Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 118/2020-T
Data da decisão: 2021-04-12  IRC  
Valor do pedido: € 36.513,31
Tema: IRC – Período de tributação diferente do ano civil; Facto tributário: Alteração de taxa do IRC; Aplicação da lei no tempo.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 23 de março de 2022, recurso n.º 59/21.7BALSB.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

I – RELATÓRIO

 

A.

1.            No dia 21 de fevereiro de 2020, a A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ... – ..., ... ... ..., Oeiras (Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), pedindo i) a anulação do ato de indeferimento tácito do procedimento de revisão oficiosa; e consequentemene, ii) a anulação parcial da liquidação de IRC do período de tributação de 2014; iii) ser a AT condenada a restituir à Requerente o imposto indevido de € 36.513,31, acrescido de juros indemnizatórios e respetivas custas do processo.

2.            No dia 24 de fevereiro de 2020 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.            Em 6 de julho de 2020 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 5 de agosto de 2020.

6.            No dia 12 de outubro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.

7.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.

8.            Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art. 21.º, 1, do RJAT, com a prorrogação que o n.º 2 admite.

9.            Entretanto, a 19 de março de 2021 foi proferido despacho para que a Requerente se pronunciasse sobre as exceções alegadas pela AT.

10.          A Requerente veio responder às exceções no dia 26 de março de 2021.

11.          O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tendo sido alegadas exceções iremos apreciá-las prioritariamente e, depois, sendo oportuno, o mérito da causa.

 

B. Posição das partes

 

                Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil. Daí que, e com relação ao exercício de 2014, o período de tributação iniciou-se a 1 de outubro e terminou a 30 de setembro de 2015. A 26 de fevereiro de 2016 a Requerente submeteu o Modelo 22 referente ao período de tributação de 2014. O sistema informático da AT aplicou automaticamente a taxa de IRC de 23% pelo que a coleta foi de 419.903, 00 euros. Ora, a taxa de IRC deveria ter sido de 21%, porque era esta que se encontrava em vigor à data de 30 de setembro de 2015 ao abrigo do disposto no artigo 192.º da Lei 82-B/2014 de 31 de dezembro, que publicou o Orçamento de Estado para 2015. Aplicada a taxa de 21% teria sido apurada uma coleta de 383.389,69 euros. Deste modo, é indevida a liquidação e pagamento adicional de 36.513,31 euros. Na perspetiva da Requerente, o facto tributário ocorreu a 30 de setembro de 2015, o último dia do ano do exercício fiscal, de acordo com o disposto no art. 8.º, 9, CIRC. Tendo em conta que a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015 e que a taxa de IRC em vigor a 30 de setembro de 2015 era de 21%, então só se pode concluir que o montante da coleta de IRC devido pela Requerente com referência ao período de tributação de 2014 deverá ascender a € 383.389,69 (€ 1.825.665,21 x 21%), e não a € 419.903,00 (€ 1.825.665,21 x 23%) como foi considerado na liquidação de IRC em crise.

Consequentemente, a AT incorreu em vicio de violação de lei ao aplicar a taxa de IRC de 23% pelo que deve a liquidação de IRC 2014 ser parcialmente anulada, tendo a requerente direito à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

                Por sua vez, a AT defende-se por exceção e por impugnação.

                Por exceção, alegando incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa. Para a Requerida,  o ato que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pedido que, tendo sido tacitamente indeferido, não promoveu pronúncia expressa. Assim sendo, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação.

                Por exceção ainda, alegando a caducidade do direito de ação, pois, na sua perspetiva, o ato tributário de autoliquidação impugnado nos presentes autos reporta-se ao exercício de 2014 (período de tributação 01-10-2014 a 30-09-2015), o qual foi pago a 29-02-2016, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado e instaurado apenas a 25-09-2019. O art. 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado nos ns. 1 e 2 do art. 102..º, nos 1 e 2 do CPPT. Desse normativo, e com relevância para o caso dos autos, retira-se que o estipulado prazo de 90 dias seria contado da notificação de liquidação ora impugnada — cf. alínea b) do n.º 1 do art. 102.º, n.º 1 do CPPT — pelo que o pedido de pronuncia arbitral é intempestivo.

                E ainda, por exceção, alegando incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição do imposto pago, pois o Tribunal Arbitral, caso venha a decidir um reembolso que só deve ser quantificado pela AT, nomeadamente em sede de execução do julgado, terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral, nomeadamente, o Tribunal Arbitral não poderá julgar ser devido tal montante sem relevar os factos atinentes ao pedido em concreto.

Já por impugnação, a Requerida defende que a taxa de IRC para o período de 2014 é de 23%, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de janeiro de 2014, dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 janeiro, que implementou a Reforma do IRC. Donde se conclui que, para o período tributário de 2014, a taxa é de 23% para todos os sujeitos passivos, quer iniciem em 01/01/2014, quer em data posterior. Assim, a taxa a aplicar, independentemente de o ano de tributação começar em 01.01.2014 e terminar em 31.12.2014 ou começar em 01.10.2014 e terminar em 30.09.2015 (como sucede no caso em apreço), sempre será a definida para o exercício de 2014. E, para o período de 2015, nos termos do n.º 1 do art. 87.º do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a taxa de IRC era de 23%, não sendo a data de encerramento do exercício de 2014 que determina a taxa aplicável, mas sim a taxa aplicável ao exercício de 2014, que é de 23% e não de 21%. Para sustentar a sua tese cita, entre outros, a decisão arbitral n.º 411/2019-T e a decisão arbitral n.º 893/2019-T.

                Conclui pedindo que seja julgada procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal, ou, caso assim não se entenda, ser julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação; ou, caso assim não se entenda, ser julgada procedente a exceção de incompetência material do tribunal para apreciar e decidir do pedido de reconhecimento do direito à restituição do imposto pago; ou, caso assim não se entenda, ser julgado improcedente, por não provado, o presente pedido de pronúncia arbitral, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

                Em resposta, veio a Requerente rebater as alegadas exceções, mantendo a posição que inicialmente tinha defendido.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A) A. A Requerente é sujeito passivo de IRC, iniciou a sua atividade em 15/06/2009 e encontra-se inscrita no cadastro para as seguintes atividades: i) COM. GROSSO PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA VEICULOS AUTOMÓVEIS (CAE Principal 45310); ii) MANUTENÇÃO E REPARAÇÃO DE VEICULOS AUTOMÓVEIS (CAE Secundário 1045200); iii) COM. RET.NÃO ESPEC., S/PRED.PROD.ALIM., BEBIDAS TABACO,GR.ARM (CAE Secundário 2 047191).

B) O seu objeto social consiste, essencialmente, na comercialização e distribuição por grosso e a retalho de todos os artigos, bens de consumo, incluindo peças sobressalentes e acessórios para automóveis, destinados a todo o tipo de veículos.

C) Para efeitos de IRC encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, e para efeitos de IVA no regime normal mensal.

D) A Requerente integra o grupo empresarial internacional B..., sedeado em França, grupo que adota um ano fiscal não coincidente com o ano civil, iniciando-se o mesmo a 1 de outubro de n e terminando a 30 de setembro de n+1.

E) A Requerente tem vindo a adotar o mesmo ano fiscal, iniciando-se aquele a 1 de outubro de n e terminando a 30 de setembro de n+1.

F) A Requerente submeteu a declaração de rendimentos Mod. 22 respeitante ao período de tributação de 2014 (o qual decorreu entre o dia 1 de outubro de 2014 e o dia 30 de setembro de 2015), n.º..., no dia 29 de fevereiro de 2016.

G) Foi indicada a taxa de 23%, por ser a pré-definida no sistema informático.

H) Tal declaração deu origem à liquidação n.º 2016... .

I) Na autoliquidação de imposto relativa ao período de tributação de 2014 a Requerente apurou uma matéria coletável no valor de € 1.825.665,2.

J) O montante total da coleta de IRC ascendeu a € 419.903,00, que resulta da aplicação de uma taxa de 23%.

K) Tal coleta foi calculada pelo sistema informático da AT como devido pela Requerente no período de tributação de 2014.

L) Considerando uma taxa de IRC de 21%, a coleta seria de € 383.389,69.

M) A Requerente promoveu um pedido de revisão oficiosa do ato tributário junto do Serviço de Finanças de Oeiras - ..., pedindo o apuramento de uma coleta corrigida de IRC no montante de 383.389,69 euros e o reembolso de 36.513,31 euros, tendo sido aposto carimbo com data de entrada a de 25 de setembro de 2019.

N) A Requerida nunca se pronunciou sobre o pedido referido no ponto anterior.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

                Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

                Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

                Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, do CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

                B.1 - Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa

                Alega a Requerida que não se verificou pronuncia expressa por parte da AT, pois ocorreu indeferimento tácito, pelo que não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação. Dito de outra forma, em momento algum a AT se pronunciou sobre o mérito da questão que lhe foi colocada aquando do pedido de revisão de ato tributário por erro na autoliquidação.

                Ora, sendo assim, estando nós perante um ato administrativo que não pode ser sindicável por não ter apreciado a legalidade do ato de liquidação, não pode o mesmo ser objeto de impugnação judicial, nos termos do art. 97.º, 1, a), CPPT.

                Em particular, a AT cita o acórdão arbitral 707/2019-T, nomeadamente, o seguinte segmento:

                À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.o 1 do artigo 97.o do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adotado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( 5 )1

                Por outro lado, esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido» (artigo 145.o, n.o 3, do CPPT).

                Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes atos." (o negrito é original).

                Vejamos.

                Escalpelizando o referido acórdão arbitral 707/2019-T, dele resulta (também) o seguinte, sob o subtítulo Questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação de indeferimentos tácitos de recursos hierárquicos:

                "(...) São diferentes as situações em que ocorre o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa e aquele em que há indeferimento tácito de um recurso hierárquico. O indeferimento tácito, que é um conceito que ainda vigora no contencioso tributário (depois de ter sido abandonado no contencioso administrativo, na reforma de 2002/2004), não constitui um acto, mas uma presunção destinada a permitir aos contribuintes a impugnação contenciosa ou administrativa, nos casos em que pretendem utilizar meios processuais que têm um acto como seu objeto, como se infere do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT. Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa através de um meio processual que tem por objecto um acto, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado. No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa às questões de legalidade colocadas pelo impugnante. Por isso, presume-se que o indeferimento tácito de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais."

                Com efeito, quando se verifica indeferimento tácito, até por razões ontológicas, não ocorre uma apreciação expressa da legalidade do ato em análise. O que se verifica é uma ficção. Uma ficção que vai no sentido de ser negativa (de rejeição) a resposta à questão colocada pelo reclamante. Daí ser um indeferimento. Não se verifica indeferimento expresso mas tácito o que, para os presentes efeitos, é exatamente o mesmo.

                Aliás, a Reclamante, e bem, cita o acórdão arbitral 809/2009-T que caminha no mesmo sentido: "Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral."

                No mesmo sentido, cf. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, AAVV, Almedina, 2017, pp.106, ss. "Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º. 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão de ato tributário".

                E, mais à frente, pp. 132, ob. cit., o mesmo AA refere "O indeferimento tácito não é um ato, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso os meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado no n.º 5.º do art. 57.º, LGT.

                Apesar de o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o n.º 1 do seu artigo 10.º do RJAT faz referência aos <factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário> e a <formação da presunção de indeferimento tácito> vem indicada na alínea d) do n.º 1 deste artigo 102.º"

                Deste modo, vamos no sentido de considerar que o art. 95.º, 2, d), LGT, ao tratar do mesma forma os indeferimentos expressos e tácitos, permite também que o meio de reação do contribuinte seja o mesmo, independentemente da natureza do indeferimento.

                Nestes termos, improcede a alegada exceção.

 

                B.2. - Da incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição do imposto pago

                A AT considera que o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributaria seja reconhecido, pois a quantia exata a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, só pode ser quantificado pela AT em sede de execução de julgado.

                Para situações idênticas já se pronunciaram diversos acórdãos, entre eles o já citado 809/2009-T, presidido pelo Cons.º Lopes de Sousa.

                Conforme se extrai, do art. 24.º, RJAT resulta o seguinte:

                "1 – A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

                a) Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral;

b) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;

                c) Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

                d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

                Como resulta da conjugação do corpo no n.º 1 com a sua daquele alínea b) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

                Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

                Entre essas competências incluem-se a de, na sequência de anulação do acto de que é objecto de impugnação judicial, proferir condenação da «Administração Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios», como é entendimento jurisprudencial pacífico do Supremo Tribunal Administrativo.

                Também o Tribunal Central Administrativo Sul tem apreciado especificamente esta questão de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo decidido uniformemente no sentido afirmativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 25-06-2019, processo n.º 044/18.6BCLSB, e de 22-05-2019, processo 7/18.1BCLSB.O regime legal do reconhecimento de juros indemnizatórios confirma este entendimento. Na verdade, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea". Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, o que tem ínsita a possibilidade de reconhecimento do direito a reembolso da quantia paga indevidamente paga, que é pressuposto da existência daqueles juros."

                Face ao exposto, tese a que aderimos, improcede também a alegada exceção.

 

 

                B.3. - Da caducidade do direito de ação

                Argumenta a Requerida a intempestividade do pedido de pronuncia arbitral, pois o prazo para apresentação do pedido de pronuncia arbitral é de 90 dias, nos termos do disposto no art. 10.º, RJAT, considerando o início da sua contagem o disposto no art. 102.º, 1, 2, CPPT (da notificação da liquidação do IRC 2014).

                A Requerida não coloca em causa a tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente mas sim a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, considerando a data da notificação da liquidação do IRC 2014.

                Com efeito, resulta dos autos que o pedido formulado pela Requerente é, em segundo grau, o de anulação do ato de indeferimento tácito do procedimento de revisão oficiosa e, em primeiro grau, e consequentemente, o de anulação parcial da liquidação de IRC do período de tributação de 2014.

                O pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 25 de setembro de 2019. Verifica-se um dever de decisão, nos termos do art. 56.º, LGT. Nos termos do art. 57.º, 5, idem,  o indeferimento tácito ocorreu a 25 de janeiro de 2020. Dispõe o art. 102.º, 1, e), CPPT, que os três meses contam-se a partir (...) da formação da presunção de indeferimento tácito. Tendo sido apresentado pela Requerente o pedido de constituição de tribunal arbitral a 20 de fevereiro de 2020, não tinham ainda decorrido os 90 dias que determina o art. 102.º considerando a data de indeferimento tácito.

                A tese defendida pela Requerida quanto ao tema da caducidade do direito de ação tinha como pressuposto a incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer de ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa (basta verificar que a AT cita, para sua defesa, entre outros, o acórdão 707/2019-T). Já vimos que não é esse o entendimento que perfilhamos.

                Deste modo, não vemos como o pedido apresentado é intempestivo, pelo que, também aqui, falece a exceção alegada pela Requerida.

               

                B.4. - Do mérito

                Ultrapassadas as exceções levantadas, vejamos a questão de mérito: a aplicação ou não de uma taxa de IRC de 21% estabelecida com a entrada em vigor da Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro, para um período de tributação que teve o seu início a 1 de outubro de 2014 e o seu termo a 30 de setembro de 2015, considerando que, no ano de 2014, a taxa de IRC era de 23%.

                Esgrima a Requerente que, considerando a taxa em vigor à data de 30 de setembro de 2015 e ocorrendo o facto gerador no último dia do período de tributação, a taxa de IRC a aplicar só pode ser a de 21% e não a taxa de IRC que vigorava em 2014 (23%), desde logo, porque o legislador não estabeleceu na citada Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro, qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, o que permite concluir, repita-se, que "o legislador pretendeu a aplicação das regras gerais acima referidas, das quais resulta a aplicação da nova taxa de IRC a todos os períodos de tributação iniciados ou em curso a 1 de janeiro de 2015."

                Por sua vez, defende a Requerida que "nos termos do art. 8.º n.º 1 do CIRC, o IRC é devido por cada período económico, e, sendo um imposto periódico, o facto gerador produz-se de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, tendendo a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar." E, mais à frente, "Ainda que o n.º 9 do mesmo normativo disponha que o facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação, certo é que também não o podemos subsumir a um facto de natureza instantânea.".

                Para a Requerida, a taxa de IRC a aplicar é a em vigor aquando do início do período de tributação e não aquando do termo desse período.

                Vejamos.

                Postula o art. 1.º, CIRC, que "O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código".

                De acordo com o art. 8.º, CIRC, embora a regra seja a de cada período de tributação coincidir com o ano civil, as pessoas coletivas "podem adotar um período anual de imposto diferente do estabelecido no número anterior, o qual deve coincidir com o período social de prestação de contas, devendo ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos."

                Determina ainda o citado art. 8.º, mas no seu n.º 9, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação".

                Por sua vez, positiva o art. 12.º, LGT, que "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."

                A Lei 2/2014, de 16 janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, determina no seu art. 14.º, que "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014."

                A Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro, prescreve, no seu art. 192.º, uma alteração ao art. 87.º, 1, CIRC, fixando a taxa de IRC em 21%. De acordo com o disposto no art. 261.º, idem, a alteração introduzida entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015. No regime anterior a taxa de IRC era de 23%.

                Com efeito, o IRC é um imposto periódico, porque incide sobre os rendimentos obtidos "no período de tributação" pelo SP. O facto gerador consolida-se, na realidade, de modo sucessivo, pois só é liquidável após o decurso do período de tributação, tendo em consideração que ocorre uma distância temporal entre o momento da produção do facto e a criação do respetivo imposto. Daí que o legislador estabeleceu um momentum em que, para os devidos efeitos, o facto ocorre ou se verifica: no último dia do período de tributação (art. 8.º, 9, CIRC). Só poderia ser assim, pois o lucro tributável sujeito a imposto, grosso modo, constitui o resultado algébrico da diferença entre os valores do património liquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC.

                Ora, apenas considerando este posicionamento e a ausência de disposição transitória da Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro, facilmente se concluiria no sentido de dar razão à Requerente. Aliás, este entendimento é confirmado pela decisão arbitral 179/2018-T.

                Acontece, no entanto, que a questão é mais complexa do que aparenta, ao exigir considerar o período de tributação vs o facto gerador de imposto mas acima de tudo a interpretação do art. 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, correlacionada com a interpretação do art. 261.º, da Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro, inserida no problema da sucessão das leis no tempo.

                Ironicamente, aquilo que passa por ser o argumento central da Requerente (a ausência de norma transitória na Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro, contrariamente ao que se verificou no passado, para situações idênticas) é, na verdade, o que leva, in casu, a que não lhe possa ser dada razão. O tema foi escalpelizado muito recentemente nas decisões arbitrais ns. 411/2019-T e 893/2019-T.

                Vejamos o cristalizado pela decisão 411/2019-T.

                "Efectivamente, julga-se, o ponto de partida da determinação do critério decisório a aplicar deverá situar-se, não na alteração da taxa de IRC pela Lei do Orçamento de Estado para 2015, no momento da sua entrada em vigor, e na determinação do momento da verificação do facto tributário sujeito a imposto pela liquidação sub iudice, mas no teor normativo do art.º 14. da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dispor que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”, norma esta em que a Requerida estriba, essencialmente, o entendimento pelo qual pugna.

                Efectivamente, não estará, em primeira linha, em questão apurar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21% -que era, como refere a decisão acima transcrita –nem apurar se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação ora em crise se deu naquela data –que se deu, como também aquela decisão o demonstra –mas, antes, apurar se, e em que medida, a norma do supra-referido art.º 14.º estava, ou não em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.

                É que, se se considerar que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015 (no caso sub iudice, 30 de setembro de 2015), por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra.

                Deste modo, dever-se-á começar por definir o sentido e alcance do art.º 14.º em questão.

                Antes de mais, e a este respeito, convirá notar que a redacção do mesmo não é a mais feliz.

                Com efeito, situando-nos apenas na letra da norma em causa, verifica-se, desde logo, que a mesma comportaria a interpretação de que, por exemplo, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de2013.

                Por outro lado, e situando-nos ainda no plano da letra da lei, também se poderia concluir que da mesma resultaria que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2015 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º tivesse sido revogado, o que, sem prejuízo do quanto adiante se dirá, não ocorreu, pelo menos expressamente.

                Do exposto resulta que, em ordem a apreender devidamente o sentido do enunciado normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, o intérprete tem de recorrer a outros elementos que não a letra da lei.

                Assim, a referência, no art.º 14.º em análise, “aos  períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”, não deverá, sob o ponto de vista lógico, ser visto como um, passe a expressão “pleonasmo” jurídico, devendo antes ser indagada a intencionalidade e o sentido (ou seja a teleologia) de tal expressão.

                Sob este ponto de vista, deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, imposto estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas).

                Daí que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.

                Ou seja, interpretado desta forma, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretende dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando atributação não tenha por base aqueles.

                Já no contexto sistemático, aquela norma deve ser compreendida como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que dispõe, no que para o caso interessa, que: “1 -As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos. 2 -Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”.

                Efetivamente, aquele art.º 14.º, veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.

                Sob este ponto de vista, a abrangência, que o elemento literal da interpretação acolhe, pelo art.º 14.º em questão, de períodos de tributação subsequentes a 2014, não assumirá qualquer relevância, na medida em que se sobrepõe ao que já resultaria do art.º 12.º da LGT.

                Daí que, ponderado o quanto previamente se expôs, o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.

                Delimitado assim o sentido normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, cumpre, então, apurar se, a 31 de Janeiro de 2015, o mesmo se encontrava em vigor.

                Ora, como se adiantou atrás, não existe qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, sendo que, seguramente, a Lei n.º 82-B/2014 não o faz.

                Daí que a conclusão a retirar deva ser a deque aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.

                Não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele.

                Sem prejuízo do que vem de se dizer, sempre se chegaria à mesma conclusão por uma outra via.

                Efectivamente, e como se indicou já, a questão verdadeiramente fulcral para o sentido da decisão a proferir no caso sub iudice será a de saber se a o art.º 14.º da Lei 2/2014 estava, ou não vigente a 31 de Janeiro de 2015.

                E, como também se apontou antes, a Lei do Orçamento para 2015, não contém nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto naquele art.º 14.º, sendo que, ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supra-citada, não deverá, de per si, ter-se como evidenciadora de uma intenção revogatória.

                Acresce que o art.º 14.º em questão, não se reporta exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.

                Daí que, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC

                Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei.

                Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado2, “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”.

                Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:“A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial.

                Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global). Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da abrogação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.

                No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral-artº 7, nº 3 do CCivil – só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador.

                Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”.

                Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.

                Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.

                Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o art.º 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da actuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios formulados.

                Partilhamos integralmente esta conclusão pelas razões expostas, com o devido respeito pelas doutas decisões prolatadas nos processos 179/2018-T e 412/2019-T, que vão em sentido contrário.

                Na verdade, o art. 8.º, 9, CIRC, pilar argumentativo apresentado pela Requerente (assim como o da a ausência de norma transitória na Lei 82-8/2014, de 31 de dezembro) não encerra em si, e por si só, a resposta à determinação da lei a aplicar que, in casu, se tem de considerar.

                Quando a Lei 2/2014  positiva "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente Lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014", o legislador, a pensar nos SP que adotaram períodos de tributação não coincidente com o ano civil, para evitar situações de desigualdade, optou por enquadrar os ciclos tributários iniciados em 2014 e que terminassem em 2015 sob o mesmo regime jurídico, quanto à taxa aplicável. Daí que o legislador de 2015 não tivesse visto necessidade de fixar qualquer norma transitória relativa a estas situações, porque elas já tinha sido previstas na Lei publicada no ano anterior.

                Como se diz no acórdão arbitral 893/2019-T "o âmbito de proteção da Lei n.º 2/2014 não é minimamente contrariado pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2015), em concreto do seu artigo 192.º, em que a taxa geral do IRC constante do artigo 87.º, n.º 1 do Código do IRC foi fixada em 21%.

                Na verdade, determina-se, no artigo 261.º daquele primeiro diploma legal que “A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2015.” Ou seja, resulta claro que esta norma visa aplicar-se apenas aos períodos tributários iniciados em 2015 (a um de janeiro ou posteriormente). O que não é manifestamente o caso da situação da Requerente, cujo período tributário se iniciou em 2014.

                Em suma, qualquer interpretação que pretenda fazer aplicar à situação em apreço o artigo 192 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, não tem na sua letra qualquer apoio."

                Com efeito, e com a fundamentação que daqui se recolhe, o art.º 14.º da Lei 2/2014 encontrava-se plenamente em vigor à data de 30 de setembro de 2015, na parte em que impõe a aplicação da taxa de IRC de 23% que assente no período de tributação de 2014.

                Face ao exposto, apenas nos resta concluir pela legalidade da atuação da Requerida. Consequentemente, julgo improcedente o pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios formulados.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Decidir pelo indeferimento das alegadas exceções;

b)           Absolver a Requerida do pedido;

c)            Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 36.513,31 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918 euros nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de abril de 2021

 

O Árbitro Singular

(Ricardo Marques Candeias)