DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Rita Calçada Pires e Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 28 de setembro de 2020, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., Lda., doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva número ..., com sede na Rua …, …, ..., notificada das liquidações adicionais de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e juros compensatórios, emitidas sob os n.ºs 2019 ..., 2020 ..., 2020 ... e 2020 ..., relativas aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018, nos montantes de € 101.331,35, € 53.814,57, € 2.470,58 e € 3.435,89, respetivamente, perfazendo o total de € 161.052,39, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos referidos atos tributários, com a consequente anulação, por assentarem em errados pressupostos de facto e de direito, em violação do disposto nos artigos 5.º e 6.º do Código do IRS, do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e dos artigos 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Requer ainda a restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 10 de julho de 2020 e automaticamente notificado à AT.
Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea b), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28 de agosto de 2020, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 28 de setembro de 2020.
Posição da Requerente
Como fundamento da pretensão a Requerente invoca, em síntese, que:
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As liquidações identificadas tiveram origem em despesas que a AT alega terem sido incorridas em exclusivo benefício da sócia-gerente, com a inerente desconsideração fiscal dos correspondentes gastos[1] e a qualificação dos dispêndios como adiantamentos por conta de lucros, enquadráveis na categoria de rendimentos de capitais, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS;
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Esta qualificação (como rendimentos de capitais) fundou-se na não dedutibilidade dos valores em discussão, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, e não no preenchimento das condições previstas no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS, referentes à transferência de disponibilidades financeiras da sociedade para os sócios;
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Tais valores apenas poderiam ser qualificados como adiantamentos por conta de lucros se a Requerida tivesse lançado mão da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, que consagra como rendimentos de capitais quantias escrituradas em contas correntes a favor dos sócios de sociedades comerciais;
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Contudo, a Requerida não só não demonstrou o cumprimento dos requisitos para aplicação desta presunção legal (i.e., os lançamentos na conta corrente da sócia, sem que estes tenham resultado de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), como não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação do citado artigo 6.º, n.º 4, pois inexistem tais lançamentos na conta corrente da sócia-gerente;
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Não se aplicando a presunção, retomam as regras gerais de repartição do ónus de prova, cabendo à AT demonstrar e fundamentar, de facto e de direito, que os montantes registados em outras classes e contas, e corrigidos ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, deveriam ser materialmente qualificados como adiantamento por conta de lucros à luz do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS, o que não fez;
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A maioria dos gastos desconsiderados respeitam a despesas de construção e equipamentos do prédio urbano (moradia) onde a sócia-gerente atualmente reside (desde junho de 2018) e a recusa da sua dedutibilidade fiscal deriva unicamente do facto de se tratar de edifício alheio à Requerente, da titularidade da sócia-gerente, não registado como ativo da sociedade (apenas o foi em dezembro de 2018);
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O imóvel consta como terreno para construção por falta de licenciamento, o que inviabiliza a sua exploração comercial, em concreto, o seu arrendamento à sócia-gerente. Acresce que, sem a licença de utilização, a emitir pela Câmara Municipal, a Requerente não pode (i) regularizar o imóvel para efeitos prediais e alterar a sua natureza; nem (ii) celebrar qualquer contrato, de venda ou de arrendamento, sob pena de nulidade;
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Inexistiu qualquer intuito fiscal na operação, pois a sócia-gerente efetuou uma entrada em espécie do terreno, em 20 de dezembro de 2018, já sob a forma edificada, declarando as correspondentes mais-valias, e a Requerente pagou o IMT e Imposto do Selo inerentes a esta operação.
Juntou 13 documentos e arrolou uma testemunha.
Posição da Requerida
A Requerida, notificada para o efeito, por despacho de 29 de setembro de 2020, apresentou Resposta, em 5 de novembro de 2020, na qual se defendeu por impugnação, concluindo pela improcedência da ação e absolvição do pedido, com as legais consequências.
Neste âmbito, alega que:
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Os serviços de inspeção tributária (“SIT”) identificaram vários gastos suportados pela Requerente que pertencem à esfera individual da sua sócia-gerente, nomeadamente despesas associadas à construção da casa para habitação própria de que esta era proprietária, compras de produtos alimentares e de uso doméstico e viagens de pessoas estranhas à sociedade. Por essa razão, a dedução fiscal desses gastos foi desconsiderada, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, tendo aqueles sido considerados a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS (categoria E);
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Desta forma, as correções contestadas assentam no rendimento real, qualificado como adiantamento por conta de lucros, de harmonia com o preceituado no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS, e não num rendimento presumido, com fundamento no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, pelo que não tem que demonstrar a verificação dos pressupostos da presunção, ou seja, o lançamento em contas correntes da sócia e o afastamento da existência de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais;
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Cumpriu o ónus que lhe competia, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, pois a qualificação como rendimento de capitais derivou de indícios, concretos e suficientes, de que a Requerente suportou despesas que pertencem à esfera individual da sua sócia-gerente, apenas utilizadas em seu benefício, e, portanto, desconformes com o escopo social da Requerente. Estão em causa despesas com alimentos, vestuário, calçado, viagens, consumos de eletricidade, decoração de interiores e equipamento para uma moradia construída num terreno que apenas passou para a esfera da Requerente em 20 de dezembro de 2018, na sequência de um aumento de capital social em espécie;
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Tendo demonstrado a legalidade do seu agir, cabia à Requerente o ónus de demonstrar que estavam em causa despesas para a prossecução da atividade da empresa e não despesas pessoais da sócia-gerente, o que esta não satisfez;
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Em relação ao vício de erro nos pressupostos de facto, estando em discussão despesas com a construção e decoração de uma moradia que só passou a fazer parte do ativo tangível da Requerente em 20 de dezembro de 2018, por aumento de capital em espécie, mantém não existir uma relação causal e justificada com a atividade da empresa à data dos factos. Retira idêntica conclusão quanto aos consumos pessoais e viagens e estadias pagas a terceiros.
Na mesma data [5 de novembro de 2020], juntou o processo administrativo (“PA”).
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Em 2 de dezembro de 2020, a Requerente promoveu a junção de documentos adicionais. A Requerida pronunciou-se, em 16 de dezembro de 2020, no sentido de os mesmos não terem relevância para a matéria dos autos por respeitarem a factos posteriores aos exercícios em apreciação.
Por despacho de 6 de janeiro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com produção de prova testemunhal, por se julgar útil ao apuramento da verdade material.
Em 26 de fevereiro de 2021, realizou-se a referida reunião, com recurso a meios de comunicação à distância, na qual foi ouvida a testemunha B.... Na mesma reunião, as Partes foram notificadas para alegações escritas sucessivas, com a fixação do prazo de 10 dias, tendo sido prorrogado por dois meses o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em virtude da interposição do período de férias judiciais, da demora na marcação das diligências instrutórias, da tramitação processual subsequente definida e da situação pandémica (Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).
O Tribunal advertiu ainda a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à data de prolação da decisão arbitral, a proferir até 27 de maio de 2021.
Em 9 de março de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações e mantém a posição inicial, considerando resultarem provados dos documentos juntos e do depoimento da testemunha os factos que alicerçam a sua pretensão. Em matéria de direito, acrescenta que, a existir algum enriquecimento pessoal na esfera da sócia-gerente (por ter sido a Requerente a suportar os gastos de construção do prédio urbano – moradia – que foi, até ao final do ano 2018, propriedade da sócia), parece evidente que tal enriquecimento foi levado integralmente a tributação em sede de IRS quando da transmissão e sujeição a mais-valias. Assim, a admitir a tese da AT, os referidos gastos ou enriquecimento seriam tributados duas vezes na esfera da sócia-gerente. Por outro lado, entende que à data dos factos era impossível a AT determinar a afetação do imóvel, pois essa afetação só veio a ocorrer no decurso de 2018, pelo que lhe estava vedada a possibilidade de recusar os gastos e muito menos de os qualificar como adiantamento por conta de lucros da sócia-gerente.
Em 22 de março de 2021, a Requerida contra-alegou, remetendo para o que havia anteriormente dito. Quanto à nova prova documental apresentada, considera que não estamos perante documentos supervenientes, solicitando o seu desentranhamento. Em relação à prova testemunhal, sustenta que do depoimento da testemunha não é possível extrair com certeza a factualidade indicada nas alegações da Requerente, concluindo que não lhe assiste razão, uma vez que não estamos na presença de despesas com a construção, manutenção e decoração de imóvel inerentes a um ativo da sociedade.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de retenção na fonte de IRS impugnados, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A cumulação de pedidos é admissível uma vez que a apreciação dos pedidos, referentes a períodos de tributação distintos, depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, de acordo com o estabelecido no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, tendo em conta o termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações acima identificadas [16 de janeiro de 2020 (2015); 27 de abril de 2020 (2016) e 9 de julho de 2020 (2017 e 2018)], o facto de o pedido de pronúncia arbitral ter dado entrada no CAAD em 9 de julho de 2020 e o regime de suspensão de prazos entre 9 de março e 3 de junho de 2020, conforme previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e na Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
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Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A..., Lda., aqui Requerente, é um sujeito passivo de IRC que tem por objeto o desenvolvimento de atividades de comunicação e televisão, atividades das áreas de espetáculos (produção e apresentação), publicidade e comércio a retalho de vestuário, anteriormente denominada “C...” – cf. RITs 2015-2018 e certidão permanente aí junta.
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A Requerente tem como sócia-gerente D..., personalidade de televisão conhecida como D... (doravante designada “sócia-gerente”) – cf. RITs 2015-2018.
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Até 20 de dezembro de 2018, a sócia-gerente foi titular de um bem imóvel sito na …, …, …, …, a que corresponde o artigo matricial urbano … (que provém do desativado artigo matricial urbano …), da freguesia do …, classificado como “terreno para construção”, no qual foi iniciada, em 2013, a construção de uma moradia unifamiliar, concluída em 2018 – cf. RITs 2015-2018 e depoimento da testemunha.
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O referido imóvel ingressou na esfera da Requerente por aumento do capital social em espécie realizado pela sua sócia-gerente, em 20 de dezembro de 2018, tendo-lhe, para esse efeito, sido atribuído o valor de € 750.000,00, e é, desde 18 de junho de 2018, o domicílio fiscal da sócia-gerente, continuando classificado como “terreno para construção” por não dispor da respetiva licença de utilização, pendente de aprovação na Câmara Municipal de … – cf. RITs 2015-2018.
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Com referência aos anos 2015 e 2016, a Requerente suportou e contabilizou, como ativos não correntes da classe 4 (ativos tangíveis) e como gastos de Fornecimentos e Serviços Externos (conta 62), dispêndios diversos relativos à construção da moradia supra identificada, equipamentos e decoração relativos à mesma, despesas pessoais (produtos alimentares, de uso doméstico e vestuário) e viagens e estadas de terceiros, no valor de € 310.900,93 (2015), e € 170.574,52 (2016) – cf. RITs 2015-2016.
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Quanto aos anos 2017 e 2018, a Requerente contabilizou na conta de gastos #62.4.1.1, valores de consumo de eletricidade de faturas emitidas em seu nome referentes à moradia acima identificada que, adicionados do correspondente IVA, se cifraram em € 7.986,90. O mesmo procedimento foi adotado em 2018, ascendendo os gastos de eletricidade contabilizados e deduzidos fiscalmente pela Requerente neste ano, adicionados de IVA, ao montante de € 11.499,77 - cf. RIT 2017 e 2018.
2015
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No decurso de 2019, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, iniciaram um procedimento de inspeção externo à Requerente, relativo ao ano 2015, de âmbito parcial, relativo a IRC e IVA, posteriormente alterado para âmbito geral – cf. RIT 2015.
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Além dos ajustamentos de IRC e de IVA, e no que in casu releva, a AT propôs correções de retenções na fonte relativas a IRS, no valor de € 87.052,26, a título de imposto devido definitivamente e não entregue nos cofres do Estado, com base no argumento de que, “foram detetados vários gastos suportados pelo sujeito passivo e desconsiderados por força do art.º 23.º do CIRC, e IVA indevidamente deduzido, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do art.º 19.º e n.º 1 do art. 20.º do CIVA, que pertencem à esfera individual da sócia-gerente, D..., nomeadamente despesas associadas à construção da casa para habitação própria, compras de produtos alimentares e de uso doméstico e de viagens de pessoas estranhas à sociedade, que deverão ser considerados adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS (rendimentos da categoria E do IRS).” – cf. RIT 2015.
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Na sequência desta inspeção, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2019 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, relativas ao ano 2015, cifrando-se no valor total a pagar de € 101.331,35 (€ 87.052,27 de imposto e € 14.279,08 de juros), cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 16.01.2020 – cf. Documento n.º 3 junto pela Requerente.
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No dia 17 de janeiro de 2020, a Requerente efetuou o pagamento do referido ato tributário – cf. Documento n.º 4 junto pela Requerente.
2016
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No decurso de 2019, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, relativo ao ano 2016, de âmbito geral, tendo a AT proposto correções de retenções na fonte relativas a IRS, na importância de € 47.760,86, a título de imposto alegadamente não retido, com base no argumento de que, “foram detetados vários gastos suportados pelo sujeito passivo e desconsiderados por força do art.º 23.º do CIRC, e IVA indevidamente deduzido, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do art.º 19.º e n.º 1 do art. 20.º do CIVA, que pertencem à esfera individual da sócia-gerente, D..., nomeadamente despesas associadas à construção e equipamento da casa para habitação própria, compras de produtos alimentares e de uso doméstico e de alojamento de pessoas estranhas à sociedade, que deverão ser considerados adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS (rendimentos da categoria E do IRS).” – cf. RIT 2016.
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Na sequência desta inspeção, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2020 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, relativas ao ano 2016, no valor total a pagar de € 53.814,57 (€ 47.760,86 de imposto e € 6.053,71 de juros), cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 27.04.2020 – cf. Documento n.º 7 junto pela Requerente.
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No dia 23 de abril de 2020, a Requerente efetuou o pagamento do referido ato tributário – cf. Documento n.º 8 junto pela Requerente.
2017 - 2018
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No decurso de 2020, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, relativo aos anos 2017 e 2018, de âmbito geral, tendo a AT proposto correções de retenções na fonte relativas a IRS, na importância de € 2.236,33 (2017) e € 3.215,51 (2018), a título de imposto alegadamente não retido, com base no argumento de que, “foram detetados vários gastos suportados pelo sujeito passivo e desconsiderados por força do art.º 23.º do CIRC, e IVA indevidamente deduzido, nos termos do art.º 19.º e n.º 1 do art. 20.º ambos do CIVA, que pertencem à esfera individual da sócia-gerente, D..., nomeadamente despesas com fornecimentos de eletricidade à sua habitação própria / domicílio fiscal (…, …), que deverão ser considerados adiantamentos por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS (rendimentos da categoria E do IRS).” – cf. RIT 2017 e 2018.
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Na sequência desta inspeção, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2020 ... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, relativa ao ano 2017, e da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2020 ..., relativa ao ano 2018, no valor global a pagar de € 2.470,58 e € 3.435,89, respetivamente, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 09.07.2020 – cf. Documentos n.º 11 e 12 juntos pela Requerente.
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No dia 24 de junho 2020, a Requerente efetuou o pagamento dos referidos atos tributários – cf. Documento n.º 13 junto pela Requerente.
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No que se refere aos anos 2015 e 2016, as correções efetuadas pela Requerida, relativas a retenções na fonte de IRS, derivadas da qualificação das despesas incorridas a título de adiantamento por conta de lucros, respeitam essencialmente à construção, equipamentos e decoração da moradia unifamiliar identificada e, de forma residual, a despesas pessoais da sócia-gerente, incluindo viagens pagas a terceiros que a acompanharam. Em relação aos anos 2017 e 2018, essas correções respeitaram exclusivamente a encargos com os consumos de eletricidade da moradia unifamiliar acima identificada – cf. RITs 2015-2018.
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Em discordância com as liquidações de retenções na fonte de IRS acima identificadas, não obstante os pagamentos voluntários efetuados, a Requerente apresentou no CAAD, em 9 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
2. Factos não Provados
Não se provou que os acompanhantes nas viagens e estadas da sócia-gerente tenham desenvolvido qualquer atividade relacionada com o interesse social e escopo da Requerente.
Não existem outros factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Neste âmbito, tendo em conta que a matéria de facto em causa respeita aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018 não foram tidas em conta as alegações de facto relativas a eventos posteriores, como a celebração de um contrato-promessa de arrendamento celebrado em novembro de 2020, ou o pagamento de rendas efetuado em 2020, circunstâncias que apenas serão relevantes na qualificação dos factos tributários contemporâneos.
De igual modo, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, em particular nos RITs e seus anexos e nas posições assumidas pelas Partes em relação aos factos essenciais, conforme referenciado em relação a cada facto julgado assente.
O depoimento da testemunha ouvida, B..., familiar da sócia-gerente e colaboradora da Requerente sem vínculo formal, não teve relevo significativo, pois limitou-se a confirmar factos já comprovados por documentos e que o imóvel passou a ser habitado, em 2018, pela sócia-gerente.
Em relação à atividade publicitária que tem por base a imagem da sócia-gerente, o depoimento foi genérico e relativo a factos notórios (designadamente que, nas viagens realizadas, são tiradas fotografias por pessoas que a acompanham) sem, contudo, estabelecer uma conexão concreta e específica com os terceiros que acompanharam a sócia-gerente nas deslocações pagas pela Requerente (incluindo diversos familiares diretos) e a atividade fotográfica e de apoio profissional àquela.
A testemunha, quando questionada acerca do conhecimento da identidade dos terceiros beneficiários das referidas viagens e estadias, limitou-se a referir que, por vezes, eram profissionais, outras vezes familiares da sócia-gerente que a acompanhavam para a fotografar sem, no entanto, concretizar de que pessoas se tratavam (nomeadamente se eram aquelas identificadas nas faturas pagas pela Requerente), se tiraram fotografias e se estas visaram, efetivamente, cumprir o intuito comercial relacionado com o escopo da sociedade. Não foi, por essa razão, produzida prova circunstanciada sobre se os terceiros em causa, que viajaram a expensas da Requerente sem com a mesma terem qualquer vínculo, se incluíam ou não na categoria de pessoas que assistem, regular ou pontualmente, a sócia-gerente na atividade de divulgação da sua imagem.
IV. Fundamentação Jurídica
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Quadro Legal
A questão discutida nos presentes autos prende-se com o enquadramento, a título de rendimento de capitais (categoria E), ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do Código do IRS, de um conjunto de dispêndios efetuados pela Requerente, nos períodos de 2015 a 2018, que, segundo a Requerida, pertencem à esfera individual da sócia-gerente.
A Requerente opõe-se a esta correção invocando que a Requerida não demonstrou, como lhe incumbia, de acordo com o estatuído nos artigos 74.º e 75.º da LGT, os pressupostos de aplicação da presunção consagrada no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, fundando-se, unicamente e de forma insuficiente, na conclusão alcançada pela Requerida da indedutibilidade fiscal dos dispêndios, à face do preceituado no artigo 23.º do Código do IRC.
Neste âmbito, importa compulsar as normas de incidência, nos segmentos com relevo para a apreciação da questão suscitada:
“Artigo 5.º do Código do IRS
Rendimentos da categoria E
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Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
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Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
[…]
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Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
[…]”
“Artigo 6.º do Código do IRS
Presunções relativas a rendimentos da categoria E
[…]
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Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
[…]”
“Artigo 23.º do Código do IRC
Gastos e perdas
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Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
[…]”
Interessa começar por notar que, ao contrário do alegado pela Requerente, a Requerida não alicerçou os atos de liquidação impugnados, de retenção na fonte de IRS, na presunção estabelecida no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS. Os três relatórios de inspeção tributária (2015, 2016 e 2017-2018) que contêm a fundamentação subjacente aos referidos atos, apelam ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h), sem qualquer referência à presunção. Deste modo, não sendo os atos tributários controvertidos fundamentados no citado artigo 6.º, n.º 4, a Requerida não teria que demonstrar o preenchimento dos respetivos pressupostos, nomeadamente a efetivação de lançamentos na conta corrente da sócia-gerente e a condição negativa de estes [lançamentos] não resultarem de mútuos da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Numa situação análoga, e em sentido similar ao que se preconiza, refere o Tribunal Central Administrativo Sul que “a questão que está em causa nos autos não é a presunção judicial contida no nº 4 do art. 6º do CIRS, como alega o recorrente, pois que a AT não recorreu à presunção do artigo 6º, antes fez assentar a correção no artigo 5, nº 2, alínea h) do CIRS. Assim, a referida presunção e norma (nº 4 do art. 6º do CIRS) mais não é que o enquadramento jurídico que o recorrente faz da questão, e que o Tribunal a quo não é obrigado a seguir ou tão pouco apreciar, pois nos termos previstos no nº 3 do art. 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” – v. acórdão proferido no processo n.º 1179/07.6BEALM, de 11 de fevereiro de 2021.
Por outro lado, também é de declinar o argumento de que a correção vertente seja fundada exclusivamente na aplicação do artigo 23.º do Código do IRC e na consequente desconsideração, para efeitos fiscais, dos gastos deduzidos pela Requerente respeitantes aos dispêndios em causa. Com efeito, os presentes atos de liquidação são suportados no facto – distinto e autonomizável – de que determinadas despesas foram incorridas em benefício exclusivo da sócia-gerente da Requerente.
Assim, para além de os dispêndios não terem sido considerados gastos dedutíveis, para efeitos de IRC, na esfera da Requerente, concluiu a Requerida que a beneficiária dos mesmos foi a sócia-gerente. Não se retira da fundamentação do ato tributário que esta última asserção seja consequência necessária e decorrente da primeira. Desde logo, porque os dispêndios feitos pela Requerente que não o tenham sido no interesse social ou inseridos no escopo da sua atividade não implicam que o respetivo beneficiário seja uma determinada pessoa, ou, dito de outro modo, que o facto de um gasto não ser dedutível para a Requerente seja equivalente a estarmos perante lucros atribuíveis a um sócio. Esta é uma conclusão diferente que tem de partir, e partiu, de critérios de imputação subjetiva específicos que não se limitam à conclusão negativa de que os gastos não foram realizados no interesse da Requerente.
Neste contexto, resulta do adquirido processual que os encargos incorridos pela Requerente objeto de correção podem ser classificados em três tipologias:
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Encargos com a construção, fornecimento de equipamento e decoração de interiores de uma vivenda pertencente à sócia-gerente e destinada à sua habitação própria – períodos de 2015 e 2016;
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Despesas pessoais de produtos alimentares, de uso doméstico e vestuário e gastos com deslocações e estadas, neste último caso de pessoas estranhas à sociedade [aqui Requerente] – períodos de 2015 e 2016; e
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Gastos relativos a consumos de eletricidade da referida vivenda – períodos de 2017 e 2018.
Ficou assente que a vivenda foi edificada, a partir de 2013, num terreno para construção que se encontrava na titularidade da sócia-gerente, que esta passou a residir naquela em 18 de junho de 2018 e que a propriedade só se transferiu em 20 de dezembro de 2018, data em que ingressou no património da Requerente na sequência de uma operação de aumento de capital por entrada em espécie [consubstanciada no dito imóvel]. Assim, à data dos dispêndios da Requerente com a construção, decoração e equipamento da mencionada vivenda (2015 e 2016), esta não era um ativo que pertencesse à Requerente, mas um edifício alheio, desprovido de qualquer afetação à sua atividade.
Por outro lado, este quadro factológico permite concluir que os pagamentos efetuados pela Requerente em relação à construção, decoração e equipamento da vivenda constituíram um benefício direto, materializado num incremento patrimonial, da sua proprietária do imóvel, a sócia-gerente da Requerente.
Conforme ensina Rui Duarte Morais, o legislador procurou descrever os “factos geradores de rendimentos de capitais atendendo sobretudo ao resultado económico produzido” consagrando uma “definição geral” de rendimentos de capitais, que “parte da consideração de que se pretendem tributar aqui todos os frutos do capital. Fruto é, juridicamente, tudo o que a coisa produz, periodicamente, sem prejuízo da sua substância. Temos, assim, que há rendimentos de capitais, tributáveis nesta categoria, quando uma coisa deva ser havida por capital (património, bens, direitos ou situações jurídicas de natureza mobiliária) e produza vantagens económicas sem que tal implique para o respetivo titular a perda dessa fonte” – v. “Sobre o IRS”, 3ª Edição, Almedina, 2016, pp. 95-96.
A situação em análise enquadra-se nesta definição geral, existindo uma participação de capital constitutiva da qualidade de sócia, que produziu vantagens económicas – incrementos patrimoniais na esfera da sócia – tendo esta sido a beneficiária direta, sem, todavia, implicar a perda da fonte do rendimento, pois a participação de capital foi mantida. A alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS reforça este entendimento com a menção expressa, ainda que meramente exemplificativa, aos “lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros”.
A este respeito, não é de acolher o argumento esgrimido pela Requerente, com vista a impedir o enquadramento preconizado, no sentido de que, não tendo sido possível, até ao presente, obter o licenciamento da utilização do imóvel junto da câmara municipal, esta circunstância impossibilitaria a exploração comercial do imóvel ou a celebração de qualquer contrato, de venda ou de arrendamento.
É que, sem prejuízo da falta de licença de utilização, esta circunstância não impedia que o imóvel fosse alienado, ainda que sob a classificação de “terreno para construção”, que fosse celebrado um contrato-promessa de arrendamento, que a vivenda fosse habitada (como foi e é) e que em relação à mesma fossem cobradas rendas. Tanto assim é que, mesmo na ausência da licença de utilização (que até ao momento não foi emitida), o terreno para construção com o edificado foi transferido para a Requerente, por via de um aumento de capital em espécie.
Nestes termos, não se verifica qualquer facto impeditivo que obstasse à transmissão do imóvel para a Requerente.
Por outro lado, a tributação em IRS das mais-valias apuradas na esfera da sócia-gerente na sequência da entrada em espécie no capital da Requerente e a alegada duplicação tributária não configura um facto impeditivo da incidência de IRS, a título de rendimento de capitais, sobre os adiantamentos por conta de lucros em discussão nestes autos. Na verdade, a existência de uma “duplicação” de tributação por eventual erro na qualificação dos rendimentos é imputável à Requerente e à sua sócia-gerente e não pode implicar o afastamento do regime legalmente devido por estarem reunidas as condições legais determinantes da tributação. Entendimento diverso, que não se pode acompanhar, colidiria com o princípio da legalidade fiscal e colocaria na disponibilidade dos sujeitos passivos a escolha sobre o regime fiscal que pretendiam aplicar aos rendimentos auferidos, neste caso mais-valias em vez de rendimentos de capitais.
Sobre a invocada inexistência de intuito ou objetivo fiscal na conformação das operações por parte da Requerente ou da sua sócia-gerente, a mesma não se afigura relevante, pois a Requerida aplicou a norma de incidência constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRS, sem estar em causa qualquer cláusula anti-abuso, como a prevista no artigo 38.º da LGT.
No que se refere às despesas pessoais de produtos alimentares e de uso doméstico e, bem assim, aos gastos de viagens e estadas de pessoas que acompanhavam a sócia-gerente, desprovidas de qualquer vínculo laboral ou estatutário com a Requerente, é de inferir, desde logo, de acordo com as regras da experiência comum, que, dada a natureza de consumos pessoais e a ausência de qualquer relação formal entre os beneficiários das viagens e a Requerente, sendo alguns identificados como familiares diretos da sócia-gerente, esta última era a beneficiária direta desses dispêndios.
Quanto aos valores de consumo de eletricidade de faturas emitidas em nome da Requerente referentes à moradia em que passou a habitar a sua sócia-gerente, estes respeitam a um bem imóvel que não constituía, à data dos factos, um ativo da Requerente ou que estivesse por esta a ser explorado ou utilizado na sua atividade e escopo social. Acresce não ser sequer controvertido que o imóvel foi, após a construção, habitado pela sócia-gerente (ainda o sendo), sendo esta, por conseguinte, sem qualquer margem para dúvida, a beneficiária dos consumos de eletricidade da casa onde habita.
À face do exposto, conclui-se que AT coligiu factos-índice passíveis de por em crise a conexão e o contributo dos dispêndios identificados para a atividade da Requerente. Pelo que cabia a esta, pretendendo deduzir tais encargos, demonstrar, por contraprova, que aqueles se destinaram à prossecução da sua atividade, não sendo imputáveis à esfera individual da sócia-gerente (v. artigo 74.º da LGT). Todavia, não o fez.
A Requerente não demonstrou que os encargos com a construção e decoração da moradia supra identificada, os consumos de eletricidade e as despesas pessoais da sócia-gerente, incluindo as viagens e estadias de terceiros que a acompanharam, tenham sido incorridos no seu interesse e escopo societário.
A Requerente refugiou-se na notoriedade da sócia-gerente, conhecida figura pública, para afirmar genericamente que quem a acompanhasse nas viagens o faria a título profissional, nomeadamente para tirar fotografias divulgadas nos meios de comunicação. No entanto, essa afirmação não é substanciada, desconhecendo-se as pessoas que a apoiavam nessa matéria a título profissional e se estas eram aquelas identificadas nas faturas das viagens, algumas das quais, como vem sendo referido, familiares diretas da sócia-gerente.
Também não foi apresentada qualquer justificação para os consumos pessoais.
Em relação aos encargos suportados com a edificação e decoração da vivenda destinada à habitação da sócia-gerente, tendo por referência a data dos factos (2015 e 2016), não foi junto aos autos qualquer elemento passível de estabelecer uma relação daqueles com a atividade da Requerente, o mesmo se dizendo no tocante aos consumos de eletricidade reportados a 2017 e 2018.
A ocorrência dos dispêndios supra descritos, nas circunstâncias em que aqueles se verificaram foi motivada pelos interesses da sócia-gerente, beneficiária direta, não se tendo demonstrado que houvessem sido incorridas no âmbito da atividade da Requerente. Em rigor, se comprovadamente tais gastos constituíram um benefício direto e efetivo da sócia-gerente – porquanto se encontram diretamente relacionados com um imóvel, cuja titularidade lhe pertencia, bem como com consumos pessoais, viagens e estadias de terceiros, acompanhantes da sócia-gerente, sem vínculo comprovado com a Requerente (v. a respeito o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1236/10.1BELRA, de 25 de fevereiro de 2021).
Face à factualidade provada, não tem razão a Requerente quando alega que a Requerida não curou de demonstrar e de provar que os dispêndios descritos configuram adiantamentos por conta de lucros.
Assim, é correta a respetiva qualificação como rendimentos de capitais atenta a previsão do artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do Código do IRS, não padecendo o ato tributário objeto da presente ação das ilegalidades e invalidade que lhe foram apontadas pela Requerente, pelo que a ação é improcedente.
Por fim, no tocante ao pedido de restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios dispõe o artigo 43.º, n.º 1 da LGT que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Concluindo-se, nos presentes autos, que não ocorreu qualquer erro, nem o pagamento, pela Requerente, de prestação tributária superior à devida, não se encontram reunidos os requisitos de que depende a aplicabilidade daquele regime, pelo que também improcede o peticionado pela Requerente a este respeito.
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Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido arbitral e confirmar as liquidações de retenção na fonte de IRS impugnadas, relativas aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018, com as legais consequências.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 161.052,39 correspondente ao valor das liquidações de IRS impugnadas – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
Custas no montante de € 3.672,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de maio de 2021
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Rita Calçada Pires
Nuno Cunha Rodrigues
[1] A não aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos, para efeitos de IRC, não constitui objeto dos presentes autos que respeitam somente à liquidação de retenções na fonte, em IRS, derivadas da qualificação dos pagamentos realizados pela Requerente como rendimentos de capital.