Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 176/2020-T
Data da decisão: 2021-04-26  IRS  
Valor do pedido: € 121.089,75
Tema: IRS/2016 – Artigos 43.º - 1 e 2 e 51.º a), do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Prof. Doutor Fernando Araújo e Prof. Doutor Carlos Lobo (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 5 de agosto de 2020, acordam no seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

A..., titular do número de identificação fiscal..., residente fiscal em ..., em Viena, na Áustria, requereu a constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, tendo por objeto a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso do procedimento de reclamação graciosa que correu termos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Direção de Finanças de Lisboa, sob o n.º ...2018..., bem como, em termos mediatos, com vista à anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), assim como dos respetivos juros compensatórios, relativamente ao ano de 2016, com o n.º 2018..., de 22/06/2018, no valor de € 121.089,75 (cento e vinte e um mil e oitenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos).

 

Em substância, o Requerente alega que “a liquidação aqui em causa está ferida de vários vícios de lei”, porquanto, por um lado, e ao contrário do alegado pela Requerida, os encargos e despesas com a valorização do imóvel em apreço, objeto de alienação, se encontram suficientemente documentados e devidamente comprovados para que possam relevar para o cálculo da mais-valia para efeitos de IRS e, por outro, que a tributação da mais-valia realizada apenas deve incidir sobre 50% do seu valor, invocando, para o efeito, que o artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), conquanto, alegadamente, discrimina sujeitos passivos não residentes em território nacional, mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, face a sujeitos passivos residentes em território nacional, trazendo, para o efeito, à colação os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) nos processos n.º 0439/06, de 16 de janeiro de 2008, e n.º 01172/14, de 3 de fevereiro de 2016, do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo C-443/06, de 11 de outubro de 2017, assim como as decisões do CAAD proferidas no âmbito dos processos n.º 45/2012-T, de 05/06/2012, n.º 127/2012-T, de 14/05/2013, e n.º 748/2915, de 27/07/2016.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 17/03/2020.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Tendo sido as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 05/08/2020.

 

Em 02/10/2020, foi proferido despacho ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, dispensando-se a reunião do Tribunal com as Partes e convidando-se as mesmas a apresentarem, por escrito, alegações finais de facto e de direito.

 

 

2.            SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é competente.

 

As partes encontram-se devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

 

Não há exceções ou questões prévias a apreciar.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

3.            FUNDAMENTAÇÃO

3.1.        Matéria de facto

3.1.1.     Factos provados

 

Com base nos elementos que constam dos autos e do processo administrativo instrutor junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            Em 28/05/2006, o Requerente celebrou um contrato de locação financeira imobiliária com a entidade B... (atualmente, C..., S.A.) relativo ao prédio urbano sito na união das freguesias de ... e ..., sob o artigo U-...;

b)           Em 17/08/2016, na sequência da revogação do aludido contrato de locação financeira imobiliária, o Requerente adquiriu 90% do valor residual;

c)            Na mesma data, o imóvel em questão foi alienado pelo montante de 2.141.000 EUR, correspondendo ao Requerente uma quota-parte de 90%, no valor de 1.926.900,00 EUR;

d)           Com respeito ao exercício de 2016, o Requerente tinha a sua residência fiscal na Áustria;

e)           Em 31/05/2017, o Requerente apresentou a declaração Modelo 3 com o n.º ...2016..., referente ao exercício de 2016, tendo declarado a seguinte mais-valia no quadro Q4 do Anexo G:

Data da aquisição: maio de 2006

Valor de aquisição: 1.348.817,00 EUR

Data da realização: agosto de 2016

Valor de realização: 1.926.900,00 EUR

Despesas e encargos: 692.782,50 EUR

f)            Na sequência de uma divergência relativa à referida declaração Modelo 3, o Requerente foi notificado para apresentar documentos comprovativos das despesas declaradas;

g)            Não o tendo feito em tempo, foi emitida a liquidação n.º 2018..., no valor de € 121.089,75;

h)           Inconformado, em 24/10/2018, o Requerente apresentou reclamação graciosa autuada com o n.º ...2018...;

i)             No âmbito do referido procedimento administrativo de reclamação graciosa, o Requerente juntou elementos comprovativos das despesas e encargos relacionados com o supra aludido imóvel;

j)             O Requerente alegou ainda que a mais-valia não poderia ser tributada pela sua totalidade à taxa de 25%, porquanto deveria beneficiar da sua tributação sobre 50% do seu valor ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS;

k)            Em 20/12/2019, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, da qual consta a seguinte fundamentação:

«No que se refere às obras de melhoramento no imóvel, os encargos só poderão ser aceites caso o sujeito passivo disponha dos elementos que permitam identificar os serviços que foram efetuados e material adquirido para o efeito, nomeadamente orçamentos e faturas descriminadas dos serviços prestados, que permitam aferir da existência de conexão com o imóvel alienado.

Tratando-se de materiais adquiridos para a realização da obra, separadamente da mão-de-obra, a mera aquisição dos mesmos não basta para comprovar a realização das obras no imóvel alienado, não podendo por isso, tais encargos ser elegidos para efeitos do artº 51º do CIRS, acrescendo que algumas das faturas apresentadas pelo reclamante não identificam o imóvel alienado, pelo que as despesas não poderão ser consideradas.

Consultado o histórico do imóvel verifica-se que foi entregue declaração modelo 1, em 24-05-2006, antes da aquisição do imóvel.

Verifica-se que não foi entregue declaração modelo 1 depois das alegadas obras no imóvel, concluindo-se que, as obras não originaram alteração substancial do melhoramento do prédio.

Relativamente aos sujeitos passivos residentes, apenas é englobado 50% do saldo positivo entre as mais-valias e as menos valias realizadas, respeitantes a transmissões efetuadas por residentes em território nacional, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 43.° do CIRS.

Neste contexto, e a contrario sensu, o saldo apurado por não residentes, é considerado em 100%, sobre o qual recai uma taxa especial de 28%, prevista na alínea a), do n° 1, do art.° 72.° do Código do IRS.

Por outro lado, o n° 9 do artigo 72.° do CIRS possibilita a um sujeito passivo residente noutro Estado membro da Unido Europeia optar pela mesma taxa de tributação que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68.° do mesmo Código, lhe corresponderia caso fosse considerado residente em Portugal, possibilitando-lhe, assim, o englobamento de apenas 50% do saldo das mais-valias.

Na determinação da taxa a aplicar, são tidos em conta todos os rendimentos auferidos, incluindo os fora de Portugal, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes, conforme dispõe o n° 10, do referido artigo 72°.

O ora reclamante não acionou a opção na declaração, constante no rosto – quadro 8B, campos 08, 09 e 11, tendo optado pelo regime dos sujeitos passivos não residentes, pelo que, na liquidação controvertida, foi aplicada a taxa de 28%, prevista na mencionada alínea a), do n° 1, do art.° 72.° do CIRS.

Não se vislumbra, assim, motivo para concluir que houve violação do princípio comunitário da livre circulação de capitais, plasmado no artigo 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia.»

l)             O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações escritas, respetivamente, em 23/10/2019 e em 26/10/2019.

 

3.1.2.     Factos não provados

 

Não se vislumbram factos não provados com relevância para a decisão da causa.

 

 

3.2.        Matéria de direito

 

Atento o exposto, para efeito da presente decisão, importa responder a duas questões.

 

A primeira versa sobre a subsunção dos factos respeitantes às despesas e encargos incorridos pelo Requerente à norma do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

 

A segunda questão prende-se com a existência de um eventual conflito de normas, tal como alegado pelo Requerente, entre, por um lado, o regime da tributação de mais-valias imobiliárias no direito nacional vigente à data dos factos e, por outro, o artigo 63.º do TFUE. Apenas a constatar-se a existência de um conflito normativo carecerá o mesmo de resolução.

 

3.2.1.     Despesas e encargos com o imóvel

 

De acordo com o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo Código.

 

A este respeito, entende a Requerida que na previsão da citada norma não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas tão só os que se destinem a aumentar esse valor, constatando, para o efeito, que “existem faturas que, ou não dizem respeito a obras ou materiais de construção e/ou não fazem referência ao imóvel citado”, concluindo que “não é possível estabelecer uma relação direta entre estas e os custos efetuados no imóvel alienado em causa.” De forma algo contraditória, a Requerida entende que “as faturas passíveis de serem elegíveis perfazem o montante de €506.355,80, no entanto não se consegue aferir se os referidos encargos não são de mera preservação do valor do bem, pois só serão aceites os que se destinem a aumentar esse valor.” Acrescenta ainda que o Requerente teria de “apresentar a declaração de atualização da matriz, o Modelo 1 de IMI, motivo “2-Prédio melhorado/modificado”, assim como “ter um acordo prévio escrito do locador, conforme cláusula sexta das condições gerais do contrato leasing [...] para além do projeto a entregar na câmara”, daqui concluindo “que as despesas foram de conservação, não podendo tais encargos ser aceites.”

 

No que tange à referida obrigação declarativa em sede Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), à cláusula do contrato de locação financeira que impõe um acordo prévio na forma escrita e, bem assim, às regras de licenciamento urbanístico, tais requisitos não se encontram previstos no regime relevante para efeitos de tributação de mais-valias em sede de IRS, pelo que, não havendo norma de remissão e à luz do princípio da legalidade, não serão atendidos.

 

Quanto à qualificação das despesas e encargos relevantes para efeitos de subsunção à norma do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, entendemos, à semelhança da Decisão Arbitral de 23/06/2020, proferida no processo 747/2019-T, e da jurisprudência aí citada, que o regime em causa não acolhe um conceito estritamente jurídico de prédio, mas antes um conceito económico. Não se pode deixar de parte que o princípio que enforma a tributação em sede de IRS é o princípio da capacidade contributiva, pelo que, in limine, a norma em causa visa adequar a contabilização das mais-valias imobiliárias a esse mesmo princípio.

 

Qualquer tentativa de conformar os conceitos empregues na norma fiscal às categorias de benfeitorias do direito civil corre o risco de se afastar do princípio da capacidade contributiva que se visa otimizar no plano tributário. O conceito de benfeitorias tem importância em vários institutos do direito civil, inter alia, na locação, no comodato, na posse, na colação e em matéria de legados. Trata-se de um conceito intermédio operante em vários institutos do direito civil, mas sem uma racionalidade própria no sistema fiscal. Assim, conforme se faz notar no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 715/11.8BEALM, de 25/05/2017, disponível em www.dgsi.pt, a possibilidade prevista no artigo 51.º do Código do IRS decorre do “princípio geral de tributação do rendimento que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, assim obrigando à dedução das despesas necessárias para que o mesmo rendimento pudesse ter ocorrido”.

 

Nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. O Requerente juntou prova documental traduzida em lotes de faturas respeitantes a bens e serviços variados, desde materiais de construção, serviços de construção civil, honorários relativos a projetos de arquitetura e outros bens passíveis de integrar um bem imóvel. A Requerida, em substância, entende que as faturas possíveis de serem elegíveis perfazem o montante de 506.355,80 EUR, embora sem detalhar como afere este valor. Mais conclui não ser possível aferir se os referidos encargos são de mera preservação do valor do bem, pois só serão aceites, no seu entendimento, os que se destinem a aumentar esse valor.

 

Ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, da análise das faturas juntas aos autos pelo Requerente decorre que as despesas se encontram comprovadas e se enquadram no período temporal constante previsão do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS. Por outro lado, não se vislumbra qualquer elemento objetivo que obste a considerar a valorização do bem na sequência da realização das referidas despesas, pelo que deverão as mesmas concorrer para o cálculo da mais-valia realizada. Improcedem, nessa medida, as razões trazidas à colação pela Requerida.

 

3.2.2.     Conformidade com o direito da União Europeia

 

No que respeita à questão de saber se o artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS é compatível com o artigo 63.º do TFUE, o Requerente invoca, entre outras as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T 644/2017-T, 590/2018-T, 600/2018-T, 63/2019-T, 74/2019-T, 787/2019-T, 823/2019-T e 820/2019-T. Em particular, cita a decisão arbitral no processo n.º 820/2019-T, onde se refere tratar-se de “uma questão sobre a qual a jurisprudência arbitral já se pronunciou em múltiplas ocasiões, quase sempre (apenas com uma excepção) no sentido de que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal e excluir dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro, viola a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE. No mesmo sentido, quer antes quer depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, se tem pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo, como se pode observar, por ex., nos seguintes arestos: Ac. de 16/1/2008 proferido no proc. n.º 439/06; Ac. de 22/3/2011 (proc. n.º 1031/10); Ac. de 30/4/2013 (proc. n.º 1374/12); Ac. de 3/2/2016 (proc. n.º 1172/14); Ac. de 20/2/2019 (proc. n.º 0901/11.0BEALM 0692/17).” Ainda com referência à mesma decisão arbitral, o Requerente destaca que “a Comissão Europeia enviou, a 24/1/2019, um parecer fundamentado a Portugal, solicitando a alteração da tributação das mais-valias de contribuintes não residentes, por entender que ‘Portugal tributa as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa de 28%, enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento. Em dois processos (C-443/06, Hollmann versus Fazenda Pública e C-184/18, Fazenda Pública contra Teixeira), o Tribunal de Justiça considerou este tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da UE e pelo Acordo Espaço Económico Europeu’. Ainda que Portugal tenha introduzido uma opção segundo a qual os não residentes podem ser equiparados a contribuintes residentes e 50% dessas mais-valias de fontes portuguesas possam ser tributadas a taxas progressivas de imposto sobre o rendimento, todavia, de acordo com a Comissão Europeia, ‘a jurisprudência da UE considera que a mera existência de uma opção de tratamento equivalente ao dos contribuintes residentes não corrige a infração se, por defeito, a tributação continuar a impor um encargo mais elevado aos contribuintes não residentes’”.

 

Por seu turno, realça o Requerente a decisão arbitral proferida no processo n.º 823/2019-T, onde se lê que “a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa, ao contrário do afirmado pela Requerida [...]. De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais: i. O regime que sujeita todos os rendimentos resultantes das mais-valias a uma taxa especial de 28% (cfr. artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do n.º 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS. Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa. Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo – considerando que estão em causa, naquele caso e nos presentes autos, a violação de liberdades de circulação previstas no TFUE (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º) – o seguinte: a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais; b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório»; c. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.”

 

Por seu turno, a Requerida alega que a “jurisprudência emanada deste CAAD [...] não é uniforme, como o Requerente quer fazer crer”, fazendo notar que “em sentido contrário ao sufragado pelo Requerente, e em situação similar à dos autos, o CAAD, no âmbito do Proc. 539/2018-T, entendeu, e bem, que “(…) ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.(…) não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas”.

 

Recorda ainda a Requerida que, “por força da alteração legislativa ocorrida em 2007, com vista a conformar a legislação nacional ao Direito Comunitário, as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes passaram a ter um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS”, pelo que, “[c]ompulsada a declaração de IRS entregue pelo Requerente verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foram assinalados os campos 4, 6 e 7”, sendo “[o] n.º 8, atual n.º 10, do artigo 72.º do CIRS [...] taxativo, no sentido do englobamento de todos os rendimentos obtidos nesse ano, quer em Portugal, quer no estrangeiro.” Assim, “[p]ara que o Requerente pudesse ser tributado pela taxa do artigo 68.º, ou seja, como residente, teria que ter preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro, opção que o Requerente, por seu livre arbítrio, não assinalou”, pelo que “não pode vir agora imputar tal responsabilidade à Requerida.”

 

Sobre a matéria em apreço, o TJUE foi recentemente chamado a pronunciar-se em sede de reenvio prejudicial, no âmbito caso MK (C-388/19), com origem num Tribunal Arbitral constituído sob a alçada do CAAD. No âmbito do referido processo, questionava-se se os artigos 18.° e 63.° a 65.° do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado‑Membro que, para permitir que as mais‑valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado‑Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado‑Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais‑valias realizadas por um residente do primeiro Estado‑Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

Tendo começado por afastar a relevância do artigo 18.º TFUE de acordo com o critério da especialidade, o TJUE utilizou a seguinte fundamentação que, pela sua clareza se transcreve:

 

«26. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando‑se de mais‑valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado‑Membro.

27. Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, as mais‑valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais‑valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais‑valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais‑valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando‑se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 37).

29. Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais‑valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais‑valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C‑443/06, EU:C:2007:600, n.° 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais‑valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31. Esta constatação não é posta em causa pelo n.° 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C‑632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.° 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais‑valias sobre a venda de imóveis.

32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais‑valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.»

 

Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.°, n.os 1 e 3, do TFUE, o TJUE recorreu à fundamentação que se transcreve:

 

«36. Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

[...]

39. Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais‑valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.»

 

Por último, quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes, o TJUE apresentou a seguinte fundamentação:

 

«42. Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C‑440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46. Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.»

 

Atento o exposto, e retomando a segunda questão com que nos confrontamos, atinente à existência de um eventual conflito de normas entre, por um lado, o regime da tributação de mais-valias imobiliárias auferidas por pessoas singulares, vigente à data dos factos, e, por outro, a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, tendo em conta a proximidade dos factos e a identidade das normas analisadas no caso MK (C-388/19), será de constatar o conflito de normas aludido, aderindo este Tribunal Arbitral à solução proposta pelo TJUE. Com efeito, a resolução preemptiva do referido conflito normativo em apreço passa por reconhecer primazia ao disposto no artigo 63.º do TFUE, afastando, em consonância com o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, a solução defendida pela Requerida.

 

4.            DECISÃO

 

Termos em que o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação parcial do ato de liquidação impugnado conforme pedido.

 

5.            VALOR DO PROCESSO

 

Nos termos do disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 121.089,75 (cento e vinte e um mil e oitenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos).

 

6.            CUSTAS

 

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 3.060,00 €, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa/CAAD, 26-4-2021

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

Fernando Araújo

Carlos Lobo