DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Jesuíno Alcântara Martins e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-10-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º ... e ... (doravante designada apenas por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA com os n.ºs 2019...; 2019...; 2019...; 2019... e respetivos juros compensatórios, com os n.ºs 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...), todas respeitantes ao ano de 2017.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-07-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 09-09-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-09-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, suscitando a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e defendendo que devia ser suspensa a instância até à Decisão a proferir no processo de reenvio prejudicial Fenetikexito do TJUE, então pendente.
A Requerente respondeu à excepção.
Em 19-01-2021, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar a excepção da intempestividade.
2. Questão da intempestividade
Nos termos do artigo 10.º do RJAT «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado (...) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico».
Entre os vários termos iniciais indicado no artigo 102.º n.º 1 do CPPT inclui-se «termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte».
Neste caso, o termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações impugnadas ocorreu em 05-02-2020, como se vê pelos documentos juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua resposta.
Os prazos estiveram suspensos entre 09-03-2020 e 03-06-2020, ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com produção de efeitos 9 de Março de 2020, nos termos do artigo 6.º da Lei 4-A/2020, de 06 de Abril, até à revogação daquela norma pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor em 03-06-2020, nos termos do seu artigo 10.º.
Nos termos do n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 e do n.º 10 do mesmo artigo na redacção da Lei n.º 4-A/2002, de 6 de abril, a suspensão dos prazos abrange os actos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.
O pedido de pronúncia arbitral é manifestamente um dos «procedimentos de idêntica natureza» a que aludem estas normas.
Nos termos do artigo 6.º da Lei 16/2020, «os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão».
Assim, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral, de 90 dias, é ampliado por 86 dias.
Iniciando-se o prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral em 05-02-2020, terminou em 31-07-2020 (90 dias + 87 dias).
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 17-07-2020, pelo que foi apresentado tempestivamente.
Improcede, assim, a excepção da intempestividade.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente tem como objecto social «Exploração de ginásio. Atividades e serviços de manutenção e bem-estar físico. Gestão de health clubs. Atividades de saúde humana, incluindo nutrição e massagens. Prestação de serviços de estética. Comércio de equipamentos e material desportivo, suplementos alimentares e afins. Exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, nomeadamente café, snack bar e similares»;
B) Foi efectuada uma inspecção à Requerente, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III.1. Correções em sede de IVA III.1.1 Serviços de aconselhamento nutricional -Aplicação indevida de isenção de IVA III.1.1.1 Operações Ativas
Através das declarações cadastrais que entregou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, a entidade inspecionada assumiu que, a título principal, desenvolve a atividade de ginásio (fitness), ou seja, em sede de IVA e no que diz respeito a operações ativas, presta, primordialmente, serviços sujeitos a imposto, não beneficiando tais serviços de qualquer isenção. A taxa aplicável é a normal (23%).
Secundariamente presta também serviços de aconselhamento de nutrição. Estes serviços, quando prestados em health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável, beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA). Esta isenção tanto opera no caso de os serviços serem prestados diretamente ao utente, como no caso destes mesmos serviços serem prestados "a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços".
Recorrendo aos valores inscritos nas declarações periódicas de IVA, é possível formar uma ideia acerca da importância das atividades desenvolvidas pelo B..., conforme se resume no quadro seguinte.
Em função dos valores declarados, não restam dúvidas que a entidade inspecionada se dedica primordialmente às atividades de ginásio. No entanto, é também considerável a importância das operações isentas, o que equivale a dizer que os cuidados de saúde humana prestados pela entidade inspecionada representam significativa fatia do seu volume de negócios (mais de um terço do valor total).
Para além dos referidos serviços de ginásio e nutrição a entidade presta ainda outros serviços isentos de IVA, nomeadamente, de fisioterapia, massoterapia, acupuntura, com um total anual de € 5.858,00, o que representa um valor residual comparativamente com a faturação anual total € 992.054,15, com um peso de apenas 0,59%.
Nos pontos que se seguem, apresentam-se os fundamentos de direito e de facto em que se firmará a conclusão de que o contribuinte aplicou, no tocante aos serviços de nutrição/acompanhamento nutricional, indevidamente, a isenção a que se refere o artigo 9.º, n.º 1 do CIVA.
III.1.1.2 Da isenção de IVA nos serviços de saúde. Enquadramento Tributário.
As isenções de IVA para os serviços de saúde em vigor em território nacional encontram-se previstas nos n.ºs 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA e resultam da transposição das alíneas b) e c) do artigo 132.º incluído no capítulo 2, designado "Isenções em benefício de certas atividades de interesse gera!' da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, que deu origem ao Sistema Comum sobre o Valor Acrescentado.
De acordo com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva, os Estados-Membros isentam deste imposto:
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado-Membro em causa:
As isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva Comunitária atrás identificada são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de tributação do IVA, pelo que não visam isentar qualquer atividade de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e detalhadamente descritas.
No caso em apreço, e sendo clara a não aplicação da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva, atentemos na norma prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo normativo.
Importa antes de mais referir que a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º é aplicável independentemente da forma jurídica - pessoa singular ou pessoa coletiva - do sujeito passivo que presta os serviços médicos ou paramédicos.
O acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) afirma, a respeito da disposição comunitária em análise, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados sem qualquer imposição quanto à forma jurídica do prestador, bastando estar-se perante serviços médicos e paramédicos que sejam prestados por pessoas que possuam qualificações para o efeito.
Por sua vez, a diversa jurisprudência emanada pelo TJUE vai no sentido de que os serviços de assistência a que se refere a isenção em análise tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica. O mesmo é dizer que uma determinada prestação de serviço que não é conduzida com o objetivo de diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou quaisquer anomalias de saúde, ainda que na mesma intervenham um médico ou paramédico, não se pode considerar como uma prestação de serviços de assistência para efeitos da aplicação da isenção de IVA em análise.
Apresenta-se de seguida a redação do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA que resultou da transposição da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva:
Artigo 9.º
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.
No que respeita às profissões paramédicas estão as mesmas reguladas na legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24-07, compreendendo, nos termos do artigo 1.º deste diploma "...a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação...". Este diploma integra em anexo uma lista das atividades que podem ser consideradas como profissões paramédicas, incluindo no seu ponto 5 a atividade de dietética, definindo-a como sendo a "...aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares...".
Para o exercício destas atividades paramédicas são condições obrigatórias a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e de carteira profissional (Cf. artigo 2º do DL n.º 261/93 de 24-07). No caso da atividade de dietética é obrigatório o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, a inscrição na Ordem dos Nutricionistas.
Face ao que antecede, assumindo-se a entidade inspecionada como prestadora de serviços de nutrição /aconselhamento nutricional terá forçosamente de adquirir esses serviços a profissionais devidamente credenciados para o efeito (com curso reconhecido e inscritos na Ordem dos Nutricionistas) (Cfr. n.º 4 do artigo 4.º do CIVA).
Por último referir que, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22-08, no que concerne à adaptação dos estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, a inscrição/registo válido na ERS constitui condição obrigatória de abertura e funcionamento do estabelecimento prestador de cuidados de saúde.
De acordo os documentos apresentados pelo sujeito passivo, nomeadamente o comprovativo de inscrição/Pagamento de Taxa de Registo na Entidade Reguladora de Saúde, a sua inscrição na ERS ocorreu em 26 de junho de 2017.
III.1.1.3 Da atividade exercida
III.1.1.3.1 Instalações e equipamentos
Para o exercício das suas atividades em 2017 o B... dispunha de instalações arrendadas, pelas quais pagou uma renda mensal de € 5.336,00.
De acordo com o contrato de arrendamento a que tivemos acesso, datado de 15 de março de 2016, as instalações arrendadas correspondem a uma Loja integrada no prédio urbano sito na Rua ... n.ºs ... e ..., freguesia de ..., concelho de ... inscrito na Conservatória do registo Predial de ... sob o n.º ... e com o artigo matricial ... com a área comercial total de 8.440 m2 sendo a área da Loja em questão de 1.334 m2 (ponto 1 da clausula 1.º do contrato).
A referida Loja apenas pode ser utilizada para o exercício da atividade comercial de ginásio e prática de exercício físico (ponto 2 da clausula 2.º do contrato).
Na notificação efetuada em 22.08.2019 foi solicitado à sociedade A... Lda. (ponto 7) que indicasse as áreas aproximadas das instalações afetas à realização de cada um dos tipos de prestações de serviços. A resposta surgiu nos seguintes termos:
"Área estimada de cada serviço:
Dos 1300 m2, 65% são destinados a atividades fitness (sala de exercício e estúdios), 20% para atividades de saúde humana (nutrição, fisioterapia, acupunctura e massoterapia) sendo os restantes 15% para área comercial e social."
Em complemento com a informação prestada pelo B... passa-se a citar a página da sociedade na Internet:
"As nossas instalações:
.... Criamos uma área onde harmoniosamente encontrarás uma zona cardiovascular, zona de aparelhos de musculação, pesos livres e treino funcional. Dispomos ainda de 4 estúdios para aulas de grupo, um espaço de convívio, 2 gabinetes de avaliação física, 1 gabinete de nutrição e 1 gabinete terapêutico."
Conjugando a observação in loco das instalações com a análise documental realizada, aceita-se a percentagem atribuída pelo contribuinte às atividades de saúde humana - 20%, (atividades estas que o contribuinte considerou isentas de IVA), pese embora se considere que tal avaliação se mostre excessiva. Nesse contexto, a nutrição representaria, no máximo, do total indicado para esses serviços (2 gabinetes de avaliação física, 1 gabinete de nutrição e 1 gabinete terapêutico) 5% (20% 14).
Assim, considerando a resposta do contribuinte ao ponto 7 da notificação pessoal anteriormente referenciada, concluímos que, de um total de 1.334 m2. apenas 66,7 m2 estão afetos à área de nutrição, que correspondem aos referidos 5%.
No tocante ao ativo fixo tangível verifica-se que, em 31.12.2017, o contribuinte identifica no seu Balanço ativos fixos tangíveis no montante total de € 375.765,67 tendo, nesse período, reconhecido gastos com depreciações de ativos fixos tangíveis no montante de € 82.792,82.
Da análise à Modelo 32 - "Mapa de Depreciações e Amortizações", infere-se que a esmagadora maioria dos elementos que compõem o Ativo Fixo Tangível, no total de € 517.495,59 (antes de amortizações e depreciações) se encontram associados à atividade de ginásio/fitness, exemplificando, máquinas de cardio, passadeiras e outras, no montante total de € 247.793,11.
Sendo que, o restante valor respeita a obras no edifício (€ 211.697,80) e equipamentos administrativos (€ 47.100,68), o que, no limite, poderia ser associado em 5% aos serviços de nutrição (€ 12.939.92)9, valor este que representa apenas 2,5% (€ 12.939,92 /€ 517.495,59) do total de ativos fixos tangíveis.
Tendo em consideração o referido sobre as instalações afetas à atividade "nutrição" - uma parte muito pouco significativa quando comparada com as instalações afetas ao treino e prática de exercício físico - resulta claro que o ativo fixo tangível e os respetivos gastos associados se encontram na quase totalidade afetos às atividades de ginásio, treino e prática de exercício físico.
Em conclusão, a utilização dada às instalações a cada uma das atividades - ginásio e nutrição – pelo B..., não reflete, de todo, o peso significativo que a atividade da nutrição representa na faturação total declarada em 2017.
III.1.1.3.2 Pessoal ao serviço do B... e comparação dos respetivos gastos com os réditos declarados
Uma das formas de contextualizar a considerável importância do aconselhamento nutricional passa pela avaliação dos meios afetos à realização dos dois principais tipos de prestação de serviços (fitness e aconselhamento nutricional).
Ora, um dos meios mais ajustado para a verificação de tal realidade, consiste na análise do pessoal alocado à concretização de cada um desse tipo de prestação de serviços.
Nesse contexto, no ponto 8 da notificação efetuada em 22.08.2019, foi solicitada à entidade inspecionada a identificação das funções exercidas quer, pelos trabalhadores dependentes quer, pelos trabalhadores independentes, constantes nas Declarações Mensais de Rendimentos (DMR) e na Modelo 10, respetivamente. Foram, também, solicitadas cópias dos contratos celebrados e dos recibos de vencimento relativamente aos trabalhadores adstritos à "nutrição".
Em resposta ao referido ponto, a entidade inspecionada completou, parcialmente, o referido quadro acrescentando o seguinte:
"Em relação ao mapa de Caí A e B, de referir que, onde não se preencheu é porque não são funcionários."
Porém, os referidos colaboradores/funcionários, cuja função não foi indicada por já não serem funcionários do B... eram, no exercício abrangido pelo presente procedimento inspetivo (exercício de 2017), efetivamente,
funcionários/colaboradores da sociedade, constando nas respetivas DMR's e/ou Modelo 10 apresentados pelo sujeito passivo.
Desse modo, para efeitos de determinação da função exercida procedeu-se à consulta dos respetivos recibos de vencimento, verificação da atividade económica para a qual estavam coletados no cadastro da Autoridade Tributária (AT) e ainda à consulta da página da internet do B... .
Com base na resposta do contribuinte bem como na informação recolhida, procedemos à elaboração dos seguintes quadros resumo:
• TRABALHADORES DEPENDENTES - CATEGORIA A
No ano de 2017, integraram o seu quadro de pessoal os seguintes colaboradores
No ano de 2017 o B... incorreu em gastos com pessoal no montante de € 299.348,98.
• TRABALHADORES INDEPENDENTES - CATEGORIA B
Para além do pessoal que integra os seus quadros, atrás identificados, o B... recorreu, para desenvolver a sua atividade de ginásio, treino, prática de exercício físico e, eventualmente, aconselhamento nutricional à contratação de prestadores de serviços, profissionais independentes, os quais se identificam no quadro seguinte:
Da informação constante dos anteriores quadros 8 e 9, conclui-se que, no exercício de 2017, para a realização dos seus serviços, o B... dispôs de 40 trabalhadores, sendo que, 22 destes pertencem ao quadro da empresa e 18 são colaboradores independentes.
Desse modo, de um total de 40 trabalhadores apenas dois colaboradores, exerceram funções, no período em análise, de aconselhamento nutricional.
Trata-se de C..., Nutricionista, Inscrita na ordem dos Nutricionistas com a Cédula: ... e contratada pela entidade inspecionada através do programa de estágio do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), denominado "Medida Estágios Emprego", através de contrato celebrado em 5 de janeiro de 2017. No entanto e conforme se vislumbra no quadro 8, a referida funcionária apenas trabalhou para o B... no mês de janeiro de 2017.
O outro colaborador foi D..., Nutricionista, Inscrito na ordem dos Nutricionistas com a Cédula: ..., que colaborou com a sociedade como trabalhador independente. Apesar do referido funcionário não constar da Modelo 10 apresentada pelo contribuinte para o exercício de 2017 foi possível, através dos elementos apresentados pelo sujeito passivo (em resposta ao ponto 8 da notificação efetuada) bem como, através da consulta às aplicações informática da AT, nomeadamente, da consulta à aplicação "Recibos Verdes Eletrónicos (Fatura-Recibo)", confirmar que o referido nutricionista emitiu em nome da entidade inspecionada, relativamente ao exercício de 2017, as seguintes faturas-recibos:
Discriminando estes colaboradores, dependentes e independentes, entre aquisição de serviços de treino e pratica de exercício físico e aquisição de serviços de aconselhamento nutricional, informação constante do quadro a seguir, concluímos que, dos gastos com pessoal (com exceção dos referentes aos gerentes, pessoal administrativo, limpeza e indiferenciados) 90,73% respeitam a
professores/monitores para o ginásio e apenas 9,27% está afeto à nutrição:
De seguida, propõe-se uma avaliação da coerência da atividade declarada pelo sujeito passivo inspecionado, levando a cabo um exercício de comparação entre os gastos diretos incorridos pelo sujeito passivo inspecionado com professores/monitores do ginásio e com nutricionistas (trabalhadores dependentes e independentes) e os rendimentos declarados derivados. No primeiro caso, resultantes da prestação de serviços de ginásio, treino e prática de exercício físico e, no segundo caso, derivados dos alegados serviços de aconselhamento nutricional:
Atentos na informação constante do quadro anterior, salienta-se desde logo a discrepância clara e significativa entre o peso dos gastos com pessoal afeto ao ginásio nos rendimentos relacionados com o ginásio e o peso dos gastos com pessoal afeto aos serviços de aconselhamento nutricional nos rendimentos alegadamente destes serviços, resultando, no primeiro caso, essa discrepância, muito relevante, e, no segundo, muito diminuta.
Dito de outro modo, concluímos que o valor dos rendimentos obtidos, declarados como derivados das atividades de ginásio, treino e exercício físico ascendem a pouco mais de seis vezes (6.31 vezes) do valor dos gastos diretos incorridos com o pessoal afeto ao mesmo, enquanto que os rendimentos obtidos declarados resultantes de serviços prestados de aconselhamento nutricional correspondem a mais de 38 vezes (38.09 vezes) o valor dos gastos diretos com o pessoal afeto à nutrição.
Considera a Inspeção Tributária estar perante uma evidência clara e muito expressiva de que a atividade efetivamente exercida pelo B..., em 2017, não resulta coerente com a atividade por si declarada. Isto, ao nível da relação de forcas, avaliada em valor, entre os rendimentos derivados da atividade do ginásio e os resultantes dos serviços de aconselhamento nutricional alegadamente prestados.
III.1.1.3.3 Outros gastos incorridos com a atividade nutrição
Para podermos caracterizar as operações realizadas pelo contribuinte inspecionado, importa ainda perceber, para além das instalações e equipamentos, mão-de-obra direta, quais os demais inputs/gastos incorridos relacionados com a atividade que o contribuinte enquadrou como isenta de IVA.
Apesar de em algumas vertentes, como os gastos com energia/eletricidade, comunicação, publicidade e divulgação dos serviços, limpeza dos espaços, entre outros, ser difícil atribuir valores específicos à atividade de ginásio e de aconselhamento nutricional, tal divisão, ainda que difícil, deveria, ainda assim, ter sido efetuada.
Na verdade, nos termos do artigo 23.º do CIVA, caso se estivesse perante a efetiva prestação de cuidados de saúde na aceção do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, o que, como se concluirá a final, não será a tese da Inspeção Tributária, então estar-se-ia perante um sujeito passivo misto, e nessas e apenas nessas circunstâncias, o contribuinte estaria obrigado a fazer essa afetação para efeitos de apuramento do IVA a deduzir utilizando as regras daquele artigo 23.º.
Acontece que o contribuinte além de não ter feito esta afetação real entre as aquisições relacionadas com a atividade sujeita não isenta e as relacionadas com a atividade isenta, deduzindo todo o IVA suportado, nem sequer se encontra registado para o efeito. De acordo com a informação constante da base de dados da AT -que resulta da declaração de início de atividade entregue pelo próprio nos termos do artigo 31.º do CIVA estamos perante um contribuinte que apenas realiza transmissões que conferem direito à dedução.
Nada temos contra o enquadramento em IVA declarado pelo contribuinte, vai alias ao encontro, como veremos, à tese da Inspeção Tributária de que o B... apenas pratica operações sujeitas e não isentas de IVA, e, a existir, a atividade que poderia eventualmente considerar-se isenta de IVA é tão residual e acessória que não justifica outro enquadramento que não aquele que vigora.
Assim, tanto pela utilização dada às instalações, como pela mão-de-obra que o sujeito passivo tinha ao seu dispor e ainda, como se revelou neste ponto, pela (não) repartição dos gastos incorridos pelo sujeito passivo, demonstra-se que a estrutura existente tem como objetivo principal a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não.
III.1.1.3.4 Capacidade para realização das consultas de aconselhamento nutricional. Impossibilidade da efetiva realização da quantidade de serviços de nutrição faturados.
De acordo com a análise ao ficheiro SAF-T(PT) de faturação, em 2017, foram faturados 50.009 serviços de aconselhamento nutricional/planos de nutrição. No entanto, os referidos serviços nutricionais prestados pelo B... têm ocorrências diversas, o que se reflete na faturação emitida, sendo o mais usual o tipificado no ponto 2.3. do contrato tipo celebrado com os sócios aquando do seu ingresso:
"2.3. No valor de qualquer mensalidade paga este incluída a prática de atividades gímnicas, e um terço da consulta a que o sócio tem direito trimestralmente."(nosso sublinhado)
Para além desta tipologia de faturação, onde a nutrição está incluída, o B... fatura também consultas de nutrição avulsas bem como, inclui nos pacotes de Personal Training (PT) uma consulta mensal de nutrição. Fatura ainda, no momento de inscrição de um novo sócio, uma consulta de nutrição que é prestada nesse momento ou num espaço temporal próximo.
Assim e com base no número de ocorrências de aconselhamento nutricional/planos de nutrição registadas no SAF-T de faturação do SP (50.009), foi determinado, mediante a análise de cada um dos produtos oferecidos e anteriormente discriminados, o número total efetivo de consultas de nutrição que no ano de 2017 o B... se comprometeu a realizar, conforme se expressa no quadro seguinte:
De acordo com a faturação emitida pelo sujeito passivo em 2017, o contribuinte inspecionado teria realizado, no ano de 2017, um total de 19.208 consultas de nutrição.
Através da mesma fonte, contabilizamos o número de consultas faturado mensalmente, apresentando-se de seguida os resultados obtidos:
Para a determinação do tempo médio de duração de cada uma das consultas, aceitam-se como válidos os valores indicados pelo contribuinte aquando do início da presente ação bem como, o valor de uma das Tabelas de Preço apresentadas (Serviços PT), concretamente, de 45 minutos na primeira sessão e 30 minutos nas sessões seguintes. Sendo que, para efeito de análise e por ser mais benéfico para o contribuinte, será utilizado como referência o tempo médio de 30 minutos para todas as consultas de nutrição faturadas.
Como resulta do enquadramento legal vertido para o ponto III.1.2 do presente relatório, enquanto pessoa coletiva prestadora de serviços de nutrição, o B... terá forçosamente de ser adquirente desses serviços junto de profissionais inscritos na Ordem dos Nutricionistas.
No anterior ponto III.1.3.2, constatamos que, em 2017, o B... teve ao seu dispor dois Nutricionistas:
• C..., NIF ..., apenas em janeiro;
• D..., NIF ..., de janeiro a dezembro;
Foi confirmado que os mencionados colaboradores se encontram inscritos na Ordem dos Nutricionistas com os n.ºs ... e ..., respetivamente.
Solicitados os contratos de prestação de serviços celebrados com os nutricionistas que colaboraram com o B... em 2017 (cf. ponto 9 da notificação pessoal e por escrito efetuada em 21.08.2019), apenas nos foi apresentado o contrato celebrado com C..., celebrado em 5 de janeiro de 2017 e que apenas produziu efeitos no mês de janeiro de 2017.
Relativamente a D..., o contribuinte informou o seguinte; "O Nutricionista D... no ano de 2017 trabalhava como trabalhador categoria B com 40h semanais."
Para efeitos de análise, vamos dar como válido o número de horas apresentadas pelo contribuinte - 40h/semana - apesar de como se vislumbra no quadro 10 os rendimentos auferidos pelo referido colaborador variarem mensalmente de € 645 a € 886. De igual modo, relativamente à nutricionista que apenas colaborou com o B... no mês de janeiro de 2017, será aceite o número de horas de 40h/semana.
Em face do exposto, e no pressuposto de que todas as horas de serviço dos nutricionistas foram aproveitadas, sem qualquer desperdício, a dar consultas de nutrição, e que estas tinham uma duração de 30 minutos, concluímos, de acordo com os cálculos apresentados no quadro a seguir, que os nutricionistas ao serviço do B... em 2017 teriam capacidade para realizar apenas 4.506 consultas:
Resulta então que, no pressuposto muito pouco provável de inexistência de qualquer desperdício de tempo dos nutricionistas e também que as alegadas consultas de nutrição não durassem mais de 30 minutos (o cenário mais favorável ao contribuinte), ainda assim, o B... não tinha capacidade para realizar aproximadamente 76,54% (14.701 consultas) das consultas que faturou.
No mínimo, pode a Inspeção Tributária afirmar que o contribuinte faturou consultas de nutrição que garantidamente não foram realizadas, ou, pelo menos, não o foram por profissionais credenciados para o efeito.
Assim é possível concluir estarmos perante operações cuja natureza foi simulada para efeitos de enquadramento tributário, pelo menos parcialmente, não correspondendo tais faturas a operações que tenham tido efetivamente lugar, pelo menos nos termos que decorrem das mesmas faturas.
Na verdade, o sujeito passivo não faturou consultas de nutrição efetivamente prestadas. A referência nas faturas a "Aconselhamento nutricional" corresponde na realidade a uma disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional mensal, e não a uma consulta realizada.
Esta mera disponibilidade do direito de usufruir de uma consulta de nutrição não cabe no conceito de prestação de cuidados de saúde a que corresponde a isenção de IVA vertida para o n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, pois tais serviços não tiveram em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde, inexistindo qualquer finalidade terapêutica e, nem mesmo, de prevenção.
A demonstração de que foram faturadas prestações de serviços de aconselhamento nutricional que não poderiam ter existido por inexistência ou insuficiência de profissionais habilitados, tem como consequência a inutilidade das faturas como documento comprovativo dos requisitos para o exercício do direito à isenção de IVA.
III.1.1.3.5 Análise aos Contratos
Os contratos que tutelaram os serviços prestados pelo B... no exercício objeto de exame são do tipo que vulgarmente se designa por "contratos de adesão", ou seja, "aqueles contratos em que um dos contraentes (cliente ou consumidor) não tendo a menor participação na preparação e redação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece em massa ao público interessado".
Não havendo discussão do clausulado, é por demais evidente que, para a generalidade dos aderentes, o que importa, para além da contraprestação pecuniária, é a prestação que lhes é oferecida, independentemente da forma como ela é designada nesse contrato. Quer isto dizer que qualquer aderente que não tenha o interesse de ler o contrato com a demora e o detalhe necessários, numa sintética apresentação que lhe seja feita, fica a saber que, por um determinado preço, pode frequentar o ginásio na modalidade que escolher (as modalidades referem-se ao horário de frequência do ginásio).
Da análise ao Contrato de Adesão, verifica-se que nas respetivas «Condições Gerais», a palavra nutrição é mencionada por uma única vez, concretamente na cláusula 2.3. que reza assim:
"No valor de qualquer mensalidade paga está incluída a prática de atividades gímnicas, bem como um terço da consulta de nutrição a que tem direito trimestralmente".
Ou seja, ao subscreverem este contrato, os aderentes ficavam com o direito a uma consulta de nutrição de três em três meses, sem preço definido nesse contrato, fixando-se, no entanto, que um terço desse preço (fosse ele qual fosse) seria pago mensalmente, por inclusão na mensalidade do aderente.
De acordo com os esclarecimentos prestados pela entidade inspecionada, nomeadamente, através da apresentação do contrato tipo vigente no ano de 2017, verifica-se que nesse período produziram efeitos as seguintes tipologia de mensalidades:
- CARTÃO LIVRE: Permite o acesso livre ao clube. O sócio tem acesso a uma única utilização/entrada diária, dentro do horário de funcionamento.
- CARTÃO OFF PEAK: Permite o acesso livre ao clube em horário parcial. O sócio tem acesso a uma única utilização/entrada diária, dentro do seguinte horário: 2.º a 6a entre as 7h e as 17h ou entre as 21 h e as 24h. Sábados, Domingos e Feriados dentro do horário normal de funcionamento do clube (sem restrições de horário).
Em ambos os casos - Cartão Livre e Off Peak (OP), não existe qualquer período de fidelização com o B... e também, em ambos os casos, é no ato de inscrição associada uma consulta de nutrição que mais não é do que uma avaliação física inicial.
Para além destas tipologias de mensalidades, existe ainda o Contrato de Prestação de Serviços de Personal Training cuja prestação varia consoante o número de sessões (de 1 vez por semana a 4 vezes) e o número de pessoas (de um a dois). Qualquer uma das tipologias oferecidas na vertente de Personal Training inclui uma consulta mensal de nutrição.
Vejamos agora a informação prestada pelo B... ao público em geral através da consulta ao seu site próprio (https://www... ):
Assim, e apesar da nutrição estar incluída em qualquer uma das opções de mensalidade a informação dada pelo contribuinte é a de que, quem aderir ao B... tem direito a uma consulta de nutrição gratuita!
De tudo o referido resulta que as importâncias faturadas pelo B... aos seus clientes, a título de nutrição, não correspondem, necessariamente, a efetivas prestações de serviços, antes sim, ao direito a que esses serviços fossem executados.
Já antes se deixou escrito que é "determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9. º do C/VA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados."
Dito de outra forma, se as prestações de serviços "... não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9. º do Cl VA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA.
Quer isto dizer que os valores faturados pela entidade inspecionada a título de aconselhamento nutricional, montantes que esta considerou isentos de IVA, não podem ser assim considerados, uma vez que, não há a garantia que tais serviços efetivamente tenham sido prestados.
É jurisprudência assente que "As normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objeto de interpretação estrita ou declarativa" (ver acórdão do STA, de 2017-11-08, Processo 0174/17).
Assim sendo, referindo-se à isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA às "prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de ...", tal isenção não abarca figuras conexas, como seja o direito à eventual realização dessas prestações de serviços.
Aliás é o próprio Código do IVA que dispõe, no n.º 8 do seu preâmbulo, que "Num imposto geral como o IVA as isenções hão-de conter-se em limites bastantes estreitos".
É também sabido que uma boa parte das isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA foram estabelecidas para atividades consideradas de interesse geral ou social. A saúde, enquanto bem primordial da humanidade, é o fundamento da isenção referida na alínea 1) do citado artigo.
A nós parece-nos evidente que não se reveste do mesmo interesse geral ou social a efetiva prestação de cuidados de saúde ou a sua disponibilização, ou melhor, a sua disponibilização desacompanhada da respetiva execução.
Mas mesmo que se considere a possibilidade da disponibilização desacompanhada da execução poder ser enquadrada na alínea 1) do artigo 9.º, parece-nos a nós que, ainda assim, ter-se-ia de ter em conta que existem diferentes níveis de disponibilização.
Finalmente, e ainda a propósito dos serviços de aconselhamento nutricional, afigura-se importante deixar umas breves notas, sobre o entendimento de quem "exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social", concretamente a Entidade Reguladora da Saúde:
"38. A relação que se estabelece entre prestadores de cuidados de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade, completude e transparência em todos os espetos e momentos da mesma, incluindo nos momentos que antecedem a própria prestação de cuidados de saúde.
39. Nesse sentido, o direito à informação - e o concomitante dever de informar - surge aqui com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e estruturante da própria relação criada entre utente e prestador.
40. Com efeito, a oferta de cuidados de saúde pode encontrar-se em situação que conduza à própria determinação, total ou parcial, da procura, pelo que se deverá considerar, desde logo, que o direito fundamental dos utentes de cuidados de saúde à informação, bem como os principies da verdade e transparência relevarão, fundamentalmente, em três momentos distintos:
a) antes da escolha do prestador (garantindo-se, nomeadamente, pela via da informação e transparência, o exercido da liberdade de escolha nas unidades de saúde privadas, que à ERS cumpre garantir);
b) durante a prestação do concreto cuidado de saúde (veja-se o que prevê a alínea e) do n.º 1 da Base XIV da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, para efeitos de consentimento informado e esclarecimento quanto a alternativas de tratamento e evolução do estado clínico): e
c) depois de cessada a relação contratual com o prestador (quando tal seja necessário para o exercício de direitos ou interesses legítimos de ambas as partes).
43. Com efeito, a informação em saúde deve ser prestada com verdade, com antecedência (para não colocar o doente numa situação de pressão quanto a decisão de dar ou recusar o seu consentimento), de forma clara, adaptada à sua capacidade de compreensão, contendo toda a informação necessária à tomada de decisão do utente, que deverá obviamente incluir a informação sobre os concretos atos que lhe venham a ser prestados e o preço a pagar pelos mesmos, e tendo em conta ainda a sua personalidade, o grau de instrução e as condições clínicas e psíquicas do utente.
44. E assim sendo, a informação sobre os custos dos cuidados de saúde é, também ela, essencial para que o utente, além de conformar a sua escolha quanto ao prestador em causa, decida se consente ou recusa os cuidados que lhe são propostos face à sua situação clínica.
45. Só assim se logrando obter a referida transparência na relação entre prestadores de cuidados de saúde e utentes.
46. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de informação ou a omissão de um dever de informar são suficientes para comprometer a exigida transparência da relação entre o prestador de cuidados de saúde e o seu utente e, nesse sentido, para distorcer o exercício da própria liberdade de escolha dos utentes e o consentimento para a prestação de cuidados de saúde:
47. Para além de facilitarem - ou mesmo criarem - situações de lesão de direitos e interesses financeiros dos utentes.
48. é óbvio que esta liberdade - de escolha e de prestação de consentimento, portanto, de autodeterminação - só pode ser exercida no momento anterior à efetiva prestação de cuidados de saúde, pelo que, a informação referida deve ser atempadamente transmitida ao utente, para que tenha utilidade e sirva os seus propósitos." (nosso sublinhado)
III.1.1.3.6 Análise das Tabelas de Preços e respetiva Faturação
Conforme foi referido no capítulo anterior, a esmagadora maioria dos serviços oferecidos/faturados pelo B... (representam mais de 97% do valor anual faturado), são os seguintes:
- Off Peak; - Livre; e - Personal Training.
O valor da mensalidade do Cartão Off Peak e do Cartão Livre correspondem, conforme resulta do contrato, aos montantes de € 17,90 e € 21,90, respetivamente. No quadro seguinte analisaremos a forma como esse valor é, efetivamente, faturado:
Assim, inicialmente, é processada uma primeira fatura correspondente àquilo que, em termos comerciais, é designado por "Inscrição". O valor total faturado é superior às faturas seguintes, sendo estas últimas processadas pelo valor acordado da mensalidade.
O primeiro montante faturado é desagregado nas quatro seguintes verbas:
- "Inscrição S/ Ref,", no valor de 15,00 euros (IVA incluído);
- "Consulta Nutrição", no valor de 5,00 euros (isenta de IVA);
- Outra imputada ao pagamento das atividades de ginásio, com as designações "Cartão Off Peak" e "Cartão Livre", no montante de € 11,65 e € 14,20, respetivamente (IVA incluído);
- Por fim, uma outra imputada ao pagamento da atividade de aconselhamento nutricional, com designações mais frequentes de "Consulta Nutrição Off Peak" e "Consulta Nutrição Livre", no valor de € 6,25 e € 7,10, respetivamente, (isenta de IVA).
Nas demais faturas apenas são discriminadas as duas últimas verbas antes referidas.
Em suma, e conforme se materializa na última coluna do quadro seguinte, o B... decidiu aplicar uma percentagem de 35% ao valor total de cada uma das mensalidades aplicadas, percentagem esta que associou a consultas de nutrição ou, melhor dizendo, valor esse que aleatoriamente considerou adequado para ser associado a uma atividade isenta de IVA, apesar de ter noção que não tinha nem meios, nem recursos, para prestar tais serviços.
De igual modo observe-se a tabela de preços fornecida pelo contribuinte relativamente aos serviços de Personal Training:
Mais uma vez, da análise dos valores faturados e da respetiva desconstrução, é possível concluir-se que o contribuinte, ao valor total do serviço, aplicou uma percentagem que associou como "nutrição" e assim decidiu que essa parte dos rendimentos estaria isenta de imposto, no caso destes serviços (PT) a percentagem aplicada correspondeu, também, a 35%.
Ou seja, o B... mesmo que com escassos recursos físicos e humanos para prestar os serviços de acompanhamento nutricional, nunca deixa de os associar ao preço de cada uma das modalidades praticadas e isto, sabendo de antemão não possuir esses recursos e, portanto, que não os poderia prestar, mas apenas, cobrar.
No caso específico dos serviços de Personal Training esta situação/opção é ainda mais evidente porquanto, na tabela de preços apresentada pelo contribuinte especificamente elaborada para tabelar estes serviços está incluída a seguinte nota:
"(INCLUI CONSULTA DE NUTRIÇÃO 1 x mês)", sendo que, no contrato de adesão celebrado aquando da inscrição de um novo sócio está incluído a anteriormente referida cláusula 2.3. com o seguinte conteúdo: "No valor de qualquer mensalidade paga está incluída a prática de atividades gímnicas, bem como um terço da consulta de nutrição a que tem direito trimestralmente".
No entanto, o que se verifica da faturação emitida relativa a estes serviços e exposta no anterior quadro é a de que o valor atribuído à prestação de serviços de nutrição aumenta proporcionalmente ao aumento da prestação final, ou seja, corresponde a 35% do seu valor e isto apesar de o cliente apenas ter direito a uma consulta por mês (se tivermos em conta a Tabela de preço) ou, a uma consulta de três em três meses (se tivermos em conta o contrato).
Na realidade, trata-se de incluir no valor de cada uma das mensalidades o serviço de aconselhamento nutricional, que corresponderá a 35% do valor total e que, para o cliente, que apenas olha para o preço final e não à forma como o valor da mensalidade é atingido, pouco interessa.
Esse desiderato é apenas e só do B... que assim consegue oferecer preços mais competitivos através da divisão dos valores das mensalidades em parte "Física" e parte "Nutricional", ou seja, em parte sujeita a imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e em parte isenta deste imposto.
Ora, a questão da repartição dos valores faturados pelas atividades desenvolvidas é não só relevante como decisiva, uma vez que coloca em causa o princípio da neutralidade a que se subordina o IVA.
A propósito do Princípio da neutralidade do IVA, passa-se a citar alguns excertos da apresentação de Clotilde Celorico Palma «O IVA e a jurisprudência comunitária - Análise de Acórdãos do TJUE»
• O princípio da neutralidade encontra a sua justificação noutros princípios que regem o IVA, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da proibição de duplas tributações ou da ausência de tributação.
• Neutralidade - A neutralidade do imposto verifica-se quer a nível interno quer externo, em particular quer relativamente à produção (production neutrality) quer ao consumo (consumption neutrality), como expressão da neutralidade económica.
• O IVA realiza a neutralidade concorrencial dentro e fora da zona integrada, atendendo ao facto de a carga tributária se manter igual independentemente do sistema de produção e de comércio.
• Existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o Imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspetiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo.
Mostra-se assim evidente que não assiste à entidade inspecionada o direito de, arbitrariamente e sem um racional económico que decorra das caraterísticas da atividade desenvolvida, fixar a repartição dos seus rendimentos entre prestações de serviços isentas e não isentas, pela via da manipulação dos respetivos preços.
Para além da flagrante violação do princípio da neutralidade, esta mesma arbitrariedade colide também com o conceito de prestação de serviços efetuada a título oneroso, conforme esta é entendida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, segundo o qual as operações tributáveis reportam-se a uma relação jurídica entre o prestador e o destinatário da mesma no âmbito da qual sejam trocadas prestações recíprocas, em que exista um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efetiva de um serviço passível de ser individualizado (proc. 102/86, caso Apple and Pear Development Council).
III.1.1.37 CONCLUSÕES E APURAMENTO DO IVA EM FALTA
Os factos carreados para os pontos anteriores, que se resumem de seguida:
1. A entidade B... declarou para efeitos de IVA, que, em 2017, mais de um terço da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, por, alegadamente, se tratar da prestação de cuidados de saúde;
2. De acordo com o TJUE, considera-se estar perante prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços visam a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde;
3. Da análise efetuada à atividade efetivamente exercida, aferida nomeadamente com base na afetação dos investimentos e gastos incorridos, concluiu-se, nomeadamente, pela utilização dada às instalações, pela mão-de-obra e ainda pelos gastos incorridos que o sujeito passivo tem ao seu dispor e ainda pelos gastos incorridos pelo sujeito passivo, que a estrutura existente tem como principal objetivo a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não;
4. Com efeito, ficou sobejamente evidenciado na exposição desenvolvida nos pontos III.1.3.1 a III.1.3.3, que a estrutura de gastos e investimentos realizados pelo B... tem subjacente, maioritariamente, a prestação a jusante de serviços de ginásio e, residualmente a prestação de serviços de aconselhamento nutricional;
5. Ficou ainda demonstrado que o contribuinte não dispunha em 2017 de recursos suficientes, designadamente, profissionais de nutrição devidamente credenciados para o efeito, para realizar o número de sessões de aconselhamento nutricional faturadas. Assim sendo, a referência nas faturas a "Aconselhamento nutricional" corresponde, quando muito, à disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional mensal, e não a uma efetiva consulta realizada;
6. Através da análise aos preços cobrados aferida através do Ficheiro SAF-T(PT) de faturação, verificou-se que os clientes adquiram um "pacote" que inclui a atividade de ginásio e aconselhamento nutricional o que se confere pela quase total inexistência de clientes com adesão a apenas serviços de ginásio;
7. O serviço de nutrição, ou, melhor, a disponibilização do direito de aceder ao serviço de nutrição, é um benefício potencial atribuído aos clientes do serviço principal;
8. A situação descrita "obriga" os clientes à contratação do aconselhamento nutricional e permite ao sujeito passivo camuflar a isenção atribuída a uma parte significativa da mensalidade contratualizada com os clientes, retirando vantagem através da diminuição do IVA a entregar ao Estado;
9. A formação do preço dos serviços prestados pelo B... é destituída de qualquer racionalidade económica. Os serviços que mais recursos consomem (serviços de ginásio) são vendidos a preços que não permitem sequer cobrir os gastos com os recursos que lhe são afetos. Tal, só pode encontrar justificação numa discriminação artificial do preço, neste caso, com o objetivo de obter a vantagem fiscal;
10. É de referir ainda que, o facto de na tabela de preços e nos respetivos contratos celebrados, os preços dos serviços de ginásio e de aconselhamento nutricional serem apresentados, para as modalidades que incluem aconselhamento nutricional, separadamente, não significa que estejamos perante prestações de serviços distintas ou separáveis. Na verdade, trata-se de um preço único na medida em que o preço fixado para o serviço de ginásio inclui a contratação do serviço de aconselhamento nutricional. O cliente não tem qualquer possibilidade de pagar apenas a parte do preço referente ao ginásio, tendo de, obrigatoriamente aderir ao serviço nutricional para se tonar sócio,
permitem à Inspeção Tributária afirmar:
i. Que o contribuinte está a utilizar o "Serviço de aconselhamento nutricional" - que, na realidade, será apenas residualmente e sempre a título acessório, utilizado pelos clientes - para, de forma artificial, discriminar as suas receitas, que mais não são do que derivadas da atividade que exerce a título principal, a atividade de ginásio;
ii. Dito de outra forma, que os serviços de aconselhamento nutricional eventualmente realizados pelo B..., nunca constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, e, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições de preço, do serviço principal prestado por aquela e, nessa exata medida, devem ter, em sede de IVA, o mesmo tratamento da prestação de serviços principal;
iii. Que o serviço contratado pelo cliente do B... é um serviço global, com um valor único e fixo, que engloba a prática desportiva e a possibilidade de beneficiar de serviço de aconselhamento nutricional. A prática do sujeito passivo de faturar o valor contratado em duas verbas, de serviço de ginásio e de serviço de aconselhamento nutricional, constitui uma divisão artificial da operação contratada, estando consequentemente sujeita e não isenta de IVA pelo seu valor total à taxa de normal de IVA;
iv. Por outro lado, tendo ficado demonstrada a falta de capacidade para a realização de todas as sessões de aconselhamento nutricional, conclui-se a final, que a mera disponibilização de um serviço, quando não ocorra a efetiva realização, por falta de finalidade terapêutica e até de prevenção, não constitui um serviço isento nos termos da legislação invocada pelo contribuinte;
v. Além disso, e em jeito de conclusão, questiona-se se, ainda que todos os serviços de aconselhamento nutricional e dietético tivessem sido realizados, poder-se-á considerar que a oferta desse serviço, composto por uma sessão presencial mensal com um profissional de nutrição poderia, ainda assim, ser considerada prestação de cuidados de saúde na aceção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA?
Pelo plasmado ao longo do presente relatório, concluímos que as operações faturadas pelo B... a título de aconselhamento nutricional não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVA constante do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA. Consequentemente está em falta a liquidação, declaração e entrega de imposto, a liquidar à taxa de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.
Com base na fundamentação exposta, propõe-se a liquidação adicional do imposto em falta, nos termos previstos no artigo 87.º do CIVA, em valor correspondente aos cálculos evidenciados nos quadros seguintes:
(...)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado, para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção, nos termos previstos no artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária, através do ofício n.º 2019..., datado de 24.10.2019.
Em 14.11.2019, deu entrada nos serviços da Direção de Finanças do Porto, via correio eletrónico, o documento relativo ao exercício do direito de audição da A... LDA, previsto no art.º 60.º da LGT.
I. DOS ARGUMENTOS DO CONTRIBUINTE
No direito de audição apresentado pelo contribuinte são por si contestados os seguintes pontos que aqui se reproduzem integralmente:
a) Pretende-se com o projeto relatório em causa, enquadrar as operações praticadas pela requerente com a atividade de nutrição - enquanto serviços de saúde -, para efeitos de IVA, como operações sujeitas a imposto e tributadas à taxa normal e não como uma atividade isenta, nos termos do disposto no art.º 9º do CIVA.
Isso, pese embora se reconheça que a requerente se encontra inscrita na Entidade Reguladora da Saúde, desde 26-06-2017 e que tais serviços são prestados aos seus clientes por profissionais habilitados, académica e profissionalmente, como nutricionistas.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 68º-A da LGT a administração tributária está vinculada às orientações constantes de circulares e outros instrumentos, independentemente da sua natureza - em que se incluem as informações vinculativas - tendo em vista a interpretação e aplicação das normas tributárias.
Ora, de acordo com a Informação Vinculativa nº 9215, com despacho de 2015-08-19, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente publicitada, entende-se que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercido nos termos da legislação aplicável».
O entendimento vertido para o projeto em causa está ostensivamente contra a referida informação vinculativa o que, obviamente, inquinaria de ilegalidade a eventual liquidação de IVA que do mesmo viesse a resultar (o que, não se quer crer, possa vir a ocorrer).
O entendimento vertido para o projeto em causa está ostensivamente contra a referida informação vinculativa o que, obviamente, inquinaria de ilegalidade a eventual liquidação de IVA que do mesmo viesse a resultar (o que, não se quer crer, possa vir a ocorrer).
(...)
II. POSIÇÃO DA INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA
Uma vez transcritos os argumentos apresentados pelo contribuinte, passamos à sua apreciação de cada uma das questões por si elencadas:
a) Concorda-se com o contribuinte quando este refere que o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada e é precisamente nesses termos que a Autoridade Tributária conclui que o B... não reúne as condições para beneficiar da referida isenção.
De facto, e conforme o contribuinte faz referência a inscrição do B... na Entidade Reguladora de Saúde apenas teve lugar em 26.06.2017, no entanto, desde o início do ano de 2017 que o contribuinte faturou consultas de nutrição considerando sempre estas como isenta de IVA. Sendo que, após a data de registo na ERS, não se verificou qualquer alteração no número de ocorrências destes serviços na faturação por si emitida.
A comparação entre o número de ocorrências de consultas de nutrição e o número de consultas que o único técnico qualificado nos quadros do B... para a prestação de tais serviços teve como base o número de horas prestadas pelo colaborador, o número de ocorrências de acompanhamento nutricional faturado e o tempo médio de 30 minutos (indicado na tabela de preços dos serviços de PT) tendo resultado que mesmo que não houvesse qualquer desperdício de tempo, por parte do colaborador e o tempo médio fosse o indicado sendo este, o mais favorável ao contribuinte dado haver consultas contratualizadas com a duração de 60 minutos mês, ainda assim, o contribuinte não teria capacidade para efetuar mais de 75% das consultas por si faturadas.
Assim, pese embora a prestação de serviços de nutrição possa estar abrangida pela isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA o B... não reuniu as condições obrigatórias para tal, ou seja, em primeiro lugar que a efetiva prestação do serviço, segundo que estes sejam prestados por profissionais qualificados e por fim que seja uma entidade registada na ERS como prestadora de cuidados de saúde.
(...)
C) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA n.ºs 2019...; 2019...; 2019...; 2019...e respetivos juros compensatórios, com os n.ºs 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...), todas respeitantes ao ano de 2017 (documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
D) A Requerente está inscrita na entidade reguladora da saúde desde 26-06-2017 (Relatório da Inspecção Tributária);
E) A Requerente dispõe de 2 gabinetes específicos para consultas de nutrição exclusivamente (depoimentos das testemunhas E... e F...);
F) Na mensalidade dos sócios da Requerente está incluída 1 consulta de nutrição trimestral, podendo aqueles obterem outras consultas avulso, o que alguns fazem (depoimentos das testemunhas E... e F...);
G) A Requerente tem clientes externos só para as consultas de nutrição (depoimento da testemunha F...);
H) Os sócios da Requerente são informados de que têm direito a consultas de nutrição e são incentivados a usarem-nas (depoimento da testemunha E...);
I) Há sócios da Requerente que só frequentam as consultas de nutrição e não também de ginásio (depoimento da testemunha E...);
J) A maioria dos sócios da Requerente utiliza as consultas de nutrição (depoimento da testemunha E...);
K) A Requerente tem clientes que acedem quinzenalmente e mensalmente a consultas de nutrição (depoimento da testemunha F...);
L) A maioria dos sócios da Requerente utiliza as consultas de nutrição (depoimento da testemunha E...)
M) Quando os sócios faltam a consultas, a Requerente tenta que seja feito reagendamento (depoimento da testemunha E...);
N) Os sócios que faltem a uma consulta podem fazê-la no trimestre seguinte (depoimento da testemunha E...);
O) Quando constatam que sócios não vão as consultas de nutrição há muito tempo, são contactados pela Requerente (depoimento da testemunha E...);
P) No ano de 2017, a Requerente teve ao seu serviço dois nutricionistas, inscritos na Ordem do Nutricionistas, uma apenas durante o mês de Janeiro, que trabalhavam 40 horas semanais (depoimento da testemunha E... e quadros 8 e 9 do Relatório da Inspecção Tributária);
Q) As consultas de nutrição são frequentadas com vários objectivos, podendo ser, designadamente, por razões clínicas, para adquirir massa muscular e para fins de emagrecimento (depoimentos das testemunhas E... e F...);
R) Em 2017, não era possível aos sócios da Requerente aderirem aos serviços de ginásio, sem consultas de nutrição;
S) Podem ter consultas de nutrição pessoas que não sejam sócios da Requerente (depoimento da testemunha E...);
T) Estas consultas de nutrição a não sócios ocorrem cerca de 8 a 10 vezes por mês (depoimento da testemunha E...);
U) Por despacho de 19-08-2015, do Subdiretor-Geral do IVA, foi emitida a Informação Vinculativa n.º 9215, publicitada em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMA%C3%87%C3%83O.9215.pdf;
V) Nessa Informação Vinculativa, relativa a «Isenções - Serviços de aconselhamento de nutrição, prestados em Health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável», cujo teor se dá como reproduzido, conclui-se, além do mais, que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)»;
W) A Requerente encontra-se inscrita na Entidade Reguladora da Saúde, desde 26-06-2017 (Relatório da Inspecção Tributária);
X) Em 17-07-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias liquidadas.
A Requerente diz que efectuou o pagamento em execução fiscal (artigo 7.º do pedido de pronúncia arbitral), mas não juntou qualquer documento comprovativo, designadamente com a denominação «doc. 1» a que aí alude.
3.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e os que consta do processo administrativo.
Nos pontos indicados, a fixação da matéria de facto baseia-se nos depoimentos das testemunhas E... e F..., que aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que relataram.
Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira defenda que «apenas as questões relativas aos contractos e à inscrição na Entidade Reguladora da Saúde (adiante ERS), fizeram referência à altura dos factos em apreço nos autos» e «todas as demais questões se reportaram à actualidade», a testemunha E... referiu que em 2017 os procedimentos da Requerente já eram os mesmos (minuto 14).
No que concerne ao número de nutricionistas, a testemunha E... referiu que «neste momento nós termos dois nutricionistas, na altura tínhamos três» (minutos 15-16).
Por outro lado, no que concerne à testemunha F..., embora só tenha começado a prestar serviço à Requerente em 2019, já era cliente em 2017 e conhecia o funcionamento dos seus serviços.
4. Matéria de direito
4.1. Enquadramento da questão e posições das Partes
A Requerente começou a prestar aos seus clientes/sócios serviços de nutricionismo, quer isoladamente, quer em conjunto com outros serviços, designadamente de prática de ginásio.
A Requerente não liquidou IVA pelos serviços de nutricionismo, por entender estarem isentos, com enquadramento na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que prevê isenção para «as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT, referiu: «Concorda-se com o contribuinte quando este refere que o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada e é precisamente nesses termos que a Autoridade Tributária conclui que o B... não reúne as condições para beneficiar da referida isenção».
Como razões para a entender que a Requerente não pode aplicar a isenção, refere-se no Relatório da Inspecção Tributária, em suma, que
– o contribuinte está a utilizar o "Serviço de aconselhamento nutricional" - que, na realidade, será apenas residualmente e sempre a título acessório, utilizado pelos clientes - para, de forma artificial, discriminar as suas receitas, que mais não são do que derivadas da atividade que exerce a título principal, a atividade de ginásio;
– os serviços de aconselhamento nutricional eventualmente realizados pelo B..., nunca constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, e, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições de preço, do serviço principal prestado por aquela e, nessa exata medida, devem ter, em sede de IVA, o mesmo tratamento da prestação de serviços principal;
– o serviço contratado pelo cliente do B... é um serviço global, com um valor único e fixo, que engloba a prática desportiva e a possibilidade de beneficiar de serviço de aconselhamento nutricional. A prática do sujeito passivo de faturar o valor contratado em duas verbas, de serviço de ginásio e de serviço de aconselhamento nutricional, constitui uma divisão artificial da operação contratada, estando consequentemente sujeita e não isenta de IVA pelo seu valor total à taxa de normal de IVA;
Depois do exercício do direito de audição pela Requerente, que invocou uma Informação Vinculativa, a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve as correcções efectuadas, dizendo, em suma:
– a inscrição do B... na Entidade Reguladora de Saúde apenas teve lugar em 26.06.2017, no entanto, desde o início do ano de 2017 que o contribuinte faturou consultas de nutrição considerando sempre estas como isenta de IVA. Sendo que, após a data de registo na ERS, não se verificou qualquer alteração no número de ocorrências destes serviços na faturação por si emitida.
– o contribuinte não teria capacidade para efetuar mais de 75% das consultas por si faturadas.
– pese embora a prestação de serviços de nutrição possa estar abrangida pela isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA o B... não reuniu as condições obrigatórias para tal, ou seja, em primeiro lugar que a efetiva prestação do serviço, segundo que estes sejam prestados por profissionais qualificados e por fim que seja uma entidade registada na ERS como prestadora de cuidados de saúde.
É esta última a posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre os fundamentos das correções efectuadas.
A Requerente conclui, nas suas alegações que
– «as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica terapêutica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas por ela contratados e inscritos na respectiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional»;
– «é inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física».
– «Quaisquer incorrecções ou omissões por parte da Requerente na concretização das operações enquanto sujeito misto de IVA (realizando operações sujeitas a IVA, sendo umas isentas e outras não) nenhuma relevância tem para o caso».
A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas alegações apresentadas no presente processo, transcreve um acórdão do TJUE e diz, em suma, o seguinte:
– não só não se verificavam os fins terapêuticos que constituem pressuposto de aplicação da isenção, mas mera disponibilização dos serviços, se mostra incompatível com os fins terapêuticos que constituem requisito de aplicação da isenção;
– a inscrição da Requerente na Entidade Reguladora da Saúde, apenas aconteceu a partir de 23/06/2017 (facto que só por si sempre obstaria à aplicação da isenção até então);
– estamos perante prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais o ginásio é a prestação principal e a nutrição, pelos motivos referidos, é acessória daquela;
– os serviços de nutrição, ainda que individualizáveis, não constituem para a clientela um fim e em si, mas antes uma forma de usufruir, nas melhores condições, do serviço principal;
– a assim não se entender, os serviços de acompanhamento nutricional constituem uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), desta diretiva;
– o Acórdão do TJUE é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos.
4.2. Âmbito do contencioso arbitral
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( )
Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto ( ) e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do acto impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária, mantendo na ordem jurídica esse acto com nova fundamentação. Isto é, «o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)». ( )
A eventual prática, na sequência da declaração pelo tribunal da ilegalidade do acto impugnado, do «acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral», é tarefa que cabe a Administração Tributária como resulta do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.
Neste contexto, há que notar que a hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição não foi fundamento das liquidações impugnadas.
Na verdade, depois de ser confrontada pela Requerente, no exercício do direito de audição, com a Informação Vinculativa n.º 9215, a Autoridade Tributária e Aduaneira definiu a sua posição final sobre as correcções efetuadas dizendo, em suma, o seguinte:
– reconheceu que «o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada»;
– mas, a Requerente «não reúne as condições para beneficiar da referida isenção»;
– «a inscrição do B... na Entidade Reguladora de Saúde apenas teve lugar em 26.06.2017, no entanto, desde o início do ano de 2017 que o contribuinte faturou consultas de nutrição considerando sempre estas como isenta de IVA. Sendo que, após a data de registo na ERS, não se verificou qualquer alteração no número de ocorrências destes serviços na faturação por si emitida»;
– a «contribuinte não teria capacidade para efetuar mais de 75% das consultas por si faturadas»;
– «pese embora a prestação de serviços de nutrição possa estar abrangida pela isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA o B... não reuniu as condições obrigatórias para tal, ou seja, em primeiro lugar que a efetiva prestação do serviço, segundo que estes sejam prestados por profissionais qualificados e por fim que seja uma entidade registada na ERS como prestadora de cuidados de saúde».
É esta a fundamentação das liquidações impugnadas, à face da qual tem de ser aferida a sua legalidade.
4.3. Apreciação da questão
4.3.1. A falta de registo na ERS
No que concerne à falta de registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), prevista no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto, é irrelevante para efeito de tributação em IVA, pois nenhuma norma do CIVA ou da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, lhe dá qualquer relevância, designadamente para efeitos de aplicação de isenções.
As prestações de serviços são tributadas em IVA nos mesmos termos, com as mesmas isenções, independentemente da natureza lícita ou ilícita dos serviços prestados, o que está em sintomia com os princípios gerais da tributação enunciados na LGT, da relevância da substância económica das operações e da tributação de actos ilícitos (artigos 10.º e 11.º, n.º 3).
É por essa razão, decerto, que a Informação Vinculativa n.º 9215, emitida em 19-08-2015 nem sequer alude à necessidade de registo na ERS com condição da isenção, apesar de ter sido emitida quando o registo já era obrigatório.
Por isso, ao contrário do que se entendeu no Relatório da Inspecção Tributária, a falta de registo na ERS não constitui uma das «condições obrigatórias» para a Requerente aplicar a isenção.
De resto, se a falta de registo na ERS fosse um fundamento para não aplicação da isenção, apenas poderia valer quanto à actividade da Requerente anterior a 23-06-2017, data da inscrição, não podendo justifica a não aplicação ao período posterior a 2017.
Assim, na medida em que considerou o registo na ERSE como condição obrigatória da aplicação da isenção, as correcções efetuadas e as subsequentes liquidações enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito.
4.3.2. A prestação dos serviços por profissionais qualificados
A Autoridade Tributária e Aduaneira referiu no RIT, que a Requerente «não reuniu as condições obrigatórias», indicando, entre elas, a de que os serviços «sejam prestados por profissionais qualificados».
No que concerne a este requisito, que é exigido na referida Informação Vinculativa, encontra-se preenchido, como resulta da prova produzida.
Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira indica no Relatório da Inspecção Tributária os dois nutricionistas que prestaram serviços nas instalações da Requerente em 2017, indicando os respectivos números de inscrição na Ordem dos Nutricionistas.
Por isso, este hipotético fundamento para não aplicação da isenção não tem correspondência com a realidade, pois os serviços foram «assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável», como se refere na Informação Vinculativa.
Assim, sendo indicada a falta de prestação dos serviços por profissionais qualificados como uma das «condições obrigatórias» não preenchida, as correcções efetuadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
4.3.3. A falta de «efetiva prestação do serviço»
Após análise do número de consultas facturadas e considerando o tempo que entendeu ser necessário para cada uma delas, a Administração Tributária concluiu a Requerente não poderia ter prestado, mas apenas disponibilizado, todos os serviços de consultas de nutrição facturados.
E entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT (na parte final do ponto III.1.1.3.4), que
Esta mera disponibilidade do direito de usufruir de uma consulta de nutrição não cabe no conceito de prestação de cuidados de saúde a que corresponde a isenção de IVA vertida para o n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, pois tais serviços não tiveram em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde, inexistindo qualquer finalidade terapêutica e, nem mesmo, de prevenção.
A demonstração de que foram faturadas prestações de serviços de aconselhamento nutricional que não poderiam ter existido por inexistência ou insuficiência de profissionais habilitados, tem como consequência a inutilidade das faturas como documento comprovativo dos requisitos para o exercício do direito à isenção de IVA.
E, na linha deste seu entendimento sobre a «inutilidade das faturas», a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu, a final, «que as operações faturadas pelo B... a título de aconselhamento nutricional não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVA constante do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA. Consequentemente está em falta a liquidação, declaração e entrega de imposto, a liquidar à taxa de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA».
Resulta da prova produzida, quer da que consta do RIT quer da prova testemunhal, que, se é certo que nem todas as consultas facturadas foram efectuadas, também o é que, para além de serem disponibilizadas, parte das consultas facturadas foram também efectuadas.
Na verdade, as testemunhas E... e F... referiram a realização de consultas e que os nutricionistas trabalharam 40 horas semanais.
Por outro lado, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira deu como assente, no RIT, que a Requerente teve ao seu serviço no ano de 2017 dois nutricionistas inscritos na respectiva Ordem (uma apenas no mês de Janeiro), tendo apurado que foram emitidos "Recibos Verdes Eletrónicos (Fatura-Recibo)" em nome da Requerente por um dos nutricionistas e aceitou as afirmações da Requerente de que eles trabalharam 40 horas semanais
Mesmo que se aceitasse que a mera disponibilização do serviço não permite aplicar a isenção, a falta de «efetiva prestação do serviço» poderia ser fundamento para não aplicar a isenção às consultas não prestadas, mas não a todas as consultas faturadas, designadamente às que foram efectuadas.
Nesta situação, em que há a certeza de que foram realizadas consultas que podem beneficiar da isenção ( ), mas, eventualmente, não terá sido possível apurar com exactidão quantas das consultas facturadas foram realizadas, a solução imposta pelo princípio da proporcionalidade é a avaliação indirecta prevista nos artigos 85.º e 87.º, n. 1, alínea b) da LGT para as situações em que haja «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» e não ficcionar que nenhuma das consultas foi realizada, o que contraria a prova produzida, que é no sentido de «a maioria dos sócios da Requerente utiliza as consultas de nutrição», como referiu a testemunha E... .
Assim, ao ter concluído, com base na constatação (acertada), de que nem todas as consultas de nutricionismo facturadas foram prestadas, que todas «as operações faturadas pelo B... a título de aconselhamento nutricional não reúnem as condições para beneficiar da isenção de IVA», as correcções efetuadas enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
4.3.4. O acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Na parte em que se refere que a prestação do serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva», a doutrina do TJUE não pode ser aplicada no presente processo, em que o Tribunal Arbitral tem poderes de mera anulação com fundamento em ilegalidade, e está em causa impugnação de actos de liquidação que se basearam no entendimento de que «o aconselhamento nutricional pode beneficiar da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, nos termos da lei e da própria informação vinculativa por si indicada».
Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.
É por isso, que a fundamentação a posteriori só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º1, do RJAT e 100.º da LGT.
Por outro lado, tendo o TJUE entendido, «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio», que «um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente», contraria a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, em que entendeu que se tratava de uma actividade utilizada «residualmente e sempre a título acessório».
Na verdade, no caso em apreço, a prova produzida é no sentido de haver clientes da Requerente que nem sequem frequentam as consultas de ginásio e há consultas que foram realizadas «por razões clínicas» [alínea Q) da matéria de facto fixada], o que patenteia que a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia ter deixado de reconhecer a isenção em relação a todas as consultas facturadas.
4.4. Conclusão
De harmonia com o exposto, as liquidações de IVA enfermam de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito que justificam a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA pelo que enfermam dos mesmos vícios.
5. Restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
A Requerente pede a restituição do imposto pago e ainda juros indemnizatórios, alegando ter feito o pagamento das quantias liquidadas, em sede de execução fiscal (artigo 7.º do pedido de pronúncia arbitral).
Mas, como foi referido ao apreciar a matéria de facto, não se encontra no processo qualquer documento comprovativo, designadamente com a denominação «doc. 1» a que aí alude.
O reembolso e os juros indemnizatórios dependem do pagamento indevido e da data em que ele é efectuado, pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.
A ter ocorrido pagamento a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas e também direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação das liquidações se baseia em erro imputável aos serviços.
Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).
6. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular a liquidações de IVA relativas ao ano de 2017 com os n.ºs 2019...; 2019...; 2019...; 2019..., bem como as liquidações de juros compensatórios, com os n.ºs 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019 ... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019...); 2019... (relativa à liquidação de IVA n.º 2019 ...), todas respeitantes ao ano de 2017;
C) Julgar improcedentes os pedidos de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios, sem prejuízo dos respectivos direitos poderem ser reconhecidos em execução do presente acórdão.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 93.679,80.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 26-04-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Jesuíno Alcântara Martins)
(Luís Menezes Leitão)