Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 639/2019-T
Data da decisão: 2021-05-25  IRC  
Valor do pedido: € 81.140,52
Tema: IRC – Indispensabilidade dos gastos; Especialização de exercícios.
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SUMÁRIO:

 

I.             A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável;

II.            É por via da tributação autónoma, e não pela não dedutibilidade dos gastos, que devem ser fiscalmente tratadas despesas, quando, como é o caso, está demonstrada uma conexão com a actividade normal da empresa, mesmo que não se apurem, especificadamente os seus individuais beneficiários.

III.          É possível a imputação de custos relativos a exercícios anteriores, quando não tenham resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, e quando a omissão de tal possibilidade possa colocar em causa o princípio da justiça.

 

***

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Henrique Fernando Rodrigues e Jaime Carvalho Esteves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 27 de Setembro de 2019, A…S.A., NIPC …….., com sede na Rua …, n.º 6, R/C, …, … Amadora, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018 ………, da demonstração de acerto de contas n.º 2018 ……. e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ……, no valor global de €79.316,15, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve como objecto as referidas liquidações. 

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

i.             vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, nomeadamente, violação dos artigos 23.º, 18.º, n.º 2 e 88.º, n.º 7 do CIRC;

ii.            violação do dever de fundamentação na liquidação de juros compensatórios.

 

3.            No dia 30-09-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 20-11-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-12-2019.

 

7.            No dia 03-02-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 13-10-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as eventuais prorrogações, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade anónima, com sede em território português, que dedica a sua actividade à área da importação, exportação e comércio de bens.

2-            A base de negócio da Requerente é a exportação de bens, nomeadamente, de produtos alimentares (peixes, crustáceos, mariscos, carnes, etc) e prestação de serviços a um grupo de empresas angolano – B…, SA, C…, S.A., D…, Lda., E…, S.A. e E…, S.A. -, dedicadas, entre outros, a espaços de restauração, com outros usos (discoteca, espetáculos), com mais de 700 trabalhadores.

3-            A Requerente tem como cliente este grupo de empresas angolano na condição de assegurar o melhor peixe e marisco do mercado ao melhor preço.

4-            O restaurante Marisqueira B…, em Angola, é considerado das melhores marisqueiras do mundo.

5-            O marisco e o peixe são transportados, grande parte ainda vivos, semanalmente, de avião para Angola.

6-            Em 2014, a Requerente teve um volume de negócios (vendas e serviços prestados) no total de €4.906.651,86, e um custo de mercadorias, que depois foram exportadas para Angola, de €2.122.203,30.

7-            A Requerente levou a gasto o montante de €37.418,10, respeitante a viagens e estadas, e efectuadas por F… e G…..

8-            G… é administrador, directa ou indirectamente, das várias empresas do grupo onde se insere a Requerente, mas também dos principais clientes/restaurantes (B…, S.A, H…, S.A, C…, Lda., D…, S.A e E… S.A).

9-            Do montante de €37.418,10, €29.285,18 são referentes a passagens aéreas entre Luanda e Lisboa.

10-         A Requerente registou, no exercício de 2014, nas contas 62.5.1.2.01- Alojamento e Alimentação – Pessoal, e 62.5.1.2.04 – Deslocações – Pessoal, o valor de €2.447,20 e de €2.040,00, respectivamente.

11-         Tais montantes estão documentados através da factura/recibo …./14 MB, Recibo PJ49…. e Fatura 11……..

12-         Estes gastos dizem respeito a uma viagem ao Norte, organizada pela Requerente, em que estiveram presentes os representantes das empresas do grupo angolano, os principais fornecedores e os representantes e colaboradores da Requerente, a fim de se efectuarem encontros de trabalho. 

13-         Nessa viagem estiveram os clientes e os fornecedores da Requerente, tendo sido estreitadas relações, que permitiram o fortalecimento do negócio.

14-         A esta viagem está associado o montante de €3.329,70, referente a despesas incorridas no Restaurante I….

15-         A Requerente contabilizou como gasto o valor de €7.000,00, referente a uma factura-recibo de arrendamento de um imóvel na zona de Tavira, com o descritivo “Aluguer dos meses de julho, agosto e setembro”.

16-         Durante esse período, a Requerente tentou fazer uma selecção de fornecedores de peixe e marisco na região do Algarve.

17-         A região do Algarve, designadamente, Faro, Olhão e Tavira, é uma das regiões do país com maior número de fornecedores deste tipo de produtos alimentares.

18-         No exercício de 2014, a Requerente contabilizou o gasto, no montante de €27.400,00, referente a duas facturas emitidas a 05-12-2012, pelo fornecedor suíço J….

19-         A Requerente não acresceu esse valor no campo 710 do Quadro 07 da DM22.

20-         Os bens adquiridos à J… foram entregues à Requerente pela empresa K…, constando dos respectivos talões, como data de entrega dos bens, os dias 05-12-2012 e 06-12-2012.

21-         Em 2012, por inexistência de facturas, a Requerente optou por não considerar qualquer gasto relacionado com os referidos fornecimentos.

22-         A Requerente registou na conta SNC – 62.6.6.2 – Despesas de Representação, o valor de €348.867,68.

23-         O referido montante diz respeito a viagens, obtenção de vistos e reemissão de bilhetes de clientes e fornecedores da Requerente, estando identificados os clientes da Requerente como beneficiários.

24-         Na sequência da pressão exercida pelos seus clientes no sentido de redução do valor das prestações de serviços, a Requerente acordou com estes a assunção de determinadas despesas, todas por conta dos clientes angolanos, cujo valor máximo não poderia exceder 15% do valor das prestações de serviços.

25-         Dada a escassez de divisas, caso a despesa fosse redebitada, seria mais difícil ou impossível o pagamento, visto que o Banco Nacional de Angola não autorizava transferências para esses efeitos.

26-         A despesa identificada com o número 11.058 está relacionada com o projeto L…, de identificação de fornecedores de carne na América do Sul.

27-         Foi necessário identificar na América do Sul, em Portugal e na Europa, diversos fornecedores de carnes, com cortes e raças específicos, para o restaurante L….

28-         Na sequência dessa viagem, foram identificados os fornecedores tendo-se iniciado importações de carne da América do Sul, nomeadamente do Uruguai, que depois foram exportadas para o cliente angolano.

29-         Neste caso, ocorreu uma parceria entre o cliente angolano e a Requerente, tendo aquele pago os custos do prestador de serviços e a Requerente os custos de deslocação.

30-         A Requerente teve necessidade de fazer prospecções à China e a outros países no sentido de procurar equipamentos de som, para espectáculos ao vivo, e outros para restauração, de modo a conseguir o melhor produto ao melhor preço.

31-         A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, em sede de IRC, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017…...

32-         No âmbito do procedimento inspectivo, através de notificação pessoal ao representante da Requerente para as relações com Administração Tributária e Aduaneira, a AT solicitou esclarecimentos adicionais à Requerente, nos seguintes termos:

33-         A Requerente respondeu ao pedido de esclarecimentos, em 07-02-2018, tendo prestado as seguintes informações:

34-         A Requerente foi notificada do relatório de inspecção do qual consta, além do mais, o seguinte:

35-         As correcções efectuadas em sede de inspecção traduziram-se numa correcção ao lucro tributável da Requerente no montante de €429.258,68.

 

36-         Na sequência da correcção efectuada em sede de inspecção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2018 8310004144, da demonstração de acerto de contas n.º 2018 19818407 e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018 253782, no valor global de €79.316,15.

37-         Em 08-01-2019, a Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações.

38-         A Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas liquidações.

39-         Por despacho datado de 06-05-2019, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer direito de audição prévia.

40-         A Requerente não exerceu direito de audição prévia.

41-         Em 26-06-2019, foi enviada, por carta registada, à Requerente, o despacho de indeferimento que convolou em definitivo o projecto de decisão da reclamação graciosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

As questões a decidir nos presentes autos, tal como configurado pela Requerente, são as seguintes:

a.            aferir da dedutibilidade, para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC, dos gastos relacionados com deslocações em que estão identificados como beneficiários ... e ..., dos gastos relativos a alojamento, alimentação e deslocações do pessoal, a rendas referentes ao arrendamento de um imóvel no Algarve e a viagens à China e ao Uruguai;

b.            determinar se o valor de €27.400,00, relativo a duas facturas emitidas pela ... no ano de 2012, podem ser consideradas gasto, no exercício de 2014, atento o regime previsto no artigo 18.º do CIRC;

c.            aferir se os encargos relativos a viagens, obtenção de vistos e reemissão de bilhetes de clientes e fornecedores da Requerente, no valor de €348.867,68, são considerados dedutíveis, à luz do artigo 23.º do CIRC.

 

Vejamos cada uma das questões.

*

a.

Três das questões a dirimir no presente processo arbitral, estão relacionadas com a matéria da dedutibilidade de gastos, no exercício de 2014.

Na ordem em que são apresentadas pela Requerente, as questões dizem respeito à não

aceitação da dedutibilidade de:

i.             gastos com deslocações, designadamente, táxi e viagens;

ii.            gastos com alojamento, deslocação e alimentação do pessoal;

iii.           gastos relacionados com rendas devidas pelo arrendamento de um imóvel, no Algarve, nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2014 e com viagens ao Uruguai e à China. 

Todas estas questões se reconduzem à problemática mais geral da dedutibilidade dos

gastos em IRC, regulada, em primeira linha pelo artigo 23.º do CIRC que, no exercício em questão, apresentava a seguinte redacção:

“Artigo 23.º

Gastos e Perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (...)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para

esse efeito.”.

                No que concerne ao ónus da prova dos requisitos da dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, determina o artigo 75.º, n.º 1 da LGT, o seguinte:

“1 – Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízos dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

Os requisitos de dedutibilidade dos gastos não beneficiam, portanto, da presunção de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, tal como resulta expressamente do teor do referido normativo. Atente-se, neste aspecto, à ressalva feita pelo legislador – “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Esta conclusão tem vindo, inclusive, a ser defendida pelos tribunais superiores, como decorre da jurisprudência que se extrai do Acórdão do TCA-Sul de 28 de Março de 2019, proferida no processo n.º 69/17.9BCLSB , nos termos da qual se refere que, “A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C”. Conclui aquele aresto que “no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.)”.

Conforme se verá detalhadamente em relação a cada um dos gastos cuja dedutibilidade se discute, no caso sub iudice, a AT não colocou em causa a existência e o montante do gasto, mas apenas a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte.

Com efeito, não beneficiando a questão em análise – dedutibilidade dos gastos – da presunção legal de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, sempre serão de aplicar as regras gerais do ónus da prova.

A este respeito, refere o n.º 1 do artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, cabendo, pois, à Requerente, que pretende fazer valer o seu direito à dedutibilidade dos gastos, o ónus de demonstrar que tais gastos têm carácter empresarial. 

Vejamos, então, se a Requerente logrou fazer essa prova, relativamente a cada um dos gastos cuja dedutibilidade se discute.

*

i.

A primeira questão a que cumpre dar resposta na presente acção arbitral, prende-se com

a dedutibilidade de gastos contabilisticamente registados na conta 62.5.1.1.04 – Deslocações dos corpos gerentes, no valor de €37.418,10.

Relativamente a esta matéria, refere o RIT que “Na notificação pessoal efectuada, foi requerida no ponto 2 que justificassem a contabilização dos gastos na conta SNC # 62.5.1.1.04, montante de €37.418,10 (€ 51.104,37 - € 13.686,27) atendendo a que os beneficiários não constam dos Órgãos Sociais da .... Mais se solicitou informação e documentos de prova caso aqueles gastos tenham sido faturados a terceiros”.

No que diz respeito a estas considerações, note-se, desde logo, que o que releva para efeitos de dedutibilidade dos gastos é que estes sejam contraídos no interesse da empresa e, por isso, subsumíveis num perfil lucrativo, não sendo, portanto, determinante, se os beneficiários dessas despesas fazem parte dos órgãos sociais da Requerente. Dito de outro modo, não é suficiente que o beneficiário daquelas despesas seja estranho aos órgãos sociais da Requerente para que se conclua, sem mais, que se trata de um gasto alheio à actividade empresarial.

Em resposta ao solicitado pela AT em sede de inspecção, informou a Requerente que “Trataram-se de viagens indispensáveis ao acompanhamento das vendas e prestações de serviços, de acordo com as exigências do cliente”, uma vez que tais despesas “estão relacionadas com o grupo de clientes Angolanos”.

Na sequência do esclarecimento prestado pela Requerente, concluiu a AT que “Quanto às viagens em nome de … e ..., bem como as que não se encontram identificadas, no montante de €37.418,10, não podem ser aceites fiscalmente, à luz do preconizado no artigo 23.º do CIRC, devendo ser acrescidos no Quadro 07 da Modelo 22.”.

Como se viu, está assente jurisprudencialmente que “no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade”.

Resulta do ponto 8 dos factos provados, e do próprio relatório de inspecção tributária, que ... é administrador directa ou indirectamente das várias empresas do grupo onde se insere a Requerente e dos cinco clientes/restaurantes sedeados em Angola, que constituem o principal cliente da Requerente e que têm uma influência preponderante nos resultados desta. 

Do montante de 37.418,10€ não aceite enquanto gasto dedutível por parte da AT, o valor de 29.258,18€, é referente a passagens aéreas entre Luanda e Lisboa, que é a base do negócio da Requerente.

Atentas as estreitas relações económicas existentes entre a Requerente e o grupo de empresas Angolanas, das quais o Sr. ... é administrador, e o peso que aquele grupo de empresas tem no lucro da Requerente – uma vez que constitui a sua principal, se não única, cliente – é perfeitamente justificável, à luz de critérios de normalidade, que a Requerente suporte os encargos com as viagens entre Luanda e Lisboa.

Como tem sido jurisprudencialmente entendido, “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” 

Assim, resultando demonstrado que o gasto sindicado se relaciona com a actividade normal da empresa, designadamente com a relação empresarial que a Requerente desenvolve com as empresas do grupo angolano, sempre deveria ser considerado dedutível, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Poderia equacionar-se, porventura, a sujeição destas despesas a tributação autónoma, uma vez que estão em causa despesas suportadas com viagens oferecidas a clientes.

Nos termos do artigo 88.º, n.º 7 do CIRC:

“7- São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidade.”

Com efeito, seria por via da tributação autónoma, e não pela sua não dedutibilidade, que deveriam ser fiscalmente tratadas tais despesas, quando, como é o caso, existe uma conexão com a actividade normal da empresa.

Em face de tudo quanto se expôs, procede, nesta parte o pedido arbitral.

 

ii.

Relativamente ao segundo dos temas indicados, verifica-se que a AT considerou que os valores de €2.447,20 e €2.040,00, relativos a alojamento e transporte, assim como o valor de €3.329,70, referente a despesa no restaurante Dona ..., não poderão ser considerados dedutíveis para efeitos fiscais.

Refere o RIT, a este propósito, que estes encargos “diziam respeito a alojamento e transporte, contudo não têm qualquer informação sobre os beneficiários” e que “por dizerem respeito a despesas com pessoal, foram analisadas as DMR entregues pela ... ao longo do ano de 2014”.

Em resposta aos esclarecimentos solicitados pela inspecção, referiu a Requerente que “Tratou-se de uma viagem ao Norte onde foram convidados diversos fornecedores, prestadores de serviço, a fim de efetuarem encontros de trabalho com os responsáveis do grupo angolano”.

                Perante este esclarecimento, concluiu o RIT que “Uma vez que não foi possível aferir através dos documentos de suporte contabilísticos o que foi afirmado em resposta à notificação pessoal, não é possível à Autoridade Tributária aceitar estes gastos”.

                No que respeita à despesa no Restaurante Dona ..., concluiu o RIT que “Quanto à despesa relacionada com o restaurante no montante de €3.629,70 em que é alegado que está associada à viagem ao Norte onde foram convidados diversos fornecedores, prestadores de serviços e clientes, o que daria a entender que seria uma despesa de representação, não foi feita qualquer identificação dos mesmos, condição essencial para a aceitação como despesa de representação por força do artigo 88.º n.º 7 do CIRC. Mas também não foi feita qualquer relação entre este gasto e um rendimento obtido conforme determina o artigo 23.º n.º 1 do CIRC.”.

Vejamos, uma vez mais, se a Requerente logrou fazer prova de que os referidos gastos foram suportados no interesse da sociedade.

                Conforme resulta dos factos provados, e reconhece a própria AT no relatório de inspecção, os encargos aqui em causa – alojamento, transporte e refeição no restaurante Dona ... - dizem respeito a uma viagem ao Norte do país. Tratou-se de uma viagem de 3 dias, na qual participaram os representantes/colaboradores da Requerente, os representantes das empresas do grupo angolano e os principais fornecedores da Requerente. Consistiu, na verdade, numa viagem de negócios, na qual a Requerente procurou dar a conhecer aos representantes das empresas do grupo angolano, suas principais clientes, a estrutura comercial de que dispunha em Portugal e os seus principais fornecedores, estreitando, desse modo, as suas relações empresariais.

                Na referida viagem visitaram, inclusive, o restaurante ..., em Vigo, cujo conceito, viria a ser utilizado no restaurante ..., que pertence ao grupo de empresas angolanas, para o qual a Requerente passou a fornecer carnes importadas de países como o Uruguai e Brasil, pelo que se indicia que esta viagem se dirigiu à realização, potencial, de proveitos económicos para a Requerente.

No que concretamente respeita à despesa incorrida no Restaurante Dona ..., ficou demonstrado que se tratou de uma refeição, que ocorreu no âmbito da viagem ao Norte, no qual estiveram presentes os representantes e colaboradores da Requerente, os representantes do grupo de empresas angolanas e os principais fornecedores da Requerente.

Assim, atento o escopo empresarial inerente aos gastos suportados pela Requerente, que procurou estreitar as suas relações comerciais com o grupo de empresas que é o seu principal cliente, sempre se considerará que tais gastos têm carácter empresarial.

O que se apura é que os concretos beneficiários da despesa em questão foram representantes e colaboradores da Requerente, e os representantes do grupo de empresas angolanas e os principais fornecedores da Requerente, e seus familiares.

Todavia, tal é próprio do tipo de despesas em questão – despesas de representação -, sendo, precisamente, esse o fundamento da tributação autónoma que sobre as mesmas está prevista.

Daí que fosse por essa via, da tributação autónoma, e não pela sua não dedutibilidade, que deveriam ser fiscalmente tratadas tais despesas, quando, como é o caso, está demonstrada uma conexão com a actividade normal da empresa, sem, contudo, se indentificarem especificamente os seus individuais beneficiários.

Assim, resultando demonstrada a empresarialidade dos gastos, procede, nesta parte, o pedido arbitral.

 

iii.

No que concerne ao terceiro dos temas indicados, verifica-se que a AT entendeu que o gasto no valor de €7.000,00, relativo ao arrendamento de um apartamento, nos meses de Julho, Agosto e Setembro, não seria aceite como gasto fiscal, “uma vez que o sujeito passivo não provou a relação entre este gasto e um rendimento”.

Em sede de esclarecimentos prestados no âmbito da inspecção tributária, esclareceu a Requerente que “Tratou-se de um aluguer por um período em que se tentou fazer uma seleção de peixe e marisco, especialmente ao nível de aquicultores de marisco da zona”.

De facto, conforme decorre dos factos provados, os gastos com o arrendamento do imóvel no Algarve, relacionaram-se com a necessidade de alojar os colaboradores da Requerente que, nos meses de Julho, Agosto e Setembro, se deslocaram àquela região do país para contactar novos potenciais fornecedores. Como foi evidenciado pela prova testemunhal produzida, os fornecedores da Requerente estavam centralizados na zona de Lisboa, Setúbal, Peniche e Lourinhã, pelo que a Requerente tinha interesse em diversificar os produtos e os seus fornecedores. Ao invés de reservar quartos de hotel, para alojar os seus colaboradores que se encontravam naquela região do país para contactar com potenciais fornecedores, a Requerente optou por arrendar, temporariamente, um imóvel, por considerar que seria mais cómodo e até economicamente mais vantajoso.

Os colaboradores da Requerente procuraram, dentro do período de três meses em que estiveram no Algarve, contactar com os pescadores e fornecedores de marisco e negociar preços de novos produtos que seriam depois exportados para Angola, a partir de um novo local.

Conforme tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores, “Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” .

Face a tal critério, e aos factos provados, é de julgar, assim, suficientemente demonstrado que os custos incorridos pela Requerente tiveram subjacentes interesses de carácter empresarial, nomeadamente, no sentido de diversificar os produtos que exportava e o seu leque de fornecedores.

Com efeito, tendo o referido gasto subjacente interesses de carácter empresarial, sempre deveria ser considerado dedutível, para efeitos fiscais, pelo que será de proceder, também nesta parte, o pedido arbitral.

 

b.

                Insurge-se, ainda, a Requerente contra a correcção operada pela AT no sentido de desconsiderar o valor de €27.400,00 relativos a duas facturas emitidas pela ....

                Entende a Requerente que, em 2012, ainda eram desconhecidos os valores finais dos fornecimentos efetuados pela ..., pelo que, nesse ano, optou por não considerar qualquer gasto relacionado com os referidos fornecimentos.

                Por sua vez, sustenta a Requerida que o referido valor já era conhecido aquando do encerramento das contas do exercício de 2012, motivo pelo qual deveria ter sido reconhecido naquele exercício.

                Dispõe o artigo 18.º, n.º 1 do CIRC, que:

“1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do

lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados,

independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”.

Consagra-se, aí, o chamado princípio da especialização dos exercícios, de acordo com o qual, os rendimentos ou proveitos são imputáveis ao determinado período de tributação em que são obtidos, independentemente do seu pagamento.

Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC, “a lei admite (por força de um outro princípio - o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.”

Assim, tal princípio, no seu extremo rigor, leva a que só possam ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos.

A jurisprudência do STA, tem admitido, porém, a possibilidade de se flexibilizar o princípio da especialização dos exercícios, permitindo-se a imputação de custos relativos a exercícios anteriores, quando não tenham resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios , quando a omissão de tal possibilidade possa colocar em causa o princípio da justiça.

Senão vejamos:

 Se a AT tinha razão na correcção que efectuou, a Requerente, em princípio, teria sido prejudicada pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável no ano de 2014, pois, abatendo um custo no ano posterior àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer em ano posterior e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir pois, em tal circunstância, a Requerente, que já era a única prejudicada pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitada de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A AT, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não teria direito.

Conforme decorre da jurisprudência do STA :

“III - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

IV - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.”.

Descendo ao caso sub iudice, não existe qualquer indício de que a conduta da Requerente tenha sido provocada voluntária e intencionalmente com o intuito de operar a transferência de resultados entre exercícios. Não se vislumbra, na conduta da Requerente, qualquer indício de fraude ou de evasão.

De resto, em princípio, do deferimento da contabilização deste gasto apenas resultaram prejuízos para a Requerente, pois esta só viu o lucro tributável desonerado de tais gastos em momento posterior àquele em que tal deveria ter ocorrido. Além disso, sendo, no ano de 2012, a taxa de IRC de 25% e, no ano de 2014, de 23%, a Requerente obteria maior ganho fiscal se tivesse reconhecido aquele gasto no exercício de 2012.

Portanto, no confronto entre dois deveres - o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização e o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça -, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Com efeito, estando em causa uma omissão da Requerente que não visa a transferência de resultados entre exercícios, e da qual não resulta qualquer prejuízo para a receita fiscal, considerando o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, nada obsta a que o gasto seja considerado no exercício de 2014 pelo que, procede, também nesta parte, o pedido arbitral.

 

c.

                Por último, a Requerente, coloca, ainda em crise, a correcção operada pela AT, relativa à desconsideração, como gasto fiscal, das despesas de representação, contabilizadas na conta SNC # 62.6.6 – Despesas de representação, no montante de €353.765,04, relativas a viagens, obtenção de vistos e reemissão de bilhetes, que foram sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%.

                Entende a AT, em sede de inspecção, que “apesar de surgirem identificados os beneficiários de tais despesas, se desconhece, e a Requerente também não elucida, a sua qualidade e relação face à ..., S.A.”, concluindo que “não indicaram a qualidade das pessoas que constam dos documentos de suporte, pelo que por esse motivo devem ser desconsideradas como gasto do período, na medida em que tais gastos não preenchem os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC”.

                Por sua vez, sustenta a Requerente que as despesas contabilizadas como despesas de representação são “despesas de viagens e vistos, tratam-se de despesas acordadas com os clientes angolanos da requerente, nomeadamente da ..., SA, em que a requerente assegurava os custos de vistos e transporte de trabalhadores do grupo angolano (comprometendo-se a requerente a conseguir condições – custos – muito mais vantajosas do que se a despesa fosse efetuada em Angola, até um montante de 15% das prestações de serviço, mantendo-se, em contrapartida, o preço das prestações de serviços que, assim, não sofreriam redução”. Concluindo que “em rigor, tais despesas até deveriam ser levadas a custos e não a despesas de representação, visto que faziam parte do preço da prestação de serviços”.

Vejamos.

Conforme resulta dos factos provados, na sequência da pressão exercida pelos seus clientes no sentido da redução do valor das prestações de serviços, a Requerente acordou com estes a assunção de determinadas despesas, cujo valor máximo não poderia exceder 15% do valor das prestações de serviços.

Esta negociação do preço dos serviços prestados ocorreu num contexto em que as empresas angolanas estavam com dificuldade em proceder ao pagamento do fee inicialmente acordado, em consequência da escassez de divisas.

Neste contexto, a Requerente acordou com as empresas do grupo angolano que, ao invés de reduzir o preço das prestações de serviços inicialmente fixado, suportaria determinadas despesas, designadamente, com viagens e obtenção de vistos, por conta dos clientes angolanos, com o valor máximo de 15% do valor das prestações de serviço. A solução encontrada visou, por um lado, ultrapassar os constrangimentos que se viviam naquela altura provocados pela escassez de divisas e, por outro lado, evitar a redução do fee acordado com aquelas empresas, mantendo fidelizado aqueles clientes.

Assim, a Requerente continuou a receber o fee inicialmente acordado, mas passou a suportar os encargos com despesas e vistos em valor correspondente a 15% das prestações de serviços o que materialmente consubstancia uma redução do preço.

Tais despesas tratam-se, portanto, de gastos que a Requerente teve de suportar para não perder aquele cliente, tão relevante na obtenção de lucro, pelo que consubstancia um gasto suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC e, por isso, dedutível nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Como refere o Acórdão do TCA-Sul de 16-12-2020, proferido no processo n.º 785/07.3BESNT, “No âmbito da dedutibilidade dos custos e especificamente sobre o requisito da indispensabilidade, o controlo a efetuar pela Administração Tributária tem de ser feito pela negativa, ou seja, a entidade fiscalizadora só deve desconsiderar como custos fiscais os que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo intrometer-se na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa”.

Pelo que as despesas suportadas pela Requerente, nunca poderiam ser consideradas não dedutíveis para efeitos fiscais.

No que concerne à consideração destas despesas como despesas de representação, e a sua sujeição a tributação autónoma, determina o artigo 88.º, n.º 7 do CIRC:

“7- São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”

                As tributações autónomas sobre despesas de representação, têm como finalidade o combate à erosão da base tributável, o desincentivar de determinados gastos de causação presumidamente não empresarial e a tributação de distribuição encapotada de rendimentos a terceiros, não tributados na esfera destes (fringe benenfits). 

Assim, despesas de representação são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde ela não se encontra.

Na verdade, as despesas suportadas pela Requerente, suportadas no contexto que acima se expôs, não tiverem em vista representar a sociedade onde ela se encontra, não constituindo, portanto, despesas de representação, mas constituem antes, materialmente, uma redução do preço dos serviços prestados às sociedades do grupo angolano, pelo que não se tratam, verdadeiramente, de despesas de representação.

Porém, em seu próprio prejuízo, a Requerente sujeitou aquelas despesas a tributação autónoma, não se vislumbrando qualquer motivo para que seja duplamente prejudicada, com a desconsideração da dedutibilidade destes custos.

Aliás, pelos motivos expostos, é igualmente errónea a fundamentação de facto.

Por esses motivos, procede também nesta parte o pedido arbitral.

 

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Declarar a ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2018 8310004144, da demonstração de acerto de contas n.º 2018 19818407 e da liquidação de juros compensatórios n.º 2018 253782, referentes ao ano de 2014, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve as referidas liquidações como objecto, anulando-os;

b)           Condenar nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 81.140,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.674,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Maio de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Henrique Fernando Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(Jaime Carvalho Esteves)

 

Nos termos e para os efeitos do art.º 153.º/1 do CPC e do art.º 15.º-A do DL 10-A/2020, de 13-03, alterado pelo art.º 3.º do DL 20/2020, de 01-05, atesto o voto de conformidade do Sr. Dr. Jaime Carvalho Esteves.