Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 780/2019-T
Data da decisão: 2021-04-23  IVA  
Valor do pedido: € 252.090,61
Tema: IVA – Sujeito passivo misto; Direito à dedução; Leasing/ALD; Ónus da prova.
* Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 23 de março de 2022, Processo n.º 74/21.0BALSB
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SUMÁRIO:

I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efectuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;

II - Na aplicação do método de afectação real nos termos do número anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce actividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa actividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respectivos;

III. O ónus da prova dos pressupostos do direito de obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, nos termos da alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, assiste à Administração Tributária.

 

***

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e José Ramos Alexandre, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 19 de Novembro de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA consubstanciados nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 2013/10, 2013/11, 2013/12, no valor de € 252.090,61.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que procedeu à aplicação da percentagem de dedução de 18% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela AT, nomeadamente as instruções do Ofício-Circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 61%.

 

3.            No dia 20-11-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 13-01-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-02-2020.

 

7.            No dia 14-04-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Por despacho de 28-10-2020, tendo em conta a sua inutilidade face ao objecto da lide, foi indeferida a produção da prova testemunhal arrolada pelo Requerente e ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foram ainda juntos aos autos requerimentos das partes dando conta da jurisprudência recente na matéria em discussão.

 

11.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as eventuais prorrogações.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            O Requerente tem como objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços permitidos por lei às instituições de crédito, tendo-se especializado em operações de crédito ao consumo, operações de locação financeira mobiliária e factoring.

2-            O Requerente está, e estava no período em questão, enquadrado, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal.

3-            O Requerente é um sujeito passivo misto de IVA, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas ao Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD), e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para a aquisição de imóveis e automóveis e crédito ao consumo.

4-            Por força dos contratos de Leasing celebrados nos períodos de 2013/10, 2013/11 e 2013/12, o Requerente, a solicitação e indicação do locatário (cliente), adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato para uso e fruição ao locatário.

5-            Como contrapartida da referida prestação de serviços, o Locatário ficava obrigado a pagar ao Requerente uma retribuição a qual assume a forma de renda.

6-            Para a determinação dessa renda são considerados, designadamente, os seguintes factores: o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro.

7-            Nos termos do contrato de Leasing, o Locatário pode, no final do contrato e se assim o pretender, adquirir o bem ao Locador mediante o pagamento do valor residual, correspondendo este, em média, a 5% do valor do contrato.

8-            Em 2013, foram celebrados 2440 contratos de Leasing, tendo a maior parte dos mesmos sido integralmente cumpridos e uma pequena parte resolvidos por incumprimento do Locatário, e dos contratos efectivamente cumpridos foi transferida a propriedade dos veículos, por força da cláusula de opção pela compra do bem e mediante o pagamento do valor residual, em cerca de 90% dos casos.

9-            Por força dos contratos ALD Financeiro celebrados pelo Requerente nos períodos de 2013/10, 2013/11 e 2013/12, este adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento imediato do mesmo, cedendo-o, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do contrato ao Locatário, para uso e fruição que abrangesse “a maior parte da vida útil do bem”.

10-         Como contrapartida pela prestação de serviços realizada, o locatário ficava obrigado a pagar ao Requerente uma retribuição, a qual assume a forma de renda.

11-         Para a determinação dessa renda são considerados, designadamente, os seguintes factores: o preço de aquisição do bem (veículo), os demais encargos e a margem de lucro.

12-         Nos contratos de ALD Financeiro, o locatário tem a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao locador, mediante o pagamento de um montante adicional, correspondendo esta, em média, a uma renda do valor do contrato.

13-         Em 2013, foram celebrados 3105 contratos de ALD Financeiro, parte dos quais foram integralmente cumpridos e os restantes foram resolvidos por incumprimento e, dos contratos efetivamente cumpridos, foi transferida a propriedade, por força da cláusula de opção pela compra do bem e mediante o pagamento do valor residual, em cerca de 90% dos casos.

14-         Nas situações em que não houve transmissão de propriedade, os veículos foram vendidos pelo Requerente, acrescidos do respectivo IVA, a diversas entidades.

15-         Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o Locatário ficou obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida.

16-         Nestes casos, o Requerente emitiu uma factura pelo montante em dívida ao qual acresceu o respectivo IVA.

17-         Nas operações sujeitas, Leasing e ALD, o Requerente liquidou IVA sobre o valor total da renda, enquanto, no caso de operações não sujeitas, não liquidou IVA, sujeitando as referidas operações a Imposto do Selo na parte relativa aos juros.

18-         Nas operações sujeitas, o Requerente liquidou IVA nos respectivos outputs, acrescendo ao montante cobrado a título de contraprestação pelo serviço prestado, o respectivo IVA e deduzindo os correspondentes inputs relacionados com os custos necessários para as operações sujeitas.

19-         Nas operações não sujeitas, o Requerente não liquidou o IVA nos respectivos outputs, não tendo deduzido os correspondentes inputs, aplicando o método da afectação real.

20-         No que respeita aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, o Requerente deduziu o IVA, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.

21-         Para efeitos da dedução do IVA, o Requerente utilizou o método de afectação real, nas operações de locação financeira (leasing e ALD), recuperando integralmente o imposto suportado e o método da percentagem de dedução (pro rata), nas denominadas despesas comuns (bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com e sem direito à dedução do IVA).

22-         Em 19-11-2013, 0 Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2013.

23-         No dia 18-12-2013, o Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2013.

24-         No dia 16-01-2014, o Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA, relativa ao mês de Dezembro de 2013.

25-         O Requerente deduziu nas declarações periódicas de IVA relativas aos períodos de 2013/10, 2013/11 e 2013/12, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2012.

26-         Na determinação do aludido pro rata, o Requerente considerou, quer no numerador, quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

27-         Nesses termos, as percentagens de dedução provisória a aplicar no exercício de 2011, seria de 61%, conforme o seguinte quadro:

 

28-         Pelo que o IVA a deduzir no mesmo exercício, de acordo com tal critério, seria de € 359.991,10, correspondente a 61% do aludido IVA suportado nos gastos comuns.

29-         Nas declarações periódicas mensais dos períodos 2013/10, 2013/11 e 2013/12, na determinação do cálculo do pro rata, o Requerente, a fim de evitar potenciais penalizações com juros e coimas, optou por aplicar o critério imposto pela AT, excluindo do numerador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação e/ou abate por destruição dos bens locados no numerador.

30-         Reduzindo assim o seu pro rata de 61% para 18% e, consequentemente, vendo o montante a deduzir diminuir de €359.991,90 para €107.901,29, conforme o seguinte quadro:

 

31-         O Requerente alterou o critério de determinação do pro rata, em virtude da posição vertida no Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, sancionado pelo Director Geral e que vinha sendo seguida pelos Serviços de Inspecção Tributária.

32-         O Requerente apresentou em 14 de Fevereiro de 2014, impugnação judicial contra os actos de autoliquidação de IVA, referentes aos períodos de 2013/10, 2013/11, 2013/12.

33-         O processo de impugnação judicial correu os seus termos na Unidade Orgânica 1, do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo .../14...BELRS.

34-         O Requerente apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, requerimento no qual solicitou a extinção do processo de impugnação judicial por o ir cometer ao Tribunal Arbitral, constituído sob a égide do CAAD.

35-         Em 13-09-2019, foi proferida sentença homologatória da desistência da instância.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que a utilização dos bens e serviços nas operações de “Leasing” e de “ALD”, como os que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respectivos.

2- Que, no caso concreto, a aplicação do processo referido no art.º 23.º, n.º 1, al. b), do CIVA (método do pro rata), relativamente ao imposto suportado com os bens e serviços das actividades de “Leasing” e de “ALD”, como os que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, conduza a distorções significativas na tributação.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos dados como não provados devem-se à inexistência de prova nesse sentido.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

A questão que se apresenta a resolver nos presentes autos prende-se com a consideração, ou não, do total do montante da renda (componente de capital [amortizações] e componente de juro) relativo às operações de locação financeira e ALD, incluindo os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, no cálculo do pro rata relativo aos recursos de utilização mista.

 

*

Com relevo na matéria ora em apreço, dispõe o artigo 23.º do CIVA aplicável:

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.”

No que diz respeito à (des)consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e ALD do cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido pelo Requerente nos recursos de utilização mista, está em causa aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.

A este propósito, tem entendido a Requerida que o artigo 23.º do Código do IVA corresponde a duas normas comunitárias: o n.º 1 do artigo 173.º e o artigo 174.º da Directiva do IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28-11-2006, em vigor à data dos factos, que veio reformular a Directiva 77/388/CEE de 17-05-1977 – Sexta Directiva).

Ainda no entender da Requerida, quando estamos perante instituições de crédito, o conceito de “volume de negócios”, não contempla a parte correspondente à amortização financeira, já que esta visa a redução do crédito concedido pelo locador e não influencia o resultado do exercício. Salienta, ainda, que apenas os juros estão em conexão com os custos comuns utilizados, uma vez que estes, ao constituírem a remuneração do serviço prestado têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante. Na sequência, considera a Requerida que para efeitos do cálculo do pro rata, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, apenas se poderá considerar no numerador, os lucros relativos à actividade de locação financeira e outros proveitos tributados e, no denominador, os valores de todas as operações, incluindo as isentas, com exclusão das importâncias respeitantes às amortizações financeiras.

Já o Requerente, começa por notar que a adopção do método de dedução previsto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA – ou seja, a afectação real – tem de ter sempre por base critérios objectivos, salientando que relativamente a métodos de dedução, nada mais é previsto no Código do IVA, ainda que a Directiva n.º 2006/112/CE permita que os Estados-Membros adoptem outros métodos de dedução para além do pro rata e da afetação real.

No que respeita ao Ofício-Circulado n.º 30108, o Requerente aponta que o mesmo terá sempre de ser analisado à luz das normas nacionais implementadas, e que o mesmo vem impor a utilização de um “critério de imputação específico”, o qual:

- Não é um pro rata nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA;

- Nem um método de afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA porque não é possível o recurso a critérios objectivos.

Assim, conclui o Requerente, não sendo possível adoptar o método da afectação real, o único outro método de dedução previsto no CIVA é o pro rata, apurado nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, pelo que aquilo que a AT vem propor no Ofício-Circulado n.º 30108 não tem enquadramento nem no artigo 23.º, n.º 1 do CIVA, nem no 23.º, n.º 2 do mesmo diploma.

Louvam-se, ainda, ambas as partes em jurisprudência que enumeram, e em doutrina citada por aquela.

 

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No Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo C-153/17) do TJUE, procurou-se responder à questão de saber se o artigo 168.º e o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às prestações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não são repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas sim no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, se os Estados-Membros podem aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega.

Note-se desde logo, que as situações do Requerente nos presentes autos e da Volkswagen Financial Services no processo C-153/17, não são idênticas, porquanto esta é uma instituição especializada, dedicada exclusivamente a operações financeiras conexionadas com o ramo automóvel.

Não obstante julga-se, ainda, assim, que o TJUE emitiu, com clareza, pronúncia com relevância para a matéria que ora se discute, pelo que será útil analisar a decisão em questão.

Na mesma, começa o TJUE por definir se, do ponto de vista do IVA, diferentes operações como a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas por vários elementos, tendo concluído que a resposta a tal questão deve ser dada pelo órgão jurisdicional nacional, tendo em conta os seguintes critérios:

a) cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente, e uma operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA;

b) há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria carácter artificial;

c) está-se em presença de uma prestação única quando um ou mais elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Adicionalmente, esclareceu o TJUE que o pagamento diferido do preço de compra de um bem, mediante o pagamento de juros, pode ser considerado como uma concessão de crédito, que constitui uma operação isenta nos termos desta disposição, desde que o pagamento dos juros não constitua um elemento da contrapartida recebida pela entrega dos bens ou pelas prestações de serviços, mas sim a remuneração desse crédito.

Relativamente ao direito à dedução, o TJUE reafirmou que o sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, independentemente dos respectivos fins ou resultados, desde que essas actividades estejam elas próprias sujeitas a IVA, sendo admitido, no entanto, um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa sejam parte das despesas gerais deste último e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo, sendo que a decisão de não incluir estes custos no preço das operações tributáveis, mas unicamente no preço das operações isentas, não pode ter qualquer repercussão nesta conclusão de facto e que o resultado dessas operações económicas não é pertinente, à luz do direito à dedução, na condição de a própria actividade estar sujeita a IVA.

Ressalva, no entanto, o TJUE que o âmbito desse direito à dedução varia em função do uso a que os bens e os serviços em causa se destinam, já que, ao passo que, para os bens e serviços destinados a serem utilizados exclusivamente para realizar operações tributáveis, os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir a totalidade do imposto que incidiu sobre bens ou serviços que lhes tenham sido fornecidos ou prestados, para os bens e serviços destinados a uso misto, resulta do artigo 173.º, n.º 1, da Diretiva IVA que o direito à dedução se limita à parte do IVA que é proporcional ao valor respeitante às operações que conferem direito à dedução realizadas através desses bens ou serviços, e que nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida Directiva, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

A este propósito, recordando o Acórdão Banco Mais, acrescenta o TJUE que qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução, dado que o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução, sendo que o método escolhido não tem necessariamente de ser o mais preciso possível, mas deve poder garantir um resultado mais preciso do que aquele que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Ainda a propósito do Acórdão Banco Mais, refere o TJUE que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.

Conclui o TJUE que atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações, pelo que tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

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Na sequência do Acórdão do TJUE Banco Mais, foi emitida jurisprudência pelo STA, no sentido de que:

“Relativamente à previsão do art. 17º, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva, o TJUE considerou (acórdão de 10/7/2014, no processo C-183/13) que nas circunstâncias ali referidas, os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.” .

                Posteriormente a mesma questão foi apreciada por vários tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.

Em todas as referidas decisões, proferidas por Tribunais Arbitrais colectivos, após análise do quadro legal nacional e comunitário aplicável, foi entendido de forma unânime que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, não sendo determinante que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Directiva no sentido de que não se opõe a que, nas actividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros, dado que o Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e a norma em causa deixa uma margem de livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Daí que da pronúncia do TJUE não decorra a validade/invalidade de uma norma de direito nacional, mas unicamente, a interpretação correcta do direito europeu a aplicar. Com efeito, “um reenvio deve ter por objeto a interpretação ou a validade do direito da UE, e não das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.” .

Assim, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 311/2017-T do CAAD, escreveu-se o seguinte:

“A AT, através do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, veio divulgar a sua interpretação do artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, para efeitos do apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

Entendeu a AT que estes sujeitos passivos devem utilizar, nos termos do nº 2 do artigo 23º, do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, por considerar que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º, do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” (Cfr nº 8 do referido Ofício Circulado). E entendeu ainda a AT que, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico (sublinhado nosso), tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA (nº 9 do referido Ofício Circulado).

Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23º-4, do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado.

Na verdade, tal como dispõe e impõe o artigo 16º-2/h), do CIVA, nas operações de locação financeira, o valor tributável em sede de IVA, é o da totalidade da renda (sublinhado nosso) recebida ou a receber do locatário.

Ou seja: é sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.

A solução proposta pela Administração Fiscal de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais.

Certo que neste tipo de contratos (também denominados de leasing), o proveito que releva para efeitos contabilísticos e, consequentemente, para efeitos de tributação do rendimento, é apenas aquele que isola a componente de juros da renda a pagar pelo locador; ou seja: a parte da renda relativa à amortização do capital não releva na, digamos, folha contabilística do locador.

Sendo a parcela dos juros a única que afeta o resultado contabilístico, também, consequentemente, o mesmo sucede para efeitos de tributação em IRC por força da relação de dependência (parcial) prevista no artigo 17º, do CIRC.

Já não assim é, porém, para efeitos de IVA, na medida em que a base tributável encara as duas componentes da renda como uma só, fundindo-as no conceito geral de contrapartida [a renda tout court] previsto no citado artigo 16º, do CIVA, cuja epígrafe é “valor tributável”.

Por seu lado, o artigo 23º, do CIVA, consagra objetivamente o pro rata como o regime de dedução do IVA para – como é o caso dos autos – os comummente denominados “sujeitos passivos mistos” – Cfr nºs 1 e 4 – sem prejuízo de opção do sujeito passivo pela dedução segundo a afetação real (sublinhado nosso), com base em critérios objetivos e igualmente sem prejuízo – agora sim -, de intervenção Autoridade Tributária e Aduaneira (que poderia impôr, em determinadas circunstâncias, condições especiais ou mesmo fazer cessar esse procedimento, se for entendido que aquele provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação) (nº 2, do citado artigo 23º).

Apenas em duas situações, porém, foi feita a transposição para a legislação nacional da margem estabelecida na Diretiva IVA, relativamente à possibilidade de obrigar um sujeito passivo a não aplicar o método pro rata de dedução: (i) quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e (ii) no caso de se verificarem distorções significativas na tributação – Cfr artigo 23º- 3, do CIVA.

Assim é que, in casu, ao colocar, inicialmente, no numerador e no denominador do pro rata o montante anual das rendas sobre o qual incidiu IVA – ou seja, o montante da contrapartida – o Banco requerente utilizou a base de liquidação de IVA devida e legal.

Ao contrário, as liquidações ora impugnadas, na linha ou em cumprimento do determinado no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009 [que traduz o entendimento da AT de que para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros], enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Na verdade, e de acordo com a legislação comunitária (artigos 173º, 174 e 175º da Diretiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006) e com a legislação interna já citada (artigo 23º, nº1, nº4, nº6, nº7 e nº8, do Código do IVA), resulta que: (a) o método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a dos autos (b) o método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos, (c) a AT pode obrigar à aplicação do método da afetação real, (d) a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou prorata prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do nº 4 do artigo 23º do CIVA , (e) este artigo 23º não prevê outra fórmula de determinação do pro rata.

Daqui decorre, reafirma-se, que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» nos termos referidos no ponto 9 do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, da AT, não tem o necessário enquadramento legal.

Assinale-se ainda a natureza manifestamente infundada ou não fundamentada de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”(!)

O caso “Banco Mais”

O TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.

Ora compulsado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais logo se verifica que o mesmo parece assentar num equívoco, já que assume, sem efetivamente o apurar, que a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.

Assim, o § 19 do Acórdão do TJUE refere: «Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva».

Como bem refere JOSÉ MARIA MONTENEGRO (in Comentário ao Acórdão “Fazenda Pública contra Banco Mais, SA” de 10 de julho de 2014 – Proc C-183/13) é «…neste ponto base, diria mesmo, nevrálgico – que nos distanciamos do Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014. Pois não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva. E mais dificuldade teremos em acompanhar a afirmação de que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva» (Anotação à aludida jurisprudência, reproduzida como documento 8, junto com a Petição).

É manifesto, por outro lado, que o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).

Daí que, recolocada a questão, a resposta ao pedido prejudicial pretende incidir justamente sobre «…se as disposições do sistema comum do IVA em matéria do direito à dedução, em particular as constantes do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, permitem a um Estado membro estabelecer que os bancos que também, realizam operações de locação financeira, apurem o direito à dedução relativo a bens e serviços de uso misto tomando em consideração, quanto às mencionadas operações, a parte correspondente à remuneração do capital (juros) investido na aquisição dos bens dados em locação, assim como eventuais comissões e encargos afins».

Assinale-se que, tal como resulta dos factos alegados e não contestados pela AT em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, a locação financeira não constitui uma atividade meramente acessória de uma instituição financeira como a Requerente.”

No acórdão arbitral proferido no processo 312/2017T, do CAAD, por sua vez, exarou-se que:

“Em suma e concluindo:

Os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do Código do IVA são a: a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» (n.º 1 alínea b) do artigo 23.º do Código do IVA com remissão para o n.º 4;

«a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo

23.º do Código do IVA).

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1) «conduza a distorções significativas na tributação», a AT pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

E compulsado este n.º 2, o mesmo apenas prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, como faz a Requerida, no caso em apreço, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.

Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.

Donde, conclui-se de que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum.

Não se desconhece a possibilidade conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, aos seus Estados Membros de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», mas tal possibilidade não foi transposta para o Código do IVA nacional, i.e., a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do mesmo código.

E, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois

está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT).

Decorre de tudo o supra exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.”.

Posteriormente, no processo arbitral n.º 335/2018T, na sequência do que já havia sido referido no processo arbitral n.º 309/2018T veio a referir-se que:

“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º

De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.

O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.

Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro obrigue uma instituição que exerce atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.

A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2, alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.

E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, é claro que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017).

Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).

Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”

No processo arbitral 339/2018T, prosseguiu-se entendendo que:

“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º.

De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma

parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.

O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.

Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do

artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no

sentido de que não se opõe a que um Estado-membro obrigue uma instituição que exerce atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.

A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2, alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.

E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, é claro que que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017).

Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).

Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo,

alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual

correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante,

por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva

entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a

interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma

margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais

verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”

Por fim, no acórdão arbitral n.º 498/2018T reafirmou-se o seguinte:

“Em suma, decorre da legislação aplicável que:

(i) O método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a que está subjacente aos presentes autos;

(ii) O método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos;

(iii) A Autoridade Tributária pode obrigar à aplicação do método da afetação real em certos casos;

(iv) Porém, a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, não havendo margem para a alterar.

Assim, e subsumindo tudo o que antecede ao caso em apreço, ter-se-á de concluir que, tendo as autoliquidações ora impugnadas resultado das orientações vertidas no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 – e de acordo com o qual, para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros – enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Diga-se, por fim, que, ao contrário do que refere a Requerida, este entendimento não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”).

Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo denunciado pela

Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como decorre dos §.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua decisão no pressuposto de que o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva constitui a transposição, para o direito interno do Estado Membro em causa.

Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial

formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização

financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam

ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma

entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades

associadas à concessão de crédito (isentas).

Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os

Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente

do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação

do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.

Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.

Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao processo

principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Decorre do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.

Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23.º do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA por remissão para o n.º 4 da mesma norma; e

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do CIVA).

Ademais, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. (...)

Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da

totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa,

pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.

Sem prejuízo do que antecede, só por si suficiente para conduzir à anulação dos actos tributários impugnados, dir-se-á ainda, no que concerne ao argumento invocado pela Requerida no §. 41 da Resposta, e segundo o qual a aplicação do método referido no Ofício-Circulado n.º 30.108 é uma imposição do “princípio da neutralidade do imposto e mais do que esse o princípio o da sã concorrência no espaço da União Europeia”, dir-se-á que também não procede.

Desde logo, não fundamenta a Requerida, como lhe competia, as suas alegações. De todo o modo, e como referem José Xavier de Basto e António Martins no Parecer junto aos autos e já citados, tal afirmação não é rigorosa. Na verdade, “o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada”.

 

*

Como se referiu anteriormente, todas as referidas decisões foram tomadas por unanimidade, tendo sido apreciado extensivamente o quadro legal, nacional e comunitário aplicável, e analisado aprofundadamente os argumentos apresentados pela AT, quer no Ofício-Circulado n.º 30108 quer nos próprios processos arbitrais, em termos que se continuam a subscrever.

Nota-se, adicionalmente, no que respeita aos argumentos que, sobre a matéria, até ali se foram discutindo, que se julga que o entendimento, segundo o qual a renda corresponde à devolução do capital (amortização da dívida), e por isso não constitui uma remuneração do sujeito passivo, que estará, nessa parte, a “receber de volta” o montante de capital que disponibilizou e com o qual adquiriu o veículo automóvel, não se afigura congruente.

Efectivamente, caso assim fosse, ou seja, caso estivesse em questão a restituição do capital correspondente a uma operação de crédito, tal restituição seria sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da TGIS, e, como tal, isenta de IVA nos termos do art.º 9.º/27)/a) do CIVA. Assim, em coerência com o entendimento por si sustentado, a AT, salvo melhor opinião, deveria considerar isento de IVA o pagamento da parte que considera como correspondente à restituição de capital na renda paga pelo locatário.

Com efeito, a concluir-se que, em substância, na parte das rendas imputáveis ao capital, estamos perante uma operação de concessão de crédito, que tal parte nem será uma contraprestação verdadeira e própria, desde logo em IVA, nem constitui um preço, que a determinação do valor tributável em IVA nas rendas da locação financeira não segue a regra, não se justifica, minimamente, que ao locatário, naquelas operações, seja liquidado, cobrado, e entregue à AT, IVA sobre aquela mesma parte das rendas imputáveis ao capital.

A acolher-se a argumentação da AT, quem estaria a beneficiar indevidamente seria a AT, que receberia de uma viatura, adquirida através de um financiamento, não o IVA correspondente ao valor base da viatura (IVA excluído), e o correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito, como acontece, nesses casos, mas o IVA correspondente ao valor total do crédito, acrescido daqueles.

Assim, por exemplo, se um determinado sujeito passivo decidir adquirir uma viatura automóvel com o valor de €10.000,00 + IVA, num total de (à taxa actual) €12.300,00, e optar por recorrer a um crédito (mútuo bancário), a AT arrecadaria o IVA, correspondente ao preço base da viatura (ou seja, calculado sobre €10.000,00), mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.

Já se o sujeito passivo optasse por adquirir a mesma viatura por via de leasing/ALD, e

em que, portanto, aquilo que a AT reputa de capital mutuado, fosse o preço final da viatura (no exemplo, €12.300,00), a AT estaria a arrecadar IVA sobre este valor (ou seja, IVA sobre IVA), mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.

Deste modo demonstra-se, julga-se, que o critério/método preconizado pela AT, ao

pretender reconduzir as operações de leasing/ALD a simples operações de crédito, ignorando

as especificidades próprias desses instrumentos contratuais, que justificam, precisamente, o seu reconhecimento no ordenamento jurídico, poderá resultar, efectivamente, em distorções significativas na tributação, em prejuízo do consumidor final.

Acresce que, se a AT - como é o caso – entende que as operações realizadas a jusante,

no caso, pelo Requerente, são integralmente sujeitas a IVA (ou seja, que a renda paga pelos

clientes da Requerente), não poderá, fundadamente, considerar que o IVA suportado a

montante, com os recursos consumidos para a realização de tais operações, não seja dedutível.

Efectivamente, como se refere no ponto (30) da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), um dos princípios fundamentais desse imposto é que “A fim de preservar a neutralidade do IVA, as taxas aplicadas pelos Estados-Membros deverão permitir a dedução normal do imposto aplicado no estádio anterior.”.

Daí que o art.º 1.º, n.º 2, segundo parágrafo da mesma Directiva, prescreva que “Em

cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.

De resto, bem vistas as coisas, o direito à dedução, pelo método do pro rata, reflecte,

como não poderia deixar de ser este princípio.

Assim, o art.º 168.º da Directiva IVA, prescreve que quando “os bens e os serviços

sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no

Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é

devedor” .

Deverá ser neste contexto que o regime do pro rata deverá ser entendido, ou seja, se

bens ou serviços forem utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo

tem direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor.

Daí que o CIVA disponha, no seu art.º 19.º, em conformidade e para além do mais, que “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem (...) ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos” .

Assim, quando o art.º 173.º da Directiva diz que “No que diz respeito aos bens e aos

serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à

dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º” , e o art.º 23.º do CIVA refere,

correspondentemente, que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução” , tal se deva entender como reportando a operações referidas, respectivamente, no art.º 168.º e 19.º.

Ora as operações realizadas a jusante pelo Requerente em questão no caso,

designadamente as operações subjacentes à cobrança das rendas (na parte reputada como

equivalente à restituição de um capital mutuado), não são entendidas, pela AT como operações que sejam abrangidas pelas excepções ao direito à dedução, nem que não sejam tributadas. Daí que não deva ser legítimo à AT precludir – seja pelo método da imputação directa, se possível, ou pelo método do pro rata, subsidiariamente – o direito à dedução do sujeito passivo que realiza tais operações.

Por outro lado, e no que respeita ao método aplicado pela AT, e concretizado no Ofício Circulado n.º 30108, o certo é que (ainda que em contraciclo com a jurisprudência mais recente do STA que, entretanto, se veio a formar) o mesmo não se reconduz nem à aplicação, nos termos que resultam do CIVA, do método de imputação directa, nem do método, nos mesmo termos, do pro rata.

Daí que, quer se considere o mesmo como um terceiro método, como ocorre nas

decisões arbitrais citadas, quer se considere o mesmo como um “pro rata embora com um

elemento de afectação real”, sempre se deverá concluir pela sua inadmissibilidade, face ao

direito positivo português, já que o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA refere-se, exclusivamente, ao

método da afectação real.

Ressalvado o muito respeito devido, não se poderá também subscrever a tese de que a

remissão do n.º 3 do CIVA aplicável para o referido n.º 2, permite à AT impor ao sujeito passivo outros métodos que não o da afectação real, tal como previsto e regulado no CIVA, nem, muito menos, fazê-lo retroactivamente. Relativamente a esta última parte, crê-se que o n.º 2 referido é suficientemente claro, no seu elemento literal, ao referir que a Direcção-Geral dos Impostos pode “vir a impor condições especiais” .

A fórmula verbal utilizada, reporta-se, ressalvada melhor opinião, exclusivamente ao

futuro. Ou seja: utilizado o método da afectação real pelo sujeito passivo a DGI poderá vir a

impor condições especiais para se manter tal utilização, e não corrigir retroactivamente, a

utilização daquele método utilizado pelo sujeito passivo, até porque, como se verá de seguida,

a imposição daquelas condições visará assegurar cabalmente a possibilidade de a AT verificar

a inexistência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação.

E não se diga que, pelo Ofício-Circulado n.º 30108 a AT veio impor aos contribuintes,

para efeitos do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA aplicável, a utilização do método ali preconizado,

desde logo porquanto – e mais longe não será necessário ir – é consensual que as instruções

administrativas (Circulares, Ofícios Circulados, etc.), não têm eficácia externa, vinculando,

exclusivamente, a própria administração.

Este entendimento, conjuga-se com aquela que se julga ser a melhor leitura da expressão “condições especiais”.

Com efeito, e ressalvado sempre o respeito devido a outras opiniões, as “condições especiais” a que o n.º 2 do art.º 23.º em questão se reporta, não deverão nem poderão ser entendidas como a imposição de métodos de cálculo do direito à dedução, que não os previstos na lei, desde logo porque tratando-se de regulação directamente relacionada com matéria de incidência do próprio imposto, o deferimento da determinação do método de cálculo do montante do direito à dedução à discricionariedade administrativa, resultaria, julga-se, numa violação do princípio constitucional da tipicidade dos impostos.

Por outro lado, se aquele número 2 quisesse, efectivamente, referir-se a métodos de

dedução (expressão utilizada na epígrafe do artigo que o contém), teria, seguramente, utilizada essa expressão.

Daí que, sempre ressalvado o respeito devido a outras opiniões, a expressão “condições especiais” deverá ser entendida como reportando-se a obrigações tributárias acessórias, em especial obrigações de informação e documentação, que sejam necessárias ao efectivo controlo da adequação do método da afectação real, tal como previsto na lei (e não de forma mista, ou mitigada de acordo com critérios de discricionariedade administrativa), tendo sobretudo em vista aferir se a utilização de tal método provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação em ordem a, nesse caso, impor a cessação do método da afectação real.

Neste seguimento, o segmento final do número 2 do art.º 23.º em análise, deverá ser

entendido como reportando-se, apenas à faculdade da DGI fazer cessar a utilização do método

da afectação real, o que é confirmado pela letra daquele preceito, seja na localização da

expressão “no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções

significativas na tributação”, após, e não antes, da expressão “lhe vir a impor condições

especiais ou a fazer cessar esse procedimento”, seja na ausência de vírgula, a separar ambas as expressões, seja na exigência de que se “verifique” a ocorrência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação, já que não faria sentido que, verificado (ou seja, confirmado efectivamente), que a utilização do método da afectação real é susceptível de causar distorções significativas na tributação, se previsse a possibilidade de manutenção de tal método, ainda que com “condições especiais”.

Daí que, no n.º 3 daquele mesmo art.º 23.º, ao dispor sobre os poderes da AT nos casos

em que o sujeito passivo aplique o método do pro-rata, não preveja a possibilidade daquela

autoridade impor ao sujeito passivo a utilização de tal método com “condições especiais”, não

obstante prever a possibilidade fazer cessar aquele procedimento (de utilização do método do

pro rata), nos casos em que verificar que se provocam ou que se podem provocar distorções

significativas na tributação.

Ou seja: se a ocorrência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação,

fosse, na óptica do legislador, susceptível de ser corrigida com a imposição de “condições

especiais” (seja qual for o entendimento que se tenha deste conceito), seguramente não deixaria o legislador de prever no n.º 3 do art.º 23º do CIVA aplicável a possibilidade de a AT impor tais condições, nos casos em que o sujeito passivo utilizasse o método do pro rata, quando verificasse que tal utilização conduzia a distorções significativas na tributação.

Por outro lado, a não previsão, no n.º 3 do art.º 23.º referido da possibilidade de a AT

impor a utilização do método do pro rata, com “condições especiais”, vem confirmar o

entendimento anteriormente formulado, relativamente à interpretação daquele conceito, no

sentido de se reportar à imposição de obrigações tributárias acessórias, em especial obrigações

de informação e documentação, que sejam necessárias ao efectivo controlo da adequação do

método da afectação real, tal como previsto na lei (e não de forma mista, ou mitigada de acordo com critérios de discricionariedade administrativa), tendo sobretudo em vista aferir se a utilização de tal método provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação.

É que, ao pressupor o n.º 3 do art.º 23.º do CIVA aplicável a confirmação da ocorrência de distorções significativas na tributação decorrente na utilização do pro rata, e ao não prever a possibilidade de a AT impor a utilização de tal método com “condições especiais”, confirma-se que estas têm por finalidade facultar à AT a possibilidade de controlar cabalmente a ocorrência daquelas distorções, possibilidade que no caso daquele mesmo n.º 3 não é prevista para o caso de o sujeito passivo estar a utilizar o método do pro rata, por ser esse o regime regra previsto no n.º 1.

Não se poderá deste modo e em caso algum, julga-se, dar o salto da remissão daquele

n.º 3 para o número 2 que o precede, para concluir que o legislador quis conferir, e conferiu,

poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral,

ignorando que aquele mesmo n.º 2, prevê apenas a possibilidade de a AT impor “condições

especiais” na utilização do método da imputação directa, e que o n.º 3 não prevê essa

possibilidade, para o caso em que o sujeito passivo esteja a utilizar o método do pro rata, nos

termos do n.º 1.

De resto, a própria AT parece ter consciência disso mesmo, ao referir no Ofício Circulado n.º 30108, que aí está em causa o método da afectação real com “um coeficiente de imputação específico”, o que se explicará, justamente, por ter percebido que o n.º 3 do art.º 23.º não licencia a aplicação de outro método, que não o da afectação real. Assim, e em suma, da leitura conjugada dos n.ºs 1 a 3 do CIVA aplicável, deverá concluir-se, no que para o caso importa, que:

i.             O sujeito passivo, no caso dos inputs mistos, deverá utilizar, por

regra, o método do pro rata;

ii.            Opcionalmente, o sujeito passivo pode utilizar o método da afectação

real;

iii.           Neste caso, a AT poderá impor ao sujeito passivo “condições

especiais”, no sentido acima explanado, não só independentemente,

mas se não demonstrar que ocorrem, ou podem ocorrer, distorções

significativas na tributação;

iv.           Num e noutro caso, verificando e demonstrando que ocorrem, ou

podem ocorrer, distorções significativas na tributação, com a

utilização de um ou de outro método (pro rata ou afectação real) a

AT poderá/deverá impor a utilização do outro método que não o

utilizado pelo sujeito passivo, sendo que se a imposição for da

utilização do método da afectação real, a AT poderá fazer

acompanhar esta imposição de “condições especiais”;

v.            Na utilização dos seus poderes, não poderá a AT impor a utilização

de outros métodos que não os tipificados na lei, na forma em que a

lei os tipificou. Daí que, sem prejuízo de melhor opinião, nos termos

daquela norma, e é aí que nos situamos porque nenhuma das partes

questiona que se está perante recursos enquadráveis na al. b) do n.º 1

do art.º 23.º do CIVA, a AT apenas poderá impôr o método da

afectação real, e não o método do pro rata, nem, muito menos, este com “com um elemento de afectação real”.

Assim, considera-se, nos termos fundamentados pela jurisprudência arbitral

indicada, que:

- o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de

imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros

associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das

amortizações de capital;

- a tal conclusão não obsta a circunstância de o Direito Comunitário, tal como

interpretado pelo TJUE, conferir aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem, numa

determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de

negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais

precisa do que a resultante daqueloutro método, dado que, face ao direito português, essa

faculdade deve imperativamente ser exercida por via legislativa, não decorrendo deste

entendimento, antes pelo contrário, a violação de qualquer norma da CRP, incluindo o artigo

8.º/4 desta, ou o princípio da igualdade.

 

*

Na verdade, pretende a AT fazer-se valer do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, isto é, da existência de “distorções significativas na tributação” para legitimar a imposição de condições especiais, o que é confirmado pelo Ac. do STA de 20-01-2021, proferido no processo 0101/19.1BALSB, quando diz que o método preconizado pela AT “constitui ainda uma aplicação do método da afetação real. Isto é, um método de afetação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à atividade a que são alocados predominantemente.”.

Sem prejuízo do dever de aplicação uniforme do direito, consagrado no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, sempre se dirá, respaldado no poder-dever de livre fundamentação do julgador, que não se consegue aderir a tal tese, porquanto, e para além do que foi acima dito acerca de a possibilidade de serem impostas condições especiais se entender por funcionalizada à verificação da ocorrência de distorções significativas na tributação, a afectação real, como o próprio aresto o declara , “não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente»”, e, no caso, está assente que estão em causa recursos designados por promíscuos, ou seja, relativamente aos quais não é possível determinar qual a parte dos recursos consumidos que pode ser imputada, real e efectivamente, às actividades isentas e não isentas.

Ora, o ofício circulado n.º 30108 não poderá deixar de se considerar contraditório nos seus próprios termos, ao dizer (cfr. ponto 9) que está a impor a utilização de um método de afectação real, ao mesmo tempo que afirma que se reporta a casos em que não é “possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns”. Com efeito, se não é possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, não é possível determinar o “uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente”, ou seja, não se poderá estar perante uma imputação directa .

Não obstante, e em homenagem ao supra-referido dever da aplicação uniforme do Direito, por dever de ofício, acolhe-se a leitura Direito feita por aquele alto Tribunal, ou seja, de que “Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação” e de que “Na aplicação do método de afetação real nos termos do n.º anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.”.

Não obstante, não pode este Tribunal, igualmente por dever de ofício, deixar de sindicar se estão verificados outros pressupostos legais necessários à legalidade de actuação da Administração Tributária, para lá daqueles analisados pela jurisprudência do STA.

Ora, dispõe o artigo 74.º da LGT que: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

No caso, pretendendo a AT aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, conforme o próprio STA reconhece, nos termos do n.º 3, alínea b) do mesmo artigo, e sendo aquela uma norma que impõe obrigações adicionais ao contribuinte, é àquela Autoridade que cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos legais da sua actuação, ou seja, o ónus de demonstrar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, designadamente, o direito de impor condições especiais, pressupostos esses em que avulta, no que para o caso releva, a ocorrência de “distorções significativas na tributação”.

Com efeito, o que está agora – e face à recente jurisprudência do STA – em causa é que, para a imposição da utilização do método de afectação directa com “condições especiais”, em termos que o STA reconhece como legítimos face à redacção do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), se impõe a constatação de uma determinada realidade de facto, que é a verificação de distorções significativas na tributação na utilização do pro rata (cfr. a citada al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA).

Ora, a demonstração de tal realidade não poderá deixar de ser entendida, julga-se, como um ónus da AT, que esta não pode transferir para o sujeito passivo.

É certo que sobre a questão do ónus da prova, na fundamentação do já citado Acórdão do STA de 20-01-2021 , se fez constar que “Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”.

Sucede que, esta questão, sobre a qual o STA expressamente se pronuncia ali, apenas se coloca a jusante da que ora se formula.

Isto é: apenas se colocará a questão de saber se “a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”, ou seja, se as “condições especiais” impostas pela AT são adequadas ou não, após se apurar se se verificam, ou não, os pressupostos do direito da AT à imposição daquelas.

Note-se que não se está aqui no âmbito da matéria relativa ao ónus da prova sobre a qual o STA já se pronunciou, ou seja, no âmbito do ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução do imposto pelo contribuinte.

Assim, e desde logo, está assente que o imposto é dedutível – daí ser aplicável o art.º 23.º do CIVA, que pressupõe, justamente, que se esteja perante imposto qualificado como tal.

O que está em causa é a forma de cálculo desse imposto dedutível, ou, dito de outro modo, se o mesmo se há-de apurar pelo método do pro rata, conforme entende o contribuinte e prescreve supletivamente a lei, ou de acordo com o método da afectação real com “condições especiais”, como entende a AT, secundada pelo STA.

Repita-se ainda que, não está em causa apurar se o referido método da afectação real com “condições especiais” é o adequado para evitar distorções na concorrência, questão sobre a qual o STA se pronunciou já integrar o ónus da prova do contribuinte, demonstrando, designamente, que “no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”.

Está em causa agora, isso sim, apurar se se verificam os pressupostos para a AT exercer o seu direito, reconhecido pela mais alta jurisprudência, de impor aos contribuintes a utilização do método da afectação real com “condições especiais” nos termos da al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA.

Assim, a jusante do ónus da prova que incide sobre o contribuinte quanto aos factos que constituem o fundamento do seu direito à dedução, e a montante do ónus da prova que igualmente assiste àquele de demonstrar que o método da afectação real com “condições especiais” imposto pela AT não é adequado a evitar, ou agrava, as “distorções na concorrência”, situa-se o ónus da prova daquela de que, no caso, “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”.

Nesta matéria, e desde logo, não se vislumbra como se poderá, a partir do texto da norma do art.º 23.º, n.º 3, al. b) em causa, que prescreve que “A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: (...) b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.”, se possa ler no sentido de que “A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: (...) b) Quando não se demonstrar que a aplicação do processo referido no n.º 1 não conduza a distorções significativas na tributação”.

Por outro lado, cumpre também notar, uma vez mais, as diferenças de redacção da norma ora em análise (art.º 23.º, n.º 3, al. b)), em relação à norma precedente (art.º 23.º, n.º 2), não se podendo deixar, em caso algum, de ter presente que é naquela, e não nesta, que a AT funda em primeira linha a sua pretensão.

Ora, enquanto a segunda daquelas normas (art.º 23.º, n.º 2) menciona a verificação (“se verificar que provocam”), e a possibilidade de verificação (“que podem provocar”) de distorções significativas na tributação, a primeira, tem, exclusivamente como pressuposto que “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”, o que não são, claramente, julga-se expressões equivalentes, uma vez que a expressão “conduza” implica uma efectividade substancialmente mais reforçada que a mera possibilidade, denotada pela expressão “que podem provocar”.

No entanto, analisado o ofício circulado 30108, o máximo que se pode retirar do mesmo (cfr. ponto 8 ) – e ainda assim de forma conclusiva e não consubstanciada em factos concretos – é a alegação da possibilidade de conduzir a distorções significativas na concorrência.

Todavia, o pressuposto da norma do art.º 23.º, n.º 3, al. b), não é a possibilidade (“que possa conduzir”), mas a efectividade (que “conduza”) de conduzir a distorções significativas na concorrência.

Daí que, no caso, nem em abstracto, nem, muito menos em concreto, se descortina qualquer suporte fáctico para a conclusão, necessária à formação do direito da AT a obrigar o Requerente a proceder de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, de que a aplicação do processo referido no n.º 1 do mesmo artigo conduza a distorções significativas na tributação.

De resto, não se julga passível de acolhimento uma tese que permita à AT, de forma geral e abstracta e através de Circular - que como é pacífico tem uma eficácia estritamente interna - criar ónus ou deveres para o sujeito passivo, nem, muito menos, inverter ónus probatórios que por lei lhe assistem.

Com efeito, as circulares são meios de uniformização da actuação administrativa, por um lado, e de informação dos particulares, que ficam por seu meio inteirados de qual o entendimento da AT nas matérias tratadas por aquelas, não devendo ser entendidas como actos normativos susceptíveis de produzir efeitos nas esferas jurídicas dos particulares, impedindo, modificando ou extinguindo, direitos ou posições jurídicas que decorrem da lei, nomeadamente e no que para o caso interessa, o ónus da prova dos pressupostos da actuação da AT, de impor a aplicação do método de afectação real com “condições especiais”, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA.

Ora, não se apurando tal substracto fáctico, e tendo presente o disposto no artigo 74.º/1 da LGT e 100.º, n.º 1, do CPPT, ter-se-á de concluir pela anulação do acto tributário na parte em que tem subjacente a aplicação do método de afectação directa com “condições especiais”, impostas pela Circular n.º 30108, procedendo assim o pedido arbitral.

 

***

O Requerente formula, ainda, o pedido acessório de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A este respeito, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações adicionais anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, já que as autoliquidações foram elaboradas com base em instruções genéricas emitidas por aquela.

Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos tributários anulados e, ainda, a ser ressarcido do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)            Anular parcialmente os actos de autoliquidação de IVA consubstanciados nas declarações periódicas de IVA do Requerente respeitantes aos períodos de 2013/010, 2013/11 e 2013/12, no valor de € 252.090,61;

b)           Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 252.090,61, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.896,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Abril de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(José Ramos Alexandre)