DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A..., Sa
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I. RELATÓRIO
1. Em 31 de Dezembro de 2013, a sociedade A..., Sa, pessoa coletiva n.º …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com a alínea a), do artigo 99.º e do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
2. No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto de Selo n.º 2013 ..., no montante de € 25 965,80, referente ao ano de 2012, emitido em 14 de Julho de 2013, com data limite de pagamento em Dezembro 2013 (cf. Doc. 1, junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral).
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 3 de Janeiro de 2014, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), na mesma data.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitra do presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
5. Em 29 de Maio de 2014, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT foi realizada a primeira reunião do Tribunal Arbitral, tendo sido lavrada ata, que se encontra junta aos autos.
6. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento que a Verba 28.1 da TGIS visa a tributação de habitações de maior valor patrimonial, pelo que para efeitos de aplicação desta verba um terreno para construção não pode ser considerado um prédio afeto à habitação, uma vez que não constitui, nem tem as características de um prédio habitável. Sustenta a Requerente que no terreno para construção não existe ainda qualquer prédio suscetível de ser utilizado para fins habitacionais, comerciais ou outros, havendo apenas uma mera expectativa potencial ou meramente virtual de tal vir a acontecer, pelo que não pode ser considerado como um prédio afeto à construção ou a qualquer outro fim.
7. Mais sustenta a Requerente que, conforme reclamação à avaliação geral deste imóvel, por esta apresentada, o destino dos lotes eventualmente a construir será para industria, não se podendo concluir, portanto, que o terreno para construção em análise será utilizado para fins habitacionais, motivo pelo qual considera não estar em conformidade com a lei, a atribuição de coeficientes de afetação aos terrenos para construção e que este coeficiente, utilizado para avaliação do valor patrimonial tributário, seja utilizado para delimitação da base tributável objetiva para efeitos de liquidação de Imposto de Selo.
8. Na verdade, a Requerente entende que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração de coeficientes de afetação e de qualidade e conforto porquanto os mesmos não estão previstos no artigo 45.º do Código do IMI, pelo que sustenta com este fundamento, a Administração Tributária não poder exigir Imposto de Selo, com base na Verba 28 da TGIS, a um titular de um terreno para construção.
9. A Requerente sustenta, também, a ilegalidade da liquidação contestada no entendimento de ser inerente para a tributação em sede de Imposto de Selo, a existência de uma operação que revele rendimento ou riqueza, pelo que a Verba 28 da TGIS ao assumir uma dimensão meramente estática, apenas fundamentada no aspeto financeiro da receita dela emergente, não se coaduna com o sistema fiscal programado pela Constituição da República Portuguesa.
10. Finalmente, sustenta a Requerente estar-se perante uma situação de dupla tributação - em virtude dos terrenos para construção serem, anualmente tributados em sede de IMI, tendo em consideração o seu valor patrimonial tributário – que coloca em causa os princípios da justiça e da proporcionalidade.
11. Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, que na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma; que o artigo n.º 67.º, n.º 2 do Código do Imposto de Selo manda aplicar subsidiariamente o disposto no Código do IMI; que a afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção; que a própria verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no artigo 6.º do CIMI.
12. Mais sustenta a Requerida que a expressão utilizada pelo legislador “afetação habitacional” é mais ampla que a expressão “prédios destinados a habitação”, precisamente porque se pretendeu abarcar outras realidades, para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI, compreendendo, portanto, quer os terrenos edificados quer os terrenos para construção. Mais refere que os planos de ordenamento de território existentes e, bem assim os alvarás de licença para a realização de operações urbanísticas permitem apurar e determinar a afetação do terreno para construção muito antes da efetiva edificação do prédio.
13. Entende, ainda a Requerida não se verificar a violação do princípio da igualdade em virtude de se tratar de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, nem se verificar a violação do princípio da proporcionalidade em virtude desta tributação obedecer ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1 000 000, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.
II. SANEADOR
O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
III. OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL
Vem colocada ao Tribunal a questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência da Verba n.º 28.1 da TGIS.
IV. MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
14. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …, … e …, sob o artigo ..., o qual teve origem no artigo ..., conforme caderneta predial junta como Doc. 2, com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral;
15. O acima referido prédio está inscrito na matriz como terreno para construção, tendo o respetivo valor patrimonial sido determinado no ano de 2012, considerando como tipo de coeficiente de localização: “Habitação”, conforme caderneta predial junta como Doc. 2, com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral;
16. Em 1 de Março de 2013, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de … uma reclamação contra o valor patrimonial tributário atribuído ao prédio em questão, conforme Doc. 4, junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral;
17. Por Ofício n.º …, de 6 de Março, emitido pelo Serviço de Finanças, a Requerente foi notificada para, no prazo de 8 dias, juntar “plantas dos Imóveis e comprovativo da Idade dos mesmos”, conforme Doc. 5, junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral;
18. Em 15 de Março de 2013, em resposta à notificação promovida pelo Ofício n.º …, a Requerente contestou com referência ao prédio em análise a “área bruta de construção” e o “coeficiente de afetação”, referindo quanto a este último elemento ter sido aplicado “o coeficiente de 1,00 correspondente a habitação quando, na verdade, se trata de um terreno de cariz industrial (armazéns) à semelhança dos restantes. Assim, deverá ser aplicado um Ca de 0,60”, conforme Docs. 3 e 6, juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral;
19. Em 14 de Julho de 2013, foi emitido em nome da Requerente o ato de liquidação de Imposto de Selo n.º 2013 ..., no montante de € 25 965,80, referente ao ano de 2012, com data limite de pagamento em Dezembro 2013 (cf. Doc. 1, junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada.
Factos não provados
Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
V. DO DIREITO
20. Conforme avançado a questão que se coloca no presente processo prende-se com a definição do âmbito de incidência da verba nº 28.l. da TGIS, na redação dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, mais concretamente determinar se os terrenos para construção podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afetação habitacional” a que alude a referida verba, quando o respetivo valor patrimonial seja igual ou superior a € 1.000.000.
21. A questão coloca-se em virtude da tributação em sede de imposto de selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, seja igual ou superior a € 1 000 000, sendo o imposto devido, à taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, por prédio com afetação habitacional.
22. Não oferecendo o Código de IS, nem a respetiva Tabela Geral, nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (que aprovou a verba de TGIS em apreciação) uma definição legal de “prédio com afetação habitacional”, importa procurar a correta interpretação desta expressão na letra da lei, presumindo-se que o legislador se soube exprimir da forma mais adequada (cf. artigo 9.º, n.º 3, parte final, do Código Civil), na sua integração sistemática com as normas constantes do Código do IMI e, bem assim no espírito da lei.
23. A Verba 28 da TGIS em apreciação foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro com a seguinte redação:
“ 28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”.
24. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia 30 de Outubro de 2012, em conformidade com o seu artigo 7.º, n.º 1 de que determinou a sua entrada “em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.
25. Foram, ainda, fixadas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro as seguintes regras transitórias por referência à liquidação do imposto do selo previsto na Verba n.º 28 da TGIS, com relevo para a presente decisão:
a) O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo em 31 de outubro de 2012;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do IMI por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
g) A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.
26. Como já avançado, nem o Código de Imposto de Selo nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro concretizam o conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”, pelo que em conformidade com o artigo 67.ºdo Código do IS, a interpretação deste conceito deve ser procurada no Código do IMI.
27. Com efeito, resulta do artigo 67.ºdo Código do IS que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI” (Redação dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro.).
28. De acordo com o Código do IMI, mais concretamente com o seu artigo 6.º, n.º 1, os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; e d) Outros.
29. Os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins (cf. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI).
30. Já os terrenos para construção são os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (cf. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI).
31. Assim, “um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime de jurídico que regula as edificações urbanas ou o fracionamento de prédios rústicas, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo de, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efetiva concretização” (Decisão arbitral proferida no Processo 49/2013-T, em 18 de Setembro de 2013, in www.caad.pt).
32. O Código do IMI oferece assim uma definição de prédios habitacionais e de terrenos para construção, como duas diferentes espécies de prédios urbanos, mas não esclarece qual o verdadeiro teor do conceito “prédio urbano com afetação habitacional”.
33. Porém, a expressão “afetação” pressupõe que o prédio tem uma efetiva utilização para fins habitacionais, o que não se verifica num terreno para construção, que enquanto tal, não tem ainda qualquer efetiva utilização, quer para habitação ou outra.
34. Como sustentado, na Decisão Arbitral, proferida no Processo n.º 42/2013-T em 18 de Outubro de 20013, que aqui se acompanha “não podemos confundir uma “afetação habitacional” que implica uma efetiva afetação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afetação habitacional”. Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados). Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objetiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afetação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afetação habitacional.”.
35. Mas mais, “o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva. Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional. Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, “prédio com afetação habitacional”, não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim. Que é este o sentido da expressão “afetação”, no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que “estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas”, que evidencia que a afetação é concreta, efetiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afetação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante. De resto, o texto da lei ao adotar a fórmula “prédio com afetação habitacional”, em vez de “prédios urbanos de afetação habitacional”, que aparece na referida “Exposição de Motivos”, aponta fortemente no sentido de que se exige que a afetação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afetação” (Decisão arbitral proferida no Processo 53/2013-T, em 2 de Outubro de 2013, in www.caad.pt).
36. Em suma, no terreno para construção existe apenas uma expectativa, ou potencialidade, de poder, após a edificação, vir a ter uma “afetação habitacional”, mas só quando esta afetação se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que poderemos considerar que se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objetiva em apreço.
37. Este entendimento, de acordo com o qual os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012), como prédios urbanos com afetação habitacional, foi, também, já sufragado pelos tribunais judiciais, que têm na sua generalidade entendido que “atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” (cf. Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos nºs 1870/13 e 48/14, em 9 de Abril 2014, nos processos nºs 270/14, 271/14 e 272/14 em 23 de Abril de 2014 e no processo n.º 046/14, em 14 de Maio de 2014, in www.dgsi.pt).
38. Contra o exposto, não pode assim, proceder o entendimento da Requerida que a afetação do terreno para construção é possível de determinar muito antes da efetiva edificação do prédio e, bem assim, que a expressão utilizada pelo legislador “afetação habitacional” é mais ampla que a expressão “prédios destinados a habitação”.
39. A “afetação habitacional” pressupõe que a habitação seja a utilização normal dada ao prédio face às suas características atuais e reais, ou seja, implica que o prédio seja efetivamente destinado a habitação (o que pressupõe, naturalmente, que se trate de um prédio, já edificado), quando nos terrenos para construção existe a mera expectativa, a potencialidade, dessa afetação.
40. Não se encontra, assim, na letra da lei qualquer indício que o legislador tenha procurado abarcar na expressão “prédio com afetação habitacional” os terrenos para construção.
41. Por último, importa analisar o fim pretendido pelo legislador e se esse fim põe em causa as conclusões a que, até aqui, se chegou.
42. Conforme resulta patente da discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 96/XII (Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012) a criação de uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação, que está na base da aprovação da Verba do Imposto de Selo, em apreciação integra um conjunto de medidas cujo objectivo declarado se prendia com a criação de um sistema fiscal mais justo e equitativo, em que os contribuintes fossem chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva.
43. Com este objectivo, foi, assim, proposta a criação de uma taxa especial, afirmando-se que: ”Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. “ (Proposta de lei n.º 96/XII, Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012).
44. Em suma, visou-se o alargamento da base tributável mediante a criação de uma taxa especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação, entendidos como “as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, ou seja conclui-se que a realidade que se visa tributar são as “casas”, e não outras realidades, como os terrenos para construção.
45. Em virtude da conclusão a que se chegou, que conduz à anulação do acto contestado, torna-se desnecessário conhecer das outras questões suscitadas pelas partes.
46. Em face do exposto, mostrando-se provado que o prédio objeto de tributação é um terreno para construção, a liquidação contestada enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por violação daquela verba n.º 28.1, que justifica a declaração da sua ilegalidade e, consequente, anulação.
VI. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, do acto de liquidação de Imposto de Selo contestado.
Fixa-se o valor do processo em € 25 965,80 (vinte e cinco mil novecentos e sessenta e cinco euros e oitenta cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 1530 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 3 de Julho de 2014
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela árbitra signatária].
A Árbitra
(Ana Moutinho Nascimento)