Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 582/2020-T
Data da decisão: 2021-04-17  IRS  
Valor do pedido: € 20.902,11
Tema: IRS – Mais-Valias-imobiliárias – Não residentes.
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SUMÁRIO

 

1. Na medida em que prevê uma limitação a 50% da tributação das mais-valias realizadas por residentes em território português não extensiva aos não residentes, a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

2. O regime opcional introduzido ao artigo 72.º do mencionado Código pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, não é suscetível de tornar a referida restrição compatível com o direito comunitário.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal em ..., ..., Holanda, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 29-10-2020, tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, n.º 2019..., referente ao ano fiscal de 2018, no montante global de € 42 427,28, sendo € 41 884,23 de imposto e € 623,05 de juros compensatórios (Doc. 1).

 

3. A Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado, no valor que estima em € 20 902,11, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que a liquidação impugnada, efetuada ao abrigo das normas do artigo 43.º e 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, enferma de ilegalidade, por, considerando como base de tributação 100% das mais-valias realizadas por não residentes e apenas 50% das realizadas por residentes, constituir uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronuncia-se pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que o mesmo não enferma de qualquer vício, e deve, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19-01-2021.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º, do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações, por desnecessárias.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

14. Com base nos documentos que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

14.1. No ano fiscal de 2018, a que respeita a liquidação ora impugnada, a Requerente tinha o seu domicílio fiscal nos Países Baixos.

 

14.2. Naquele ano, conforme escritura de 29 de junho (Doc.4), alienou, pelo preço global de € 475 000,00, a fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2.º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado na Rua ..., ... e ..., inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo n.º..., com o valor patrimonial tributário de € 93 377,55.

 

14. 3. A fração alienada havia sido adquirida pela Requerente pelo preço de € 272 000,00, conforme escritura de 09-02-2015 (Doc.3).

 

14.4. Na declaração periódica de rendimentos modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2018, a Requerente, com o estatuto de não residente, declarou as mais-valias realizadas com a alienação dos referidos imóveis.

 

14.5. Com base nos elementos constantes da referida declaração, os serviços tributários procederam à correspondente liquidação nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, conforme opção da declarante.

 

14.6. Ao abrigo da citada norma, a liquidação foi efetuada à taxa especial de 28% sobre o valor de 100% da mais-valia fiscal apurada, conforme resulta do artigo 43.º, n.º 2, daquele Código, apurando o valor total de € 42 477,28, sendo € 41 884,23 relativo a imposto e € 623,05 a juros compensatórios (Doc.1).

 

14.7. O valor liquidado foi pago em 23-12-2019, conforme nota de lançamento emitida pelo banco B... (Doc. 5).

 

14.8. Em 01-04-2020, a Reclamante deduziu, junto do Serviço de Finanças – Lisboa ..., reclamação graciosa contra a liquidação efetuada, reclamando a sua anulação parcial.

 

14.9. A Requerente fundamenta a reclamação deduzida alegando, no essencial, que a mesma se encontra ferida de ilegalidade por ser efetuada com base em legislação que viola o Direito Comunitário.

 

14.10. Em síntese, alega a Reclamante que a tributação das mais-valias realizadas por não residentes em 100% do respetivo valor sendo o mesmo tipo de rendimento considerado em apenas 50% quando auferido por residentes em território português, conforme previsto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, viola o direito comunitário, mormente o disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).

 

14.11. Recorrendo a abundante jurisprudência, nacional e comunitária, sustenta a Reclamante - Requerente nos presentes autos - que a referida norma, determinando a tributação das mais-valias realizadas por residentes em território português em apenas 50% do seu valor sujeitando os não residentes à tributação do mesmo tipo de rendimentos pela sua totalidade, é incompatível com a livre circulação de capitais, assegurada pela referida norma do Tratado.

 

14.12. Com base na fundamentação atrás sumariada, a Reclamante sustenta o entendimento de que deve a reclamação graciosa ser deferida e anulada a liquidação de IRS acima identificada, com fundamento na sua ilegalidade, na medida em que as normas aplicadas são restritivas e incompatíveis com o princípio da livre circulação de capitais. Considerando dever ser tributada apenas sobre metade da mais-valia realizada, requer ainda a Reclamante que lhe sejam restituídas as quantias indevidamente cobradas, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos legalmente previstos.

 

14.13. Até à data de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral não consta que tenha sido proferida decisão sobre a reclamação graciosa em causa, encontrando-se excedido o prazo previsto no artigo 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

 

15. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

16. É estritamente de direito a questão que a Requerente suscita no seu pedido de pronúncia arbitral e prende-se com a alegada incompatibilidade com o direito comunitário da norma do artigo 43.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aplicada na liquidação impugnada.

 

17. Segundo a Requerente, a referida norma, na medida em que limita a tributação a 50% das mais-valias realizadas pelos residentes através da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sujeitando, contudo, esse tipo de rendimentos a tributação pela sua totalidade quando auferidos por não residentes, viola a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

18. Reportando-se às normas do artigo 43.º, n.º 2 e 72.º, n.º 1, do Código do IRS, relativas à matéria coletável e taxa especial de 28%, aplicadas na liquidação impugnada, refere a Requerente que a jurisprudência, comunitária e nacional, largamente maioritária nos tribunais superiores e no CAAD, aponta no sentido de considerar este enquadramento discriminatório, restritivo da livre circulação de capitais e, como tal, contrário ao Direito Comunitário.

 

19. Com fundamento na incompatibilidade das normas em causa com o Direito Comunitário, tais decisões consideraram ilegais das liquidações efetuadas pela AT em circunstâncias idênticas e procederam à sua anulação parcial, “por as respectivas liquidações de imposto subjacentes terem restringido o direito à tributação de apenas metade das mais-valias relativas à venda de imóveis situados em Portugal aos sujeitos passivos aqui residentes.”

 

20. Suportando-se na jurisprudência, que em larga medida cita e transcreve, conclui a Requerente que “...parece claro que a larga maioria da jurisprudência existente sobre esta matéria vem considerar o regime em vigor ilegal, por ser contrário a norma de Direito Europeu e consequentemente considerar inadmissível, por um lado, a existência do regime de opção no qual uma das opções concedidas é contrária à lei, e por outro lado a própria escolha, voluntária ou não, dos contribuintes desse mesmo regime, que nunca poderá ser aceite sob qualquer preceito,”

 

 

21. Nestes termos, conclui a Requerente que a liquidação impugnada é ilegal devendo ser objeto de anulação parcial, por vício de lei, com o consequente reembolso de metade do imposto pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

22. Respondendo ao solicitado, entende a Requerida que a posição perfilhada pela Requerente padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

23. Segundo a Requerida, o quadro normativo atual é inteiramente compatível com o Direito Comunitário, sustentando tal entendimento nos seguintes termos: “Se é certo que no Acórdão do TJCE, de 11/10/2007, entendimento igualmente sufragado pelos Acórdãos do STA identificados pela Requerente, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72.°, n.º 1 e 43.°, n.º 2 do CIRS, por “o artigo 56° CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”, igualmente se assinala que o quadro normativo atual e aplicável à situação objeto dos autos é distinto...”

 

24. Porém, “...no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão do TJCE, foi aditado ao artigo 72.º do CIRS1 , o n.º 7, atual n.º 9, cuja redação à data dos factos, era o seguinte: “Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português” (evidenciado nosso).

Igualmente o n.º 8, atual n.º 10, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, prescrevia, à data dos factos, que “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

 

25. Assinala, assim, a Requerida que por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do Código do IRS.

 

27. Todavia, a Requerente não optou pelo regime acima referido, antes assinalando na declaração modelo 3-IRS do ano de 2018, o campo 04 (não residente), o campo 06 (residente na EU) e o campo 07 (tributação pelo regime geral).

 

27. Nestes termos, conclui a Requerida, a presente ação arbitral deve ser julgada improcedente, por não provada, devendo, consequentemente, manter-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.

 

28. Todavia, considerando que das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resulta um novo quadro normativo diverso daquele que foi objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal de Justiça, a Requerida “... tendo em consideração que os Processos do CAAD n.ºs 598/2018-T e 569/2019- T, que versam sobre esta mesma temática, se encontram pendentes de análise e decisão no Tribunal de Justiça da União Europeia, sob os n.ºs C-388/19 e C-103/20, respetivamente, entende a Requerida que se justifica, e o que desde já se requer, a suspensão da instância até que seja emitida a pronúncia pelo TJUE, nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º do CPC. “

 

29. Expostas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, pode constatar-se que o litígio que as opõe se centra exclusivamente na incompatibilidade da norma do n.º 2 do artigo 43.º, na redação aplicável, com o direito comunitário, mormente com o disposto no artigo 65.º do TFUE relativo à livre circulação de capitais.

 

30. Conforme bem alega a Requerida, o quadro normativo em vigor no ano fiscal a que respeita a liquidação impugnada não é o mesmo que vigorava ao tempo em que foi prolatado o referido acórdão de 11-10-2007 (Proc. C-443/06, Hollman).

 

31. Com efeito, da alteração legislativa operada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resultou ser conferida aos não residentes titulares de rendimentos da categoria G a possibilidade de opção pela tributação da totalidade desse rendimento à taxa especial de 28% ou pela sua tributação em termos idênticos aos aplicáveis aos residentes em território português, isto é, com a redução do rendimento a 50% e sua tributação com base nas taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.

 

32. Segundo a Requerida, o regime opcional acima referido teria vindo sanar a discriminação decorrente da não aplicação aos não residentes da redução da 50% das mais-valias imobiliárias compatibilizando assim a legislação nacional com o direito comunitário.

 

33. Diverso, porém, é o entendimento maioritário da jurisprudência adotada pela maioria das decisões proferidas pelo CAAD e pelos tribunais superiores, salientando-se, em especial, os acórdãos do Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-12-2020, proferidos nos processos n.ºs 75/20.6BALSB e 64/20.0BALSB, uniformizando jurisprudência no sentido de que o “ n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.”

 

34. Mais recentemente, na sequência de reenvio prejudicial suscitado no âmbito de processo arbitral, foi esta questão objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que, em acórdão de 18-03-2021, proferido no processo  C-388/19 ,MK, se pronunciou nos seguintes termos: “ 26 No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando se de mais valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.°2, e o artigo 72.°, n.°1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado Membro.

27 Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.°2, do CIRS, as mais valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.°1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C 443/06, EU:C:2007:600, n.°37).

29 Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.°1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600, n.°40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.°2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31 Esta constatação não é posta em causa pelo n.°44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C 632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.°29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais valias sobre a venda de imóveis.

32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.°1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.°1, TFUE.”

 

35. No tocante à opção pela tributação segundo as modalidades aplicáveis aos residentes, o referido Tribunal, afirma, ainda no mencionado processo, que “42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.o9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.°2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.°1, do CIRS, e outro que não o é.

43. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.°52).

45. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.°53 e jurisprudência referida).

46. Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.°32 do presente acórdão compatível com o Tratado.

47. Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65. TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”

 

36. Do exposto decorre, com clareza, ser desnecessário o recurso ao reenvio prejudicial ou à suspensão da instância, não subsistindo, pois, quaisquer dúvidas de que a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, na parte que que considera como base tributável o valor total das mais-valias realizadas pela Requerente no ano fiscal de 2017, enferma de ilegalidade por violação do direito comunitário, tal como declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

37. A par da anulação parcial do ato de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

38. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

39. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

40. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

41. Julgando-se, assim, a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação impugnada, reconhece-se à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação parcial da liquidação impugnada de IRS e de juros compensatórios, com o consequente reembolso da importância indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 20 902.11, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 17 de abril de 2021,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.