Os árbitros Fernanda Maçãs (indicada pelos árbitros vogais para presidir ao coletivo), Drª. Ana Teixeira e Profª. Doutora Rita Calçada Pires (árbitros vogais, indicados respetivamente pelo Requerente e pela Requerida), tendo presente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 24 de Novembro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 65/21.1BALSB, transitado em julgado, acordam na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. A..., sociedade em nome coletivo, pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Sintra, adiante designada por “Requerente”, tendo sido notificada do despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) que indeferiu o Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019..., tendo por objeto o ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2014, vem, em tempo, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e, ainda, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
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anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019...;
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anulação liquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2014, com o n.º 2016..., emitida em 2 de agosto de 2016, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23%;
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reembolso à Requerente do montante de € 1.191.120,66 relativo a IRC de 2014; e, bem assim,
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pagamento à Requerente de juros indemnizatórios nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 29 de Junho de 2020 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, na pessoa da Sra. Dra. Ana Teixeira de Sousa e a Requerida nomeou a Prof. Doutora Rita Calçada Pires, ambos árbitros vogais, que aceitaram a nomeação.
4. Nos termos do artigo 6º nº 2 do RJAT foi designada como Presidente do tribunal, por acordo entre os árbitros vogais, a Conselheira Maria Fernanda Santos Maçãs que aceitou, tendo a designação a data de 29 de Setembro de 2020.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 29 de Outubro de 2020.
6. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
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No ano de 2014, o período de tributação da Requerente não coincidia com o ano civil, iniciando-se o mesmo em 1 de Março de 2014 e terminando em 28 de Fevereiro de 2015.
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Nesse exercício de 2014 (compreendido entre o dia 1 de março de 2014 e o dia 28 de fevereiro de 2015), a Requerente entregou a correspondente Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º..., em 31 de julho de 2015.
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À matéria coletável apurada na liquidação de IRC n.º 2016... (no montante de €.59.556.033,54) foi aplicada, por definição da aplicação disponibilizada no Portal das Finanças para preenchimento da declaração Modelo 22, a taxa de IRC de 23.%.
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Da aplicação da taxa de 23% resultou uma coleta de IRC, no valor de € 13.697.887,71, bem como um valor de derrama estadual a pagar no valor de €.3.273.922,34.
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Com a entrada em vigor da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, vide artigo 192.º o n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC passou a determinar que “A taxa do IRC é de 21%, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”, sendo de mencionar que a Lei do Orçamento do Estado para 2015 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 261.º da Lei supra referida.
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A este respeito, referiu ainda a Requerente que em anteriores alterações legislativas, sempre que o legislador pretendeu modificar a taxa de IRC e, simultaneamente, limitar a sua aplicação aos períodos tributários cujo início ocorresse após a entrada em vigor dessas mesmas modificações, o legislador introduziu disposições transitórias nesse sentido. Ora, no âmbito da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro o legislador não estabeleceu qualquer disposição transitória quanto à aplicabilidade da taxa de 21%, pelo que teria pretendido a sua aplicação quer aos períodos tributários que se iniciassem em ou após 1 de Janeiro de 2015, quer aos períodos tributários que ainda estivessem em curso e que apenas terminassem após essa data.
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Assim sendo, o período de tributação de 2014 da Requerente terminou em 28 de fevereiro de 2015, pelo que se considera aplicável, relativamente à matéria coletável apurada no exercício de 2014, a taxa de IRC de 21%, através da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC (na redação em vigor a essa data), bem como do n.º 9 do artigo 8.º do mesmo Código.
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De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo da LGT “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
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Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019, consagra-se: “Nesta conformidade, o artigo 12.º da LGT e, particularmente, o seu n.º 2 apenas será aplicável se não existir disposição especial que estabeleça outra solução; por consequência, existindo norma especial sobre a aplicação da lei fiscal no tempo é a esta que cabe recorrer e não às disposições gerais constantes do artigo 12.º da LGT.”
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No domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC, o legislador consagrou uma solução particular quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroatividade; entendemos que vigora neste âmbito uma regra especial que resolve diretamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo e que afasta a aplicação da regra geral constante do artigo 12.º, n.º 2, da LGT.”
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O Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão proferido no processo n.º382/2012, de 12 de julho de 2012, em análise à retroatividade da lei fiscal que alterou as taxas de tributação autónoma no ano de 2008, vem reforçar a disposição mencionada supra: “(…) no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC.
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A decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 179/2018-T, de 15 de outubro de 2018, acolheu o entendimento supra porquanto aí consta: “(…) é imperioso concluir que a taxa geral de IRC em vigor em 30/06/2015, data do termo do período de tributação de 2014 da Requerente, era de 21%, sendo essa a taxa a aplicar para efeito do cálculo do IRC devido pela Requerente com referência a tal período”.
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E, também, no mesmo sentido, a Requerente invoca a decisão arbitral no processo n.º412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019.
7. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por exceção e por impugnação, tendo concluído pela improcedência da presente Acão e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (PA).
8. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
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Entende dever ser julgada procedente a exceção de incompetência material do tribunal para apreciar e decidir do pedido de reconhecimento do direito à restituição de determinado montante de imposto pago.
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Alega que, caso o tribunal venha a decidir um reembolso que só deve ser quantificado pela AT, nomeadamente em sede de execução do julgado, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo não se contem nas competências próprias da jurisdição arbitral.
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Por impugnação apresenta a seguinte defesa.
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Nos termos do artigo 1º do CIRC o IRC é devido em cada exercício, estando diretamente relacionado com a obtenção de um resultado positivo, passível de tributação, ao qual é aplicada uma determinada taxa. Assim, a nova taxa de IRC decorrente da entrada em vigor do disposto no n.º1 do art.º 87.º do CIRC aprovado pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, - aplica-se aos períodos de tributação com início em ou após 01 de Janeiro de 2015.
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Em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta, em termos anuais, o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (vide art.0 8.º do CIRC). Assim, em conformidade com este princípio, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil. Com efeito, nos termos do art. 8º nº 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, e, sendo um imposto periódico, o facto gerador produz-se de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar.
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Na verdade, o IRC, é um imposto sobre um determinado rendimento, apurado num certo período de tempo, sendo assim um imposto periódico de formação sucessiva, para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 12.º da LGT. O lucro tributável é assim um facto complexo que se forma ao longo do exercício económico e cujo culminar ocorre a 31/12 do ano a que respeita ou no último dia do período tributário caso o sujeito passivo opte por um período de tributação diferente. No caso em apreço, uma vez que o sujeito passivo adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de Março de 2014 e terminou em 28 de Fevereiro de 2015. Logo, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015. Em todos os anos, no final do ano civil, com a publicação do Orçamento de Estado, verificam-se alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se aplicam ao período de tributação do ano seguinte.
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E, não é por este facto, que o sujeito passivo, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, aplica as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro ano para o período do ano seguinte. O que nos conduz ao caso em concreto em que o período tributário anual decorre de 1 de Março de 2014 a 28 de Fevereiro de 2015, a taxa a aplicar deve ser a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, apenas pelo facto de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer fator distintivo de criação de riqueza ou qualquer outra justificação plausível.
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Caso assim não fosse, teríamos também, claramente, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, uma vez que para o mesmo período tributário, coexistiriam 2 taxas de imposto, efeito que se presume não ser o desejado pelo legislador. Assim, de forma a existir uma harmonização entre sujeitos passivos, todos eles, quer iniciem o período a 01/01, quer em data posterior, sabem de antemão com o que contar nesse mesmo período tributário e como gerir as suas expetativas.
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A Requerida remete ainda a fundamentação para a resposta que produziu face ao pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRC apresentado pela Requerente no Procedimento Administrativo de Revisão Oficiosa nº ...2019..., que integra o PA.
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A Requerida cita em benefício da sua posição a decisão do tribunal no processo arbitral nº 412/2019-T. Entende deste modo a Requerida que obrigação tributária que nasce após a aprovação e publicação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de Janeiro de 2015. Por seu turno, não tendo aquela Lei revogado o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não se verificaria uma questão de sucessão de leis no tempo, continuando a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, a ser aplicável ao período de 2014.
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Concluindo assim que a taxa a aplicar, independentemente de o ano de tributação começar em 1 de Março de 2014 e terminar a 28 de Fevereiro de 2015, sempre será a definida para o exercício de 2014. Donde se conclui que, para o período tributário de 2014, a taxa é de 23% para todos os sujeitos passivos, quer iniciem em 01/01/2014, quer em data posterior.
9. Por Despacho de 6 de Dezembro de 2020 o Requerente foi notificado para exercer contraditório em relação à matéria da exceção, o que o Requerente fez em 21 de Dezembro.
10. Na resposta à exceção da incompetência suscitada pela Requerida a Requerente sustenta o seguinte:
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A exceção invocada nunca poderá proceder porque, em primeiro lugar, configura abuso de direito – proibido de acordo com o disposto no artigo 334.º do Código Civil – por a sua invocação ser contrária à lei e à posição perfilhada em diversos Acórdãos do Tribunal Arbitral Tributário que funcionam no âmbito do CAAD.
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O âmbito da jurisdição arbitral tributária está delimitado, e a própria Requerida o refere, num primeiro momento, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que enuncia os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
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Tais pretensões, sobre as quais os tribunais arbitrais são competentes para se pronunciar, compreendem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, (…)”.
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Para a Requerente a Requerida labora em manifesto lapso por não atender à extensão – no seu todo – da pretensão da Requerente, pois esta não se cinge ao pedido de “apreciação da parte do pedido de restituição do imposto indevido” que é aliás o único argumento que está na base da defesa por exceção da Requerida.
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O PPA foi deduzido para suscitar a apreciação e declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados na autoliquidação de IRC e, também, por razões de indissociabilidade, do indeferimento do pedido de Revisão do Ato Tributário, o qual assenta na “correção do valor em excesso apurado por aplicação de uma taxa (23%) não vigente à data dos factos devendo tão-somente aplicar-se a legalmente em vigor de 21%”.
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A Requerente cita depois diversos acórdãos proferidos pelo CAAD, em que se discute se este tribunal é competente para apreciar pedidos de reembolso da quantia paga ou de pagamento de juros indemnizatórios e em que o tribunal conclui afirmativamente por considerar que o pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que é também o processo arbitral o adequado para apreciar pedidos de reembolso de imposto.
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Pedindo que a excepção dilatória da incompetência material do tribunal arbitral seja considerada improcedente.
11. Por despacho proferido em 27 de Dezembro de 2020, foram as partes notificadas de que, ao não haver lugar à produção de prova constituenda, por um lado, e ao ter sido a Requerente notificada para exercer contraditório em relação à matéria da exceção, o que fez, por outro, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.
Notificaram-se igualmente as partes para a produção de alegações escritas no prazo de 15 dias a partir da notificação do referido despacho, sendo que ambas as partes apresentaram alegações, tendo reiterado as posições anteriormente assumidas nos articulados. Designou-se o dia 29 de Abril de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
12. No âmbito do processo original foi a Requerente notificada da Decisão Arbitral, em 27/04/2021 (Retificada em 29/04/2021), na qual não foi dado provimento ao Pedido.
13. Tendo a Requerida interposto recurso para uniformização de jurisprudência, veio o Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário), por Acórdão de 24 de Novembro de 2021, no âmbito do processo n.º 65/21.1BALSB, tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida por decidir que:
“Atento o disposto no nº 9 do artigo 8º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no nº 1 do art. 12º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 28 de Fevereiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei nº 82- B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”
14. Por requerimento de 23 de Maio de 2023, veio a Requerente solicitar “(…) ao Coletivo do Tribunal Arbitral que proferiu a decisão anterior, atendendo à sua anulação pelo STA, em sede de recurso para uniformização de Jurisprudência, que, ora, conheça do Pedido, oportunamente, formulado e em consequência prolate decisão que substitua a anulada por outra que respeite a Jurisprudência fixada pelo STA.
15.Por despacho de 28 de Maio de 2023 foi a Requerida notificada para exercer, querendo, contraditório, que exerceu invocando resumidamente o seguinte:
a) A requerente não indica a base legal do pedido que formula pelo que o mesmo carece de fundamentação;
b) O Tribunal Arbitral Coletivo constituído no processo 321/20220-T, extinguiu-se com a prolação da decisão arbitral a 27.04.2021, conforme o disposto no artigo 613.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT;
c) A requerida desconhece por completo a menção aposta na plataforma do sistema informático de gestão processual do Centro de Arbitragem Administrativa de “reabertura de processo" desconhecendo-se inteiramente os atos que determinaram a respetiva menção, qual a entidade que assim o determinou e qual o enquadramento legal, assumindo-se que se trata de um procedimento automatizado meramente informático sem qualquer enquadramento processual ou relevância jurídica;
d) Ao Tribunal Arbitral está vedado o julgamento de acordo com as regras de equidade pelo que o seu julgamento está circunscrito ao julgamento de acordo com o direito constituído;
e) A prolação de uma nova decisão por parte do tribunal Arbitral não está prevista, quer em sede de direito substantivo, quer do ponto de vista do direito processual, pelo que a sua intervenção carece de norma legal habilitante, sob pena de nulidade por falte de competência;
f) A entidade competente para a prolação de decisão sobre o mérito da causa é o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do artigo 152.º do CPTA e 659.º do CPC aplicáveis ex vi artigo 29 do RJAT;
g) Já estão precludido todos os prazos para que o requerente pudesse reclamar, pedir a reforma ou hipoteticamente interpor uma nova ação;
h) No âmbito do processo de execução de julgados que correu termos sob o número n.º 2105/22.8BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa foi proferida sentença, ainda não transitada em julgado, que julgou improcedente o pedido e absolveu a requerida da instância;
i) São juridicamente irrelevantes os comentários constantes na referida sentença sobre a entidade competente para a prolação de decisão, porquanto os mesmos são infundados, trata-se de meras opiniões, bem como extravasam o âmbito do pedido que limita os poderes de conhecimento do tribunal.
II. SANEAMENTO
16. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
§1.º Incompetência material para apreciação do pedido de condenação em reembolso
A Requerida veio suscitar, na contestação, a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar pedido de condenação em reembolso.
Alega a Requerida, em suma, que a competência dos tribunais arbitrais é circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, decorrendo a competência destes não só dessa disposição legal mas, ainda, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT, pelo que é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, inexistindo qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT.
Para Requerida, o Tribunal Arbitral, caso venha a decidir um reembolso que só deve ser quantificado pela AT, nomeadamente em sede de execução de julgados, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral.
Conclui-se, assim, que a incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º, e al. a) do artigo 577.º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Confrontada com a exceção de incompetência do Tribunal, em razão da matéria, a Requerente apresentou resposta invocando, em síntese:
Que a REQUERENTE labora em manifesto lapso por não atender à extensão – no seu todo – da pretensão da requerente, pois, contrariamente à sua interpretação, não se cinge ao pedido de “apreciação da parte do pedido de restituição do imposto indevido”
Assim, o PPA foi deduzido para suscitar a apreciação e declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados na autoliquidação de IRC e, também, por razões de indissociabilidade, do indeferimento do pedido de Revisão do Ato Tributário, o qual assenta na “correção do valor em excesso apurado por aplicação de uma taxa (23%) não vigente à data dos factos devendo tão-somente aplicar-se a Legalmente em vigor de 21%” (cf.artigo 68.º do PPA e alíneas a), b) e c) do Pedido).
Consequentemente, está em causa a Declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de Revisão de Ato tributário relativo à autoliquidação (cf. artigo 68.º do PPA), que resulta da mera operação aritmética aplicada: a.à materia coletável apurada pela Requerente de €.59.556.033,54 – valor que se manterá inalterado;b. De que deve decorrer não o apuramento do imposto a pagar de € 13.697.887,71, resultado da aplicação da taxa de 23% sobre o montante indicado em a); c. Ao invés do propugnado pela Requerente do valor de €12.506.767,04, como resultado da aplicação da taxa legal de 21%; e d. Ainda, como corolário da aplicação da taxa legalmente prevista, decorre o direito ao reembolso da diferença dos montantes apurados com base na taxa legal (21%) e o resultante da aplicação da taxa ilegal de 23% determinado através de mera operação aritmética de subtracção, ou seja: € 13.697.887,71-€12.506.767,04 = € 1.191.120,66).
Vejamos.
Como vimos, na petição inicial, a Requerente termina formulando o seguinte pedido:
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A anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019...;
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A anulação da liquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2014, com o n.º 2016..., emitida em 2 de agosto de 2016,
em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23%;
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O reembolso à Requerente do montante de € 1.191.120,66, relativo a IRC de 2014,
decorrente da aplicação da taxa de 21% vigente à data do fato tributário;
A questão da competência dos tribunais arbitrais para apreciar pedidos de reembolso foi apreciada, entre outras, na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 333/2017-T, jurisprudência, que se reitera e passamos a acompanhar.
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto atos em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
O legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços[1]. Este regime foi, posteriormente, generalizado no CPPT, que estabeleceu no n.º 1 do artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir na LGT, em cujo n.º 1 do artigo 43.º, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT, em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha, à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.
Esta separação constitui característica de um contencioso meramente anulatório como é o do CPPT e, no caso dos processos arbitrais, encontra especial fundamento no facto de os tribunais arbitrais não terem qualquer competência para apreciar litígios que ocorram na fase de execução de julgados (o que acontece, aliás, em relação aos tribunais arbitrais em geral).
Assim, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
Isto posto, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de reembolso de imposto indevidamente pago.
Em suma, constitui jurisprudência pacífica que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de juros indemnizatórios. Ora, essa apreciação não pode deixar de envolver o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, atendendo à indissociabilidade dos mesmos: o direito a juros, a existir, incide sobre a quantia a reembolsar.
Assim sendo, quando o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do ato tributário, não podemos deixar de admitir a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação.
Diferentemente se passam as coisas nos casos em que haja divergência quanto ao montante a reembolsar, devendo então a concretização do mesmo ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer de facto à esfera da AT.
Também não se inclui na competência dos tribunais arbitrais os litígios que incidam sobre a existência ou não de direito ao reembolso, por se tratar claramente num pedido de reconhecimento de direitos.
No caso dos autos, a Requerente indicou em concreto o montante da liquidação que reputa de ilegal e a Requerida não o contestou, limitando-se a arguir a incompetência do Tribunal para apreciação do pedido de restituição do imposto indevido.
Neste contexto, afigura-se legítimo que a Requerente reclame o reembolso da quantia peticionada na sequência da anulação dos atos de autoliquidação. O que não impede que, sobrevindo eventual dúvida sobre o montante peticionado, o mesmo possa ser dirimido em sede de execução de sentença.
Julga-se, em consequência, improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
§2.º Incompetência material para proferir acórdão de substituição do acórdão uniformizador do STA
A questão colocada pela Requerida já foi objeto de múltiplas Decisões do CAAD, em situações similares à dos presentes autos, pelo que no limitamos a reproduzir a jurisprudência fixada por Decisão Arbitral proferida no processo n.º 811/2019-T (Substitutiva da Decisão de 3 de Setembro de 2020):
“A questão – que chegou a ser colocada pela AT no seu Requerimento” (…) “é sobre a regularidade da sua reconstituição: nos termos do artigo 23.º do RJAT, o Tribunal arbitral considera-se dissolvido com a notificação da decisão arbitral. Tal não obsta, porém, a que o mesmo Tribunal se reconstitua quando se venha a revelar necessária a reforma da decisão, quer por força de recurso interposto (para o Tribunal Central Administrativo competente[2], para o Tribunal Constitucional[3], ou para o Supremo Tribunal Administrativo[4]), quer por outras razões, mesmo na ausência de recurso[5].
Parece a este Colectivo que, sendo assim nesses casos, por maioria de razão será assim quando a decisão que tal Colectivo tenha proferido venha a ser invalidada: nessa circunstância, desaparecendo supervenientemente a própria realidade que determinara a aplicação do efeito jurídico do referido artigo 23.º do CAAD (a decisão proferida), tem que desaparecer também o efeito que dela dependia.
Dizendo-o de outro modo: a norma do artigo 23.º do RJAT (“Após a notificação da decisão arbitral, o Centro de Arbitragem Administrativa notifica as partes do arquivamento do processo, considerando-se o tribunal arbitral dissolvido nessa data.”) tem necessariamente de supor uma decisão válida. A “dissolução” é, podia dizer-se, uma forma de “caducidade”: atingido o seu propósito – a produção da decisão – o Tribunal Arbitral deixa de ter razão para existir. Ora, se esse resultado, prima facie atingido, se verificar insubsistente, não há qualquer fundamento para que a “dissolução” se mantenha.
Por outro lado, o recurso para uniformização de jurisprudência previsto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT tem como regime subsidiário expresso o regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA).
A questão que se podia colocar é a de saber se a previsão do n.º 6 do artigo 152.º do CPTA (“A decisão que verifique a existência da contradição alegada anula o acórdão recorrido e substitui-o, decidindo a questão controvertida.”) não devia implicar que fosse o próprio STA a reformar a decisão recorrida[6].
Entende o presente Tribunal arbitral que não quando essa decisão seja proveniente da jurisdição arbitral. E – que é o que importa – já entendeu o STA que não.
Por um lado porque a competência jurisdicional do STA para uniformizar a jurisprudência arbitral não obedece estritamente ao regime do artigo 152.º do CPTA: a determinação da aplicação do regime subsidiário faz-se com ressalva das “necessárias adaptações” (n.º 3 do artigo 25.º do RJAT) e ao invés de o prazo para a interposição do recurso se contar “do trânsito em julgado do acórdão impugnado” (n.º 1 do artigo 152.º do CPTA), conta-se “a partir da notificação da decisão arbitral”[7] (n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Por outro lado, porque seria anómalo ser o STA a determinar, por exemplo, as custas do processo e a sua repartição entre as Partes do processo arbitral – o que seria uma inevitável consequência da reforma da decisão do CAAD que fosse por ele revogada/reformada[8]. Tão anómalo, pelo menos, quanto ser o STA a decidir o caso e ser o CAAD a cobrar as custas da arbitragem.
Acresce que esse entendimento estrito da letra da lei implicaria que o STA – rectius: o Pleno da Secção de Contencioso do STA – se poderia ver obrigado a reformular decisões proferidas por tribunais arbitrais singulares em matérias de diminuto valor (quando tais matérias nunca chegariam a essa formação do STA se fossem tramitadas nos tribunais tributários: a oposição de julgados relevante para o artigo 152.º é só a que tem origem em decisões do STA e, ou, dos Tribunais Centrais Administrativos, e o acesso a estes está sujeito a um regime de alçadas).
Conjugando a aplicação por remissão do regime do artigo 152.º do CPTA com as especificidades que a norma do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT estabelece, e com a singularidade que daí resultaria em relação às decisões dos demais Tribunais estaduais (nem o Tribunal Central Administrativo, nem o Tribunal Constitucional se substituem à jurisdição arbitral) o entendimento deste Tribunal arbitral é o de que é necessária a intervenção do próprio tribunal recorrido na reforma do acórdão anulado. Esta interpretação é conforme com a diferente natureza da jurisdição arbitral e estadual, e, de resto, com a prática do STA nos casos de uniformização de jurisprudência arbitral, incluindo nesta mesma matéria (vg, nos casos dos Processos do CAAD ns. 335/2019-T – Processo n.º 07/19.4BALSB do STA[9] – e 498/2019-T – Processo n.º 052/19.0BALSB do STA[10]).
Conclui-se, assim, que o Tribunal cuja decisão foi supervenientemente anulada continua a ser competente para decidir o caso que lhe foi originariamente submetido, mantendo a regularidade da sua constituição, e estando obrigado a proferir uma decisão válida nos termos que lhe foi solicitada (e com respeito pelos parâmetros que lhe foram fixados em recurso).(…).
Para além desta jurisprudência ser igualmente aplicável no caso em apreço realça-se que a Requerida entra ela própria em contradição quando invoca a seu favor a jurisprudência constante dos acórdãos do STA:
a) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 06597/13.8BCLSB 6;
b) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01/22.8BALSB, de 23- 02-2023 ;
c) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º0436/18.0BALSB, de 30- 01-2019.
Com efeito, tal como nas decisões jurisdicionais apontadas do STA também no acórdão do STA proferido no processo n.º 65/21.1BALSB o STA anulou a decisão arbitral proferida no processo 320/2021-T, retificada em 29/4/2021. Assim sendo, esta decisão deixou de existir na ordem jurídica, tendo passado o Acórdão anulatório do STA a constituir título executivo suficiente para Requerida dar concretização ao pedido da Requerente, em sede de execução de julgados .
Como a Requerida assim não o entendeu, considerando o direito à tutela judicial efectiva que a Constituição da República concede à Requerente, este Tribunal não pode deixar de proceder à substituição da Decisão arbitral, dando cumprimento à jurisprudência uniformizadora do STA.
Mais, não existe qualquer relação jurídica (quer quanto ao pedido quer quanto à causa de pedir) entre esta decisão e a que foi proferida no processo n.º 2105/22.8BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa, que obste à prolação da presente Decisão arbitral de substituição.
Termos em que improcede a exceção de incompetência material invocada.
O processo não enferma de nulidades.
Importa, pois, reformular a decisão arbitral proferida, uma vez que a pretensão que as Partes dirigiram ao CAAD quanto ao acertamento do seu dissídio- e que levou à constituição do presente Tribunal Arbitral- continua por satisfazer.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
Para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente, sociedade de direito português, dedica-se, fundamentalmente, ao comércio de produtos alimentares e de consumo, incluindo a venda de produtos e dispositivos médicos e de produtos, materiais e livros didáticos e de educação, restauração e bebidas, nas lojas “...” localizadas em território nacional.
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Relativamente ao exercício de 2014 a Recorrente adoptou um período especial de tributação que não coincidia com o ano civil e cujo início ocorreu em 1 de Março de 2014 e o respectivo termo em 28 de Fevereiro de 2015.
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No cumprimento das obrigações declarativas em sede de IRC, por referência ao exercício de 2014 (compreendido entre o dia 1 de março de 2014 e o dia 28 de fevereiro de 2015), a Requerente procedeu à entrega tempestiva da correspondente Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º..., em 31 de julho de 2015 ( Documento n.º 2).
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Da apresentação da referida declaração de rendimentos resultou um lucro tributável de € 59.443.056,91 e um montante de IRC a pagar de € 4.861.637,06, o qual foi efetivamente liquidado pela Requerente, conforme consta da tendo da respetiva liquidação de IRC n.º 2015..., de 10 de agosto de 2015 ( Documento n.º 3).
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A Requerente entendeu que a autoliquidação enfermava de errónea quantificação no que respeitava ao lucro tributável apurado, nomeadamente, quanto ao montante dos benefícios fiscais face à majoração da criação líquida de emprego e no seguimento deste erro, procedeu à entrega tempestiva da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de Substituição, por referência ao período de tributação de 2014, identificada sob o n.º ..., em 29 de julho de 2016 (Documento n.º 4). Da regularização supra referida, foi apurado uma matéria coletável de € 59.556.033,54 e um montante de IRC de € 4.897.055,23.
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Neste sentido, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2016..., em 2 agosto de 2016 ( Documento n.º 5), da qual resultou um montante a pagar de IRC de € 1.415,03.
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Á matéria coletável apurada (no montante de €.59.556.033,54) foi aplicada, por definição da aplicação disponibilizada no Portal das Finanças para preenchimento da declaração Modelo 22, a taxa de IRC de 23%, não sendo possível à Requerente alterar tal taxa.
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Da aplicação da referida taxa de 23% resultou uma coleta de IRC, no valor de € 13.697.887,71, bem como um valor de derrama estadual a pagar no valor de €.3.273.922,34.
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Após as deduções do valor total das retenções na fonte, dos Pagamentos por Conta e Adicionais por Conta, tal como o acréscimo do valor relativo à derrama municipal e à tributação autónoma e aos respetivos juros compensatórios, foi, assim, apurado o valor a pagar de € 4.897.055,23.
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Ao não se conformar com a taxa de IRC aplicada ao exercício de 2014, a Requerente deduziu em 19 de Abril de 2019 um pedido de revisão oficiosa (Documento n.º 1) tendo em vista o reembolso do montante de imposto liquidado em excesso no valor de € 1.191.120,66, cujo reembolso solicitou acrescido de juros indemnizatórios.
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Em 23 de Janeiro de 2020 foi proferido despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019... tendo sido o mesmo devidamente notificado à Requerente (Documento n.º 1).
III.1.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como às provas documentais por estas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar qual(is) a(s) taxa(s) de IRC aplicável(eis) à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2014, atentos os seguintes aspetos: a Requerente adotou um período especial de tributação, com início em 01.03.2014 e termo em 28.02.2015; em 01.01.2014, a taxa geral de IRC em vigor era de 23%, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC; e, fruto da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, na referida norma do Código do IRC, a taxa geral deste imposto foi reduzida para 21% para 2015.
Ou seja, a questão principal do presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com a entrada em vigor da Lei n.º 82-8/2014 de 31 de dezembro, a qual estabeleceu para o artigo 87.º n.º 1 do CIRC uma taxa de IRC de 21%, e, consequentemente em saber se esta taxa se aplica ou não ao período tributário que se iniciou em 1 de março de 2014 e terminou em 28 de fevereiro de 2015.
Como já ficou dito, esta questão foi julgada em sentido favorável à Requerente por Acórdão do Pleno do STA, de 24 de Novembro de 2021, processo n.º 65/21.1BALSB, o qual, respeitando o Acórdão recente (21-04-2021) do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, Proc. nº 57/20.8BALSB, seguiu a linha de análise vertida neste aresto (sem deixar de ter presente que o exercício em causa se iniciou a 01 de Março de 2014 e terminou em 28 de Fevereiro de 2015), onde se ponderou que:
“(…)
Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à aplicação da taxa de IRC - ou de 23% prevista no artigo 87.º n.º 1, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ou de 21% prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC resultado da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015) - atendendo ao facto de o período de tributação de 2014 da recorrente ter terminado em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, estando nessa data já em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015.
“(…)
“A regra geral em IRC, por força do referido princípio da anualidade dos impostos, é a de que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil, sendo o IRC devido por cada período económico (cfr. artigo 8.º, n.º 1 do CIRC).
“Como sobejamente visto a Recorrente adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo-se iniciado o período de 2014 a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015.
Significa que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, no caso concreto, em 2015, que para a Recorrente teve início em 1 de Fevereiro de 2015?
Como é sabido, no final de cada ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, são introduzidas alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte.
No caso sub judice o litígio acaba por circunscrever-se à determinação da taxa de tributação aplicável, em sede de IRC à ora Recorrente que adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23% e, no momento do seu termo, uma taxa de 21%. Dito de modo mais singelo: cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo.
Na estrutura do IRC, estatui o artigo 1.º do respectivo Código que este i imposto incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, explicitando o artigo 3.º, n.º1, alínea a), que o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo preceito legal define como a “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.”
E o lucro tributável das pessoas colectivas, determinado a partir do resultado líquido do exercício, “ é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” (cfr. artº 17.º, n.º 1, do CIRC).
O período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 8º do mesmo Código, salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8º, n.ºs 4 e 8 – anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa colectiva.
Não obstante, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo inciso legal, é facultado às pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as pessoas colectivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direcção efectiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adoptarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.
Salvo tratando-se de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, catalogados no artigo 8.º, n.º 10, estabelece o n.º 9 do mesmo preceito que “O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.”
E, por injunção normativa do artigo 36.º, n.º 1, da LGT, é o facto gerador, normalmente designado por facto tributário, quer seja instantâneo, quer seja referido a um determinado período temporal, que determina a constituição da relação tributária.
No que para o caso releva, por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último dia do período de tributação, o que corresponde a dizer que o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação.
Por assim ser, adversamente ao sustentado pela recorrente o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação.
Na verdade, ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.".
Sincronicamente, a fixação do facto de tributário no último dia do período de tributação, vai colocar o problema da sucessão da lei mais favorável no tempo no âmbito do n.º 1 daquele artigo da LGT, o qual, salvo na existência de norma que o afaste, fixa que: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."
Ora, o que tal significa é que, para um período de tributação (como sucede com o da Recorrente) iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e que termina a 31 de Janeiro de 2015, o facto tributário só se pode considerar verificado nesta última data.
A frase latina pro rata temporis, em particular em direito e economia, refere-se à distribuição de um valor monetário em segmentos de tempo correspondentes à duração desses segmentos de tempo. Pro rata também significa por proporção pelo que é uma divisão de um valor de acordo com a proporção determinada, é o rateamento do valor, usando como referência a proporcionalidade.
E, pelo acima exposto, nem sequer uma repartição do lucro tributável pro rata temporis (tal como enunciada pelo artigo 12.º, n.º 2 da LGT) é aqui aplicável.
Por esse prisma, é forçoso concluir que a lei aplicável é precisamente aquela que se encontrava plenamente em vigor à data da verificação do facto tributário, propendendo nós a considerar que era a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que estabelecia como taxa de IRC aplicável a taxa de 21%, soçobrando a tese da decisão recorrida quanto à especialidade normativa acima escalpelizada.
Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, modificou a redacção do artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, aí passando a constar que “A taxa do IRC é de 23 %, excepto nos casos previstos nos números seguintes.”
E no tangente à sua aplicação no tempo, concilia o artigo 14.º da aludida Lei que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”
Resulta cristalino que a norma em exame, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 1/01/2014.
Aliás, mais diremos que, ao invés da posição sufragada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a referência aí feita aos efeitos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 (que procedeu à Reforma do IRC) não abona em favor da aplicação da taxa de 23% que passou a vigorar por força de tal Lei.
É que tal disposição especial de aplicação da lei fiscal no tempo tem óbvias semelhanças com dispositivos similares que, ao longo do tempo, foram sendo introduzidos no ordenamento fiscal para regular as alterações de taxas de IRC.
Foi o que sucedeu com (i) - o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5%, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava: “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000.”; (ii) - o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30%, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplicase aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002.”; (iii) - o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107- B/2003, de 31 de Dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25%, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004.”; (iv) - o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23%, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que “a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”.
Ora, é precisamente pelo facto de a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, não dispor de semelhante disposição que se levanta toda a presente questão: com a entrada em vigor da nova lei, a sua aplicação vale para os novos factos tributários (como aqueles que ocorrem em 31 de Janeiro de 2015).
Enfatiza-se que a norma em causa contém um segmento que não pode descurar-se e que é decisivo: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º.” o qual, no atinente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, prescreve:
“ 1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas colectivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.
2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito.”
Assim, nesse preceito a dita Lei previa já uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma possível redução de taxa de IRC para 21% já em 2015.
Ou seja, e em reforço do que já antes se disse, a norma ínsita no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, que rege sobre a sua aplicação no tempo, ao antecipar expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz “sem prejuízo” do disposto no artigo 8.º albergará a possibilidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, particularmente, da redução para 21% em 2015.
Nesse sentido, pontifica o facto de a prevista redução da taxa de IRC para 21% ter sido concretizada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redacção do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.
Sendo embora certo que a lei é omissa quanto à sua aplicação temporal, haverá que concluir que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT.
Assim, em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece o princípio da proibição da retroactividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê no seu n.º 1: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.”
Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata, mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Na parte final do nº 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República).
Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.
Essa vontade está inequivocamente afirmada como se viu, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do nº 1 do artº 12º do Ccivil.
Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:
«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».
Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege », por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do nº 1, também se acha englobada na previsão do nº 2, primeira parte, do referido artº 12º do C. Civil.
Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.
Estamos, no entanto, perante um imposto periódico, em que o facto tributário é de formação sucessiva e o n.º 2 do artigo 12º da LGT consagra um critério de “pro rata temporis” prevendo:
“Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
O critério do pro rata temporis já foi por nós afastado mas, em reforço argumentativo, diga-se ainda que no campo da tributação do rendimento das pessoas colectivas, que é aquele em que nos encontramos, deparamo-nos com um imposto tributo de periodicidade anual em não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correcções expressamente previstas no respectivo Código.
Todavia e como já se demonstrou, a regra geral compreendida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT soçobra face à determinação consagrada no artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.
É que, no que concerne à aplicação da lei no tempo e em acatamento do princípio constitucional da proibição de retroactividade da lei fiscal, deve entender-se que a aludida norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.
Destarte e em vista do caso concreto, uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/03/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21% prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.
Daí que seja de seguir a doutrina do acórdão fundamento e validar a tese recorrente apoiada nas seguintes asserções:
- pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ser carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil;
- em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT;
- assim, atento o disposto no n.° 9 do artigo 8.º do Código do IRC, a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, é de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.° da LGT o que traz implicado que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação;
- no domínio da tributação do rendimento das pessoas colectivas, por força do conceito, da configuração e do âmbito do facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroactividade. E esta regra especial resolve directamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação (como o do presente caso e afasta a regra geral constante do artigo 12.º n.º 2 da LGT;
- destarte, como o período de tributação de 2014 da recorrente terminou em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, e nessa data já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21%, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015, era essa a taxa aplicável;
- nesse sentido pontificam as considerações doutrinais do Professor Doutor Rui Duarte Morais no sentido de que “ (…) O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com a alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil). Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos. (...).”. (cfr. Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro 2007, Almedina, 2009, págs. 47 e 48);
Por isso, e em conclusão, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015. …”
Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas secundar o que ficou ali consignado, até porque subscrito pela esmagadora maioria dos Srs. Conselheiros que prestam serviço na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o que significa que o recurso será provido, reiterando a jurisprudência fixada no sentido de que: “Atento o disposto no nº 9 do artigo 8º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no nº 1 do art. 12º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 28 de Fevereiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei nº 82- B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.”
Dando cumprimento a esta jurisprudência, concede-se provimento ao pedido da Requerente, com a consequente substituição da decisão arbitral anterior.
III.3. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pediu ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
Ora, tendo em consideração que se julgou procedente o presente pedido de pronúncia arbitral em virtude das ilegalidades apontadas, quer à autoliquidação em juízo, quer à atuação da Requerida, temos de considerar que ocorreu erro imputável aos serviços que justifica a plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado aquele ato de autoliquidação nos termos anteriormente referidos. Quer isto dizer que, sendo o ato de autoliquidação ilegal, tendo sido pago montante de imposto em excesso, que deve ser reembolsado, assiste àquela o direito ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre esse montante, de acordo com a lei aplicável.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar improcedentes as exceções de incompetência material suscitadas pela Requerida;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019...; e, em consequência,
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Anular a liquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2014, com o n.º 2016..., emitida em 2 de agosto de 2016;
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Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais .
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de €1.191.120,66, conforme despacho de retificação de 29 de Abril de 2021.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de Julho de 2023
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
Drª Ana Teixeira de Sousa
Prof. Doutora Rita Calçada Pires
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 321/2020-T
Tema: Período de tributação diferente do ano civil; Facto tributário: Alteração de taxa de IRC; Aplicação da lei no tempo.
*Substituída pela decisão arbitral de 07 de julho de 2023.
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SUMÁRIO
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O legislador quis que a taxa de imposto, constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC e fixada em 23%, se aplicasse aos períodos de tributação que se iniciaram em 2014 (caso em apreço em 1 de Março de 2014) e completaram o seu ciclo de tributação anual, tornando-se exigíveis, em 2015 (caso em apreço em 28 de Fevereiro de 2015). É neste sentido claro o teor do preceito ao dizer que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente Lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”. (destacado nosso);
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Consciente de situações, cujo período tributário não coincide com o ano civil, e para evitar situações de desigualdade, o legislador resolveu o problema colocando os ciclos tributários iniciados em 2014, mas que possam terminar em 2015, sob o mesmo regime jurídico, quanto à taxa aplicável. Esta técnica jurídica evitou que o legislador de 2015 tivesse necessidade de fixar qualquer norma transitória;
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Com efeito, o âmbito de proteção da Lei n.º 2/2014 não é minimamente contrariado pela Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), em concreto do seu artigo 192.º, em que a taxa geral do IRC constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC foi fixada em 21%;
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Na verdade, determina-se, no artigo 261.º daquele primeiro diploma legal que “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015.” Ou seja, resulta claro que esta norma visa aplicar-se apenas aos períodos tributários iniciados em 2015 (a um de janeiro ou posteriormente) o que não é manifestamente o caso da Requerente, cujo período tributário se iniciou em 2014.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. A..., sociedade em nome coletivo, pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., adiante designada por “Requerente”, tendo sido notificada do despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) que indeferiu o Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019..., tendo por objeto o ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 2014, vem, em tempo, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e, ainda, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
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anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019...;
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anulação liquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2014, com o n.º 2016..., emitida em 2 de agosto de 2016, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23%;
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reembolso à Requerente do montante de € 1.191.120,66 relativo a IRC de 2014; e, bem assim,
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pagamento à Requerente de juros indemnizatórios nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 29 de Junho de 2020 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, na pessoa da Sra. Dra. Ana Teixeira de Sousa e a Requerida nomeou a Prof. Doutora Rita Calçada Pires, ambas árbitros vogais, que aceitaram a nomeação.
4. Nos termos do artigo 6º nº 2 do RJAT foi designada como Presidente do tribunal, por acordo entre as árbitros vogais, a Conselheira Maria Fernanda Santos Maçãs que aceitou, tendo a designação a data de 29 de Setembro de 2020.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 29 de Outubro de 2020.
A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
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No ano de 2014, o período de tributação da Requerente não coincidia com o ano civil, iniciando-se o mesmo em 1 de Março de 2014 e terminando em 28 de Fevereiro de 2015.
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Nesse exercício de 2014 (compreendido entre o dia 1 de março de 2014 e o dia 28 de fevereiro de 2015), a Requerente entregou a correspondente Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º..., em 31 de julho de 2015.
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À matéria coletável apurada na liquidação de IRC n.º 2016... (no montante de €.59.556.033,54) foi aplicada, por definição da aplicação disponibilizada no Portal das Finanças para preenchimento da declaração Modelo 22, a taxa de IRC de 23.%.
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Da aplicação da taxa de 23% resultou uma coleta de IRC, no valor de € 13.697.887,71, bem como um valor de derrama estadual a pagar no valor de €.3.273.922,34.
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Com a entrada em vigor da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, vide artigo 192.º o n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC passou a determinar que “A taxa do IRC é de 21%, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”, sendo de mencionar que a Lei do Orçamento do Estado para 2015 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 261.º da Lei supra referida.
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A este respeito, referiu ainda a Requerente que em anteriores alterações legislativas, sempre que o legislador pretendeu modificar a taxa de IRC e, simultaneamente, limitar a sua aplicação aos períodos tributários cujo início ocorresse após a entrada em vigor dessas mesmas modificações, o legislador introduziu disposições transitórias nesse sentido. Ora, no âmbito da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro o legislador não estabeleceu qualquer disposição transitória quanto à aplicabilidade da taxa de 21%, pelo que teria pretendido a sua aplicação quer aos períodos tributários que se iniciassem em ou após 1 de Janeiro de 2015, quer aos períodos tributários que ainda estivessem em curso e que apenas terminassem após essa data.
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Assim sendo, o período de tributação de 2014 da Requerente terminou em 28 de fevereiro de 2015, pelo que se considera aplicável, relativamente à matéria coletável apurada no exercício de 2014, a taxa de IRC de 21%, através da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC (na redação em vigor a essa data), bem como do n.º 9 do artigo 8.º do mesmo Código.
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De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo da LGT “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
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Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019, consagra-se: “Nesta conformidade, o artigo 12.º da LGT e, particularmente, o seu n.º 2 apenas será aplicável se não existir disposição especial que estabeleça outra solução; por consequência, existindo norma especial sobre a aplicação da lei fiscal no tempo é a esta que cabe recorrer e não às disposições gerais constantes do artigo 12.º da LGT.”
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No domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC, o legislador consagrou uma solução particular quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroatividade; entendemos que vigora neste âmbito uma regra especial que resolve diretamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo e que afasta a aplicação da regra geral constante do artigo 12.º, n.º 2, da LGT.”
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O Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão proferido no processo n.º382/2012, de 12 de julho de 2012, em análise à retroatividade da lei fiscal que alterou as taxas de tributação autónoma no ano de 2008, vem reforçar a disposição mencionada supra: “(…) no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC.
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A decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 179/2018-T, de 15 de outubro de 2018, acolheu o entendimento supra porquanto aí consta: “(…) é imperioso concluir que a taxa geral de IRC em vigor em 30/06/2015, data do termo do período de tributação de 2014 da Requerente, era de 21%, sendo essa a taxa a aplicar para efeito do cálculo do IRC devido pela Requerente com referência a tal período”.
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E, também, no mesmo sentido, a Requerente invoca a decisão arbitral no processo n.º412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019.
6. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por excepção e por impugnação, tendo concluído pela improcedência da presente acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respectivo processo administrativo (PA).
7. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
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Entende dever ser julgada procedente a exceção de incompetência material do tribunal para apreciar e decidir do pedido de reconhecimento do direito à restituição de determinado montante de imposto pago.
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Alega que, caso o tribunal venha a decidir um reembolso que só deve ser quantificado pela AT, nomeadamente em sede de execução do julgado, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral.
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Por impugnação apresenta a seguinte defesa.
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Nos termos do artigo 1º do CIRC o IRC é devido em cada exercício, estando diretamente relacionado com a obtenção de um resultado positivo, passível de tributação, ao qual é aplicada uma determinada taxa. Assim, a nova taxa de IRC decorrente da entrada em vigor do disposto no n.º1 do art.º 87.º do CIRC aprovado pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, - aplica-se aos períodos de tributação com inicio em ou após 01 de Janeiro de 2015.
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Em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta, em termos anuais, o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (vide art.º 8.º do CIRC). Assim, em conformidade com este princípio, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil. Com efeito, nos termos do art. 8º nº 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, e, sendo um imposto periódico, o facto gerador produz-se de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar.
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Na verdade, o IRC, é um imposto sobre um determinado rendimento, apurado num certo período de tempo, sendo assim um imposto periódico de formação sucessiva, para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 12.º da LGT. O lucro tributável é assim um facto complexo que se forma ao longo do exercício económico e cujo culminar ocorre a 31/12 do ano a que respeita ou no último dia do período tributário caso o sujeito passivo opte por um período de tributação diferente. No caso em apreço, uma vez que o sujeito passivo adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de Março de 2014 e terminou em 28 de Fevereiro de 2015. Logo, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015. Em todos os anos, no final do ano civil, com a publicação do Orçamento de Estado, verificam-se alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se aplicam ao período de tributação do ano seguinte.
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E, não é por este facto, que o sujeito passivo, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, aplica as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro ano para o período do ano seguinte. O que nos conduz ao caso em concreto em que o período tributário anual decorre de 1 de Março de 2014 a 28 de Fevereiro de 2015, a taxa a aplicar deve ser a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, apenas pelo facto de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer fator distintivo de criação de riqueza ou qualquer outra justificação plausível.
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Caso assim não fosse, teríamos também, claramente, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, uma vez que para o mesmo período tributário, coexistiriam 2 taxas de imposto, efeito que se presume não ser o desejado pelo legislador. Assim, de forma a existir uma harmonização entre sujeitos passivos, todos eles, quer iniciem o período a 01/01, quer em data posterior, sabem de antemão com o que contar nesse mesmo período tributário e como gerir as suas expetativas.
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A Requerida remete ainda a fundamentação para a resposta que produziu face ao pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRC apresentado pela Requerente no Procedimento Administrativo de Revisão Oficiosa nº ...2019..., que integra o PA.
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A Requerida cita em benefício da sua posição a decisão do tribunal no processo arbitral nº 412/2019-T. Entende deste modo a Requerida que obrigação tributária que nasce após a aprovação e publicação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de Janeiro de 2015. Por seu turno, não tendo aquela Lei revogado o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não se verificaria uma questão de sucessão de leis no tempo, continuando a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, a ser aplicável ao período de 2014.
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Concluindo assim que a taxa a aplicar, independentemente de o ano de tributação começar em 1 de Março de 2014 e terminar a 28 de Fevereiro de 2015, sempre será a definida para o exercício de 2014. Donde se conclui que, para o período tributário de 2014, a taxa é de 23% para todos os sujeitos passivos, quer iniciem em 01/01/2014, quer em data posterior.
8. Por Despacho de 6 de Dezembro de 2020 o Requerente foi notificado para exercer contraditório em relação à matéria da excepção, o que o Requerente fez em 21 de Dezembro.
9. Na resposta à excepção da incompetência suscitada pela Requerida a Requerente sustenta o seguinte:
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A exceção invocada nunca poderá proceder porque, em primeiro lugar, configura abuso de direito – proibido de acordo com o disposto no artigo 334.º do Código Civil – por a sua invocação ser contrária à lei e à posição perfilhada em diversos Acórdãos do Tribunal Arbitral Tributário que funcionam no âmbito do CAAD.
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O âmbito da jurisdição arbitral tributária está delimitado, e a própria Requerida o refere, num primeiro momento, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que enuncia os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
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Tais pretensões, sobre as quais os tribunais arbitrais são competentes para se pronunciar, compreendem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, (…)”.
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Para a Requerente a Requerida labora em manifesto lapso por não atender à extensão – no seu todo – da pretensão da Requerente, pois esta não se cinge ao pedido de “apreciação da parte do pedido de restituição do imposto indevido” que é aliás o único argumento que está na base da defesa por exceção da Requerida.
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O PPA foi deduzido para suscitar a apreciação e declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados na autoliquidação de IRC e, também, por razões de indissociabilidade, do indeferimento do pedido de Revisão do Ato Tributário, o qual assenta na “correção do valor em excesso apurado por aplicação de uma taxa (23%) não vigente à data dos factos devendo tão-somente aplicar-se a legalmente em vigor de 21%”.
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A Requerente cita depois diversos acórdãos proferidos pelo CAAD, em que se discute se este tribunal é competente para apreciar pedidos de reembolso da quantia paga ou de pagamento de juros indemnizatórios e em que o tribunal conclui afirmativamente por considerar que o pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que é também o processo arbitral o adequado para apreciar pedidos de reembolso de imposto.
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Pedindo que a excepção dilatória da incompetência material do tribunal arbitral seja considerada improcedente.
10. Por despacho proferido em 27 de Dezembro de 2020, foram as partes notificadas de que, ao não haver lugar à produção de prova constituenda, por um lado, e ao ter sido a Requerente notificada para exercer contraditório em relação à matéria da excepção, o que fez, por outro, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.
Notificaram-se igualmente as partes para a produção de alegações escritas no prazo de 15 dias a partir da notificação do referido despacho, sendo que ambas as partes apresentaram alegações, tendo reiterado as posições anteriormente assumidas nos articulados.
11. Designou-se o dia 29 de Abril de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
A Requerida veio suscitar, na contestação, a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar pedido de condenação em reembolso.
Alega a Requerida, em suma, que a competência dos tribunais arbitrais é circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, decorrendo a competência destes não só dessa disposição legal mas, ainda, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT, pelo que é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, inexistindo qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT.
Para Requerida, o Tribunal Arbitral, caso venha a decidir um reembolso que só deve ser quantificado pela AT, nomeadamente em sede de execução de julgados, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral.
Conclui-se, assim, que a incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º, e al. a) do artigo 577.º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Confrontada com a excepção de incompetência do Tribunal, em razão da matéria, a Requerente apresentou resposta invocando, em síntese:
Que a REQUERENTE labora em manifesto lapso por não atender à extensão – no seu todo – da pretensão da requerente, pois, contrariamente à sua interpretação, não se cinge ao pedido de “apreciação da parte do pedido de restituição do imposto indevido”
Assim, o PPA foi deduzido para suscitar a apreciação e declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados na autoliquidação de IRC e, também, por razões de indissociabilidade, do indeferimento do pedido de Revisão do Ato Tributário, o qual assenta na “correção do valor em excesso apurado por aplicação de uma taxa (23%) não vigente à data dos factos devendo tão-somente aplicar-se a Legalmente em vigor de 21%” (cf.artigo 68.º do PPA e alíneas a), b) e c) do Pedido).
Consequentemente, está em causa a Declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de Revisão de Ato tributário relativo à autoliquidação (cf. artigo 68.º do PPA), que resulta da mera operação aritmética aplicada: a.à matéria coletável apurada pela Requerente de €.59.556.033,54 – valor que se manterá inalterado; b. De que deve decorrer não o apuramento do imposto a pagar de € 13.697.887,71, resultado da aplicação da taxa de 23% sobre o montante indicado em a); c. Ao invés do propugnado pela Requerente do valor de €12.506.767,04, como resultado da aplicação da taxa legal de 21%; e d. Ainda, como corolário da aplicação da taxa legalmente prevista, decorre o direito ao reembolso da diferença dos montantes apurados com base na taxa legal (21%) e o resultante da aplicação da taxa ilegal de 23% determinado através de mera operação aritmética de subtracção, ou seja: € 13.697.887,71-€12.506.767,04 = € 1.191.120,66).
Vejamos.
Como vimos, na petição inicial, a Requerente termina formulando o seguinte pedido:
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A anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019...;
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A anulação da liquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2014, com o n.º 2016..., emitida em 2 de agosto de 2016,
em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23%;
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O reembolso à Requerente do montante de € 1.191.120,66, relativo a IRC de 2014,
decorrente da aplicação da taxa de 21% vigente à data do fato tributário;
A questão da competência dos tribunais arbitrais para apreciar pedidos de reembolso foi apreciada, entre outras, na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 333/2017-T, jurisprudência, que se reitera e passamos a acompanhar.
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto atos em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
O legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços[11]. Este regime foi, posteriormente, generalizado no CPPT, que estabeleceu no n.º 1 do artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir na LGT, em cujo n.º 1 do artigo 43.º, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT, em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha, à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.
Esta separação constitui característica de um contencioso meramente anulatório como é o do CPPT e, no caso dos processos arbitrais, encontra especial fundamento no facto de os tribunais arbitrais não terem qualquer competência para apreciar litígios que ocorram na fase de execução de julgados (o que acontece, aliás, em relação aos tribunais arbitrais em geral).
Assim, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
Isto posto, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de reembolso de imposto indevidamente pago.
Em suma, constitui jurisprudência pacífica que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de juros indemnizatórios. Ora, essa apreciação não pode deixar de envolver o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, atendendo à indissociabilidade dos mesmos: o direito a juros, a existir, incide sobre a quantia a reembolsar.
Assim sendo, quando o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do ato tributário, não podemos deixar de admitir a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação.
Diferentemente se passam as coisas nos casos em que haja divergência quanto ao montante a reembolsar, devendo então a concretização do mesmo ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer de facto à esfera da AT.
Também não se inclui na competência dos tribunais arbitrais os litígios que incidam sobre a existência ou não de direito ao reembolso, por se tratar claramente num pedido de reconhecimento de direitos.
No caso dos autos, a Requerente indicou em concreto o montante da liquidação que reputa de ilegal e a Requerida não o contestou, limitando-se a arguir a incompetência do Tribunal para apreciação do pedido de restituição do imposto indevido.
Neste contexto, afigura-se legítimo que a Requerente reclame o reembolso da quantia peticionada na sequência da anulação dos atos de autoliquidação. O que não impede que, sobrevindo eventual dúvida sobre o montante peticionado, o mesmo possa ser dirimido em sede de execução de sentença.
Julga-se, em consequência, improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
O processo não enferma de nulidades.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
11. Para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente, sociedade de direito português, dedica-se, fundamentalmente, ao comércio de produtos alimentares e de consumo, incluindo a venda de produtos e dispositivos médicos e de produtos, materiais e livros didáticos e de educação, restauração e bebidas, nas lojas “...” localizadas em território nacional.
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Relativamente ao exercício de 2014 a Recorrente adoptou um período especial de tributação que não coincidia com o ano civil e cujo início ocorreu em 1 de Março de 2014 e o respectivo termo em 28 de Fevereiro de 2015.
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No cumprimento das obrigações declarativas em sede de IRC, por referência ao exercício de 2014 (compreendido entre o dia 1 de março de 2014 e o dia 28 de fevereiro de 2015), a Requerente procedeu à entrega tempestiva da correspondente Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º..., em 31 de julho de 2015 ( Documento n.º 2).
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Da apresentação da referida declaração de rendimentos resultou um lucro tributável de € 59.443.056,91 e um montante de IRC a pagar de € 4.861.637,06, o qual foi efetivamente liquidado pela Requerente, conforme consta da tendo da respetiva liquidação de IRC n.º 2015..., de 10 de agosto de 2015 (Documento n.º 3).
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A Requerente entendeu que a autoliquidação enfermava de errónea quantificação no que respeitava ao lucro tributável apurado, nomeadamente, quanto ao montante dos benefícios fiscais face à majoração da criação líquida de emprego e no seguimento deste erro, procedeu à entrega tempestiva da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de Substituição, por referência ao período de tributação de 2014, identificada sob o n.º ..., em 29 de julho de 2016 (Documento n.º 4). Da regularização supra referida, foi apurado uma matéria coletável de € 59.556.033,54 e um montante de IRC de € 4.897.055,23.
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Neste sentido, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2016..., em 2 agosto de 2016 (Documento n.º 5), da qual resultou um montante a pagar de IRC de € 1.415,03.
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Á matéria coletável apurada (no montante de €.59.556.033,54) foi aplicada, por definição da aplicação disponibilizada no Portal das Finanças para preenchimento da declaração Modelo 22, a taxa de IRC de 23%, não sendo possível à Requerente alterar tal taxa.
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Da aplicação da referida taxa de 23% resultou uma coleta de IRC, no valor de € 13.697.887,71, bem como um valor de derrama estadual a pagar no valor de €.3.273.922,34.
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Após as deduções do valor total das retenções na fonte, dos Pagamentos por Conta e Adicionais por Conta, tal como o acréscimo do valor relativo à derrama municipal e à tributação autónoma e aos respetivos juros compensatórios, foi, assim, apurado o valor a pagar de € 4.897.055,23.
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Ao não se conformar com a taxa de IRC aplicada ao exercício de 2014, a Requerente deduziu em 19 de Abril de 2019 um pedido de revisão oficiosa (Documento n.º 1) tendo em vista o reembolso do montante de imposto liquidado em excesso no valor de € 1.191.120,66, cujo reembolso solicitou acrescido de juros indemnizatórios.
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Em 23 de Janeiro de 2020 foi proferido despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) do Pedido de Revisão de Ato Tributário n.º ...2019... tendo sido o mesmo devidamente notificado à Requerente (Documento n.º 1).
III.1.2. Factos não provados
12. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
13. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que importam à decisão e determinar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo a obrigação de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como às provas documentais por estas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
14. A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consiste, nuclearmente, em determinar qual(is) a(s) taxa(s) de IRC aplicável(eis) à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2014, atentos os seguintes aspetos: a Requerente adotou um período especial de tributação, com início em 01.03.2014 e termo em 28.02.2015; em 01.01.2014, a taxa geral de IRC em vigor era de 23%, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC; e, fruto da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, na referida norma do Código do IRC, a taxa geral deste imposto foi reduzida para 21% para 2015.
Ou seja, a questão principal do presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com a entrada em vigor da Lei n.º 82-8/2014 de 31 de dezembro, a qual estabeleceu para o artigo 87.º n.º 1 do CIRC uma taxa de IRC de 21%, e, consequentemente em saber se esta taxa se aplica ou não ao período tributário que se iniciou em 1 de março de 2014 e terminou em 28 de fevereiro de 2015.
Cumpre então estabelecer, a título prévio, o enquadramento normativo da questão ora em juízo.
Estabelece o artigo 1.º do Código do IRC que “O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos, nos termos deste Código.”.
Por seu turno, dispõe o artigo 3.º, n.º 2 do Código do IRC que “(…) o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.”.
A seu título determina-se no artigo 8.º, n.º 1 daquele diploma legal que “O IRC (…) é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo.”.
Nos termos do n.º 2 daquele mesmo artigo 8.º, estabelece-se que “As pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português, (…) podem adotar um período de imposto diferente do estabelecido no número anterior, o qual deve ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.”.
Por último, cumpre referir que “O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.”, conforme se dispõe nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.
Em suma, tal como refere SALDANHA SANCHES “O IRC deve ser pago em função do lucro obtido durante um determinado período – em princípio, um ano – e o facto considera‑se realizado depois do decurso desse período de tempo. Quer isto dizer que o facto gerador da dívida de IRC, embora possa ser decomposto em outros factos igualmente relevantes, é considerado como uma realidade unitária na perspectiva da sua aptidão para fazer nascer a dívida fiscal.”.[12]
Foi ao abrigo deste quadro normativo que, no exercício de 2014, a Requerente adotou um período especial de tributação que se iniciou em 3 de março de 2014 e terminou em 28 de fevereiro de 2015, tendo-se assim verificado o facto tributário gerador de imposto no último dia daquele período de tributação.
Sendo aquele o momento que releva para efeitos do enquadramento tributário do sujeito passivo, caberia então determinar qual a taxa de IRC aplicável, em virtude das alterações legislativas que se verificaram no período de tributação de 2014.
Em primeiro lugar, por via da reforma do IRC efetuada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a taxa de imposto constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC foi fixada em 23%, determinando-se no artigo 14.º daquele primeiro diploma que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente Lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”. Posteriormente, por via da Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), em concreto do seu artigo 192.º, a taxa geral do IRC constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC foi fixada em 21%, determinando-se no artigo 261.º daquele primeiro diploma legal que “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015.”.
A Requerente invoca a seu favor as Decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 412/2019‑T, de 20 de dezembro de 2019 e 179/2018-T, de 15 de outubro.
Pese embora aquelas duas decisões arbitrais, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes, tenham dado razão à tese propugnada pela Requerente, a verdade é que na recente Decisão Arbitral, proferida, no processo 893/2019-T, seguiu-se de perto a jurisprudência, proferida, no âmbito do processo n.º 411/2019‑T, onde se pode ler o seguinte:
“Em termos concisos, defendeu-se no referido processo que a determinação da taxa aplicável ao período de tributação de 2014, cujo facto tributário apenas se verificou no decurso do ano civil de 2015, já após a entrada em vigor da Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro, passaria por uma correcta interpretação do teor normativo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, isto é, passaria por “(…) apurar se, e em que medida, a norma do supra‑referido art.º 14.º estava, ou não em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.”. Isto na medida em que “se se considerar que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se‑á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra.”, ou seja, continuaria a ser aplicável a taxa de 23% e não a taxa de 21% como defendido pela Requerente.
“O artigo 14.º da referida lei dispunha que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”, tendo-se procurado no aresto em questão destrinçar o sentido e o alcance daquela norma.
“Relativamente ao seu teor literal, referiu-se que se poderiam extrair diferentes conclusões. Por um lado, poderia concluir‑se que “se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013.”, o que seria o caso da Requerente naquele processo, uma vez que o seu período de tributação de 2013 terminou já na vigência daquela lei, altura em que se se verificou o facto tributário. Por outro lado, “situando-nos ainda no plano da letra da lei, também se poderia concluir que da mesma resultaria que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2015 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º tivesse sido revogado”.
“Não sendo o elemento literal da interpretação suficiente para determinar o alcance do preceito, caberia ter devidamente em consideração o seu elemento teleológico. Isto na medida em que, do ponto de vista lógico, interpretar a referida norma como sendo aplicável a todo e qualquer facto tributário verificado após a sua entrada em vigor tornaria a referência a “(…) períodos de tributação que se iniciem (…) em ou após 1 de janeiro de 2014.” desprovida de sentido, porquanto já estaria abrangida pela parte final do preceito que se refere “(…) aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”.
“Deste modo, tendo em conta que “a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, imposto estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas).”, as referências supra-referidas não deveriam ser interpretadas como estando numa relação de alternatividade, mas sim de subsidiariedade. Dito de outro modo, em termos porventura mais explícitos, “o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretende dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles.”.
“Tendo agora em consideração o elemento sistemático, concluiu-se no âmbito do referido aresto que o preceito em análise, ao delimitar o âmbito de vigência temporal das disposições da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, teve “subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.”, ou seja, pretendeu afastar a aplicação das regras gerais quanto à aplicação da lei tributária no tempo, constantes do artigo 12.º da LGT.
“Em suma, entendeu-se que “o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.”.
“Por último, considerou-se naquele acórdão que o preceito normativo em análise ainda se encontrava em vigor no momento da verificação do facto tributário, isto é, no termo do período de tributação de 2014 que ocorreu no decurso do ano civil de 2015. E isto, ainda que a Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro, que introduziu a taxa de 21%, tenha entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2015.
“Tal conclusão deveu-se ao facto de a Lei do Orçamento para 2015, não cont[er] nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto naquele art.º 14.º, sendo que, ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supra-citada [a decisão arbitral proferida em 15 de Outubro de 2018, no âmbito do processo n.º 179/2018-T], não deverá, de per si, ter-se como evidenciadora de uma intenção revogatória.”. Na verdade, tendo em conta que o artigo 14.º disciplinava o âmbito temporal de todas as alterações normativas introduzidas pela respectiva lei, apenas seria possível que a Lei do Orçamento do Estado para 2015 tivesse revogado tácita e parcialmente aquela norma, no que respeitava à taxa de IRC aplicável. Contudo, tal decisão não seria passível de ser defendida em virtude da ligação entre o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e o artigo 261.º da Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro, ou seja, o facto de o primeiro se consubstanciar enquanto norma especial e o segundo enquanto norma de âmbito geral obstaria à referida hipótese de revogação parcial tácita.
Em síntese, caberia “conclui[r], nos termos expostos, que o art.º 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014”.
Ora, com o devido respeito pelas doutas decisões arbitrais proferidas no âmbito do processo n.º 179/2018-T, de 15 de Outubro de 2018, e no âmbito do processo n.º 412/2019‑T, de 20 de Dezembro de 2019, adere-se à argumentação sufragada no âmbito do processo n.º 893/2019-T ( a qual como vimos segui a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 411/2019-T) porquanto se considera que é esta que concretiza uma correta interpretação das normas aplicáveis e, consequentemente, uma correta interpretação do Direito.
Senão vejamos.
A Requerente invocou a favor da sua tese que, tendo o período de tributação da Requerente, relativo ao exercício de 2014, terminado apenas no dia 28 de fevereiro de 2015 (correspondente ao último dia desse período de tributação), inevitavelmente terá que se considerar essa data como o momento do facto gerador do imposto.
Neste sentido, é de salientar, uma vez mais, o disposto na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019, “nessa sequência, entendemos que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação.”
Com efeito, tendo o facto tributário gerador do IRC devido, face ao exercício de 2014, sucedido já depois da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2015, necessariamente terá que se considerar o mesmo abrangido pelo âmbito de aplicação das normas aí previstas, e, logo, pela aplicação de uma taxa de IRC de 21%, ao período de tributação de 2014, quando terminado após 1 de janeiro de 2015.
Assim concluiu a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 179/2018-T, de 15 de outubro de 2018, rematando que “(…) é imperioso concluir que a taxa geral de IRC em vigor em 30/06/2015, data do termo do período de tributação de 2014 da Requerente, era de 21%, sendo essa a taxa a aplicar para efeito do cálculo do IRC devido pela Requerente com referência a tal período” (sublinhado nosso).
E, também assim, concluiu a decisão arbitral enunciada no âmbito do processo n.º 412/2019-T, de 20 de dezembro de 2019, ao referir que “(…) que as taxas de IRC aplicáveis à matéria coletável da Requerente, no período de tributação de 2014, são as seguintes: a taxa geral de 21% – estatuída no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação resultante da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro – aplicável à proporção da matéria coletável afeta ao Continente (…)”.
Ora, salvo o devido respeito, repete-se que este tribunal colectivo não acompanha a interpretação das normas aplicáveis com o sentido acolhido na douta Decisão Arbitral mencionada.
Com efeito, como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 893/2019-T, “se é certo que o facto tributário ocorreu após a entrada em vigor daquela Lei, tal como já prontamente se referiu, a verdade é que a referida solução normativa não efectua o correcto enquadramento das normas aplicáveis. Desde logo, a serem aplicáveis as normas gerais em matéria tributária relativamente à aplicação da lei no tempo, sempre seria de aplicar o artigo 12.º, n.º 2 da LGT que consagra um critério pro rata temporis para os impostos periódicos, relativamente aos quais o facto tributário é de formação sucessiva. “E a este respeito cumpre salientar que não obsta a tal consideração a circunstância de o facto tributário dever ser tratado enquanto uma realidade unitária, cuja verificação apenas se dá, nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, no último dia do período de tributação.
“Conforme refere RUI DUARTE MORAIS, “(…) o IRC é um imposto periódico, ou seja, tem por base um facto gerador de carácter tendencialmente duradouro (a actividade da empresa) que (…) é – artificialmente – cindido em períodos (exercícios) para apuramento de resultados.
“Sendo o facto gerador duradouro, coloca-se a questão do momento a considerar para determinar qual a lei que regerá a obrigação de imposto relativa a dado exercício. A resposta resultará, em princípio, do disposto no n.º 9 do art. 8.º: o facto gerador de imposto considera‑se verificado no último dia do período de tributação. Ou seja, a lei fiscal aplicável será, por regra (admitindo a normal coincidência do exercício com o ano civil), a vigente em 31 de Dezembro. O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (…).”.[13] (sic)
“Neste sentido, o momento da verificação do facto gerador de imposto consiste no parâmetro aferidor do enquadramento tributário do sujeito passivo relativamente a cada um dos períodos de tributação, isto é, baliza no tempo o momento para a aferição e definição daquele enquadramento. Contudo, isso não significa que seja a norma constante do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC que estabeleça e concretize, por si só, esse mesmo enquadramento legal.
“Tal como se referiu no seio do processo n.º 412/2019‑T, de 20 de Dezembro de 2019, no qual se dispôs que “Apesar de a LGT conter aqueles que são os grandes princípios ordenadores do sistema jurídico-tributário nacional, não possui qualquer valor reforçado e, precisamente por se situar no mesmo nível hierárquico, é sempre suscetível de ser derrogada por qualquer disposição legal posterior; mais, importa ainda ter presente a relação entre lei geral e lei especial e, concretamente, o princípio lex posterior generalis non derogat lei speciali priori.”. Neste sentido, considerou-se naquele aresto que as regras gerais em matéria de aplicação da lei no tempo constantes da LGT não seriam aplicáveis, uma vez que a vigência do artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC consistia numa norma especial em face do artigo 12.º, n.º 2 da LGT. Assim seria afastado o critério pro rata temporis, aplicando-se a lei nova a “todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor”, isto é, aplicando‑se a Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro, bem como a taxa de 21% por ela consagrada ao exercício de 2014.
“A referida solução jurídica não tem, em nossa opinião, em consideração a devida relação que se estabelece entre as leis potencialmente aplicáveis, efectuando um erróneo enquadramento jurídico. De facto, tal como se referiu, o artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC determina o momento da verificação do facto tributário para efeitos do enquadramento normativo da situação jurídica da Requerente quanto a um determinado período de tributação não consistindo, em si, o critério de determinação da lei aplicável. “Esse será sempre determinado pelas normas tributárias vigentes potencialmente aplicáveis à situação do sujeito passivo.”
Aplicando o exposto temos, como vimos, que a Requerente adotou um período especial de tributação que se iniciou em 1 de março de 2014 e terminou a 28 de fevereiro de 2015, pelo que a taxa aplicável é a que resulta, por vontade expressa do legislador, vazada na Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
“Com efeito, o legislador quis que a taxa de imposto, constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC e fixada em 23%, se aplicasse aos períodos de tributação, tais como o da Requerente, que se iniciaram em 2014 e completaram o seu ciclo de tributação anual, tornando-se exigíveis, em 2015. É neste sentido claro o teor do preceito ao dizer que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente Lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”. (destacado nosso) O legislador, consciente de situações como a da Requerente, cujo período tributário não coincide com o ano civil, e para evitar situações de desigualdade, resolveu o problema colocando os ciclos tributários iniciados em 2014, mas que possam terminar em 2015, sob o mesmo regime jurídico, quanto à taxa aplicável. Esta técnica jurídica evitou que o legislador de 2015 tivesse necessidade de fixar qualquer norma transitória.
“Com efeito, o âmbito de proteção da Lei n.º 2/2014 não é minimamente contrariado pela Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), em concreto do seu artigo 192.º, em que a taxa geral do IRC constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC foi fixada em 21%.
“Na verdade, determina-se, no artigo 261.º daquele primeiro diploma legal que “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015.” Ou seja, resulta claro que esta norma visa aplicar-se apenas aos períodos tributários iniciados em 2015 (a um de janeiro ou posteriormente). O que não é manifestamente o caso da situação da Requerente, cujo período tributário se iniciou em 2014.
“Em suma, qualquer interpretação que pretenda fazer aplicar à situação em apreço o artigo 192 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, não tem na sua letra qualquer apoio.
“A interpretação ora sufragada, tal como consignado na Decisão arbitral proferida no processo n.º 411/2019-T, é a “que melhor se coaduna com os elementos clássicos da interpretação, uma vez que é a que melhor compatibiliza o teor literal, sistemático e teleológico do preceito. Veja-se, desde logo, que propugnar uma interpretação que não fixasse uma taxa de IRC de 23%, quanto aos actos regidos e dependentes do período de tributação de 2014 (como era o caso do facto gerador de imposto que apenas se verifica no término deste período), a par da fixação daquela mesma taxa para todos os demais actos tributários que se verificassem no decurso daquele exercício e que cuja verificação não assentasse ou necessitasse do culminar do período de tributação, seria propugnar uma interpretação desprovida de sentido, porquanto redundante. De facto, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”, conforme estabelece o artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que se considera acertada a interpretação da norma que procura extrair as devidas consequências jurídicas quanto a cada uma das circunstâncias nela enunciadas, ao invés de tomar factos diversos expressamente definidos como tal pelo legislador como constituindo realidades idênticas às quais aplicam os mesmos efeitos jurídicos.
“Por último, cabe referir que tal solução em nada viola o princípio da igualdade tributária, uma vez que foi pretensão expressa do legislador que a taxa de 23% definida na Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, se aplicasse a todos os períodos de tributação de 2014, independentemente do seu início e do seu termo. Deste modo, não existe qualquer discriminação em face dos sujeitos passivos a quem seja aplicada a taxa de 21% definida pela Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro, na medida em que não estão em causa situações idênticas. Ainda que ambos os factos tributários se verifiquem após a entrada em vigor desta última lei, a verdade é que estão em causa períodos de tributação diferentes relativamente aos quais o legislador definiu taxas de imposto diferentes.”
Em face de tudo o exposto, como o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 mantinha a sua vigência aquando da verificação do facto tributário, em 1 de Março 2015, na parte em que determinava a aplicação da taxa de 23% à matéria coletável de IRC apurada por referência ao período de tributação de 2014 (que no caso se iniciou em 1 de Março de 2014 e terminou em 28 de Fevereiro de 2015), conclui-se pela legalidade da atuação da AT, e, em consequência, pela improcedência do pedido arbitral.
III.3. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A requerente pediu ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
Ora, tendo em consideração que se julgou improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral em virtude de não se imputar qualquer ilegalidade, quer à autoliquidação em juízo, quer à atuação da Requerida, não se pode considerar que ocorreu um qualquer erro imputável aos serviços que justifique a plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado aquele ato de autoliquidação nos termos anteriormente referidos. Quer isto dizer que, sendo o ato de autoliquidação legal, e não se imputando qualquer erro à Autoridade Tributária conforme fundamenta a Requerente, não foi pago qualquer montante de imposto em excesso que deva ser reembolsado, não assistindo àquela o direito ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios que houvessem de ser calculado sobre esse montante.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida dos pedidos principal e o pagamento de juros indemnizatórios.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.191.120,66.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Abril de 2021
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
Drª Ana Teixeira de Sousa, vencida conforme declaração em anexo
Prof. Doutora Ana Rita calçada Pires
Voto Vencida
Com todo o respeito pela posição que saiu vencedora neste Tribunal Arbitral Coletivo, voto vencida a presente Decisão, como já o fiz em anterior processo em que estão em causa os mesmos factos e a mesma questão de direito, porque os argumentos para dar suporte à tese da Requerida não me convenceram.
Questão substantiva a dirimir: A questão de mérito submetida à apreciação deste Tribunal consistiu, nuclearmente, em determinar qual(is) a(s) taxa(s) de IRC aplicável(eis) à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2014, atentos os seguintes aspetos: a Requerente adotou um período especial de tributação, com início em 01.03.2014 e termo em 28.02.2015; em 01.01.2014, a taxa geral de IRC em vigor era de 23%, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC; e, fruto da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 82-B/20l4, de 31 de dezembro, na referida norma do Código do IRC, a taxa geral deste imposto foi reduzida para 21% para 2015.
Ou seja, a questão principal do presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com a entrada em vigor da Lei n.º 82-8/2014 de 31 de dezembro, a qual estabeleceu para o artigo 87.º n.º 1 do CIRC uma taxa de IRC de 21%, e, consequentemente em saber se esta taxa se aplica ou não ao período tributário que se iniciou em 1 de março de 2014 e terminou em 28 de fevereiro de 2015.
Fundamentação da Requerida em síntese
i. Nos termos do artigo 1º do CIRC o IRC é devido em cada exercício, estando diretamente relacionado com a obtenção de um resultado positivo, passível de tributação, ao qual é aplicada uma determinada taxa. Assim, a nova taxa de IRC decorrente da entrada em vigor do disposto no n.º 1 do art.º 87.º do CIRC aprovado pela Lei n.° 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014, - aplica-se aos períodos de tributação com início em ou após 01 de Janeiro de 2015.
ii. Em direito fiscal o princípio da anualidade assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta, em termos anuais, o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (vide art. 8.º do CIRC). Assim, em conformidade com este princípio, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil. Com efeito, nos termos do art. 8º n° 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, e, sendo um imposto periódico, o facto gerador produz-se de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir- se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar.
iii. Na verdade, o IRC, é um imposto sobre um determinado rendimento, apurado num certo período de tempo, sendo assim um imposto periódico de formação sucessiva, para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 12.º da LGT. O lucro tributável é assim um facto complexo que se forma ao longo do exercício económico e cujo culminar ocorre a 31/12 do ano a que respeita ou no último dia do período tributário caso o sujeito passivo opte por um período de tributação diferente. No caso em apreço, uma vez que o sujeito passivo adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de março de 2014 e terminou em 28 de fevereiro de 2015. Logo, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015. Em todos os anos, no final do ano civil, com a publicação do Orçamento de Estado, verificam-se alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se aplicam ao período de tributação do ano seguinte.
iv. E, não é por este facto, que o sujeito passivo, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, aplica as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro ano para o período do ano seguinte. O que nos conduz ao caso em concreto em que o período tributário anual decorre de l de março de 2014 a 28 de fevereiro de 2015, a taxa a aplicar deve ser a definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, apenas pelo facto de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer fator distintivo de criação de riqueza ou qualquer outra justificação plausível.
v. Caso assim não fosse, teríamos também, claramente, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, uma vez que para o mesmo período tributário, coexistiriam 2 taxas de imposto, efeito que se presume não ser o desejado pelo legislador. Assim, de forma a existir uma harmonização entre sujeitos passivos, todos eles, quer iniciem o período a 01/01, quer em data posterior, sabem de antemão com o que contar nesse mesmo período tributário e como gerir as suas expetativas.
vi. A Requerida remete ainda a fundamentação para a resposta que produziu face ao pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRC apresentado pela Requerente sendo que essa resposta nada acresce ao que acima alega.
vii. Finalmente a Requerida recorre à fundamentação na decisão arbitral n.º 411/2019.
viii. Em conclusão, a Requerida entende que a taxa a aplicar, independentemente de o ano de tributação começar em l de março de 2014 a 28 de fevereiro de 2015, sempre será a definida para o exercício de 2014. Donde se conclui que, para o período tributário de 2014, a taxa é de 23% para todos os sujeitos passivos, quer iniciem em 01/01/2014, quer em data posterior.
Posição sustentada
i. Estabelece o artigo 8.º n.º 9 do CIRC, que "O facto gerador do imposto considera- se verificado no último dia do período de tributação".
ii. Não subsiste qualquer dúvida, inclusive para a Autoridade Tributária (ver, entre muitos outros, o Acórdão do STA no processo 01682/11.3BELRS 0690/18 de 23 de Outubro de 2019) que o facto gerador do imposto ocorre no último dia do mês de Dezembro do ano a que o imposto respeita (ou no último dia do período de tributação quando este não coincide com o ano civil), apesar do rendimento ser gerado continuamente ao longo do exercício. Constitui o dia 31 de Dezembro ou último dia do período de tributação o momento em que se considera encerrado o ano económico, data à qual se deve reportar o resultado do exercício. Tal deve-se ao facto do IRC ser um imposto de obrigação continuada ou de formação sucessiva, portanto, composto por uma pluralidade de factos com relevância fiscal que se consolidam no último dia do exercício, e não de "carácter instantâneo".
iii. O facto tributário de formação do imposto IRC é um facto complexo e de formação sucessiva, tal como o define a doutrina, iniciando-se no primeiro dia do período de tributação mas só se verificando, no rigor ou plenamente, a 31 de Dezembro ou no último dia do período de tributação, por força da lei, devendo, pois, ser nesta data que se produzem todos os efeitos que dependam da verificação do facto tributário. É, portanto, nesta altura que são efectuadas as operações de apuramento do lucro tributável e determina a e aplicada a taxa de IRC.
iv. Aliás a Requerida reproduz a tese da anualidade da tributação em IRC neste próprio processo n° 321/2021-T: “Na verdade, o IRC, é um imposto sobre um determinado rendimento, apurado num certo período de tempo, sendo assim um imposto periódico de formação sucessiva, para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 12.º da LGT. O lucro tributável é assim um facto complexo que se forma ao longo do exercício económico e cujo culminar ocorre a 31/12 do ano a que respeita ou no último dia do período tributário caso o sujeito passivo opte por um período de tributação diferente. No caso em apreço, uma vez que o sujeito passivo adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de março de 2014 e terminou em 28 de fevereiro de 2015.
Logo, a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015. Em todos os anos, no final do ano civil, com a publicação do Orçamento de Estado, verificam-se alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se aplicam ao período de tributação do ano seguinte.”
v. Daqui se extraindo, como regra geral e consequência lógica a de que, verificando- se o facto tributário, nos termos da lei e especificamente do Código do IRC, durante o ano de 2015, mais concretamente em 28 de Fevereiro de 2015, a lei nova, neste caso a lei do Orçamento de Estado para 2015, que instituiu a taxa de 21%, já seria aplicável.
vi. O argumento da Requerida de que no caso dos autos se deve aplicar a taxa definida para o ano de 2014, sob pena de ferir o princípio da igualdade tributária, porquanto teríamos no mesmo exercício a aplicação de taxas diferentes, apenas pelo facto de terem sido definidos períodos de tributação diferentes e não por qualquer fator distintivo de criação de riqueza ou qualquer outra justificação plausível, não colhe pois aplicando-se essa taxa - vigente em 2014 - a sujeitos passivos que terminam o período de tributação em 2015 haverá sempre sujeitos passivos que, no período terminado em 2015, estão sujeitos à taxa de IRC aprovada pela lei para vigorar em 2015 e outros que, aplicando-se a tese da Requerida, estão sujeitos à taxa de IRC aprovada pela lei para vigorar em 2014.
vii. O outro argumento da Requerida, de que, caso assim não fosse, teríamos também, claramente, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, uma vez que para o mesmo período tributário, coexistiriam duas taxas de imposto e que, de forma a existir uma harmonização entre sujeitos passivos, todos eles, quer iniciem o período a 01/01, quer em data posterior, sabem de antemão com o que contar nesse mesmo período tributário e como gerir as suas expetativas também não colhe. Efectivamente esta interpretação só seria de aceitar se se entendesse que o legislador pretendeu estender o alcance da vigência da taxa de IRC prevista na Lei 2/2014 de 16 de Janeiro a factos tributários reportados a períodos de tributação iniciados em 2014 mesmo que os factos tributários ocorram em 2015 e ainda que a Lei do Orçamento de Estado para 2015 tenha aprovado para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2015 uma nova taxa de IRC. Mas não é essa a interpretação necessariamente atribuída ao artigo 14º da referida Lei, como se verá e que encerrará esta análise.
viii. Para a posição adoptada não deixa de ser necessário tomar em linha de conta a técnica legislativa utilizada pelo legislador fiscal ao longo do tempo, para alteração das taxas de IRC em vigor, recorrendo de forma consistente a uma disposição adicional clarificadora quanto ao período de tributação a que se aplicaria a nova taxa de IRC.
ix. Quanto à aplicação no tempo das alterações legislativas respeitantes à taxa geral de IRC, a posição do legislador foi a seguinte:
a. na redação do Código do IRC decorrente do Decreto-Lei n.° 442-B/88, de 30 de novembro, estatuía o artigo 69.º, n.º l, que a taxa do IRC é de 36,5%;
b. o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.° 3-B/2000, de 4 de abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passou a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5%, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.° determinava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 69.° do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000.”;
c. o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.° 109-B/2001, de 27 de dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30%, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002.”;
d. o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25%, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004.”;
e. o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23%.
x. Não tendo o legislador previsto nenhuma solução específica sobre a aplicação temporal da nova taxa geral de IRC que foi instituída, o âmbito de aplicação temporal da alteração à taxa geral do IRC introduzida pela Lei n.° 82-B/2014, de 31 de Dezembro, tem de ser determinado a partir das regras gerais de interpretação da lei e de aplicação das leis no tempo, considerando de modo sistemático o(s) normativo(s) suscetível(eis) de aplicação.
xi. A norma contida no ordenamento jurídico-tributário de carácter geral sobre a aplicação da lei tributária (substantiva) no tempo, consta do artigo 12.º da LGT, cujo n.º 1 estatui que as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos. O n.º 2 do artigo 12.º dispõe que se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.
xii. A regra é, pois, a de que a norma tributária apenas se aplica aos actos ou factos ocorridos no seu domínio temporal de vigência.
xiii. No caso do IRC -, em que existe um facto complexo de formação sucessiva - coloca-se a questão de saber qual a lei a aplicar relativamente ao período que decorre na data em que a nova lei entra em vigor; como afirma João Menezes Leitão, citado no processo 412/2019 T, «três soluções são em abstracto possíveis:
a. a norma fiscal surgida em certo ano fiscal apenas se aplica na vigência do ano fiscal seguinte, considerando-se que o facto tributário se forma no início do ano;
b. a lei nova tem aplicação no ano fiscal em curso logo desde o seu início, considerando-se que a formação do facto tributário só se conclui com o termo do ano fiscal (não ocorrendo assim qualquer retroactividade);
c. aplicação pro rata temporis, procedendo-se à divisão do facto tributário complexo representado pelo período de tributação em elementos ocorridos antes da entrada em vigor e elementos ocorridos depois da entrada em vigor da norma fiscal nova, a qual só se aplica aos factos posteriores ao seu início de vigência.»
xiv. A solução defendida na alínea c), ainda que pudesse decorrer da literalidade do artigo 12º da LGT, foi alvo de crítica pois a divisão do período em duas partes contraria a própria essência do imposto periódico, na medida em que esta exige o tratamento do período de modo uniforme como uma unidade temporal e também porque teriam então que ser apuradas “duas matérias colectáveis” com regras diferentes criando certamente sobrecarga administrativa não desejada pelo legislador e situações de iniquidade.
xv. Manuel Henrique de Freitas Pereira, citado no mesmo processo n° 412/2019, conclui que «a solução que parece mais correcta - por ter em conta a própria natureza dos impostos periódicos - é a da aplicação da nova lei a todos os factos e situações ocorridos no período em que a mesma entra em vigor [o mesmo fiscalista alerta no sentido de «que esta solução diz respeito a factos geradores de formação sucessiva ao longo do período e que só se tomam completos para efeitos de tributação, globalmente considerados, no final do mesmo - ou seja factos geradores classificados como complexos (...). É o que acontece com a tributação de um rendimento ou de um lucro correspondente a um determinado período.»].
Trata-se também da solução mais simples de aplicar, quer para a administração quer para os contribuintes, não sendo susceptível de determinar comportamentos de planeamento fiscal através de soluções atípicas de natureza temporal. É, aliás, relativamente ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), a solução que decorre do disposto no n.º 9 do art. 8.º do respectivo Código.
Atualmente, em face do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária, o problema parece dever ser solucionado de maneira diferente. (...) A formulação usada não é, porém, inteiramente inequívoca - o período aí referido é a parte do período em vigor posterior à entrada em vigor da lei nova ou o novo período de tributação que se inicie posteriormente à entrada em vigor da lei nova? Considera- se que talvez se tenha querido adoptar uma solução pro rata temporis e, nesse sentido, parece que se acolheu a primeira hipótese enunciada. Esta solução não deixará de criar problemas de aplicabilidade, (...). Assim, entende-se que, a não se adoptar a solução do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, por uma questão de igualdade tributária e simplicidade administrativa, a melhor solução é sempre a lei definir com rigor o período de tributação a que se passa a aplicar, que deve ser apenas o período que se inicie posteriormente à sua entrada em vigor. Em todo o caso, verifica-se que tem importância fundamental a data do início e do fim do período de tributação.»
xvi. Ora «o facto tributário é sempre uma construção jurídica e não apenas um acontecimento naturalístico. Ao contrário destes, que são factos da natureza, o facto tributário é sempre uma categoria jurídica, composta pelos quatro elementos essenciais da incidência - real, pessoal, temporal e territorial - e só existe como ente jurídico autónomo quando todos esses elementos se encontram reunidos. É do facto tributário, e da lei que o tipifica, como fundamento de sujeição e aplicação de um determinado regime fiscal, que depende o nascimento da relação jurídica no seio da qual se constituem os direitos e os deveres de natureza tributária. E nessa tipificação que a lei efetua, um dos elementos essenciais é o da data em que se considera consumada a produção do facto tributário. (...)
xvii. E, assim sendo, em termos rigorosos, só existe facto tributário quando a lei estabelece que ele se considera consumado. Essa consumação ocorrerá, no caso dos factos tributários instantâneos, no momento em que eles se produzem e, no caso dos factos tributários continuados, na data do fim de um determinado período, mas, para sermos rigorosos, teremos sempre que dizer que o facto tributário ocorre na data em que cada lei que o tipifica estabelece. E isso acontece sempre, porque a incidência temporal é um elemento essencial da sujeição, e sem ela não existe incidência do imposto. Assim, por exemplo, no caso do IRC, o facto tributário produz-se no último dia do período de tributação, como estabelece o n.º 9 do artigo 8.º do CIRC (...).
xviii. Pelo que não faço minha a adesão à tese do acórdão no processo n° 411/2019 quando se baseia no artigo 14º da Lei 2/2014, visando apurar se, e em que medida, essa norma estava, ou não em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015 para concluir sobre a aplicação da taxa de IRC de 21% a contribuintes cujo período de tributação termina durante 2015 mas tem o seu início em 2014.
xix. Com efeito, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, entre outras modificações introduzidas ao Código do IRC, alterou a redação do seu artigo 87.º, n.º 1, ficando do mesmo a constar que “A taxa do IRC é de 23%”, exceto nos casos previstos nos números seguintes.”
xx. A doutrina do Acórdão do CAAD n° 411/2019 defende que em ordem a apreender devidamente o sentido do enunciado normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, o intérprete tem de recorrer a outros elementos que não a letra da lei. Assim, a referência, no art.º 14.º em análise, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”, não deverá, sob o ponto de vista lógico, ser visto como um, passe a expressão “pleonasmo” jurídico, devendo antes, ser indagada a intencionalidade e o sentido (ou seja a teleologia) de tal expressão.
Sob este ponto de vista, deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, imposto estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas). Daí que a referência a "períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si. Ou seja, interpretado desta forma, o que o art.º 14.º da Lei 2/ 2014 pretende dizer e que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles. Já no contexto sistemático, aquela norma deve ser compreendida como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que dispõe, no que para o caso interessa, que: “1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos. 2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”.
xxi. E avança para concluir que: De facto, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”, conforme estabelece o artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que se considera acertada a interpretação da norma que procura extrair as devidas consequências jurídicas quanto a cada uma das circunstâncias nela enunciadas, ao invés de tomar factos diversos expressamente definidos como tal pelo legislador como constituindo realidades idênticas às quais aplicam os mesmos efeitos jurídicos. “Por último, cabe referir que tal solução em nada viola o princípio da igualdade tributária, uma vez que foi pretensão expressa do legislador que a taxa de 23% definida na Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, se aplicasse a todos os períodos de tributação de 2014, independentemente do seu início e do seu termo. Deste modo, não existe qualquer discriminação em face dos sujeitos passivos a quem seja aplicada a taxa de 21% definida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, na medida em que não estão em causa situações idênticas. Ainda que ambos os factos tributários se verifiquem após a entrada em vigor desta última lei, a verdade é que estão em causa períodos de tributação diferentes relativamente aos quais o legislador definiu taxas de imposto diferentes.”
xxii. Mas é também o próprio Acórdão que se está a citar que, ao tentar definir o sentido e alcance do art.° 14.º da Lei nº 2/2014 em questão, reconhece que a redação do mesmo não é a mais feliz. Efetivamente o próprio Acórdão assume que, ao situarmo-nos apenas na letra da norma em causa, verifica-se, desde logo, que a mesma comportaria a interpretação de que, por exemplo, no caso de entidades como a então Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013. E, por outro lado, situando-nos ainda no plano da letra da lei, também se poderia concluir que: ... “da mesma resultaria que as normas da Lei 2/2024, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2015 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º tivesse sido revogado, o que, sem prejuízo do quanto adiante se dirá, não ocorreu, pelo menos expressamente.”
xxiii. Prossegue o texto do Acórdão do CAAD citado pela Requerida que: “o art.º l4.º em questão, não se reporta exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.”
xxiv. Pelo que, relembrando que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”, conforme estabelece o artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, entendo ao contrário que não se pode concluir que o artigo 14º da Lei nº 2/2014 tivesse alargado a vigência do artigo da mesma lei, que alterou a taxa de IRC para 23% a partir de 2014, para considerar que a mesma taxa era a taxa vigente em 2015 para períodos de tributação iniciados em 2014, quando a Lei do Orçamento de Estado para 2015 tinha alterado a taxa de IRC para 21% a partir de 2015.
xxv. Pois, não tendo a Lei do Orçamento de Estado para 2015 qualquer disposição especial quanto à questão da aplicação da nova taxa de tributação em sede de IRC, nem quanto à sua entrada em vigor, o artigo 1.º da Lei 82-B/2014, de 3l de Dezembro, Orçamento de Estado para 2015, determina:
“1 - É aprovado pela presente lei o Orçamento do Estado para o ano de 2015, constante dos mapas seguintes. ... ... .....
2 - Durante o ano de 2015, o Governo é autorizado a cobrar as contribuições e os impostos constantes dos códigos e demais legislação tributária em vigor e de acordo com as alterações previstas na presente lei.”
xxvi. Por sua vez o artigo 261.º deste diploma legal estabelece que “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015 ”.
xxvii. Finalmente, para além dos argumentos que já apresentei para expor a minha posição, parece-me que a mesma só pode ficar reforçada se voltarmos à redacção do artigo 14º da Lei n.º 2/2014. 71. Sobre a sua aplicação no tempo, dispõe o artigo 14.º da referida Lei que “Sem Prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.”
xxviii. Ora o artigo 8º da Lei n.º 2/2014, que se refere exactamente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, diz o seguinte:
“1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas coletivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.
2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21% em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17% e 19% em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito.”
xxix. Ou seja, a referida Lei considerava já no seu artigo 8º uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e expressamente uma redução de taxa de IRC para 21% em 2015, ainda que sujeita a uma certa ponderação.
xxx. E, com efeito, esta prevista redução da taxa de IRC para 21% veio a efetivar-se através do artigo 192.º da Lei n.° 82-B/20l4, de 31/12, que alterou a redação daquele artigo 87.°, n.° 1, do Código do IRC.
xxxi. Pelo que, sobre a sua aplicação no tempo, o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, ao prever expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz “sem prejuízo” do disposto no artigo 8.º acolheu desde logo a possibilidade da concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, designadamente, da redução para 21% em 2015.
xxxii. Face à Lei do Orçamento de Estado para 2015 e aos artigos supra citados, ela é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT.
xxxiii. Ainda assim teremos sempre a dificuldade, já explicada, tratando-se de impostos periódicos, em que o facto tributário é de formação sucessiva, de o n.º 2 do artigo 12.º da LGT consagrar um critério de “pro rata temporis” prevendo que “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
xxxiv. No domínio da tributação do rendimento das pessoas coletivas está-se perante um tributo de periodicidade anual em não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correções expressamente previstas no respetivo Código. Também pelas razões acima aduzidas parece-me que a regra geral contida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT cede, neste caso, perante a disposição constante do artigo 8.°, n.º 9 do Código do IRC.
xxxv. No que concerne à aplicação da lei no tempo e em obediência ao princípio constitucional da proibição de retroatividade da lei fiscal, a citada norma do Código do IRC consagra uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação. Assim, a nova lei, considerando o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, salvo disposição legal em sentido diverso (que se verificou em quase todas as Leis de Orçamento de Estado que alteraram taxas de IRC mas não na Lei nº 2/2014 nem na Lei do Orçamento de Estado para 2015), será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.
xxxvi. Regressando ao caso em análise, verifica-se que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 28-02-2015, termo do período anual de tributação por que optou a Requerente.
xxxvii. Estando em vigor nesse momento a taxa de 21% constante do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.
Ana Teixeira de Sousa
[1] Neste sentido ver Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” in Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereia (Coord), Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 110 ss.
[2] Vejam-se, por ex., os casos dos acórdãos do CAAD proferidos nos Processos ns. 150/2014-T, 55/2015-T, 642/2015-T, 336/2016-T, 8/2017-T e 248/2018-T, todos disponíveis no sítio do CAAD.
[3] Vejam-se os casos dos acórdãos do CAAD proferidos nos Processos ns. 387/2014-T, 702/2014-T, 514/2015-T, 14/2016-T, 176/2016-T, 451/2016-T, 319/2017-T, 687/2017-T, 694/2017-T, 8/2018-T e 459/2018-T, todos disponíveis no sítio do CAAD. Diga-se, porém, que nas decisões do Tribunal Constitucional há uma previsão legal expressa quanto à reforma da decisão na sua Lei Orgânica (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro): “Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade”.
[4] Vejam-se os casos dos acórdãos do CAAD proferidos nos Processos ns. 335/208-T e 498/2018-T, disponíveis no sítio do CAAD. Na segunda decisão proferida no Processo n.º 335/2018-T (onde, como no segundo processo indicado, o STA decidira «anular a decisão arbitral, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito aos factos»), escreveu-se, aliás, que tal decisão:
“suscitou algumas questões, quanto à possibilidade de intervenção dos Árbitros que proferiram a decisão arbitral e quanto aos seus poderes de cognição quanto a factos não alegados, que foram decididas por decisão interlocutória de 03- 07-2020, em que se decidiu, em suma:
– considerar reconstituído o Tribunal Arbitral;
– considerar que o decidido na decisão arbitral de 29-11-2018, sobre a violação do princípio da legalidade e de normas constitucionais não foi objecto do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo;
– ordenar a notificação das Partes para alegarem factos e apresentarem elementos de prova a eles respeitantes que entendessem relevantes para esclarecimento da questão indicada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de saber «se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos»;”
[5] Vejam-se, por ex., os casos dos acórdãos do CAAD proferidos nos Processos ns. 600/2016-T, 168/2017-T, 366/2018-T e 468/2019-T, todos disponíveis no sítio do CAAD.
[6] Veja-se que a disposição paralela do n.º 2 do artigo 695.º do CPC (“a decisão que verifique a existência da contradição jurisprudencial revoga o acórdão recorrido e substitui-o por outro em que se decide a questão controvertida.”)
A ideia geral de que cabe ao Tribunal que decide a uniformização de julgados substituir a decisão que entenda revogar acentua-se mais pelo confronto com o n.º 2 do artigo 445.º do Código de Processo Penal (“O Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o processo.” – cfr. vg, Acórdãos uniformizadores ns. 3/2020 e 4/2020 - https://www.stj.pt/?p=12584).
[7] O que pode certamente ser interpretado como, através do impedimento do trânsito em julgado, intencionado a salvaguardar a intervenção do tribunal recorrido.
[8] Note-se que a pura anulação da decisão arbitral (como nos acórdãos de uniformização proferidos nos processos que correram termos no CAAD sob os ns. 396/2019-T, 408/2019-T, 477/2019-T, 479/2019-T, 854/2019-T, bem como no presente, 811/2019-T) torna supervenientemente insustentável a condenação em custas que constava das decisões arbitrais revogadas, sem que esteja prevista a sua substituição por outra.
[11] Neste sentido ver Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” in Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereia (Coord), Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 110 ss.
[12] Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 250.
[13] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Reimpressão da edição de Novembro/2007, Almedina, 2009, p. 47.