Decisão Arbitral
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (Presidente), Dr. João Taborda da Gama e Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6-08-2020, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ...-..., ... Mafra (doravante, a "Requerente") apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo da al. a), do n.º 1, do artigo 2.º, al. a), do n.º 3, do artigo 5.º, al. a), do n.º 2, do artigo 6.º e al. a), dos n.ºs 1 e 2, do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas .Coletivas (“IRC”) n.º 2019..., estorno da liquidação de IRC n.º 2019... e de juros compensatórios e de mora n.ºs 2019..., 2019...e 2019..., todos referentes ao exercício de 2015, no valor global a pagar de €68.297,02 (€59.963,84 de IRC, €8.332,81 de juros compensatórios e €0,37 de juros de mora).
2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, “AT” ou “Requerida”).
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-04-2020.
4. Nos termos do disposto na al. a), do n.º 2, do artigo 6.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 7 de julho de 2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-08-2020.
7. A AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
8. As Partes apresentaram alegações.
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e, como abaixo se demonstra, é competente.
10. As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
11. O processo não enferma de nulidades.
12. A Requerente alegou, em síntese, que:
12.1. A questão a decidir se prende com a determinação, em IRC, do valor a atribuir à aquisição de um acervo de imóveis (frações autónomas de um prédio urbano), para efeitos de cálculo do rendimento tributável (presumido) gerado pela sua transmissão em 2015;
12.2. É uma sociedade por quotas que exerce a atividade principal de construção de edifícios, residenciais e não residenciais, com o CAE 41200, e a título secundário a compra e venda de bens imobiliários, com o CAE 68100, encontrando-se enquadrada no regime geral de IRC;
12.3. Por força das dificuldades económicas sentidas, em particular, nos anos 2012 e 2013, deparou-se com graves dificuldades na comercialização dos imóveis de que era proprietária;
12.4. Para manter e prosseguir a sua atividade, foi recorrendo a financiamento bancário, acumulado uma dívida expressiva;
12.5. Em 2015 encetou negociações com a instituição de crédito mutuante e chegou a um acordo nos termos do qual, para pagamento parcial de responsabilidades no valor de €533.160,00, assumidas junto do seu banco, deu em pagamento um conjunto de frações autónomas, a que foi atribuído o valor transacional de €236.117,00, reduzindo-se nessa exata medida a dívida existente, conforme contrato celebrado em 14 de dezembro de 2015;
12.6. O valor transacional das frações, resultantes da negociação que foi possível alcançar com o banco (€236.117,00), era inferior à soma do Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) à data, conforme ilustrado pelo seguinte quadro resumo:
Fração Autónoma Designação por letras VPT Valor Transacional Dação em Cumprimento Diferença
H €34.622,16 €12.931,65 €21.690,51
I €23.558,70 €9.010,44 €14.548.26
J €42.594,38 €15.184,26 €27.410,12
L €19.046,53 €7.341,84 €11.704,69
M €30.771,65 €11.263,05 €19.508,60
N €24.903,67 €9.594,45 €15.309,22
O €30.966,89 €11.263,05 €19.703,84
Z €26.443,87 €11.263,05 €15.180,82
AB €30.435,40 €14.099,67 €16.335,73
AD €32.311,86 €12.431,07 €19.880,79
AG €24.426,42 €9.594,45 €14.831,97
AL €19.046,53 €7.341,84 €11.704,69
AM €6.638,08 €2.836,62 €3.801,46
AN €15.293,63 €6.173,82 €9.119,81
AR €10.000,52 €3.921,21 €6.079,31
AU €234.122,66 €91.866,53 €142.256,13
TOTAL €605.182,95 €236.117,00 €369.065,95
12.7. As frações autónomas encontravam-se avaliadas nos termos definidos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) desde 2004;
12.8. O Banco adquirente dos imóveis (por dação) procedeu à liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), no montante de €39.336,89, calculado sobre o VPT, por ser superior ao valor constante do Contrato de Dação em Cumprimento (nos termos do artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT);
12.9. A aceitação da dação em cumprimento, sendo uma operação comum, implica um “desconto” significativo na avaliação dos imóveis, de forma a que os Bancos os possam colocar no mercado por um preço baixo que assegure a sua venda célere e ainda assim realizem uma margem;
12.10. Não detém ou deteve, nem os seus sócios e gerentes, uma participação financeira na instituição de crédito e no grupo financeiro em que esta se insere, ou qualquer interesse, financeiro, patrimonial ou outro que pudesse determinar ou influir nas condições negociais acordadas, tratando-se de duas entidades totalmente independentes em contexto de mercado;
12.11. Ao submeter a Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2015, não procedeu ao preenchimento do campo 745 do quadro 07, referente à diferença positiva entre o valor patrimonial definitivo das frações autónomas transmitidas em dação e o valor atribuído no contrato (nos termos do artigo 64.º, n.ºs 1, 2 e 3 alínea a) do Código do IRC), nem preencheu o campo 772 (relativo à dedução prevista na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo 64.º);
12.12. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018..., emanada da Direção de Finanças de Lisboa, foi realizado um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, relativo ao IRC do exercício económico de 2015, tendo em vista o controlo referente à não declaração ou declaração de forma inexata de operações de alienação de direitos reais sobre bens imóveis, em face do estabelecido no artigo 64.º do Código do IRC;
12.13. Foi notificada, por ofício datado de 22 de março de 2019, para regularização das falhas declarativas detetadas, através de submissão de declaração de rendimentos modelo 22 com preenchimento do campo 745 (acréscimo da diferença entre o VPT definitivo e o valor do contrato, nos termos do artigo 64.º, n.º 3 alínea a) do Código do IRC) e, eventualmente, do campo 772 (dedução prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC), com a remessa aos serviços dos cálculos de suporte e dos comprovativos dos valores e do tratamento contabilístico e fiscal dado aos imóveis, conforme previsto no n.º 5 do mesmo artigo 64.º;
12.14. Com vista a dar cumprimento ao oficiado pela AT, procedeu à entrega de uma declaração de rendimentos modelo 22 de substituição, em 31 de outubro de 2019, tendo procedido às seguintes retificações:
a) Acresceu no campo 745 do quadro 07 o valor global de € 369.065,95 respeitante ao somatório das diferenças positivas (relativas a cada fração autónoma) entre o VPT definitivo e o valor constante do contrato de dação (artigo 64.º, n.º 3 alínea a) do Código do IRC);
b) Deduziu no campo 772 do quadro 07 o valor total de € 315.421,73 (artigo 64.º, n.º 3 alínea b) do Código do IRC), por forma a considerar o VPT resultante da primeira avaliação dos imóveis ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “Código do IMI”), realizada a seu pedido em 2004, como “valor de aquisição” para efeitos de determinação do lucro tributável.
12.15. O VPT que havia sido fixado em €557.950,00, foi subtraído do montante já considerado e relevado na contabilidade como “valor de aquisição” dos imóveis (levado a gasto na sequência do movimento de “abate” ou desreconhecimento das frações alienadas), devidamente atualizado a 2004 (de molde a não diminuir a matéria tributável em prejuízo do Estado, o que se verificaria se fosse omitida a correção do efeito do decurso do tempo), cifrando-se em €242.528,27, pelo que apenas foi deduzida a mencionada diferença de €315.421,73 nos termos sintetizados no quadro seguinte:
APURAMENTO DO VALOR A DEDUZIR – CAMPO 772, QUADRO 07
1. Valor de Aquisição a 1995 (terreno e edificado) €220.771,36
2. Depreciação Acumulada a 2004 (relativa ao edificado taxa 2%, 9 anos) €29.804,22
3. Valor Líquido Contabilístico a 2004 €190.967,14
4. Valor de aquisição atualizado a 2004 (aplicação do coeficiente de 1,27) €242.528,27
5. VPT determinado em 2004 €557.950,00
6. Valor a deduzir no campo 772 do quadro 7
(5 – 4) €315.421,73
12.16. As retificações realizadas na declaração de rendimentos modelo 22 de substituição entregue resultaram na consequente redução do prejuízo fiscal inicialmente reportado (na declaração substituída) de €98.691,63, para o prejuízo fiscal de €45.047,41, em resultado do acréscimo voluntário de €53.644,22;
12.17. Os Serviços de Inspeção aceitaram a regularização por acréscimo à matéria tributável no campo 745 do quadro 07, tendo, porém, rejeitado a dedução de € 315.421,73 que esta inscreveu no campo 772 do mesmo quadro;
12.18. Apesar de a AT ter aceitado os seus cálculos e considerado comprovados os valores pelos quais os imóveis estavam contabilizados na sua esfera, rejeitou a possibilidade de aplicação da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC a imóveis alienados após a sua entrada em vigor, mas adquiridos antes da vigência deste regime;
12.19. O artigo 64.º do Código do IRC tem um caráter marcadamente anti-abusivo, consagrando uma presunção de rendimentos quando o valor do contrato de alienação de bens imóveis seja inferior ao do(s) respetivo(s) VPT(s), o que se verifica na situação sub iudice, pois o valor da dação em cumprimento ao banco mutuante foi menor do que o somatório dos VPT’s dos imóveis transmitidos;
12.20. Para apuramento do valor presumido – que tem por pressuposto assegurar a adoção de “valores normais de mercado” para efeitos de determinação do resultado tributável relativo a um dado imóvel –, o artigo 64.º do Código do IRC estabelece uma “fórmula de cálculo” aplicável aos casos em que os valores das transações sejam inferiores ao VPT definitivo dos imóveis: o montante a considerar pelo alienante e pelo adquirente, para determinação do lucro tributável, é o “valor patrimonial tributário definitivo do imóvel”;
12.21. O artigo 64.º do Código do IRC sucedeu ao artigo 58.º-A do Código do IRC, introduzido com a reforma da tributação do património, em 1 de janeiro de 2004;
12.22. Apesar de ter adquirido os imóveis dados em dação anteriormente a 2003, foi com a reforma da tributação do património que entrou em vigor o regime legal que permite a correção do valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis;
12.23. O aditado artigo 58.º-A do Código do IRC continha uma redação similar ao atual artigo 64.º, com uma diferença relevante em relação ao teor contemporâneo da norma: aquele, na sua versão inicial, estabelecia a possibilidade de que, quer o alienante, quer o aquirente considerariam o VPT (definitivo) para efeitos da determinação do lucro tributável (sempre no pressuposto de aplicação da norma, que é o de o VPT ser superior ao valor do contrato) dependia, no caso específico do adquirente, deste registar “contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo […] para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.”;
12.24. Assistia ao adquirente uma verdadeira “opção” de contabilizar os imóveis adquiridos pelo valor efetivo (preço de aquisição) ou pelo VPT, nos casos em que este fosse superior ao primeiro. Tal opção tinha, contudo, consequências, representando uma verdadeira “escolha” de regime fiscal;
12.25. O registo contabilístico dos imóveis pelo seu VPT definitivo constituía condição (ou ónus) para que o sujeito passivo adquirente pudesse utilizar este valor (do VPT em vez do de aquisição), para efeitos de cálculo das reintegrações aceites fiscalmente (o que não tem relevância no presente caso) e, bem assim, para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente aos mesmos imóveis, designadamente numa venda futura;
12.26. Se o sujeito passivo adquirente não contabilizasse o imóvel pelo VPT e sim pelo custo de aquisição seria este último, e não o VPT que seria numa venda futura utilizado para apuramento do resultado tributável em IRC referente ao mesmo imóvel;
12.27. A al. b), do n.º 3 do artigo 58.º-A, do Código do IRC foi, posteriormente, alterada, para a sua atual redação, que (conjugada com o n.º 2) impõe a tomada em consideração do VPT para efeitos fiscais (de IRC) independentemente de qualquer requisito – seja relativo à data de aquisição do imóvel, seja à mensuração pelo qual o ativo imobiliário foi reconhecido – procedendo o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, à sua renumeração para artigo 64.º;
12.28. Desde a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) que a obrigatoriedade de tomada em consideração do VPT, nos casos previstos no artigo 64.º do Código do IRC (em que o valor contratualizado é inferior ao VPT), seja na perspetiva do adquirente, seja na do alienante, coexiste com a necessária contabilização dos ativos imobiliários por um valor que não é o do VPT, mas o resultante do preço de aquisição e encargos inerentes, numa flagrante e assumida dissonância entre valor contabilístico e valor fiscal;
12.29. Assim, retira-se como primeiro corolário que afirmar que é obrigatório utilizar o valor que estava registado da contabilidade para a determinação do lucro tributável de IRC não resulta da lei, mas de uma (deficiente) interpretação da mesma;
12.30. De acordo com o artigo 36.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário, neste caso, a transmissão por dação em cumprimento dos imóveis [2015]. Assim, as normas jurídicas aplicáveis à determinação da matéria coletável e à liquidação do imposto [IRC] devem ser as que se encontram em vigor à data da ocorrência do facto gerador do imposto;
12.31. A determinação do rendimento relativo à dação em cumprimento tem de aferir-se temporalmente tendo por referência o exercício de 2015, ano em que aquela operação teve lugar, e a lei em vigor nesse período de tributação, que é o artigo 64.º do Código do IRC;
12.32. O artigo 64.º do Código do IRC, ao contrário do seu predecessor, o artigo 58.º-A, desliga do cômputo fiscal a importância pela qual os imóveis foram registados na contabilidade, acolhendo como únicos critérios válidos para medir o valor de aquisição e de transmissão o valor do contrato ou o VPT, o que for maior (independentemente do que esteja refletido na contabilidade);
12.33. A aquisição do prédio e das frações que o integram ocorreram efetivamente antes da entrada em vigor do Código do IMT [2004] e do SNC [2010], mas a sua alienação ocorreu em 2015, quando já se tinha iniciado a vigência do artigo 64.º do Código do IRC, vinculativo para o sujeito passivo e para a AT, que não pode deixar de aplicar-se, na sua atual redação à face dos princípios gerais de aplicação da lei no tempo (artigo 12.º da Lei Geral Tributária e artigo 12.º do Código Civil);
12.34. O invocado artigo 64.º do Código do IRC determina, de forma incondicional, que seja atendido e tomado em consideração o VPT, pelas duas partes da operação – o adquirente e o transmitente –, para efeitos de apuramento da matéria coletável de IRC relativa ao(s) imóvel(is) em causa, sem qualquer ressalva transitória relativa à data em que os imóveis transacionados foram adquiridos ou ao seu valor contabilístico;
12.35. Caso se concordasse com a sobrevigência da lei antiga, importaria notar que então, o Código do IRC na versão anterior a 2004, não previa qualquer correção ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis (que só foi consagrado com o aditamento do artigo 58.º-A ao Código do IRC, pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2004), pelo que o resultado seria, inevitavelmente, o de não se corrigir uma vírgula do rendimento declarado pela Requerente;
12.36. Esta linha de raciocínio não comporta retroatividade ou retrospetividade, pois a lei nova não produziu quaisquer efeitos reportados à aquisição dos imóveis;
12.37. Não constitui obstáculo à aplicação do regime do artigo 64.º do Código do IRC, em ambas as perspetivas – de adquirente e de alienante – o facto de à data da aquisição não vigorar o conceito de VPT, que, nesse caso, dada a inexistência de regime transitório, se deve aferir no início de vigência do Código do IMT em 2004 (11 anos antes da operação de dação em cumprimento), ano em que foi solicitada a avaliação pela Requerente, tendo a mesma sido realizada pela AT;
12.38. Uma interpretação distinta conduziria a uma aplicação de métodos de quantificação do valor tributável díspares para operações idênticas, sem fundamento atendível, dado que, desde 2004, todos os prédios urbanos têm disponível um critério objetivo de valor, o VPT.
12.39. A restrição pretendida pela AT ao campo de aplicação do artigo 64.º com o agravamento desse regime anti-abuso representaria uma medida desnecessária e excessiva para a finalidade corretiva que a mesma visa alcançar, que se satisfaz com a aplicação do referido critério objetivo;
12.40. Relativamente ao procedimento declarativo adotado, importa referir que, para a tributação da Requerente com base na diferença entre os VPTs definitivos (superiores aos valores do contrato), como decorre do artigo 64.º do Código do IRC, a declaração de substituição da modelo 22 de IRC tem de comportar o reporte do valor da diferença entre o VPT definitivo à data da aquisição e o valor contabilístico (determinado com base no contrato – escritura de aquisição – adicionado das despesas conexas e líquido das depreciações acumuladas) a deduzir no quadro 07, uma vez que contabilisticamente os imóveis foram valorizados, quando da compra, pelo preço da escritura;
12.41. Deste modo, sendo a via declarativa instrumental e acessória do cumprimento da obrigação principal, prestativa, cujos pressupostos de incidência estão fixados na lei, a utilização do campo 772 do quadro 07 para este efeito não pode deixar de considerar-se adequada, materializando a devida subtração à matéria tributável;
12.42. A liquidação de IRC é anulável por vício material de violação de lei, consubstanciado em erro na aplicação do regime previsto no artigo 64.º do Código do IRC, não sendo devida a prestação tributária resultante das liquidações ora impugnadas, cuja ilegalidade implica, de igual modo, a anulação das liquidações de juros compensatórios e de mora, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos constitutivos, nomeadamente os previstos no artigo 35.º da LGT, quanto aos juros compensatórios, e no artigo 44.º da LGT, em relação aos juros de mora;
12.43. Foi prestada garantia da dívida objeto do presente processo, a qual efetivamente prestou com hipoteca, tendo assumido e pago encargos com imposto do selo, pelo que, determinando-se que a liquidação é imputável a erro dos serviços, como aqui se demonstrou, é devida indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos previstos no artigo 53.º da LGT.
13. A Requerida alegou, em síntese, que:
13.1. A competência dos Tribunais Arbitrais resulta das disposições contidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, impondo o legislador uma vinculação prévia da AT (n.º 1, do artigo 4.º do RJAT), ocorrendo essa vinculação através da portaria 112-A/2011 de 22 de março;
13.2. O Tribunal arbitral sendo competente para a anulação de atos de liquidação é incompetente para a conhecer e decidir atos de reconhecimentos de direitos bem como outros atos que não estejam previstos no elenco de competências legalmente previstas na lei, pelo que o Tribunal arbitral não tem competência para conhecer do pedido de indemnização por prestação de garantia alegadamente indevida, pois estamos perante competências que não foram legalmente cometidas ao tribunal arbitral;
13.3. A alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC é aplicável somente a situações em que a aquisição dos imóveis teve lugar na vigência deste preceito legal, isto é, imóveis adquiridos ou construídos a partir de 1 de janeiro de 2004;
13.4. Os imóveis em causa foram adquiridos pela Requerente em 1995, e registados na sua contabilidade pelo valor constante do contrato. À data da compra não havia norma prevista no Código do IRC para corrigir o valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis. Essa norma viria a ser introduzida mais tarde com a reforma da tributação do património, pelo decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de novembro e com o aditamento ao Código do IRC do artigo 58.º-A;
13.5. Com o artigo 58.º-A, do Código do IRC, foi dada a possibilidade ao adquirente de optar por contabilizar os imóveis pelo valor constante do contrato em detrimento da contabilização pelo VPT, nas situações em que este valor era superior ao valor do contrato. Contudo, o registo contabilístico dos imóveis adquiridos pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, era condição para que pudesse utilizar este valor (e não o de aquisição), para a determinação do resultado tributável em IRC aquando da venda dos mesmos;
13.6. O dever que pendia sobre o adquirente de registar na contabilidade os imóveis pelo valor patrimonial tributário definitivo, quando este era superior ao valor do contrato, como condição para apuramento do lucro tributável, viria a ser abandonado com a reforma do Código do IRC e o termo de vigência do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”) e a sua substituição pelo SNC. Com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, o artigo 58.º-A foi alterado passando a sua nova redação a ser idêntica à redação do atual artigo 64.º do mesmo Código, aplicável aos períodos que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010;
13.7. A referida alteração legislativa levou a Direção de Serviços de IRC, através da Circular n.º 6/2011, de maio de 2011, a vir esclarecer o tratamento fiscal da anulação da reserva de reavaliação correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição dos imóveis, pois que, com o novo normativo contabilístico (SNC), os sujeitos passivos tiveram que anular a reavaliação efetuada face às novas regras de mensuração dos imóveis pelo custo de aquisição ou de produção e não pelo valor patrimonial tributário definitivo (norma contabilística e de relato financeiro n.º 18);
13.8. Assim, a partir do período de tributação de 2010, quer os alienantes quer os adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto, sem a condição de o imóvel estar registado na contabilidade pelo VPT;
13.9. Com a redação do artigo 64.º do Código do IRC, face à anterior redação do artigo 58.º-A - que condicionava o registo do imóvel na contabilidade pelo VPT para determinação do resultado tributável -, foi criado um novo campo no quadro 07 da declaração modelo 22 (campo 772) “Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]”, para que o adquirente possa deduzir a seu favor a diferença positiva entre o VPT e o valor do contrato;
13.10. O artigo 58.º-A do Código do IRC determinou que os VPT que servem de base à liquidação do IMT passem a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável de IRC. Contudo, esta norma entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2004, e a redação que condicionava o adquirente a registar o imóvel na sua contabilidade vigorou até ao final de 2009;
13.11. A partir do exercício de 2010, com o fim do POC e a entrada em vigor do SNC, o Código do IRC viria a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13 de julho por forma a adaptar as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade, e os imóveis deveriam a partir daí no balanço pelos valores de aquisição ou de produção;
13.12. Tal correção não se aplica, em todo o caso, aos imóveis aqui em causa, uma vez que estes não podiam estar registados na contabilidade pelo VPT, pela simples razão de que foram adquiridos antes de 2004 e, nessa data, não havia norma que obrigasse à correção do valor de transmissão dos imóveis;
13.13. No exercício da transmissão, com a submissão da declaração modelo 22 de substituição, a Requerente acresceu no campo 745 do quadro 07 o valor de €369.065,95 correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 64.º, n.º 3 al. a)] e deduziu no campo 772 o valor de €315.421,73 relativo à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)];
13.14. A Requerente não podia deduzir no campo 772 do quadro 07 da Modelo 22 o valor de €315.421,73;
13.15. A Requerente, na qualidade de alienante, deverá acrescer na declaração de rendimentos modelo 22, do período em que ocorrer a transmissão, o montante de €201.726,3, correspondente à diferença entre o VPT à data da transmissão e o valor do contrato a realizar, a não ser que solicite o mecanismo previsto no artigo 139.º do Código do IRC o qual tem efeito suspensivo da liquidação do IRC;
13.16. Não será devida indemnização por prestação indevida de garantia (hipoteca), à luz do regime regulado nos artigos 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, porquanto a mesma (hipoteca) não é juridicamente equivalente à garantia bancária.
13.17. Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT).
13.18. A interpretação que os Requerentes fazem da lei fiscal, é uma interpretação que, não só não tem qualquer correspondência com o texto da lei, como viola o sentido e o alcance da norma prevista no artigo 64.º do IRC.
13.19. Verifica-se pois, no caso em apreço, que a AT se limitou a cumprir, de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da Constituição e concretizado nos artigos 55.º LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) o determinado em sede tributação do IRC;
13.20. Devem, o ato de liquidação de IRC n.º 2019..., relativo ao exercício de 2015, bem como o indeferimento do pedido de indemnização por prestação indevida de garantia (hipoteca) ser mantidos à luz do regime regulado nos artigos 53.º da LGT e do 171.º do CPPT.
II. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos provados
14. A Requerente é uma sociedade por quotas que exerce a atividade principal de construção de edifícios, residenciais e não residenciais, com o CAE 41200, e a título secundário a compra e venda de bens imobiliários, com o CAE 68100, encontrando-se enquadrada no regime geral de IRC;
15. Para manter e prosseguir a sua atividade, a Requerente foi recorrendo a financiamento bancário;
16. Em 2015, a Requerente encetou negociações com a instituição de crédito mutuante e chegou a um acordo nos termos do qual, para pagamento parcial de responsabilidades no valor de €533.160,00 assumidas junto do seu banco, deu em pagamento um conjunto de frações autónomas, a que foi atribuído o valor transacional de €236.117,00, reduzindo-se nessa exata medida a dívida existente, conforme contrato celebrado em 14 de dezembro de 2015;
17. O valor transacional das frações resultantes da negociação que foi possível alcançar com o banco (€236.117,00) era inferior à soma do VPT.
18. As frações autónomas foram avaliadas nos termos definidos no Código do IMI desde 2004;
19. O Banco adquirente dos imóveis (por dação) procedeu à liquidação do IMT na importância de €39.336,89, calculado sobre o VPT, por ser superior ao valor constante do Contrato de Dação em Cumprimento;
20. Com vista a dar cumprimento ao oficiado pela AT, procedeu à entrega de uma declaração de rendimentos modelo 22 de substituição, em 31 de outubro de 2019, tendo acrescido no campo 745 do quadro 07 o valor global de € 369.065,95 respeitante ao somatório das diferenças positivas (relativas a cada fração autónoma) entre o VPT definitivo e o valor constante do contrato de dação (artigo 64.º, n.º 3 alínea a) do Código do IRC), e deduzido no campo 772 do quadro 07 o valor total de € 315.421,73 (artigo 64.º, n.º 3 alínea b) do Código do IRC), por forma a considerar o VPT resultante da primeira avaliação dos imóveis ao abrigo do Código do IMI, realizada a seu pedido em 2004, como “valor de aquisição” para efeitos de determinação do lucro tributável;
21. O VPT que havia sido fixado em €557.950,00, foi subtraído do montante já considerado e relevado na contabilidade como “valor de aquisição” dos imóveis (levado a gasto na sequência do movimento de “abate” ou desreconhecimento das frações alienadas), devidamente atualizado a 2004, cifrando-se em €242.528,27, pelo que apenas foi deduzida a mencionada diferença de €315.421,73;
22. Foi prestada garantia da dívida objeto do presente processo, através da constituição de uma hipoteca, tendo a Requerente assumido e pago encargos com imposto do selo.
A.2. Factos dados como não provados
23. Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
24. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2, do artigo 123.º, do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi als. a) e e) do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT).
25. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT).
26. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III. DO DIREITO
A. Da matéria de exceção: a competência do tribunal para decidir sobre o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida
27. Nos termos descritos acima, a Requerida defende-se, na sua resposta, por exceção, pois advoga que o tribunal arbitral não tem competência para conhecer o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
28. Por isso, conclui, a este propósito, que há incompetência absoluta do tribunal arbitral, por infração das regras de competência em razão da matéria – exceção dilatória que impede o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância. Adianta-se, desde já, que a Requerida não tem razão. Vejamos.
29. Se é verdade que as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT se vislumbra o segmento normativo “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais constituídos sobre a égide do CAAD, dever-se-á entender, em consonância com a autorização legislativa [artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril], que integram a sua competência - os poderes que são, em processo de impugnação judicial, atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação da legalidade é peticionada.
30. O processo de impugnação judicial é, essencialmente, um processo de mera anulação, todavia, pode ser proferida decisão de condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida.
31. Por outro lado, cabem no âmbito do artigo 3.º do RJAT, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário [veja-se o segmento - “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos”], isto é, a cumulação de pedidos é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por prestação de garantia indevida preenchem o aludido âmbito normativo.
32. Deste modo, se no processo arbitral se discute a legalidade da liquidação, também é o adequado para apreciar o pedido de indemnização por prestação por garantia indevida.
33. Improcede, assim, a exceção da incompetência deste tribunal arbitral para apreciar o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
B. Do enquadramento tributário aplicável à alienação de imóveis em sede de IRC
34. A questão central nos presente autos prende-se com a interpretação do âmbito de aplicação da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, nomeadamente, se esta norma é somente aplicável a imóveis adquiridos ou construídos a partir de 01-01-2004, como defende a Requerida ou se, pelo contrário, verificando-se o facto gerador no ano de 2015, a lei aplicável é aquela que se encontra em vigor à data da transmissão dos imóveis [facto gerador], como propugna a Requerente.
35. O artigo 64.º do Código do IRC preceitua que:
1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 — Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.
6 —O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.
36. Não existe atualmente a obrigatoriedade de registo contabilístico dos imóveis pelo seu VPT definitivo para que o mesmo seja considerado no apuramento do rendimento relativo a operações com esses imóveis. Esta solução normativa (alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho) é aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2010.
37. Até então vigorou o artigo 58.º-A do mesmo diploma cuja redação era a seguinte:
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.
38. Deste modo o adquirente teria, à luz desta solução normativa, (i) o direito de contabilizar os imóveis pelo preço de aquisição [valor efetivo] em prejuízo da contabilização pelo VPT, quando este fosse superior ao primeiro e (ii) o dever de registo contabilístico dos imóveis adquiridos pelo VPT definitivo, como condição para poder utilizar este valor para a determinação do resultado tributável em IRC relativamente aos mesmos imóveis, como por exemplo, na hipótese de uma subsequente venda.
39. No entanto, com a reforma do Código do IRC e do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”), a solução vertida no artigo 58.º-A do Código do IRC, particularmente, a da alínea b) do n.º 3 foi abandonada.
40. Deste modo, a disciplina introduzida pelo artigo 64.º do Código do IRC deixa de exigir a obrigação de registo contabilístico dos imóveis pelo seu VPT. A opção do legislador foi clara – separação das regras fiscais em relação às contabilísticas, tendo sempre em atenção as correções previstas.
41. Em concreto, o Código do IRC – artigo 64.º - já não exige qualquer obrigação de se registar o VPT definitivo dos imóveis, determinado no momento de aquisição, no âmbito do registo contabilístico, para que o mesmo seja considerado no apuramento do rendimento relativo a operações com aqueles [imóveis].
42. Contudo, nos presentes autos, a questão coloca-se relativamente ao tratamento fiscal da dação em cumprimento celebrada, no ano de 2015, de frações autónomas. Ou seja, está em causa a determinação do rendimento tributável resultante da diferença entre o custo de aquisição dos imóveis e o ganho emergente da celebração do contrato de Dação em Cumprimento.
43. O rendimento a tributar formou-se em 2015, exercício relativamente ao qual o vertido no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, não vigorava na ordem jurídica, ou seja, o artigo 58.ºA do Código do IRC, não estando em vigor, não se aplicava no momento em que se apura o rendimento coletável do aludido exercício.
44. Assim, estando em causa o apuramento do rendimento coletável de 2015, a sua determinação dever-se-á efetuar à luz da norma em vigor, v.g. o artigo 64.º do Código do IRC. Neste sentido militam os princípios da aplicação da lei no tempo – artigo 12.º da LGT e o artigo 12.º do Código Civil (“CC”).
45. O referido artigo 64.º, n.º 1 do Código do IRC prescreve que os alienantes de direitos reais sobre imóveis devem adotar, para efeitos de determinação da matéria tributável em IRC, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos VPTs definitivos que serviram de base à liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (“IMT”). A injunção normativa dirige-se aos adquirentes e alienantes.
46. É, assim, imperativo utilizar o VPT quando superior ao valor de mercado e, ocupando a Requerente a posição de alienante, o valor a utilizar para determinação do rendimento coletável é o VPT que cada uma das frações objeto da dação em cumprimento tem para a aludida finalidade. O artigo 64.º do Código do IRC afasta da determinação dos rendimentos emergentes da transmissão de imóveis, a importância pela qual estão ou foram registados na contabilidade, outrossim, considera como critérios válidos para quantificar o valor de aquisição e de transmissão, o valor do contrato, ou o VPT, consoante o que for maior. O valor pelo qual os imóveis foram contabilizados no momento da aquisição pelo seu titular é, agora, inócuo para a determinação da matéria coletável de IRC, pois o legislador não o tipificou como pressuposto de tributação.
47. O facto que justificou a incidência, em 2015, não está na aquisição, embora o valor da aquisição seja um elemento essencial da quantificação do rendimento coletável emergente da transmissão dos imóveis. O facto tributário reconduz-se à transmissão, assim, o referido cálculo tem de ser apurado pelos cânones normativos vigentes à data da transmissão, não só quanto ao valor da transmissão, como também sobre o valor de aquisição a deduzir ao referido valor na determinação da matéria coletável da operação.
48. Com efeito, a jurisprudência nacional tem sido consistente em considerar que “o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias”.
49. Num caso cuja factualidade apresenta semelhanças com a descrita acima, o Processo arbitral n.º 667/2015-T, de 2016-06-27, determinou-se igualmente a inaplicabilidade do “Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (vigente à data da aquisição do imóvel e que vigorou até 31/12/2009), uma vez que já não se encontrava em vigor no momento em que se torna necessário determinar a forma de apuramento do rendimento de 2010 sujeito a tributação, e nenhuma norma vigente nessa altura, remetia para tal diploma”.
50. Acrescentou ainda o referido acórdão arbitral que “estando em causa o apuramento do rendimento de 2010 sujeito a tributação, tal operação haverá de fazer-se, exclusivamente, à luz da legislação vigente nessa altura, o que no caso é dizer, à luz do artigo 64.º do CIRC”, e que da “norma em causa decorre, inquestionavelmente, julga-se, que os alienantes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do Código em causa, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos.
Assim, sendo, duas conclusões se impõem. A primeira, mais clara, será a de que a imperatividade, nos termos do preceito em análise, de utilização do VPT, no caso de este ser superior ao valor utilizado, abrange quer os adquirentes quer os alienantes, posição em que a Requerente se encontra, no caso, pelo que, também quanto a esta, enquanto alienante, será aquele o valor – por princípio – a atender.
A segunda é a de que a tal imperatividade se reporta não apenas ao valor da operação em que intervêm alienante e adquirente e que gera a mais valia a tributar, mas a todos os valores a considerar para a determinação do lucro tributável nos termos do CIRC, o que decorre, desde logo, pela utilização, pelo legislador, do plural, ao referir-se a “valores normais de mercado” e a “valores patrimoniais tributários definitivos”. Com efeito, se, como parece ser o entendimento da AT, o legislador pretendesse que apenas o valor de mercado ou o VPT a utilizar fosse o referente à operação em que alienante e adquirente intervêm e gera a mais-valia tributável, teria, rigorosamente, de empregar a expressão “valor” no singular. A utilização de tal expressão no plural não poderá ter outro sentido, julga-se, que não o de expressar que, nas operações necessárias à determinação do lucro tributável nos termos do CIRC, para efeitos da norma em causa, se deverá empregar os “valores normais de mercado” e/ou os “valores patrimoniais tributários definitivos”, que, em função da regra fixada (prevalência do que for superior), sejam aplicáveis”.
51. Deste modo, se o facto tributário ocorreu em 2015, não se aplica, por já não estar em vigor, o regime jurídico vertido no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, mas outrossim o do artigo 64.º do Código do IRC vigente à data, que não suporta a correção objeto dos autos e contra a qual a requerente se insurge, pelo que, enfermará o ato tributário objeto daquela de erro nos pressupostos de direito, devendo ser anulado, o que, desde já, se determina .
C. Do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida
52. A Requerente formula, ainda, um pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, através de hipoteca voluntária.
53. O artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) determina que o pedido de indemnização será requerido no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda e a indemnização pode, nomeadamente, ser requerida no processo de impugnação judicial.
54. E quanto ao processo arbitral? O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art.º 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
55. Em bom rigor, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no art.º 3.º do RJAT, ao falar em "cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos", o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e por condenação por prestação de garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula.
56. O regime do direito à indemnização por prestação de garantia indevida vem descrito no artigo 53.º da LGT que determina:
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.
57. Ou seja, a indemnização depende dos seguintes requisitos: (i) a prestação da garantia bancária ou equivalente (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objeto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada); (ii) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia e (iii) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços.
58. A primeira questão que se coloca é determinar se no segmento normativo “garantia bancária ou equivalente” cabe a hipoteca voluntária.
59. A doutrina sustenta que garantia equivalente à bancária são todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentado durante o período de tempo em que vai ser mantida, como por exemplo, o seguro-caução .
60. Não pode, assim, dizer-se que a hipoteca voluntária constitua uma garantia equivalente à [garantia] bancária .
61. Contudo, a Requerente não fica privada de ser ressarcida do dano que invoca, pois trata-se de um direito que lhe é assegurado pelo artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e pelo regime jurídico de responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
IV. DECISÃO
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRC n.º 2019..., estorno da liquidação de IRC n.º 2019... e de juros compensatórios e de mora n.ºs 2019..., 2019... e 2019..., todos referentes ao exercício de 2015, no valor global a pagar de € 68.297,02.
B) Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida formulado pela Requerente.
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, e 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de €68 297,02.
VI. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2 448,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23 de abril de 2021
Os Árbitros
(José Poças Falcão)
(João Taborda da Gama)
(Francisco Nicolau Domingos)