administração Fiscal e, pelo contrário, resultará procedência total dos pedidos de anulação parcial das liquidações, se for sufragada a interpretação do impugnante.

Naturalmente que não competirá ao tribunal elencar e rebater um por um todos os argumentos jurídicos apresentados pelas partes para fundamentar as respectivas teses. Tal constituirá, pelo contrário, ónus recíproco das partes para, lidos e ponderados todos os argumentos, o tribunal apresentar a decisão com a sua própria fundamentação de direito que, obviamente, pode, total ou parcialmente, aderir aos argumentos ou fundamentos jurídicos apresentados pelas partes.2

Transcreve-se na íntegra, para facilidade de apreciação e exposição, o extenso texto das normas em apreço (artigo 23º e artigo 38º, do CIRC, na redacção vigente em 2000), assinalando-se em bold a parte da redacção cuja interpretação constitui a base do presente litígio:

 

Artigo 23.º

Custos ou Perdas

 

(REDACÇÃO ANTERIOR Á REVISÃO DO DL 198/01, 03.07.01)

1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbios, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolsos;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso e seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta;

f) Encargos fiscais e parafiscais;


g) Reintegrações e amortizações;

h) Provisões;

i) Menos-valias realizadas;

j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

2 - Não são aceites como custos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação.

3 - No caso das rendas de locação financeira, não é aceite como custo ou perda do locatário a parte da renda destinada a amortização financeira.

4 - Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 38.º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

 

Artigo 38.º

Realizações de utilidade social

 

(ERA O ARTIGO 38.º.PASSOU A ARTIGO 40.º COM A REVISÃO DO DL 198/01,03.07.01)

1 - São também considerados custos ou perdas do exercício os gastos suportados com a manutenção facultativa de creches, lactários, jardins de infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social, como tal reconhecidas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, feitas em benefício do pessoal da empresa e seus familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.

2- São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência, a favor dos trabalhadores da empresa.

3 - O limite estabelecido no número anterior será elevado para 25% se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da Segurança Social.

4 - Aplica-se o disposto nos n.os 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:

 

a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regularização colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;

b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;

c) Sem prejuízo do disposto no n.º 6, a totalidade dos prémios e contribuições previstos nos n.ºs 2 e 3 deste artigo em conjunto com os rendimentos da categoria A isentos nos termos do n.º 1 do artigo 20º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais não devem exceder, anualmente, os limites naqueles estabelecidos ao caso aplicáveis, não sendo o excedente considerado custo do exercício;

d) Sejam efectivamente pagos sob a forma de prestação pecuniária mensal vitalícia pelo menos dois terços dos benefícios em caso de reforma, invalidez ou sobrevivência, sem prejuízo da remissão de rendas vitalícias em pagamento que não tenham sido fixadas judicialmente, nos termos e condições estabelecidas em norma regulamentar emitida pela respectiva entidade de supervisão, e desde que seja apresentada prova dos respectivos pressupostos pelo sujeito passivo;

e) As disposições do regime legal da pré-reforma e do regime geral de segurança social sejam acompanhadas, no que se refere à idade e aos titulares do direito às correspondentes prestações, sem prejuízo de regime especial de segurança social, de regime previsto em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho ou de outro regime legal especial, ao caso aplicáveis;

f) A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa e os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional;

g) Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

5 - Para os efeitos dos limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3, não serão considerados os valores actuais dos encargos com pensionistas já existentes na empresa à data da celebração do contrato de seguro ou da integração em esquemas complementares de prestações de segurança social previstos na respectiva legislação, devendo esse valor, calculado actuarialmente, ser certificado pelas seguradoras ou outras entidades competentes.

6 - As dotações destinadas à cobertura de responsabilidades com pensões previstas no n.º 2 do pessoal no activo em 31 de Dezembro do ano anterior ao da celebração dos contratos de seguro ou da entrada para fundos de pensões, por tempo de serviço anterior a essa data, são igualmente aceites como custos nos termos e condições estabelecidos nos nºs 2, 3 e 4, podendo, no caso de aquelas responsabilidades ultrapassarem os limites estabelecidos naqueles dois primeiros números, mas não o dobro dos mesmos, o montante do excesso ser também aceite como custo, anualmente, por uma importância correspondente, no máximo, a um sétimo daquele excesso, sem prejuízo da consideração deste naqueles limites, devendo o valor actual daquelas responsabilidades ser certificado por seguradoras, sociedades gestoras de fundos de pensões ou outras entidades competentes.

7 - As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com pensões, quando efectuadas em consequência de alteração dos pressupostos actuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes, podem também ser aceites como custos ou perdas nos seguintes termos:

 

a) No exercício em que sejam efectuadas, num prazo máximo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos actuariais;

b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos n.ºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 exercícios imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o exercício da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos actuariais e os valores das contribuições efectuadas e aceites como custos em cada um desses exercícios (Aditada pelo DL n.º 454/99, de 05.11.99).

8 - Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, não são consideradas as contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades com pensionistas, não devendo igualmente ser tidas em conta para o cálculo daquelas diferenças as eventuais contribuições efectuadas para a cobertura de responsabilidades passadas nos termos do n.º 6.

9 - Aos custos referidos no n.º 1, quando se reportem à manutenção de creches, lactários e jardins de infância, em benefício do pessoal da empresa, seus familiares ou outros, são imputados, para efeitos de determinação do lucro tributável, mais 40% da quantia efectivamente despendida.

10 - No caso de incumprimento das condições estabelecidas nos nºs 2, 3 e 4, à excepção das referidas nas alíneas c) e g) deste último número, ao valor do IRC liquidado relativamente a esse exercício será adicionado o IRC correspondente aos prémios e contribuições considerados como custo em cada um dos exercícios anteriores, nos termos deste artigo, agravado de uma importância que resulta da aplicação ao IRC correspondente a cada um daqueles exercícios do produto de 10 % pelo número de anos decorridos desde a data em que cada um daqueles prémios e contribuições foram considerados como custo, não sendo, em caso de resgate em benefício da entidade patronal, considerado como proveito do exercício a parte do valor do resgate correspondente ao capital aplicado.

11 - No caso de resgate em benefício da entidade patronal, o disposto no número anterior não se verificará se, para a transferência de responsabilidades, forem celebrados contratos de seguro de vida com outros seguradores, que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, ou se forem efectuadas contribuições para fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional, em que, simultaneamente, seja aplicada a totalidade do valor do resgate e se continuem a observar as condições estabelecidas neste artigo. 12 - No caso de resgate em benefício da entidade patronal, o disposto no nº 10 poderá igualmente não se verificar se for demonstrada a existência de excesso de fundos originada por cessação de contratos de trabalho, previamente aceite pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

_____
 

a) Quanto à primeira questão (Se despesas incorridas pela Requerente no exercício de 2000 relativas ao pagamento de prémios de contratos de seguros de doença que abrangem para além dos trabalhadores, os familiares destes, podem ser considerados como custos dedutíveis para efeitos fiscais face à disciplina estabelecida no artigo 23º ou do artigo 38º, n.º 2, ambos do CIRC).

Esta questão merece ponderação e permite a intervenção amplamente justificada das regras e princípios da interpretação das leis ou de hermenêutica jurídica.

Na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam" - dispõe o art. 11º, da LGT - " (…) são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (…).

Estão, assim, hoje superadas as teses que sustentavam a sujeição do direito fiscal a regras interpretativas próprias, designadamente à regra do in dubio pro fisco3 (estando no imposto em causa um interesse público que deve prevalecer sobre o interesse egoístico do particular, entre duas interpretações possíveis da mesma norma jurídica fiscal, deve optar-se por aquela que, em concreto, se revele mais favorável à defesa daquele primeiro interesse, em detrimento deste último).

Traduzindo-se sempre o imposto numa “agressão” ao direito de propriedade dos contribuintes e sendo este um direito fundamental constitucionalmente consagrado, as restrições ao mesmo devem ser apenas as estritamente necessárias e legalmente previstas, pelo que se não for possível doutro modo, no final do iter interpretativo, ultrapassar dúvidas quanto à mens legis, a opção pela interpretação que, em concreto, se revele mais favorável aos interesses do contribuinte será aquela que deve ser fixada4.

Naturalmente que um tal entendimento não é significativo de adesão ou aceitação a um pressuposto hoje ultrapassado: o de que o direito fiscal seria um ramo excepcional de direito e as suas normas, eram normas excepcionais que careciam, por tal facto, de critérios de interpretação específicos.

Pelo contrário: reconhece-se que o direito fiscal é antes um ramo comum de direito (organizado em torno de um instituto comum que é o imposto), sujeito, por isso, às regras gerais de interpretação das normas jurídicas, maxime às estabelecidas no artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto nos arts. 2º/d) e 11º-1, da LGT.

A interpretação das normas tributárias não oferece assim hoje quaisquer especialidades ou particularidades relativamente às regras gerais da hermenêutica jurídica, regidas pelos grandes princípios de justiça que animam a Constituição, em sentido formal e em sentido material, com um grau de integração na dogmática jurídica revelado, por exemplo, pela regra de aquisição, sem alteração, dos conceitos de outros ramos de Direito (cfr., v.g., 2., do art. 11º, da LGT).

De todo o modo, a existir qualquer particularidade interpretativa da norma fiscal, tal há-de traduzir-se, como se afirmou, em reconhecer a ou optar pela, em caso de dúvida no final de normal processo interpretativo, interpretação que melhor defenda o contribuinte5.

Por outro lado, os princípios da legalidade, excluindo a aplicação analógica das normas fiscais, e da tipicidade, não permitem a criação, por analogia de novos impostos ou a incidência dos já existentes mas não afastam ou proíbem a interpretação extensiva pois esta nada mais significa que o extrair do espírito da lei todas as consequências que nele tenham cabimento, mesmo que eventualmente este seja difícil na sua letra.6

Mas vejamos melhor as regras interpretativas.

Dispõe o citado artigo 9º, do Cód Civil:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Sendo este o quadro legal básico ou estruturante em que se deve mover o intérprete da lei, importa, antes de mais, apurar se a interpretação se justifica, ou seja, se existe ou é possível, com suporte mínimo na letra da lei, um entendimento mais racional, lógico, adequado e justo, que vá para além da simples leitura da letra da lei e que, sem desvirtuar ou afastar o texto normativo, antes, pelo contrário, o precise e complete de molde a abranger situações de vida presumivelmente queridas pelo legislador.

Do estádio mais básico do método interpretativo – a interpretação literal, gramatical, linguística e/ou verbal - passa-se para o estádio seguinte – a interpretação lógica ou racional – e deste último e necessariamente para a fase de pesquisa do fim7 ou objectivo (o elemento teleológico) que a norma pretende realizar, a sua função e finalidade, dentro do princípio de que toda a disposição de direito há-de ter um escopo.

Socorrendo-nos dos ensinamentos, que se passam a citar, de Manuel de Andrade8:

“(…)Para se determinar esta finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada. Devemos partir do conceito de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas e sociais que brotam das relações (natureza das coisas). E, portanto, ocorre em primeiro lugar um estudo atento e profundo, não só do mecanismo técnico das relações, como também das exigências que derivam daquelas situações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa.

A interpretação não é pura arte dialética, não se desenvolve com método geométrico num círculo de abstracções, mas prescruta as necessidades práticas da vida e a realidade social (…)”

(…)Sendo o sentido das palavras dúbio ou equívoco, porque as expressões são demasiadamente gerais ou anfibológicas (…) a interpretação lógica ajuda a fixar o sentido real da lei, escolhendo um dos sentidos possíveis, que resultam do simples contexto verbal (…)”

A interpretação pode conduzir deste modo a resultado que obrigue a corrigir uma formulação ou texto legal que se apresente, prima facie, como estreito de mais ou com uma aparência restritiva quando, na realidade, se reconhecem válidas razões ou fundamentos para tornar extensiva a norma a situações ou pessoas aparente e literalmente por ela não abrangidas, sendo certo que o próprio texto não exclui expressamente essa interpretação extensiva.9

Continuando:

O CIRC enuncia o princípio/regra de que os custos ou perdas, para efeitos de IRC, são os comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente e entre outros, as remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma (…), material de consumo corrente (…) seguros, incluindo os de vida e operações do ramo “Vida”, contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social (…)” – Cfr art 23º-1, CIRC/2000.

Exclui, no entanto, da regra de dedutibilidade como custo fiscal, os custos com os prémios de seguros de doença e acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo ”Vida”, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social que não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente nos termos da primeira parte do nº 3) da alínea c) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS ( Cfr art. 23º- 4 ) e com excepção dos que são abrangidos pelo disposto no artigo 38º do CIRC/2000).

Compreende-se: se estes últimos custos têm regime próprio de dedução ao lucro tributável ou se [no caso de constituírem rendimentos do trabalho dependente, têm um regime de dedução específico (artigo 23º, nº1, d) e nº4), do CIRC/2000], não podem beneficiar da regra geral.

Regressando ao caso sub juditio:

A … defende que, enquanto parte integrante da remuneração dos trabalhadores e uma vez que constituem encargos atinentes à obtenção de um recurso produtivo (mão de obra), os prémios de seguro pagos devem ser considerados custos indispensáveis no entendimento ou concepção previstos no artigo 23º, nº1 do CIRC.

Ou seja: seriam encargos obrigatórios na medida em que se reconduzem a remunerações e esta constituem obrigações legais obrigatórias.

Vejamos:

O pagamento de prémios com seguros de doença e acidentes pessoais dos trabalhadores e seus familiares é efectuado pela … desde há décadas, não tendo tal factualidade sido posta em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira

Admitindo que tal fosse originariamente procedimento facultativo, a verdade é que a prática reiterada ao longo de anos sucessivos transformou essa prática em obrigação contratual no âmbito laboral – Cfr artigos 258º, 259º e 260º (a contrario) do Código do Trabalho e, v. g., Ac do TCAS – Proc 2899/00-, de 31-10-2000.

A questão em apreço, é pois a de saber se os encargos suportados pela … devem ou não ser considerados custos fiscais à luz do artigo 23º do CIRC, tal como alegado.

Salvo o devido respeito, entendemos não ser esse o enquadramento adequado. Nos termos daquela disposição, “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social; (...)* - Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 38º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do nº 3) da alínea b) do nº 3 do artigo 2 º do Código do IRS

Não estando em causa as despesas suportadas com os pagamentos relativos a realizações de utilidade social, em concreto, custos com seguros de doença em benefício dos familiares dos trabalhadores, como prestações decorrentes do vínculo laboral que liga a Recorrente aos seus trabalhadores, é de considerar todavia que, não se encontra comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos conforme exigido pelo artigo 23º, nem tão pouco ficou comprovada a sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora.

Resulta do probatório que a …, dento do seu espírito de liberalidade e altruísmo realizou despesas de carácter eminentemente social sendo que os benefícios atribuídos no âmbito de seguro de saúde de grupo constituído a favor dos familiares dos trabalhadores no activo, dos familiares dos trabalhadores reformados e viúvos, como integradores do conceitos de realizações de utilidade social abrangidas pelo actual 43º do CIRC, e é a luz neste preceito que deve ser aferida a sua dedutibilidade.

Na verdade, à luz do conceito de realizações de utilidade social que se extrai da leitura e de toda a economia do artigo 38º-2, do CIRC/2000, torna-se assim plausível e mais consentânea com o espírito e fins, designadamente, sociais, dessa norma e os ideais de Justiça – fim último e primeiro das normas jurídicas - a interpretação de que os contratos de seguro de doença e acidentes pessoais, desde que abranjam – como é o caso - todos os trabalhadores da … e constituam, pela consagração em instrumento de negociação colectiva de trabalho ou pela prática reiterada ao longo de vários anos, um direito laboral adquirido, podem incluir no seu âmbito os familiares dos trabalhadores desde que reunidos os demais pressupostos, para efeitos do citado normativo.

Na verdade, não estando expressamente prevista na lei a inclusão dos familiares, o que é facto é que também tal não é excluído se atentarmos no primeiro segmento do artigo 38º-2, CIRC/2008: “(…)2 — São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais,(…) (grifado nosso).

Pelo contrário, no segundo segmento da norma em causa, a exclusão dos familiares parece já evidenciada ou, pelo menos, muito mais discutível: “(…) 2.(…)bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa (…)(grifado nosso)

Ou seja: haverá que distinguir entre seguros de doença e acidentes pessoais, por um lado, e seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente (grifado nosso), o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência, por outro, sendo que só nestes últimos casos existe ou subsiste a limitação desses benefícios apenas aos trabalhadores [atente-se no elemento literal: “(…) a favor dos trabalhadores da empresa (…)”] para efeito do cálculo da dedução ao lucro tributável.

Aliás, do próprio elemento literal ou gramatical, é o entendimento mais lógico e consequente na medida em que, relativamente aos contratos de seguro de doença e acidentes pessoais faz escasso sentido a condição imposta (a favor dos trabalhadores da empresa) no citado segundo segmento da norma: “(…)que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez10 ou sobrevivência, a favor dos trabalhadores da empresa (…)” (grifado nosso).

Este âmbito de garantias é, pelo contrário, apanágio dos seguros de vida11, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para regimes complementares de segurança social.

Os seguros de doença e acidentes pessoais têm, pelo contrário, como âmbito, os riscos relacionados com a prestação de cuidados de saúde12 de harmonia com o plano de coberturas previsto nas condições do contrato.

Acresce que, no citado segundo segmento da norma em causa, impõe-se que as garantias – benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência -, estão sujeitas à regra da exclusividade.

Por outro lado ainda, a Lei (art. 38º-2, CIRC/2000) impõe apenas que sejam beneficiários, nestes últimos casos, os trabalhadores mas nada dispõe ou impõe quanto à pessoa segura (o segurado).13

Por isso é que, não repugnando embora, em absoluto, a dúvida sobre o entendimento ou a interpretação restritiva da norma (apenas os contratos de seguros de doença e acidentes pessoais dos trabalhadores), a verdade é que, de todo o texto e contexto da norma sub juditio, resulta (mens legis) a vontade de não excluir do seu âmbito, no contexto dos factos dos autos, os familiares dos trabalhadores no que concerne a seguros de doença e acidentes pessoais, reunidos que sejam naturalmente os demais pressupostos.14

Assinale-se ainda, que a norma em causa com a epígrafe “realizações de utilidade social” não tem em vista a finalidade principal ou essencial duma norma tributária - a obtenção de receitas – mas visa antes objectivos económicos e, sobretudo, sociais, reconduzindo-se, nesta perspectiva a um verdadeiro benefício fiscal concedido à empresa para a “incentivar” à prossecução e/ou manutenção de finalidades sociais, como são a protecção na doença e acidentes pessoais dos trabalhadores e seu familiares.

Esta norma pode ser equiparada à existente para os Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE) e Militares (ADM) em que a comparticipação é efectuada apenas por estes mas os benefícios são extensíveis ao seu agregado familiar.15

A dedução, obviamente com limites, desses custos, é perfeitamente justificável ou aceitável nessa óptica.

Esta é, assim uma interpretação que está na linha dos deveres sociais e constitucionais do Estado, de segurança social e protecção à família, considerando que a dedução ao lucro tributável de despesas com seguros de saúde e acidentes pessoais de familiares dos trabalhadores é uma forma de o Estado, indirectamente ou, no caso, por interposta empresa, cumprir ou complementar o cumprimento desse desiderato constitucional – Cf., designadamente, artigos 63º e 67º, da Constituição.

E se o texto da Lei, na interpretação que dele fazemos, não exclui os familiares mediante o uso de qualquer expressão linguística restritiva como a utilizada no segundo segmento da norma [“(…) bem como com contratos de seguro de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis, ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa (…)], essa omissão e o texto e contexto da norma, só pode ter o significado razoável e lógico apontado à luz dos princípios gerais de interpretação das normas jurídicas, sem necessidade de trazer à colação o princípio contra fiscum em caso de dúvida interpretativa de norma tributária (princípio para alguns hoje, no mínimo discutível), cumprindo-se assim, por outro lado, o princípio geral de interpretação condensado no velho brocardo interpretativo aequior et benigna summenda.16

Numa interpretação do espírito dos dois segmentos da norma pode entender-se que a não autonomização das duas situações diferenciadas de seguros em números diferentes não terá sido efectuada pelo facto de no computo geral o seu montante ficar limitado ao plafond de 15% das despesas com pessoal (…) da empresa.

Mesmo podendo invocar-se que as realizações de utilidade social só abrangeriam os familiares dos trabalhadores quando revestissem as características enquadradas no artº 38º, nº1, deve tomar-se em consideração que estas situações têm uma tipicidade própria e diferenciada das que são abrangidas pelo 1º segmento do nº2, razão pela qual uma parte relevante dessas realizações de utilidade social são majoradas em 140% nos termos do artº 38º, nº9.

Concluindo nesta parte:

Especialmente quando revistam carácter obrigatório em função, designadamente, do regime jurídico do contrato de trabalho, os contratos de seguro de doença e acidentes pessoais a que alude o artigo 38º-2, do CIRC/2000 abrangem, para além dos trabalhadores, os familiares destes.

Procede, destarte, com estes fundamentos, o pedido de pronúncia arbitral relativamente à primeira questão suscitada.

 

b) Quanto à segunda questão [se serão devidos pela Requerente juros compensatórios associados].

Em conjunto com o pedido de anulação da liquidação de imposto, a … formulou o concomitante pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios, por dependência do pedido de anulação parcial da liquidação adicional.

 

Para fundamentar a sua alegação, a Requerente defende que, atento o disposto do n.º 7 do artigo 35º da Lei Geral Tributária, os juros compensatórios, em caso de falta apurada em acção de fiscalização – como se observou no caso em apreço – só são devidos até 90 dias posteriores á conclusão da referida acção.

 

Ora, resulta do probatório apresentada e não contestada, que a acção de inspecção terminou em 15.05.2003, conforma relatório de inspecção tributária (cf. Doc. n.º 3 da PI).

 

Nessa conformidade, os juros deveriam ter sido calculados por referência a 793 dias, ou seja, de 31-05-2001 a 13-08-2003.

 

Afigura-se-nos assim ter havido erro no cálculo dos juros por parte da Autoridade Tributária porquanto foram computados até 28-07-2004.

 

Deste modo, os juros compensatórios deveriam ter sido de € 25.155,25 e não de € 32.195,06. Nessa conformidade, o valor cobrado em excesso resultante da diferença entre estes valores, é de € 7.039,81.

 

Adicionalmente e tendo sido apenas contestadas as correcções à matéria colectável no montante de € 287.244,25 referentes às despesas suportadas com realizações de utilidade social, relativamente à qual foi determinado o pagamento de IRC e Derrama no valor total de € 98.913,13, deverão os respectivos juros compensatórios ser igualmente anulados. Por conseguinte, o montante dos juros compensatórios calculados no montante de € 14.14.205,55 correspondente à liquidação adicional parcialmente anulado, deverá do mesmo modo ser restituído.

 

Em face do antedito, dá-se provimento ao pedido da Requerente nesta parte, anulando os juros compensatórios referentes à liquidação adicional n. º … nos termos peticionados.

 

c) Quanto à segunda questão [se serão devidos à Requerente juros indemnizatórios na sequência do procedimento do pedido de reembolso].

Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 43º, da LGT:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

 

 

Os juros indemnizatórios são assim juros (indemnização) a favor do contribuinte destinados a compensá-lo do prejuízo derivado do pagamento de prestação tributária que se veio a revelar, administrativa ou judicialmente, indevida.

Está subjacente na consagração deste direito a concretização duma imposição constitucional e de justiça e que é a de que o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis pelas acções e/ou omissões de que resultem violações dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem (cf. artigo 22º da Constituição e Lei 67/2007, de 31 de Dezembro – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas).

Nas situações previstas no citado artigo 43º, da LGT17, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios na presunção de existência de prejuízo para os contribuintes e na responsabilidade da Administração Tributária pela ocorrência do mesmo.

Havendo anulação de um acto tributário ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que deveria assentar, torna-se exigível um pedido indemnizatório do contribuinte traduzido em juros contados sobre a importância liquidada em excesso e paga, desde a data desse pagamento até emissão da nota de crédito respectiva.18

Trata-se aqui, fundamentalmente, da consagração do princípio da reconstituição da situação anterior ao acto anulado – efeitos ex tunc da anulação -, tudo se devendo passar como se esse acto não tivesse sido praticado (cfr princípio geral do Direito Civil – Cf art 569º, CC).

Subsumindo nesta parte:

A … procedeu ao pagamento na sequência de liquidação adicional relativa a IRC, derrama e correspondentes juros compensatórios referentes ao lucro consolidado do exercício de 2000, decorrente de correcções efectuadas pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT).

Esta, como se procurou demonstrar supra, revelou-se uma interpretação restritiva sem fundamento.

Procederá assim, o pedido de juros indemnizatórios formulado.

 

III DECISÃO

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, julgando procedente o pedido de pronúncia arbitral, decide este Tribunal:

a) Anular parcialmente, com fundamento em ilegalidade, a liquidação adicional de IRC, Derrama consequente, efectuada à … relativa ao ano de 2000, conforme pedido;

b) Concomitantemente, por considerar que não deve subsistir a liquidação dos respectivos juros compensatórios referente à liquidação adicional de IRC e Derrama do exercício de 2000, anular o montante dos juros compensatórios indevidamente pagos pela Requerente, na parte relativa à anulação parcial da aludida liquidação adicional, incluindo a parcela indevidamente apurada em função do erro na contagem do prazo para o cálculo dos juros compensatórios, conforme pedido;

c) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, contados à taxa legal, desde o pagamento do IRC em causa até emissão da respectiva nota de crédito ou equivalente (art. 61º-5, CPPT), mas tão só e apenas sobre a parte do imposto e derrama ora anulados decorrente da não consideração dos prémios dos contratos de seguro e acidentes pessoais dos familiares dos trabalhadores, dos familiares dos reformados e dos viúvos.

  • Fixa-se à causa o valor de € 120.158,49 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, da LAT (DL 10/2011) e 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  • Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo da Autoridade Tributária – arts 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, da LAT.

  • Notifiquem-se as partes (artigo 23º, da LAT)


 

Lisboa e CAAD, 5 de Julho de 2012

 

José Poças Falcão

 

 

Maria da Graça Martins

 

 

Manuel Vaz (Relator)

 

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga].

1 Segue-se muito de perto o teor da decisão arbitral proferida no processo nº 4/2012 – T, deste CAAD e publicada no respectivo sítio da Internet.

2 Os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes – é o que tem sido repetidamente afirmado pela Jurisprudência (Vd inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094.

 

3 A regra in dubio pro fisco é orientação escassamente acolhida pela doutrina (Cardoso da Costa, Ob citada na nota seguinte, pg 200, nota (1).

 

4 “(…)De tais orientações, as que maior eco têm alcançado obedecem ao comum propósito do favorecimento ou da defesa do contribuinte na aplicação das normas fiscais (…)” Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª Ed., Almedina, pp. 190 e ss..

5 Idem, ibidem, p. 201

 

6 “ (…) A última barreira posta ao arbítrio da Administração é constituída por uma interpretação o mais possível próxima da letra da Lei. Por outras palavras: por uma interpretação que prossiga o objectivo (nunca atingível) de se fixar um sentido coincidente com a impressão que retiraria do texto um leitor medianamente culto e não especialmente preparado em termos jurídicos (…) (Diogo Leite de Campos, Direito Tributário – 2ª Ed., Almedina, 2000, pg. 90).

 

7 Desde Ihering (Zweck Im Recht – 1877) o fim é o criador de todo o Direito.

 

8 Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Ed. Arménio Amado, 3ª Ed. – 1978, pp. 141 e ss..

 

9 Falso é assim o brocardo ubi lex voluit dixit, ubi noluit, tacuit (quando a lei quis, disse-o; quando não quis, calou-se) (Cf Manuel de Andrade, Obra citada, p. 150.

E – reafirma-se -, relativamente à norma fiscal nenhuma restrição válida existe ao recurso à interpretação extensiva ( Cfr. igualmente, Cardoso da Costa, Obra citada, p. 208).

 

10 Embora no seguro de acidentes pessoais, o segurador possa cobrir o risco de invalidez, temporária ou permanente (Cfr artigo 210º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro citado nas notas infra)

 

11 No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura (artigo 183º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril))

 

12 Cfr artigos 213º e ss., do citado Regime Jurídico do Contrato de Seguro.

 

13 No caso e atendendo ao léxico jurídico dos contratos de seguro (contratos a favor de terceiro – arts 443º e ss., do C Civil e DL nº 72/2008, de 16 de Abril), o tomador do seguro é a …; o segurado poderá ser o trabalhador ou familiar e o beneficiário será, no caso de doença e acidentes pessoais, o trabalhador ou os seus familiares e, no caso dos seguros de vida e invalidez, sempre os trabalhadores.

14 Naturalmente que os contratos de seguro tendo como beneficiários não familiares dos trabalhadores estarão fora da letra e espírito da norma em causa. Por razões claras e óbvias, designadamente por, ressalvadas eventualmente certas situações (por exemplo, nas uniões de facto estáveis, o companheiro ou companheira do trabalhador), não ser descortinável a necessária “utilidade social”, fundamento do benefício fiscal em causa.

 

15 Citando o Presidente do Centro Hospitalar de São João, Porto, na revista Visão de 14-06-2012 “Quando comparamos os benefícios que a ADSE proporciona, são idênticos a um seguro “topo de gama” “. Entenda-se como seguro de saúde (sublinhado nosso).

 

16 Deve tomar-se a interpretação mais justa e benigna.

17 Trata-se de um elenco, não exaustivo ou taxativo, de situações ou casos que conferem aos contribuintes direito a serem indemnizados por actos da Administração Tributária.

 

18 Em acção autónoma contra o Estado pode sempre o contribuinte que se sinta lesado exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito (Cfr citados arts. 22º, da Constituição e Lei 67/2007).