DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A insolvente A..., LDA., NIPC..., aqui representada pelo seu Administrador Judicial B..., inscrito na Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça com o número..., NIF..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ..., pertencente ao serviço de finanças de ..., sito na ..., n.º..., ..., ...-... ..., (doravante designados por Requerente, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à ilegalidade do acto tributário de liquidação consubstanciado na demostração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) do ano 2018, e bem assim, dos juros compensatórios, tudo no valor global de € 16.657,26 - dezasseis mil seiscentos e cinquenta e sete euros e vinte e seis cêntimos (em baixo melhor identificadas) (“Liquidação”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Autoridade Tributária”).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 28.02.2020 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 06.07.2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 05.08.2020.
6. A Requerente sustenta a procedência do seu pedido, em síntese, pelos seguintes argumentos:
Com referência ao período tributário de 2018, alega, em suma, a Requerente:
- A Requerente foi declarada insolvente, por sentença proferida no processo n.º .../ 17... GMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Guimarães-Juiz..., com data de 15/ 1112017;
a) O Serviço de Finanças de .... foi notificado, em 10/ 01/ 2018, para os efeitos do n.º 3 do artigo 65.º do CIRE, de que em Assembleia de Credores tinha sido deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, com a consequente extinção das obrigações declarativas fiscais;
b) Desde 2017, a Requerente não exerceu qualquer tipo de atividade ou proveito;
c) A Requerente foi declarada insolvente em 17 de novembro de 2017;
d) Assim, todos os bens foram apreendidos;
- Considera a Requerente que a liquidação em crise é ilegal por padecer de errónea qualificação e quantificação de rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários que lhe deram origem e, bem assim errónea a quantificação da matéria coletável;
- A importância em causa na liquidação foi apurada com base em métodos indiciários;
- A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não poderia aplicar estes a partir da cessação oficiosa, em sede IRC as pessoas coletivas insolventes só ficam obrigadas à entrega da declaração, respetiva liquidação e pagamento de imposto, relativamente aos períodos de tributação em que se verifica a existência de facto tributário sujeito a IRC;
- A AT não se deu ao trabalho de averiguar das liquidações de imposto de selo ou IMT, já que, dedicando-se à construção e venda de imóveis, e a existir atividade, deveriam também exi stir as ditas liquidações;
- Nos termos do n.º 2 do artigo 104.º da CRP, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real;
- Na sequência de pedido de pronúncia arbitral (CAAD, Proc. n.º 305/2019-T), referente ao IRC de 2017, com idênticos fundamentos, a AT veio revogar o respetivo ato de liquidação oficiosa.
Assim, em face do exposto e, pelas razões a seguir aduzidas, não podendo o conformar-se com a manutenção das liquidações de IRC sub judice, vem a Requerente deduzir o presente pedido de pronúncia arbitral.
7. Por despacho proferido em 17.10.2020, foram as partes notificadas de que, ao não haver lugar à produção de prova constituenda, por um lado, e ao não ter sido suscitada matéria de excepção, por outro, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.
8. Não havendo outras diligências instrutórias a realizar, notificaram-se igualmente as partes para a produção de alegações escritas no prazo simultâneo de 10 (dez) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. a partir da notificação do referido despacho.
9. As partes apresentaram alegações em que, no essencial, mantiveram as posições assumidas e desenvolvidas nos articulados.
II. SANEAMENTO
10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram alegadas pelas partes, nem existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.
III. DO MÉRITO
III. 1. MATÉRIA DE FACTO
III. 1.1. Factos provados
11. Atentos os documentos juntos pelo Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
i) Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Guimarães - Juiz ... de Guimarães, no dia 15-11-2017, pelas 11:20 horas, foi proferida sentença, já transitada em julgado, de declaração de insolvência da devedora: Imobiliária A..., Lda., NIPC - ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ... .
ii) Para Administrador da Insolvência foi nomeado B..., NIF..., com domicílio profissional na Rua ...,...; ... ...; ... ... ... .
iii) Conforme resulta da notificação realizada pelo Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz ..., em 10 de janeiro de 2018, foi o Serviço de Finanças de ... notificada para os efeitos do artigo 65.º n.º 3 do CIRE, de que em Assembleia de credores tinha sido deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente, aqui. Requerente, com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais, cfr. Doc. n.º 2.
iv) Em 28 de dezembro de 2019, foi gerada Demonstração de liquidação de IRC pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na página pessoal do representante da insolvente b..., que seria só aberta em 16 de Fevereiro de 2020, com identificação de documento 2019..., para efetuar o pagamento da importância apurada, proveniente da liquidação oficiosa de IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, no período de 2018, no valor de 16.657,26€ - dezasseis mil seiscentos e cinquenta e sete euros e vinte e seis cêntimos, cfr. Doc. n.º 3.
v) Conforme resulta do Relatório do Administrador nos termos do Art.º 155 do CIRE da insolvente, aprovado em Assembleia de Credores, com o voto favorável do distinto representante do estado, o Ministério Público, a aqui Requerente, durante o ano de 2017 não exercer qualquer tipo de atividade ou proveito, cfr. Doc. n.º4 (páginas 8, 17 e 21).
vi) Aliás, já em 20 de Janeiro de 2019, tinha sido o representante B..., Administrador Judicial notificado via caixa postal eletrónica da “Demonstração de Liquidação de IRC”, relativamente ao ano de 2017, com identificação de documento 2018..., para efetuar o pagamento da importância apurada, no valor de 16.825,20€ - dezasseis mil oitocentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos, e depois de recorrido a este mesmo Centro de Arbitragem Administrativa, a Autoridade Tributária e Aduaneira, viria a revogar o ato de liquidação oficiosa de IRC relativamente ao período de tributação de 2017, cfr. Doc. n.º 5.
III.1.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
12. Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo.
13. Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Questão que é objecto do processo
14. A questão de mérito que cumpre solucionar é a de saber se, como sustenta a AT, a liquidação de IRC deve manter-se com o fundamento, de que existindo indícios de rendimento/atividade no período tributário de 2018, impendia sobre a Requerente a obrigação de entrega da declaração modelo. 22 e, que ao não o fazer, bem andou a AT ao emitir a liquidação oficiosa, tanto mais que não consta do SGRC a inscrição do encerramento da atividade, quando tinha sido já proferida uma sentença de insolvência (Sentença datada de 15/11/2017, Processo nº .../17... GMR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz ...) e efetuada a comunicação a que alude o n. º 3 do artigo 65.º do CIRE, ao respetivo Serviço de Finanças.
Donde se mostra acertada a liquidação oficiosa empreendida pelos serviços para o ano de 2018, tendo-se a AT limitado a aplicar o quadro legal à realidade fatual, anteriormente descrita.
15. Ou, se como defende a Requerente, a liquidação deve ser anulada, porquanto não teve qualquer atividade económica geradora de rendimentos sujeitos à tributação de IRC durante o ano de 2018, pois a mesma encontra-se em fase de liquidação de insolvência, e declarada a insolvência da sociedade, cessa a prossecução do seu objeto social e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC, não mais havendo ativo imobilizado, nem existências enquanto tais, sendo apreendidos todos os bens que passam a incluir a massa insolvente.
16. Por conseguinte, defende a Requerente que a liquidação oficiosa de IRC “constitui uma ilegalidade por ser de errónea qualificação e quantificação de rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários que lhe deram origem e, bem assim, errónea a quantificação da matéria coletável.”
17. A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira:
- A AT emitiu a liquidação oficiosa de IRC relativamente ao exercício de 2018, porquanto não constava do SGRC a inscrição do encerramento da atividade da Requerente, quando tinha sido já proferida uma sentença de insolvência (Sentença datada de 15/11/2017, Processo nº .../17... GMR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz...) e efetuada a comunicação a que alude o n. º 3 do artigo 65.º do CIRE, ao respetivo Serviço de Finanças.
- Sustenta deste modo a sua actuação com os seguintes fundamentos:
8.
(…) Cumpre recordar que a Circular n.º 10/2015 de 9 de setembro, do Gabinete do Diretor Geral, veio esclarecer um conjunto de questões tributárias conexas com o processo de insolvência de pessoas coletivas, da qual faz parte um Guião Anexo, com vista a clarificar e facilitar o cumprimento das principais obrigações fiscais por parte dos administradores da insolvência ou de outros representantes de tais entidades.
9.
No ponto 3, alínea d) da dita Circular, refere-se que «A deliberação de encerramento do(s) estabelecimento(s) compreendido(s) na massa insolvente, a que se refere o nº 3 do artigo 65º do CIRE , sendo comunicada oficiosamente pelo tribunal, pode ser determinante da cessação de atividade para efeitos fiscais (IRC e IVA), no pressuposto de que a atividade da pessoa coletiva insolvente deixará de ser exercida e que, consequentemente, deixará de lhe ser exigível o cumprimento das obrigações fiscais especificamente emergentes da prossecução normal de uma atividade»;
10.
Por sua vez, para efeitos de cumprimento das obrigações fiscais de pessoas coletivas em situação de insolvência, o segundo parágrafo do n.º 2.1 do Guião anexo à Circular n.º 10/ 2015 dispõe que:
"Caso seja deliberado o encerramento de estabelecimento compreendido na massa insolvente e comunicado tal facto à AT pelo tribunal, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 65º do CIRE , é assumida a cessação oficiosa, prevista no nº 6 do artigo 8º do Código do IRC, pelo que, a partir desse momento, e sem prejuízo do cumprimento de obrigações decorrentes de factos tributários anteriores, as pessoas coletivas insolventes só ficam obrigadas à entrega da declaração periódica de rendimentos e à respetiva liquidação e pagamento do imposto, relativamente aos períodos de tributação em que se verifique a existência de qualquer fato tributário, sujeito a IRC, atendendo ao que dispõe o nº 7 do artigo 8º do Código de IRC. (sublinhado e realçado nossos).
11.
No que se refere à obrigatoriedade de entrega da declaração de rendimentos, clarifica a Informação n.º 1832/2015 de 27/11/2015, elaborada no âmbito do Processo n. º 3638/2015, com Despacho concordante da Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária - IR, datado de 03/12/2015, o seguinte:
"1.2. Apenas para os casos de cessação de atividade nos termos do nº 5 do artigo 8º do Código do IRC está previsto um prazo especial para a entrega da declaração de rendimentos (nº 3 do artigo 120º do Código do IRC).
(...)
1.4. Assim sendo, caso não ocorram outros eventos que alterem a condição de cessação oficiosa, a declaração de rendimentos relativa ao período de tributação em que, nos termos do CIRE, foi deliberado e comunicado o encerramento do estabelecimento, deve ser entregue nos prazos normais constantes do artigo 120º do Código do IRC, e só é obrigatória se, durante todo o período de tributação, tiver ocorrido qualquer facto gerador de imposto, o que, como se sabe, se considera verificado no último dia do período de tributação, de acordo com o disposto no nº 9 do artigo 8º do Código do IRC." (sublinhados nossos)
12.
Por conseguinte, surgindo evidência da obtenção de quaisquer rendimentos, torna-se mister que a Administração Fiscal procedesse à determinação do lucro tributável.
13.
No que ao caso se reporta, verifica -se o seguinte:
- O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime geral de tributação;
- No período de 2018 terá auferido determinados rendimentos, conforme resulta do teor da declaração mod. 10 em que é sujeito passivo, apresentada pelos contribuintes ... e..., no valor total de € 8.040 (documento junto aos autos);
- Conforme resulta do Sistema de Gestão de Documentos Comerciais (e fatura), no período de 2018 a Requerente, na qualidade de emitente, tem registadas 39 faturas, no valor total de € 12. 870 (documento junto aos autos).
14.
Cumpre salientar que, pelo Aviso n. º..., de 23/10/2019, foi comunicado ao sujeito passivo que, não tendo sido apresentada declaração de rendimentos (modelo 22), o não cumprimento desta obrigação, implicaria a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, tendo por base o maior dos seguintes valores: a matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a Administração Tributária e Aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; a totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; ou o valor anual da retribuição mínima mensal.
15.
A liquidação oficiosa foi notificada ao sujeito passivo (SECIN n. º 2019..., junto aos autos).
16.
Pelo exposto, e considerando o enquadramento do sujeito passivo, o disposto na Circular n.º 10/2015 e Informação n.º 1832/2015 de 27/11/2015 e ainda os elementos recolhidos, concluímos que não tem razão a Requerente.
17.
Existindo indícios de rendimento/atividade no período tributário de 2018, impendia sobre a Requerente a obrigação de entrega da declaração modelo. 22. Donde se mostra acertada a liquidação oficiosa empreendida pelos serviços.
- Conclui a AT sublinhando que” se limitou-se a aplicar o quadro legal à realidade fatual, anteriormente descrita, e que nesses termos deve o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado nos termos supra expostos, e, consequentemente, ser absolvida de todos os pedidos”.
III.2.2. Apreciação da questão
Vejamos,
1) A posição da requerente:
18. A Requerente considera que a Liquidação é ilegal, pretendendo a sua integral anulação e, para tal invoca os seguintes fundamentos:
- A Requerente foi declarada insolvente em 17 de novembro de 2017;
- Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 65.º do CIRE, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à Autoridade Tributária para efeitos da cessação da atividade, o que efetivamente aconteceu.
- Ora, sendo uma sociedade declarada insolvente, todos os seus bens são apreendidos, passando os mesmos a fazer parte da massa insolvente, que mais não são que um conjunto de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que, servem em exclusivo, depois de liquidados para com o seu resultado pagar, a todos os credores reconhecidos. Pelo que, caso o pagamento tivesse ocorrido, nunca haveria disponibilidade, dinheiro, para liquidar, neste caso o IRC.
- Em sede de resposta à contestação da AT, a Requerente veio salientar o seguinte:
(…) Quando o Administrador Judicial da insolvente, após a apreenção todos os bens e toda a documentação contabilística, da insolvente, verifica-se da existência de imóveis propriedade daquela que se encontravam arrendados, uns a pessoas singulares outros a pessoas coletivas.
Enquanto os bens da insolvente, em fase de liquidação da mesma não foram vendidos, como acabaram por ser, os arrendatários, que passaram depois de notificados para o efeito, a proceder ao pagamento das rendas à Massa insolvente da Imobiliária B..., Lda..
Pelo que o Senhor Administrador Judicial, como mandas as boas práticas, passou a emitir faturas e respetivos recibos, EM NOME DA MASSA INSOLVENTE, de todas as rendas que recebeu dos arrendatários da insolvente. Nada mais, cfr. Doc. 1 a 138.
Claro que esses documentos contabilísticos têm que ter um número de identificação fiscal, que é o mesmo da sociedade insolvente. Não há outra forma de resolver a situação.
A única situação que a AT, poderia chama atenção, foi para o facto de as arrendatárias que são sociedades comerciais terem efetuado retenção na fonte do montante das rendas. Mas aí claro que não interessava, pois, esse montante, se calhar indevidamente, entrou nos cofres da AT.
Chamamos atenção que estamos em fase de liquidação dos bens da insolvente.
O valor das rendas, que a AT chama de rendimentos, fazem parte dos bens a distribuir aos credores reclamantes, nos quais se inclui a AT.
Sem prescindir, conforme também já se referiu,
Nos termos do artigo 62.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o Administrador Judicial só é obrigado a apresentar contas dentro dos 10 dias subsequentes à cessação das suas funções, ou em qualquer estado do processo, sempre que o JUIZ o determine, e são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de todas as receitas e despesas.
A AT ao emitir uma nota de liquidação, praticou um ato discricionário, ilegal, pelo que tinha obrigação de saber que não o devia fazer, ainda por sima, nos termos em que o fez, usando métodos indiciários sobre um valor de 76.000,00€, quando ela mesma, apresenta um documento (Doc.2), que refere que a sujeita passiva apresentou rendimentos de 12.870,00€ no ano de 2018, e quando em 2017, 2016 e 2015 não apresentou rendimentos.
Conforme já referido, a sujeita passiva não pode conformar-se com tal liquidação, já que a aquela constitui uma ilegalidade por ser errónea a qualificação dos tributos que lhe deram origem e, bem assim, errónea a quantificação da matéria coletável.(…)
- Conclui que a liquidação de IRC 2018 constitui uma ilegalidade por ser de errónea qualificação e quantificação de rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários que lhe deram origem e, bem assim, errónea a quantificação da matéria coletável.
- Em apoio desta posição, refere ainda que em 20 de Janeiro de 2019, tinha sido o representante B..., Administrador Judicial notificado via caixa postal eletrónica da “Demonstração de Liquidação de IRC”, relativamente ao ano de 2017, com identificação de documento 2018..., para efetuar o pagamento da importância apurada, no valor de 16.825,20€ - dezasseis mil oitocentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos, e depois de recorrido a este mesmo Centro de Arbitragem Administrativa, a Autoridade Tributária e Aduaneira, viria a revogar o ato de liquidação oficiosa de IRC relativamente ao período de tributação de 2017.
2) A posição da Requerida:
19. Refere a Requerente que: “(…) Por seu lado, a AT alega, em síntese, que a Circular n.º 10/2015 de 9 de setembro, do Gabinete do Diretor Geral, veio esclarecer um conjunto de questões tributárias conexas com o processo de insolvência de pessoas coletivas, da qual faz parte um Guião Anexo, com vista a clarificar e facilitar o cumprimento das principais obrigações fiscais por parte dos administradores da insolvência ou de outros representantes de tais entidades.
- Que no ponto 3, alínea d) da dita Circular, refere-se que «A deliberação de encerramento do(s) estabelecimento(s) compreendido(s) na massa insolvente, a que se refere o nº 3 do artigo 65º do CIRE , sendo comunicada oficiosamente pelo tribunal, pode ser determinante da cessação de atividade para efeitos fiscais (IRC e IVA), no pressuposto de que a atividade da pessoa coletiva insolvente deixará de ser exercida e que, consequentemente, deixará de lhe ser exigível o cumprimento das obrigações fiscais especificamente emergentes da prossecução normal de uma atividade»;
20. Acrescenta mais adiante: “(…) para efeitos de cumprimento das obrigações fiscais de pessoas coletivas em situação de insolvência, o segundo parágrafo do n.º 2.1 do Guião anexo à Circular n.º 10/ 2015 dispõe que:
"Caso seja deliberado o encerramento de estabelecimento compreendido na massa insolvente e comunicado tal facto à AT pelo tribunal, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 65º do CIRE , é assumida a cessação oficiosa, prevista no nº 6 do artigo 8º do Código do IRC, pelo que, a partir desse momento, e sem prejuízo do cumprimento de obrigações decorrentes de factos tributários anteriores, as pessoas coletivas insolventes só ficam obrigadas à entrega da declaração periódica de rendimentos e à respetiva liquidação e pagamento do imposto, relativamente aos períodos de tributação em que se verifique a existência de qualquer fato tributário, sujeito a IRC, atendendo ao que dispõe o nº 7 do artigo 8º do Código de IRC. “
- Mais adianta que, no que se refere à obrigatoriedade de entrega da declaração de rendimentos, a Informação n.º 1832/2015 de 27/11/2015, elaborada no âmbito do Processo n. º 3638/2015, com Despacho concordante da Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária - IR, datado de 03/12/2015, é clara ao referir que:
"1.2. Apenas para os casos de cessação de atividade nos termos do nº 5 do artigo 8º do Código do IRC está previsto um prazo especial para a entrega da declaração de rendimentos (nº 3 do artigo 120º do Código do IRC).
(...)
1.4. Assim sendo, caso não ocorram outros eventos que alterem a condição de cessação oficiosa, a declaração de rendimentos relativa ao período de tributação em que, nos termos do CIRE, foi deliberado e comunicado o encerramento do estabelecimento, deve ser entregue nos prazos normais constantes do artigo 120º do Código do IRC, e só é obrigatória se, durante todo o período de tributação, tiver ocorrido qualquer facto gerador de imposto, o que, como se sabe, se considera verificado no último dia do período de tributação, de acordo com o disposto no nº 9 do artigo 8º do Código do IRC." .(…) “
21. Conclui a sua exposição, reiterando que se limitou a aplicar o quadro legal à realidade fatual, anteriormente descrita:
- “(..) Pelo exposto, e considerando o enquadramento do sujeito passivo, o disposto na Circular n.º 10/2015 e Informação n.º 1832/2015 de 27/11/2015 e ainda os elementos recolhidos, concluímos que não tem razão a Requerente.
- Existindo indícios de rendimento/atividade no período tributário de 2018, impendia sobre a Requerente a obrigação de entrega da declaração modelo. 22. Donde se mostra acertada a liquidação oficiosa empreendida pelos serviços.(…)”
3) Vejamos:
22. Nos presentes autos, a AT procedeu liquidação oficiosa de IRC relativamente ao ano de 2018.
Com efeito, considerou a AT que existindo indícios de rendimento/atividade no período tributário de 2018, impendia sobre a Requerente a obrigação de entrega da declaração modelo22 donde se mostra acertada a liquidação oficiosa empreendida pelos serviços.
Nessa medida, entendeu a AT que se limitou-se a aplicar o quadro legal à realidade fatual, considerando que as sociedades comerciais, até ao registo do encerramento da liquidação do activo, em processo de insolvência, se mantêm sujeitos passivos de imposto.
Coloca-se, pois, a questão de saber se a Requerente, insolvente, auferiu ou não rendimentos suscetíveis de serem sujeitos a tributação em sede de IRC.
23. Aqui chegados, importa chama à colação os ensinamentos da Jurisprudência recente sobre esta matéria controvertida, nomeadamente a decisão arbitral proferida no processo n.º 441/2019-T:
“(…) Já em sede de IRC, o STA pronunciou-se no sentido de que: “II - A venda que tem lugar nos autos de liquidação do activo da empresa, que foi declarada falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens da referida massa falida com vista à satisfação dos credores, em concurso universal. III - Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.” 5. De igual modo, entende o mesmo Alto Tribunal que: “I - A circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património não impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. II - Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC; todavia, se não ocorrer actividade económica não pode haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC.” 6. A jurisprudência referida retrocede a 2003, quando no acórdão de 29-10-2003, proferido no processo 01079/03, o STA julgou que: 5 Ac. de 03-11-2016, proferido no processo 0448/14. 6 Ac. de 08-11-2017, proferido no processo 0876/15. 28. “I - A venda de bens que integravam o activo imobilizado de uma sociedade entretanto declarada falida, efectuada nos autos de liquidação do respectivo activo, não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no artº 43º do CIRC. II - Com efeito, com a declaração de falência, não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada "...": um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos.”. Neste último aresto pode ler-se o seguinte: “Ora, como acima se referiu, a venda em causa teve lugar nos autos de liquidação do activo da empresa, uma vez decretada a respectiva falência. Pelo que, em rigor, se não trata da venda de bens do seu activo imobilizado. Trata-se, antes, da venda de bens da referida massa em ordem, nomeadamente e sobretudo, à satisfação dos credores, em concurso universal. Assim, a venda de bens da ..., não se integra no disposto no artº 43º do CIRC. Aliás, ainda por um outro caminho - afinal o seguido na sentença - se chega à mesma solução. É que - a haver lugar a tributação - não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à data da dissolução e com referência a todo o período de liquidação - cfr, aliás, o artº 65º do CIRC - da .... Como ali se refere, "a declaração de falência pressupõe uma situação claramente deficitária e que esta seja economicamente inviável" - artº 1º do CPEREF – “só através de uma ficção jurídica se poderia considerar lucro tributável o produto da alienação de património afectado ao pagamento de dívidas que já não consegue cobrir.” Por outro lado, admitir a tributação sem lucros, reais ou presumidos, seria claramente inconstitucional - artº 103º nº 3 e 104º nº 4º da Constituição da República. Ora, "a liquidação impugnada não levou em conta os prejuízos existentes à data da declaração de falência ... nem lhes faz qualquer referência". E, ainda que tal tivesse acontecido, como pretende a recorrente, "por inacessibilidade dos elementos de escrita" - cfr. conclusão V - ou por serem os prejuízos desconhecidos - cfr. conclusão VII - , isso não invalida o exposto. Não pode haver tributação de rendimentos ficcionados, sem consideração dos respectivos prejuízos, sob pena de inconstitucionalidade, nos referidos termos. Aliás e fundamentalmente, a Administração Fiscal efectuou a liquidação em termos muito próximos do revogado CIMV. Ou seja, considerou as mais-valias e os custos da venda (menos-valias!) de modo totalmente desintegrado do rendimento global. Como é sabido, aquele diploma legal consagrava uma tributação autónoma em relação à Cont. Industrial - cfr. seu artº 1º e artº 25º do CCI. Mas não assim no CIRC e no CIRS. Aí, adoptou-se, para efeitos fiscais, uma noção mais ampla de rendimento - o chamado rendimento acréscimo, - que não o rendimento produto - que "abrange "não só os ganhos resultantes da actividade produtora, como outros ganhos alheios a ela" e, por conseguinte, também as mais-valias realizadas". Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª edição, citada na sentença. Ora, o ac. do STA, de 12-10-94, in BMJ 440 pag 203, ao decidir que, apesar de declarada a falência de uma sociedade comercial, os ganhos resultantes nas alienações do respectivo activo imobilizado, obtidos no domínio do CIMV, são imputáveis à sociedade, ficando, por isso, sujeitos ao respectivo imposto, insere-se naquele conceito de rendimento vigente naqueles diplomas mas agora abandonado nos novos impostos sobre o rendimento. Como se disse, a tributação das mais-valias assim obtidas deixou de ser autónoma para se integrar no rendimento global da empresa, onde terão de ser considerados tanto os proveitos como os custos ou perdas - artºs 20º e 23º do CIRC.”. No já citado Acórdão de, pode, ainda, ler-se que: “Na verdade, do teor do relatório de inspeção constata-se que a Administração Tributária considerou a existência de “proveitos” para a sociedade advindos da venda de bens do seu ativo imobilizado no âmbito do processo de falência, venda essa realizada pelo respectivo Liquidatário Judicial no âmbito do respectivo processo falimentar. A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial, no entendimento de que o produto da venda desses imóveis configura a venda de bens da massa falida em ordem à satisfação dos credores, em concurso universal, não integrando o conceito de proveitos nos termos e para os efeitos do CIRC. Isto é, a liquidação efectuada à sociedade comercial seria ilegal, por inexistência de facto tributário, atento o facto de tal sociedade não ter auferido rendimentos ou proveitos passíveis de tributação em IRC no exercício em causa e não ser admitida a tributação (real ou presumida) sem a sua existência. Tal como nela se deixou afirmado, apesar de a sociedade dissolvida continuar a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, sendo de acolher a posição plasmada no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09, o certo é que «decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC — cfr. artºs 1º e 3º do CIRC — deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos. Assim, a venda dos bens imóveis ocorrida em 2008 não configura uma venda de bens do ativo imobilizado da falida (que deixou de existir como tal) mas antes a venda de bens da massa em ordem à satisfação dos credores, em concurso universal, não integrando, por isso, o conceito de mais-valias previsto no artº 43º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos — cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2003, recurso nº 01079/03. Uma vez que os únicos rendimentos considerados para efeitos da liquidação oficiosa de IRC do ano de 2008 foram os relativos à venda dos mencionados bens imóveis, que a AT qualificou e tributou como mais-valias, procede, neste ponto a alegação do Impugnante.». (...) Ora, apesar não terem sido cumpridas obrigações fiscais declarativas – e que se mantinham conforme doutrina citada na sentença e que encontra acolhimento no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09 – o certo é que a venda que tem lugar na fase de liquidação do activo de empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens de um património autónomo (massa falida) que visa a satisfação dos credores em concurso universal. E o incumprimento de obrigações declarativas, ainda que permita à Administração Tributária averiguar, através de acção inspectiva (como aconteceu no caso) se a empresa tinha ou não continuado a exercer actividade económica e, no caso afirmativo, proceder à determinação do lucro tributável em sede de IRC, não integra fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento. Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável. Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC. Todavia, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC, como bem se deixou explicitado no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03. Com efeito, a venda que tem lugar nos autos de liquidação do activo da empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens da massa falida com vista à satisfação dos credores, em concurso universal, e que não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no art.º 43º do Código do IRC. Como se deixou frisado naquele acórdão proferido no recurso nº 01079/03, com a declaração de falência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”, que constitui um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos.”.
Assim, é de entender, quanto à jurisprudência citada, que incidiu sobre matéria de IRC, verifica-se, entre os casos julgados pelo STA e a situação sub iudice, uma diferença substancial, que se prende com a circunstância de aquela jurisprudência se ter debruçado sobre a tributação de rendimentos qualificáveis como mais-valias, o que não é o que acontece nos presentes autos, dado que a Requerente era uma pessoa colectiva que tinha como objecto a promoção imobiliária, pelo que os imóveis em causa não integrariam o seu activo imobilizado, como aconteceu nos casos em que o STA se pronunciou, mas nos seus activos circulantes, tendo sido contabilizados, justamente, pela Requerente como Mercadorias, e tratados como tal no RIT, que os tratou como Mercadorias Vendidas. Não obstante o exposto, julga-se ser possível retirar da jurisprudência exposta, relativa a IRC, ensinamentos suficientes para a decisão a proferir nos presentes autos. Assim, e como se referiu no Acórdão do STA de 29-10-2003, proferido no processo 01079/03, em termos acolhidos na jurisprudência subsequente, a haver lugar a tributação não podiam deixar de deduzir-se os prejuízos fiscais anteriores à data da dissolução e com referência a todo o período de liquidação, tendo em mente que a declaração de insolvência pressupõe uma situação claramente deficitária em que o sujeito passivo se encontra, à partida, numa situação economicamente inviável. Por outro lado, e como se refere, nos mesmos termos, no mesmo acórdão, a tributação em IRC incide sobre o rendimento global da empresa, para cujo cômputo terão de ser considerados tanto os proveitos como os custos ou perdas. No caso, o que se verifica é que a AT liquidou o imposto, exclusivamente, tendo em conta o Custo das Mercadorias Vendidas e das Matéria Consumidas, não tendo considerado, ponderado, ou feito qualquer menção a outras componentes relevantes para o cômputo do rendimento global da Requerente e, designadamente, à valoração dos prejuízos fiscais que, nos termos da Lei, seriam susceptíveis de influir, negativamente, no referido cômputo. Ora, na situação sub iudice, o ónus da prova dos factos que justificam as liquidações oficiosas ora sindicadas, impende sobre a Autoridade Tributária, já que nos termos do art.º 74.º/1 da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Efectivamente, como se refere no Acórdão do TCA-Norte de 26-04-2018, proferido no processo 01762/11.5BEPRT, “Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.”. A esta luz, e tendo presente o previamente exposto, não se poderá concluir de outra forma, julga-se, que não a verificação de uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários subjacentes às liquidações sub iudice. Com efeito, e como se apontou no sobre-citado Acórdão do STA de 29-10-2003, proferido no processo 01079/03, a declaração de insolvência pressupõe uma situação claramente deficitária em que o sujeito passivo se encontra, à partida, numa situação economicamente inviável. Deste modo, incumbiria à Autoridade Tributária “indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material” 7, designadamente, apurando da existência, ou não, de prejuízos fiscais reportáveis e procedendo à respectiva quantificação, de forma directa, se possível, ou indirecta, se necessária. Não o tendo feito, não é possível afirmar, para lá da dúvida razoável, a existência dos factos tributários subjacentes às liquidações ora sindicadas, nem, muito menos, o acerto da sua quantificação. Desse modo, por imposição do art. 100.º/1 do CPPT, deverão ser anuladas as referidas liquidações, procedendo, por isso, o pedido arbitral e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente(…)”.
24. Sem prejuízo de os factos visados nos presentes autos se revestirem de características distintas, impõe-se constatar que a Requerente se encontrava em fase de liquidação, e os valores recebidos pela Massa Insolvente fazem parte dos valores a distribuir aos credores reclamantes, incluindo a AT.
- O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo Proc.: 01431/13, pronunciu-se no seguinte sentido:“Declarada a insolvência da sociedade comercial não é possível a determinação da matéria tributável por via dos métodos indirectos, mesmo que o Liquidatário não apresente a documentação e declarações respectivas. O critério da “média da rentabilidade declarada pelos contribuintes do sector de actividade” pressupõe que a sociedade esteja ainda a operar no mercado concorrencial próprio do seu objecto de negócio, uma vez que tal rácio de rentabilidade tem como pressuposto que as empresas se encontrem a operar em condições normais.”(sublinhado e bold nosso).
25. Assim, que para o que releva para o caso vertente, não se pode deixar de considerar que «decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC — cfr. artºs 1º e 3º do CIRC — deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos.
26. Assiste, pois, razão à Requerente quando refere que “(…) e o processo de insolvência da sujeita passiva se encontrava e encontra em fase de liquidação, os valores recebidos pela Massa Insolvente, que a AT apelida de “rendimentos”, fazem parte dos valores a distribuir aos credores reclamantes, incluindo a AT. (…)”.
IV. CONCLUSÃO
29. Deste modo, atento o acima exposto, deverá ser anulada a liquidação de IRC, procedendo, por isso, o pedido arbitral.
V. DOS JUROS COMPENSATÓRIOS
Atenta a ilegalidade da liquidação de IRC para o ano de 2018, deverá a correspondente liquidação de juros compensatórios ser anuladas.
Determina a jurisprudência consistente dos tribunais superiores que os juros compensatórios só serão devidos se existir facto culposo do contribuinte, o que não é o caso.
Não tendo sido apurada culpa da Requerente que permitisse a liquidação dos juros compensatórios em crise, deve a mesma ser anulada.
VI. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral em Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular o acto de liquidação de IRC n.º 2019... referente ao exercício de 2018 da Requerente, e respectiva liquidação de juros compensatórios;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
VII. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 16.657,26.
VIII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23 de Abril de 2021
O Árbitro
(Maria da Graça Martins)