Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 111/2020-T
Data da decisão: 2021-05-11  IRC  
Valor do pedido: € 31.579,45
Tema: IRC – Lucro tributável – Gastos – Imparidades por dívidas a receber – Créditos incobráveis – Anulação de venda.
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SUMÁRIO

 

1. Para a determinação do lucro tributável em IRC, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, entre os quais as perdas por imparidade (CIRC, artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, al. h).

2. A relevância fiscal das perdas por imparidade pressupõe, entre outros requisitos, a existência de prova de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento (CIRC, artigos 28.º-A, n.º 1, al. a) e 28-ºB). Todavia a lei não estabelece qualquer restrição quanto à prova das diligências para cobrança dos créditos, sendo para tal relevantes todos os meios de prova admissíveis em Direito que se mostrem adequados a demonstrar a realização dessas diligências, incluindo a prova testemunhal.

3. O princípio da periodização económica acolhido no artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRC deve conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça – artigos 266.º. n.º 2, da CRP e 55.º, da LGT - por forma a permitir a imputação a um exercício de gastos referentes a períodos anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

4. Do texto de mensagens eletrónicas junto como prova, cujo conteúdo é corroborado por depoimento das testemunhas, não se pode extrair outra conclusão que não a de se estar perante a anulação de uma venda, com devolução da mercadoria transacionada e consequente emissão de nota de crédito pelo valor total da fatura emitida.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório.

 

1. A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.ºs ... e ..., ..., ..., ...- Maia, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 19-02-2020, tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade do indeferimento expresso de reclamação graciosa e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRC, e juros compensatórios, relativo ao exercício de 2014 na importância global de € 31 579,45.

 

3. A Requerente pede também a devolução da importância acima referida, que considera indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatório contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que o ato tributário impugnado, decorrente de correções técnicas, de natureza aritmética, em sede de IRC relativo ao exercício de 2014, é ilegal, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que se fundamenta.

 

5. Em resposta ao que é pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado, por impugnação, no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado no estrito e rigoroso cumprimento da lei pelo que o mesmo, não enfermando de qualquer vício, deve, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 05-08-2020.

 

11. Na sequência de despachos de 07-11-2020 e de 25-11-2020, a Requerida remeteu a este Tribunal o processo administrativo, designadamente a decisão e respetiva fundamentação, proferida no âmbito da reclamação graciosa que constitui o objeto imediato do presente pedido; foi designado o dia 15-12-2020 para a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, e inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

12. Todavia, tendo em conta pedido da Requerente, alicerçado na Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, foi, por despacho de 10-02-2021, determinada a suspensão daquela diligência até oportuno agendamento.

 

13. Cessado o regime transitório de suspensão de atos em processos judiciais previsto no citado diploma foi, por despacho de 08-04-2021, designado para aqueles efeitos o dia 26-04-2021, renovando-se o despacho de 10-02-2021 na parte que diz respeito ao adiamento do prazo para prolação da decisão por mais dois meses, em virtude da extensão da fase instrutória.

 

14. Na reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, os representantes da Requerente e da Requerida pronunciaram-se sobre o conteúdo do presente pedido de pronúncia arbitral, procedendo-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, salvo uma delas de que a representante da Requerente declarou prescindir.

 

15. As testemunhas inquiridas corroboraram o que vem alegado na petição.

 

16. Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, o Tribunal designou o dia 17-05-2021 para prolação da decisão final, notificando as Partes para, de modo simultâneo, apresentarem, alegações escritas no prazo de dez dias.

 

17. Dentro do prazo designado, as Partes apresentaram alegações que, no essencial, reafirmam as respetivas posições já anteriormente expressa na PI e resposta da AT.

 

II. Saneamento.

 

18. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

19. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

20. Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

III. Matéria de facto.

 

21. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

21.1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica a atividade de “Lavandaria com limpeza de peles. Compra, venda e reparação de máquinas para a indústria de lavandaria. Compra e venda de utensílios, ferramentas e produtos para a indústria” (Doc.4).

 

21.2. Exercendo a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, encontra-se enquadrada no regime geral de IRC.

 

21.3. Em 28-05-2015, a Requerente apresentou a declaração periódica de rendimentos modelo 22, a que se referem os artigos 117.º, n.º1, al. c) e 120.º, n.º 2, do Código do IRC, relativa ao exercício de 2014. (Doc.5).

 

21.4. De acordo com os critérios de seleção da Divisão de Planeamento de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, a Requerente foi destinatária de ação inspetiva externa, com extensão ao exercício de 2014, ao abrigo de Ordem de Serviço n.º 012017... .

 

21.5. Segundo o RIT, a ação inspetiva teve por base a necessidade de análise e validação, do ponto de vista de aceitabilidade da lei fiscal, de determinados valores constantes das demonstrações financeiras de 2014, designadamente:

a) Rentabilidade fiscal negativa (-3,95%), apresentando um forte decréscimo do resultado contabilístico e fiscal face a períodos anteriores;

b) Imparidade de dívidas a receber no valor de €217.900,38, acrescendo no campo 718 da declaração modelo 22 de IRC de 2014 o valor de €35.630,88;

b) A certificação legal de contas apresenta reservas e ênfases relacionadas com o saldo de clientes, o qual passou de €446.595 em 2013-12-31 para €282.530 em 2014-12-31;

c) O saldo da rubrica de suprimentos apresenta um valor elevado (€200.652,17), apresentando uma diminuição face ao período de2013, de €159.106,64.205.

 

21.6. Na sequência da referida ação inspetiva, que decorreu entre os dias 20-04-2018 e 17-09-2018, foram propostas as correções aritméticas que se encontram na origem, e em que se fundamenta, a liquidação impugnada.

 

21.7. Do relatório da Inspeção Tributária, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, designadamente, o seguinte:

III.1 – Perdas por Imparidade em dívidas a receber-artigos 18°,28°-A e 28°-B do CIRC

III.1.1. Foi apurado, através da analise dos registos contabilísticos da conta “6511-Perdas por Imparidade- Em dívidas a receber “Clientes', e do cruzamento com o “Mapa de provisões, Perdas por Imparidade  em Créditos  e Ajustamentos em inventários (Modelo 30)” que é parte integrante do processo de documentação fiscal legalmente previsto no artigo130.° do CIRC conjugado com a Portaria n° 92-A/2011 de 16.02, a contabilização como gasto do período de 2014 o valor de €217.900,38, repartido pelas seguintes rubricas:

 

III.1.1.1 –Pedido de elementos/esclarecimentos ao sujeito passivo

Em 2018-05-25, com vista ao cumprimento do princípio da colaboração previsto no n.04 do artigo59.º da Lei Geral Tributaria (LGT) e no artigo 48.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributaria e Aduaneira (RCPITA), foram solicitados ao sujeito passivo, neste âmbito, os seguintes documentos, ficheiros e outra informação contabilística e fiscal e/ou prestar esclarecimentos:

"[...]

10.1.      Créditos em mora

Relativamente ao valor contabilizado como gasto - imparidade em créditos em mora, no valor de €154.066,34, e com vista à validação do gasto à luz do disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 28.º-B do Código do IRC, apresentar todos os comprovativos das diligências para o seu recebimento, efetuadas junto de cada um dos clientes em causa.

10.2.      Créditos em contencioso

Relativamente ao valor contabilizado como gasto-imparidade em créditos em contencioso, no valor de € 63.834,04, e com vista a validação do gasto à luz do disposto na alínea a) e b)do n.º1 do artigo 28.º-B do Código do IRC, queira:

*Identificar concretamente quais os processos associados a cada um dos clientes em causa (n.º de processo, Tribunal, Juizo, etc);

* Documento comprovativo da reclamação de créditos efetuada nesse processo pela A..., sempre que o processo judicial não tenha sido instaurado com base em petição da empresa.

[...]"

III.1.1.2 –Resposta do sujeito passivo

a) Créditos em mora

De acordo com os documentos fornecidos por via eletrónica pelo sujeito passivo (plataforma 'wetransfer), através da sua resposta de 2018-06-12, foi possível constatar o seguinte:

»Foram enviados documentos relativamente a um conjunto de clientes, totalizando apenas € 32.450,27 do valor contabilizado (al. a) da legenda do Anexo 1), encontrando-se por justificar o valor de€ 121.616,07 (al. b) dalegendadoAnexo1);

»Os documentos enviados são cartas simples (sem comprovativo de envio ao respetivo cliente -registo e aviso de receção devidamente assinado) impressas a partir do programa de faturação do sujeito passivo.

b) Créditos em contencioso

De acordo com os documentos fornecidos por via eletrónica pelo sujeito passivo (plataforma 'wetransfer), através dasuarespostade2018-06-27, foi possível constatar o seguinte:

»Foram enviados elementos relativamente a um conjunto de clientes (al. a) da legenda do Anexo 2), que não constituem documentos judiciais comprovativos do crédito em contencioso (ex: e-mails da advogada);

»Foram enviados, para determinados clientes, documentos judiciais comprovativos da existência de processo judicial (al. b) da legenda do Anexo 2), mas em que não foi cumprido o principio da periodização do lucro tributável(cfr. n° 1 do artigo18° do CIRC),i.e., a risco de incobrabilidade encontrava-se já identificado em períodos anteriores (cir. al.a) do n°1 do artigo28.º-A e n.º 1 do artigo 28.º-B,doCIRC);

» Foram enviados, para determinados clientes, documentos judiciais (al. c) da legenda do Anexo 2) que comprovam a existência de processo judicial e reconhecimento do respetivo credito, no valor total de €7.158,34.

III.1.2 – Conclusão

Perante os factos descritos anteriormente, não foi demonstrado que o gasto associado às “Perdas por imparidade em Créditos”, contabilizado em 2014 (€ 217 900,38), cumpre, na sua totalidade, os requisitos de dedutibilidade previstos nos artigos 18.º, 28.º-A e 28-º-B, do CIRC.

Assim sendo, propõe-se a correção de natureza meramente aritmética em sede de IRC no valor de € 176 068,59, conforme se demonstra:

 

III.1.2. Créditos incobráveis – artigos 18.º e 41.º do CIRC

Foi apurado, através da análise dos registos contabilísticos da conta “6837 – Dívidas incobráveis- N/dedutível” a existência de um gasto no montante total de € 3 983,99, a saber.

 

III.1.2.1 – Pedido de elementos/esclarecimentos ao sujeito passivo

Em 2017.05.25, com vista ao cumprimento do princípio da colaboração previsto no n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e no artigo 48.º do Regime Complementar da Inspeção Tributária e Aduaneira (RECPITA), foram solicitados ao sujeito passivo, neste âmbito, os seguintes documentos, ficheiros e outra informação contabilística e fiscal e/ou prestar esclarecimentos.

(...)

Relativamente ao valor contabilizado como gasto a título de créditos incobráveis no montante de € 3 983,99, e com vista à validação do gasto para efeitos fiscais, queira apresentar comprovativo de que estão reunidos os requisitos exigidos pelo artigo 41.º do Código do IRC.

(...)

III.1.2.2 – Resposta do sujeito passivo

Face aos elementos enviados pelo sujeito passivo, através da sua resposta de 2018-06-12, foi possível constatar o seguinte:

a) Relativamente aos elementos justificativos dos montantes associados aos lançamentos identificados com “N.º Doc. 7145 (€2 6894,95) e 12163 (€858,99), os mesmos não constituem documentos comprovativos da aceitação fiscal do gasto contabilizado, uma vez que não foi cumprido o princípio da periodização do lucro tributável (Cfr. n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, a saber:

 

Ou seja, uma vez que o risco de incobrabilidade se encontrava já identificado nos períodos de emissão da(s) respetivas fatura(s), deveria ter sido constituída, naqueles períodos, a respetiva “Perda por imparidade em Créditos”, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º, al. a) do n.º 1 do artigo 28.º-A e n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC.

...

III.1.2.3 – Conclusão

Perante os factos descritos anteriormente, não foi demonstrado que o gasto associado às “Dívidas incobráveis” contabilizado em 2014 [€ 3 453,94) cumpre, na sua totalidade, os requisitos de dedutibilidade previstos nos artigos 18.º e 41.º do CIRC-

Assim sendo, propõe-se a correção de natureza meramente aritmética em sede de IRC, no valor de € 3 453,94.´

III.1.3 – Acréscimo de gastos indevidamente contabilizados – artigo 23.º do CIRC

Foi apurado, através da análise dos registos contabilísticos das contas 772291-Outros acréscimos de gastos – Outros e 717135-Devoluções de vendas-Mercadorias-Outros mercados-Isento, o seguinte lançamento:

 

III.1.3.1 – Elementos/esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo

Conforme documentos existentes na contabilidade e esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, o valor da € 12500, registado a débito na conta 717135, tem como suporte a nota de crédito n.º 15 de 2015-01-22, emitida a título de acréscimo de gasto para anulação da venda suportada pela fatura n.º F-14/23026 de 2014-08-13 (exportação para o cliente “B... LTDA, com sede no Brasil, com o descritivo Total 2.5-Trem de lavagem + Centrifugadora + Removedor de Pó, 3 em 1 com Filtro, Carro e Compressor (...)

No entanto, face aos elementos/esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo em 2018-08-07, em resposta à notificação pessoal efetuada em 2018-07-23, suportados unicamente nas mensagens trocadas por correio eletrónico entre o sujeito passivo (...) e o referido cliente brasileiro (...) entre Agosto e Dezembro de 2014, não ficou demonstrado, de forma inequívoca, que a nota de crédito n.º 15 de 2015-01-22 título una transacção económica consubstanciada na devolução da mercadoria, a saber:

 

III.1.3.2 - Conclusão

Assim sendo, tendo em conta o teor das mensagens de correio electrónico acima referidas, estamos perante um perdão de dívida no valor de € 12 500,00, pelo que o acréscimo de gasto daquele montante, contabilizado a débito na conta 717135-Devoluções de vendas – Mercadorias- Outros mercados-isento, não reúne os requisitos de dedutibilidade fiscal, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC.

Desta forma, propõe-se a correcção de natureza meramente aritmética em sede de IRC, no valor de € 12 500,00.

 

21.8. Em 20.8.2018 foi remetido à Requerente o projeto de relatório de inspeção sendo esta, na mesma data, notificada nos termos e para efeitos de exercício do direito de audição.

 

21.9. Não obstante a argumentação por esta expendida foram, por despacho de 20.9.2018, do chefe da divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, proferido no uso de subdelegação de competência, confirmadas as correções propostas no RIT.

 

21.10. Com base nas referidas correções foi efetuada a liquidação n.º 2018... (acerto de contas 2018...) no montante de  € 31 579,45, de imposto e juros compensatórios (Doc.1).

 

21.11. Em 22-11-2018, o sujeito passivo efetuou o respetivo pagamento, por transferência bancária (Doc.2).

 

21.12. Tempestivamente, foi interposta reclamação graciosa – Proc. ...2019... – DF do Porto – com fundamento em inexistência de facto tributário, alegando a Reclamante, relativamente à fundamentação em que se suporta a liquidação reclamada, em síntese que:

a) O ato tributário enferma de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

b) A exigência da carta registada com aviso de receção para prova das diligências de cobrança não constitui um requisito exigido pelo artigo 28º-A do CIRC;

c) No que respeita aos créditos incobráveis foi feita prova da sua incobrabilidade;

d) A emissão e registo da nota de crédito que anulou a fatura emitida ao cliente brasileiro que recusou o equipamento que lhe foi faturado, constitui um gasto aceite fiscalmente, por força dos artigos. 3º, 17º e 20º do CIRC.

 

21.13. Por despacho de 20-11-2019 do Diretor Adjunto da Direção de Finanças do Porto, comunicado à Requerente por ofício da mesma data, foi a reclamação objeto de indeferimento, com base na fundamentação constante da seguinte informação técnica:

“Alega o reclamante que nos presentes autos se discutem três questões, 1.Se o artº 28º-A e segs. do CIRC, como requisito da dedução fiscal dos gastos incorridos com imparidade para dívidas a receber de clientes, obriga a que as diligências efetuadas para o recebimento, das quantias em dívida, obrigue a requisitos formais, nomeadamente, a interpelação por meio de carta registada com aviso de receção;

 

2.Se a existência de processos de execução instaurados antes da data da emissão das faturas que deram origem aos créditos incobráveis constitui fundamento da não aceitação do gasto com fundamento em incobrabilidade;

 

3.Se a decisão do contribuinte que anula uma operação anterior, por emissão de uma nota de crédito, depois de concluir que assiste razão ao cliente e, que por outro lado, os gastos com o levantamento e transporte de mercadoria desde o cliente até ao armazém da reclamante, são superiores ao valor de custo do equipamento, é censurável e justifica a decisão da sua não aceitação para efeitos fiscais.

 

Vejamos,

 

Ao contrário do que pretende alegar a reclamante, no caso em apreço a AT não pretende interferir no critério de racionalidade económica da mesma, pois isso não lhe compete. No entanto, nos termos do artigo 342.º do Código Civil e artigo 74.º da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos, recaí sobre quem os invoque.

 

Ora, em relação à prova objetiva da imparidade e, apesar do artº. 28º-B do CIRC mencionar como requisito necessário para a aceitação da perda por imparidade de créditos de cobrança duvidosa a prova objetiva de imparidade, não existe, neste código, a sua definição. Logo, teremos de recorrer aos princípios gerais de direito.

 

No caso em apreço, sendo as diligências efetuadas para cobrança de créditos, a mesma será preferencialmente documental, com o comprovativo de que o cliente a recebeu. Daí, ser preferencialmente necessário que a mesma seja registada com aviso de receção e não, somente, carta simples. Contudo, os serviços de inspeção tributária, aquando do procedimento inspetivo, nunca limitaram tal prova à documental, através de carta registada com aviso de receção. Apenas o referiram como exemplificativo, por forma a dar cumprimento ao estabelecido na lei como prova objetiva. Pois, de outra forma, não terá a reclamante como comprovar o conhecimento por parte dos seus clientes.

 

Em momento algum, a reclamante apresentou prova objetiva quanto às perdas por imparidade aqui em questão.

 

Assim, conclui-se que, não foi feita prova cabal da existência do gasto associado às perdas por imparidade em créditos, contabilizados pela reclamante, no exercício de 2014, uma vez que não foram cumpridos os requisitos de dedutibilidade previstos nos artºs. 18º, 28º-A e 28º-B do CIRC.

 

Quanto aos créditos em contencioso, contrariamente ao que alega a reclamante, não estão reunidos os pressupostos para reconhecimento do gasto em causa no período de 2014, no valor de € 3.453,94, uma vez que os mesmos deveriam ter sido reconhecidos ‘Perda por Imparidade em Créditos’ em 2012 (€ 858,99) e 2013 (€ 2.684,95), períodos em que, comprovadamente, o risco de incobrabilidade se encontrava já identificado, com a instauração dos processos de execução n.º .../09... TBCSC e n.º .../10... TBSXL, conforme disposto na al. a) do nº 1 do artigo 28º-A.

 

Desta forma, à luz do disposto no nº 1 do artigo 41º do CIRC, não podem tais valores serem aceites como gasto fiscalmente dedutível, uma vez que o registo e aceitação da imparidade eram possíveis em 2012 e 2013. Ao não registar a imparidade nos respetivos anos, a reclamante deslocalizou o gasto para um período futuro, o que não é possível de acordo com o princípio da periodização, previsto no artigo 18.º n.º 1 e 2 do CIRC

 

Em relação ao acréscimo de gastos indevidamente contabilizados, alega o reclamante não se tratar de um perdão de dívida, mas sim, a concessão de um desconto a 100% do valor do equipamento transmitido, após aceitação da reclamação do cliente e da ponderação dos encargos que a sua devolução acarretava para a empresa e, que, nos termos do artº. 20º do CIRC, os rendimentos relativos a vendas a considerar para efeitos fiscais são líquidos de descontos, pelo que, os referidos gastos devem ser considerados como fiscalmente aceites nos termos dos artºs 17º, 20º e 23º do mesmo diploma legal.

 

Ora, a fim de ser possível comprovar este custo, foram solicitados, pelos serviços inspetivos, os respetivos documentos que serviram de base ao registo contabilístico.

 

Através dos esclarecimentos prestados pela, aqui reclamante, verificou-se que o valor do custo se encontra suportado por uma nota de crédito, emitida a título de acréscimo de gasto para anulação da venda suportada por uma fatura de um cliente que, não ficou com a mercadoria.

 

Os documentos fornecidos, são unicamente mensagens trocadas, por correio eletrónico, entre a reclamante e o cliente brasileiro entre agosto e dezembro de 2014, não tendo ficado demonstrado, sem margem para dúvidas, que a nota de crédito titulava uma transação económica consubstanciada na devolução da mercadoria exportada. Mais uma vez, estamos perante uma insuficiência de prova quanto ao direito invocado pela reclamante. Face ao teor das mensagens trocadas, estamos perante um perdão de dívida e não face a um desconto, pelo que o acréscimo contabilizado a débito, não reúne os requisitos de dedutibilidade fiscal, conforme dispõe o artº 23º.

 

Conforme dispõe o nº 1 do artº 24º do mesmo diploma, estamos perante uma liberalidade praticada pelo reclamante, com reflexo no resultado líquido do exercício (2014), facto que se traduz numa variação patrimonial negativa não aceite fiscalmente.

 

Conclui-se, não assistir razão ao reclamante quanto aos fundamentos apresentados, com o objetivo do deferimento do pedido, porquanto o reclamante, não faz a competente prova, conforme resulta do supra exposto.

 

22. Os factos provados baseiam-se nos elementos constantes dos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito.

 

23. Das correções ao lucro tributável do exercício de 2014, efetuadas na sequência de ação inspetiva que determinaram a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios no montante global de € 31 579,45, objeto de indeferimento em sede de reclamação graciosa, o Requerente impugna no presente processo:

- Perdas por imparidade de créditos, no valor de € 176 869,59;

- Créditos incobráveis, no valor de € 3 453,54;

- Gastos indevidamente contabilizados, no valor de € 12 000,00.

 

23.1. Perdas por imparidade de créditos: A posição da AT, já detalhadamente descrita no RIT e na informação elaborada em sede de reclamação graciosa acima transcrita, traduz-se, em resumo, no entendimento de que os gastos como tal contabilizados pela Requerente não são fiscalmente dedutíveis. Tal entendimento, assenta na consideração de que não terá sido feita prova das diligências efetuadas para a cobrança de créditos que, segundo a AT, será preferencialmente documental, não preenchendo tal requisito “Os documentos enviados ... cartas simples (sem comprovativo de envio ao respetivo cliente - registo e aviso de receção devidamente assinado) impressas a partir do programa de faturação do sujeito passivo”(RIT, III.1.1.2)

 

23.1.1. Sobre o procedimento adotado pela Requerente nesta matéria, levado ao conhecimento da AT em sede de audição prévia no âmbito do procedimento inspetivo, na petição do procedimento gracioso de reclamação e no presente pedido de pronúncia arbitral, destaca-se o seguinte:

- A Requerente exerce a sua atividade no mercado nacional e norte de Espanha dividido em “rotas”;

- Os seus clientes são, essencialmente, lavandarias, não prestando serviços ao consumidor final;

- Possui uma frota de viaturas, cabendo a cada uma a recolha dos artigos nas lavandarias a quem são devolvidos, após a prestação dos serviços contratados;

- A Requerente comercializa produtos de limpeza industrial;

- Os pagamentos das faturas por si emitidas são efetuados a pronto ou a crédito;

- Os pagamentos pelos clientes são efetuados a dinheiro, por cheque ou transferência bancária;

- São os motoristas da Requerente que, por regra, entregam as faturas e cobram dos clientes, a dinheiro ou cheque, sem prejuízo daqueles – os clientes – poderem efetuar os pagamentos por transferência bancária ou por cheque;

- A Requerente elabora periodicamente “relações de valores em aberto” que entrega aos motoristas responsáveis por cada uma das “rotas” para que estes interpelem os clientes para o seu pagamento;

- Nessas relações de valores em aberto, os motoristas/distribuidores reportam o resultado das diligências efetuadas;

- Em função das “anotações” dos motoristas a Requerente decide sobre os procedimentos a seguir: - nova abordagem pelo motorista - abordagem telefónica pelos serviços administrativos; - cartas interpelatórias para pagamento (primeiras dando conta dos valores em aberto, e por último com indicação de prazo para liquidação) - interpelação por advogado - recurso à via judicial;

- As cartas interpelatórias são remetidas, por correio simples. (A Requerente junta, a titulo de exemplo, copia de algumas das cartas remetidas aos clientes, que utiliza para prova das diligencias de cobrança – Doc, 7)

- O saldo médio por cliente é reduzido.

 

23.1.2. Como regra geral, estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Entre estes, incluem-se, de acordo com o n.º 2, alínea h), do mesmo artigo, as perdas por imparidade.

 

23.1.3.O regime fiscal das perdas por imparidade em créditos aplicável no período de tributação de 2014, era o estabelecido nos artigos 28.º-A, n.º1, alínea a) e 28.º-B, do Código do IRC, nos seguintes termos:

Artigo 28.º-A

Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

...

Artigo 28.º-B

Perdas por imparidade em créditos

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.

3 - Não são considerados de cobrança duvidosa:

a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;

b) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

c) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;

d) Os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.

4 - As percentagens previstas no n.º 2 aplicam-se, igualmente, aos juros pelo atraso no cumprimento das obrigações, em função da mora dos créditos a que correspondam.

 

23.1.4. Do RIT e demais elementos do presente processo deduz-se que no presente caso se mostram preenchidos os requisitos legais de que depende a dedução para efeitos fiscais das perdas por imparidade em créditos, salvo quanto à prova de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento. Quanto a estas é entendimento da AT, expresso tanto no RIT como na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que tais provas deverão ser preferencialmente documentais. Tratando-se de carta interpelatória, entende a AT que a mesma seja remetida ao cliente devedor a coberto de registo postal com aviso de receção, sendo este devolvido devidamente assinado.

 

23.1.5. Para que as perdas por imparidade em créditos possam ser consideradas para efeitos fiscais é pois necessário que, para além dos demais requisitos, existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento. A lei, no entanto, não impõe qualquer requisito formal no que respeita a tal prova, designadamente a notificação ao devedor através de carta registada com aviso de receção. Conforme reiterada jurisprudência dos tribunais superiores, a norma da alínea c) do n.º1 do artigo 28.º-B, do Código do IRC – tal como anteriormente a alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º do mesmo Código - não estabelece qualquer restrição no tocante à prova das diligências efetuadas para o recebimento dos créditos, o que significa, sem margem para dúvidas, serem relevantes todos os meios de prova admissíveis em direito  adequados a demonstrar a realização dessas diligências, designadamente por via testemunhal.  No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência arbitral.

 

23.1.6. No presente caso, decorre, com clareza, tanto dos elementos que se extraem do RIT, como dos documentos juntos aos autos e depoimentos das testemunhas, que a Requerente efetuou diligências para cobrança das dívidas, quer pelo envio de cartas interpelatórias aos clientes devedores, quer através dos próprios trabalhadores da empresa (motoristas), pela forma que vem descrita na PI, o que assim se dá como inteiramente provado. Assinala-se que, em sede de alegações, a Requerida desvaloriza os testemunhos prestados no pressuposto de que apenas os motoristas da empresa poderiam certificar a diligência de cobrança. Todavia, a convicção do Tribunal assenta no facto de as testemunhas revelarem inteiro conhecimento do procedimento adotado pela empresa para cobrança de dívidas, designadamente na perceção das diligências reportadas pelos motoristas.

 

23.1.7. Pelo exposto, a correção ao lucro tributável declarado com o fundamento da não existência de prova de diligências de cobrança dos créditos subjacentes às perdas por imparidade, enferma de erro de interpretação da norma do artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, anulável nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

23.1.8. Nestes termos, e com os fundamentos acima expostos, julga-se procedente o pedido quanto à correção meramente aritmética efetuada às declaradas perdas por imparidade de créditos, no valor de € 176 869,59.

 

23.2. Créditos incobráveis: Relativamente aos gastos registados na conta “6837 – Dívidas incobráveis”, considera a AT que o gasto no montante de € 3 453,84 não é suscetível de ser aceite como gasto fiscal “(...) uma vez que o risco de incobrabilidade se encontrava já identificado nos períodos de emissão da(s) respetiva fatura(s) deveria ter sido constituída, naqueles períodos, a respetiva “Perda por imparidade em créditos” nos termos do n.º 1 do art.º 18.º , al a) do n.º 1 do art.º 28.º-B do CIRC”

Suporta-se este entendimento no facto de existindo processos de execução instaurados em 2009 e 2010 contra os clientes, as faturas que lhes foram emitidas em 2012 e 2013, deveriam ter sido consideradas como ativos em imparidade (crédito de cobrança duvidosa) nos períodos em que foram emitidas.

Nestes termos, conclui-se, no ponto III.1.2.3 do RIT, que “perante os factos descritos, não foi demonstrado que o gasto associado às “Dividas Incobráveis” contabilizado em 2014 de € 3.453,94 cumpra, na sua totalidade, os requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 18.º e 41.º do CIRC.”

Este entendimento é reafirmado em sede de reclamação graciosa, nos seguintes termos: “ (...)  à luz do disposto no nº 1 do artigo 41º do CIRC, não podem tais valores serem aceites como gasto fiscalmente dedutível, uma vez que o registo e aceitação da imparidade eram possíveis em 2012 e 2013. Ao não registar a imparidade nos respetivos anos, a reclamante deslocalizou o gasto para um período futuro, o que não é possível de acordo com o principio da periodização, previsto no artigo 18.º n.º 1 e 2 do CIRC.”

 

23.2.1 – Sobre o entendimento da AT, alega a Requerida que:

- À data da emissão das faturas, a expectativa da Requerente era a de recuperar o seu crédito, independentemente de terem existido processos de execução instaurados em 2009 e 2010 contra aqueles mesmos clientes.

- Em 2014, o risco que até então era normal tornou-se excessivo e a incerteza da cobrança (inerente a qualquer crédito) deu lugar a uma certeza da impossibilidade da cobrança justificando, assim o reconhecimento do gasto associado ao crédito incobrável.

 

23.2.2. Com efeito, estabelece o artigo 18.º do Código do IRC, nos seus n.ºs 1 e 2, que aqui interessam:

Artigo 18º

Periodização do lucro tributável

 1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

Deste princípio da periodização do lucro tributável, numa interpretação linear e isolada de um enquadramento jurídico mais geral, decorreria que as dívidas incobráveis em causa deveriam ser consideradas como gastos, ou perdas, dos exercícios de 2012 e de 2013, conforme pretende a AT.

 

23.2.4.Porém, conforme reiteradamente tem vindo a ser afirmado pelo STA, a aplicação deste princípio deve conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça enunciado nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República e 55.º da Lei Geral Tributária, por forma a permitir a imputação a um exercício de gastos referentes a períodos anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.  No mesmo sentido se vem orientando a jurisprudência arbitral.

 

23.2.5. Assim, na esteira da jurisprudência firmada do STA e invariavelmente seguida em sede arbitral, entende o Tribunal ser de considerar a argumentação aduzida pela Requerente e declarar a ilegalidade da correção efetuada quanto a créditos incobráveis, no valor de € 3 453,54, por violação do princípio da justiça.

 

23.3. Gastos indevidamente contabilizados: No que concerne a uma nota de crédito emitida na sequência de anulação de uma venda, sustenta a AT, como fundamento da correção efetuada que “(…) tendo em conta o teor das mensagens de correio electrónico .. estamos perante um perdão de divida no valor de € 12.000,00 pelo que o acréscimo daquele montante contabilizado a debito da conta “717135-Devoluções de vendas –Mercadorias-Outros Mercados-Isento” não reúne os requisitos de dedutibilidade fiscal, nos termos do disposto no art.º 23.º do CIRC” (RIT, Ponto III.1.3.2)

Este entendimento é, no essencial, mantido em sede de reclamação graciosa, nos seguintes termos: “Através dos esclarecimentos prestados pela, aqui reclamante, verificou-se que o valor do custo se encontra suportado por uma nota de crédito, emitida a título de acréscimo de gasto para anulação da venda suportada por uma fatura de um cliente que, não ficou com a mercadoria. Os documentos fornecidos, são unicamente mensagens trocadas, por correio eletrónico, entre a reclamante e o cliente brasileiro entre agosto e dezembro de 2014, não tendo ficado demonstrado, sem margem para dúvidas, que a nota de crédito titulava uma transação económica consubstanciada na devolução da mercadoria exportada. Mais uma vez, estamos perante uma insuficiência de prova quanto ao direito invocado pela reclamante. Face ao teor das mensagens trocadas, estamos perante um perdão de dívida e não face a um desconto, pelo que o acréscimo contabilizado a débito, não reúne os requisitos de dedutibilidade fiscal, conforme dispõe o artº 23º. Conforme dispõe o nº 1 do artº 24º do mesmo diploma, estamos perante uma liberalidade praticada pelo reclamante, com reflexo no resultado líquido do exercício (2014), facto que se traduz numa variação patrimonial negativa não aceite fiscalmente.”

 

23.3.1. Com referência a esta matéria, alega a Requerente que:

- Forneceu ao cliente B... Ltda, com sede no Brasil um equipamento de lavagem, tendo emitido a fatura n.º F-14/23026 de 13-08-2014 do montante de € 12.000,00.

- O cliente, alegando defeitos da máquina, não a aceitou e, informou que a mesma se encontrava a ordem da Requerente;

- Analisada a reclamação do cliente e depois de ponderados todas as circunstâncias do caso, a Requerente decidiu anular a venda mediante a emissão da Nota de Crédito n.º 15 de 22-01-2015 do montante de € 12.000,00

- O gasto foi erradamente registado na conta “717 – Devoluções” quando deveria ter sido registado na conta “718-descontos e abatimentos em vendas”, mas o erro é inócuo do ponto de vista contabilístico e fiscal.

 

23.3.2. Em resumo, a questão centra-se unicamente em saber se a nota de crédito emitida pela Requerente traduz uma liberalidade, como pretende a Requerida, ou se, diversamente, se está perante a anulação de uma venda não concretizada.

 

23.3.3. Do texto das mensagens eletrónicas que a Requerente junta como prova – acima transcritas – cujo conteúdo é corroborado por depoimento testemunhal, não se pode extrair outra conclusão que não a de se estar perante a anulação de uma venda, com devolução da mercadoria transacionada e consequente emissão de nota de crédito pelo valor total da fatura emitida.

 

23.3.4. Com efeito, não se vislumbra do texto das mensagens que a materialidade subjacente traduza uma qualquer liberalidade, como pretende a AT, pelo que, também nesta vertente, o pedido merece inteira procedência, assim se declarando a ilegalidade da correção efetuada, no valor de € 12 000.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

24. A par da anulação do ato de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

25. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

26. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

27. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

28. Julgando-se, assim, a ilegalidade da liquidação impugnada, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

V. Decisão.

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral e, assim, determinar a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como a anulação da liquidação impugnada, com a consequente devolução das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 31 579,45, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836,00, a cargo do Requerida.

 

Lisboa, 11 de maio de 2021,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.