DECISÃO ARBITRAL
O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 07.12.2020, decide:
I. RELATÓRIO
A..., portador do NIF..., com residência Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre veículos (ISV) constante nas Declarações Aduaneiras de Veículos (“DAV”) n.º 2017/... de 09/03/2017; 2019/... de 20/06/2019; 2018/... de 24/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2018/... de 21/08/2018; 2108/... de 09/08/2018; 2018/... de 26/07/2018; 2018/... de 25/07/2018; 2018/... de 04/07/2018; 2018/... de 29/06/2018; 2018/... de 19/06/2018; 2018/... de 16/06/2018; 2018/... de 15/06/2018; 2018/... de 07/06/2018; 2018/... de 31/05/2018; 2018/... de 31/05/2018; 2018/... de 14/05/2018; 2018/... de 11/05/2018; 2018/... de 11/05/2018; 2018/... de 04/05/2018; 2018/... de 30/04/2018; 2018/... de 24/04/2018; 2018/... de 21/04/2018; 2018/... de 19/04/2018; 2018/... de 19/04/2018; 2018/... de 19/04/2018; 2018/... de 19/04/2018; 2018/... de 17/04/2018; 2018/... de 17/04/2018; 2018/... de 12/04/2018; 2018/... de 12/04/2018; 2018/... de 09/04/2018; 2018/... de 09/04/2018; 2018/... de 30/03/2018; 2018/... de 27/03/2018; 2018/... de 24/03/2018; 2018/... de 24/03/2018; 2018/... de 24/03/2018; 2018/... de 24/03/2018; 2018/... de 22/03/2018; 2018/... de 20/03/2018; 2018/... de 06/03/2018; 2018/... de 03/03/2018; 2018/... de 27/02/2018; 2018/...de 24/02/2018; 2018/... de 24/02/2018; 2018/... de 23/02/2018; 2018/... de 21/02/2018; 2018/... de 13/02/2018; 2018/... de 09/02/2018; 2018/... de 10/02/2018; 2018/... de 08/02/2018; 2018/... de 04/02/2018; 2018/...de 02/02/2018; 2018/... de 26/01/2018; 2018/... de 26/01/2018; 2018/... de 19/01/2018; 2018/... de 19/01/2018; 2018/... de 19/01/201; 2018/... de 19/01/2018; 2018/... de 17/01/2018; 2018/... de 17/01/2018; 2018/... de 13/01/2018; 2017/... de 05/01/2018; 2018/... de 14/04/2018; 2018/... de 14/04/2018; 2018/... de 21/04/2018; 2018/... de 14/04/2018; 2018/... de 14/04/2018; 2017/... de 28/12/2017; 2017/... de 14/12/2017; 2017/... de 21/12/2017; 2017/... 06/12/2017; 2017/...de 05/12/2017; 2017/... de 04/20/2017; 2017/... de 20/10/2017; 2017/... de 20/10/2017; 2017/... de 13/11/2017; 2017/... de 18/09/2017; 2017/... de 22/08/2017; 2017/... de 28/09/2017; 2017/... de 19/09/2017; 2017/... de 28/09/2017; 2017/... de 14/11/2017; 2017/... de 21/11/2017; 2017/... de 29/11/2017; 2017/... de 04/12/2017; 2017/... de 05/12/2017; 2017/... 05/12/2017; 2017/... de 23/10/2017; 2017/... de 13/20/2017; 2017/... de 16/10/2017; 2017/... de 12/12/2017; 2017/... de 08/09/2017; 2017/... de 14/08/2017; 2017/... de 10/08/2017; 2017/... de 10/08/2017; 2017/... de 13/09/2017; 2017/... de 04/09/2017; 2017/... de 04/09/2017; 2017/... de 18/08/2017; 2017/... de 04/09/2017; 2017/... de 04/09/2017; 2017/... de 13/09/2017; 2017/... de 13/09/2017; 2017/... de 08/09/2017; 2017/... de 14/08/2017; 2017/... de 26/07/2017; 2017/... de 01/08/2017; 2017/... de 04/09/2017; 2017/... de 15/09/2017; 2017/... de 11/07/2017; 2017/... de 23/06/2017; 2017/... de 23/06/2017; 2017/... de 10/07/2017; 2017/... de 08/08/2017; 2017/... de 14/07/2017; 2017/... de 11/07/2017; 2017/... 19/07/2017; 2017/...de 19/07/2017; 2017/... de 26/06/2017; 2017/... de 05/06/2017; 2017/... de 19/06/2017; 2017/... de 06/07/2017; 2017/... de 23/06/2017; 2017/... de 05/06/2017; 2017/... de 07/06/2017; 2017/... de 28/06/2017; 2017/... de 12/05/2017; 2017/... de 12/06/2017; 2017/... de 20/04/2017; 2017/... de 04/04/2017; 2017/... de 03/04/2017; 2017/... de 17/03/2017; 2017/... de 16/03/2017; 2017/... de 16/03/2017; 2017/... de 10/03/2017; 2017/... de 09/03/2017, pelo valor global de € 59.741,96, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
1. O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 14 de setembro de 2020.
2. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 3 de setembro de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 7 de dezembro de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
3. Em 21 de janeiro de 2020, a Requerida junta aos autos a sua resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também processo administrativo (PA).
4. O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos de liquidação do ISV e a restituição do imposto pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante indevidamente pago, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do ISV até à data do seu efetivo e integral reembolso.
5. A reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, foi dispensada.
II. SANEAMENTO
6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).
7. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, contado a partir dos factos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
8. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
9. Não há nulidades ou matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
10. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
a. O Requerente introduziu em Portugal, durante os anos de 2017, 2018 e 2019, uma série de veículos automóveis de passageiros que adquiriu em estado usado em outros Estados Membros da EU.
b. No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu às Declarações Aduaneiras dos referidos veículos, através apresentação das DAV acima mais bem identificadas, tendo a Administração Tributária liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 311.366,73.
c. De acordo com a informação constante das referidas DAV, o valor global de ISV liquidado tem como parcelar um montante de € 233.811,72, referente à componente cilindrada e um montante de € 133.090,17, referente à componente ambiental.
d. No que concerne à componente de cilindrada, foi deduzida uma quantia de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados (Cfr. DAVs).
e. Relativamente ao montante de € 133.090,17, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução (cfr. DAVs).
f. Não se conformando com o procedimento adotado, em 17.02.2020, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), um Pedido de Revisão Oficiosa dos atos de liquidação de imposto, junto do Serviço de Finanças do Seixal ..., que por sua vez remeteu para a Alfândega do Jardim do Tabaco.
g. Com vista à apreciação do pedido de revisão foi elaborada a informação n.º .../2020, de 28.02.2020, daquela alfândega, não tendo o mesmo sido objeto de decisão.
B. Factos não provados
11. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
C. Fundamentação da decisão da matéria de facto
12. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
14. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
IV. DO DIREITO E DO MÉRITO
15. O presente pedido de pronúncia arbitral tem como fundamento a ilegalidade da norma vertida no artigo 11.º do Código do ISV, relevante nas liquidações ora impugnadas, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).
D. Os fundamentos da Requerente quanto à ilegalidade parcial dos atos de liquidação de ISV
16. Alega o Requente que o valor de ISV correspondente à componente ambiental, sem a redução emergente do número de anos de veículo, à semelhança do que se verificou no cálculo da componente cilindrada, contagia, de acordo com o seu entendimento, as liquidações efetuadas pela AT (do valor total a pagar a título de ISV pelo contribuinte) por vício de ilegalidade.
17. Assim, entende o Requerente que a atual redação do artigo 110.º do TFUE não é tida em conta pelos atuais contornos do artigo 11.º do Código do ISV.
18. Para o efeito, alega que o artigo 11.º do Código do ISV não pode, em conformidade com o que o artigo 110.º do TFUE prescreve, calcular o imposto sobre veículos usados, oriundos de outro Estado Membro sem ter em conta a depreciação dos mesmos.
E. Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade dos atos de liquidação de ISV
19. Em resposta, a Requerida alega que as liquidações de ISV, que aplicaram o artigo 11.º do CISV, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.
20. Depois de descrever de forma genérica a legislação nacional no que diz respeito à incidência, objetiva e subjetiva, determinação da base tributável, taxas aplicáveis, facto gerador e exigibilidade do imposto, a Requerida, para demonstrar a compatibilidade do artigo 11.º do Código do ISV com o direito comunitário, alega, no essencial, que constitui facto assente que estes veículos, tratando-se de veículos usados (cf. se retira da documentação que integra o PA), encontram-se, consequentemente, sujeitos à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV.
21. Pelo que, tratando-se de veículos ligeiros de passageiros, usados, com emissão de gases CO2 indicado nas respetivas DAVs, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11º do CISV para a componente cilindrada (cf. PA).
22. Resultando, assim, comprovados, face à lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, das liquidações de ISV que ora vêm impugnadas, tendo, consequentemente, os veículos sido tributados de acordo com o regime plasmado no CISV em vigor à data das liquidações
23. Destarte, tendo os atos impugnados sido efetuados de acordo com o direito nacional e comunitário, não enfermam de qualquer vício, devendo, consequentemente, os mesmos atos de liquidação, na parte que vem impugnada, quanto ao cálculo do imposto efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, e à não aplicação de redução à componente ambiental, considerar-se conformes ao direito constituído então em vigor.
24. A interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pelo Requerente resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).
25. Concomitantemente, no que concerne ao princípio da legalidade tributária, nos termos do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, estão sujeitos a este princípio a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, bem como a liquidação e cobrança dos tributos.
26. Ora, no caso concreto a administração tributária agiu nos termos da lei, de acordo com as normas de incidência, taxas e liquidação do imposto em causa, não podendo ter atuado de modo diferente, face ao direito constituído sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica.
27. Assim, relativamente às liquidações ora impugnadas, foram efetuadas de acordo com as normas aplicáveis em vigor, designadamente as constantes do artigo 7.º e do artigo 11.º do CISV, não sendo possível retirar da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da aplicada por força do artigo 7.º.
28. Sendo que o intérprete tem de se socorrer dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua racionalidade (razão de ser/ratio legis).
29. Nesta medida, a interpretação do Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, o artigo 9.º, alínea e) e o artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental.
30. Estando em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida consagrado no n.º 1 do artigo 66.º da CRP, isto é, o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, e do qual resulta (n.º 2), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como de assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP).
31. E, com vista à concretização e defesa do direito ao ambiente, o Estado pode impor proibições ou deveres de abstenção de ações ambientalmente nocivas e, numa vertente positiva, impor a defesa do ambiente mediante obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais, nas quais se incluem a utilização dos impostos, taxas e benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente, defendendo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que, consagrando o artigo 66.º da CRP o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, a sua defesa até pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos, que incluem a redução de gases, do consumo e a seletividade nas escolhas.
32. Deste modo, estabelecendo o artigo 66.º a adoção de medidas de âmbito setorial e a política fiscal enquanto instrumento de proteção do ambiente e qualidade de vida, que podem consistir no agravamento fiscal de veículos particularmente poluentes, a CRP consagra expressamente, neste âmbito, um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente, por estarem em causa bens constitucionalmente protegidos de natureza coletiva, merecedores de tutela jurisdicional.
33. Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, impondo-se que se afira a sua conformidade com os princípios constitucionais consagrados no artigo 9.º e 66.º da CRP, até porque está em causa matéria de reserva de lei (âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República) o que deve ser apreciado.
34. Acrescendo que, a interpretação defendida pelo Requerente, posto que pugna pela aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.
35. Por outro lado, a aplicação de tal redução, não pode deixar de se considerar como uma alteração à taxa do imposto que, não se encontrando prevista na lei, é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, colocando, igualmente, o Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal.
36. Ademais, a pretensão do Requerente, além de não se estribar na lei e violar os acima indicados princípios constitucionais também olvida que estamos perante um imposto sobre o consumo não harmonizado, e que a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.
37. E, sendo um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” o da interpretação conforme à Constituição1, de acordo com este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.
38. Não podendo, assim, deixar de se considerar o artigo 204.º da CRP, que impõe que os tribunais não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
39. Por outro lado, ao defender, o Requerente, a ilegalidade da liquidação, por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, além da violação, por via de tal interpretação, dos já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, verifica-se, ainda, a violação, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV, do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva.
F. Apreciação
40. A questão que se apresenta a resolver no presente processo arbitral visa a declaração de ilegalidade parcial dos atos de liquidação de ISV acima identificados e a sua subsequente anulação parcial e restituição do imposto pago, bem como os juros indemnizatórios calculados sobre o referido montante global.
41. Como já exposto, na sequência da apresentação das DAV acima referidas, foi liquidado à Requerente o valor total de 311.366,73 euros, correspondendo 233.811,72 euros à componente cilindrada, e 133.090,17 euros à componente ambiental, sobre a qual não incidiu qualquer redução por 'Anos de Uso'.
42. Ora, de acordo com a posição do Requerente, deveria ter sido aplicada à "componente ambiental' uma percentagem de redução de acordo com o número de anos de uso dos veículos.
43. Para o efeito, o Requerente entende que as liquidações em causa, que tiveram como fundamento o artigo 11.º, do Código do ISV, violam o disposto no artigo 110.º do TFEU, por desconsiderar essa desvalorização na componente mais relevante do cálculo de imposto — a emissão de CO2 — nomeadamente, porque "um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre tais veículos não considera a depreciação real do mesmo e não permite acautelar que o montante de imposto fixado não exceda o imposto residual incorporado no valor de um veículo usado matriculado em território nacional”.
44. É na sequência deste entendimento que o Requerente pretende que lhe seja restituída a quantia de 59.741,96 euros, pagos em excesso, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data liquidação do tributo até à efetiva restituição.
45. Em sentido diametralmente oposto, a AT defende a legalidade da liquidação de acordo com os argumentos acima expostos.
46. Ora, sobre esta situação o CAAD já se pronunciou várias vezes.
47. Mencionamos, a título meramente exemplificativo, o processo n.º 660/2019-T, onde a situação sub judice é basicamente a mesma.
48. Seguimos o referido acórdão, com o qual concordamos na íntegra.
49. Também aqui entendemos que o teor do artigo 11.º, do Código do ISV, viola o disposto no direito comunitário, nomeadamente, o artigo 110.º, TFUE.
50. Destarte, serão de anular parcialmente os atos tributários, na medida em que os mesmos padecem de ilegalidade na parte em que não se consideraram a aplicação das percentagens de redução em resultado dos 'Anos de Uso' da componente ambiental, conforme determina o citado artigo 110.º do TFUE.
51. Quanto à questão da alegada inconstitucionalidade defendida pela Requerida em relação à interpretação defendida pela Requerente, não vemos como essa interpretação viola o disposto nos preceitos constitucionais referidos pela Requerida.
G. Do pagamento de juros indemnizatórios
52. Determina o n.º 5 do artigo 24.º, do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
53. Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, e artigo 100.º, da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
54. Determina ainda a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
55. Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso parcial dos montantes pagos pelo Requerente, relativo ao ISV na parte em que as liquidações são anuladas, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já referida.
56. Assim, considerando o disposto no artigo 61.º, do CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante de ISV pago indevidamente, contabilizados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º, do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do efetivo reembolso.
V. DECISÃO
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedentes os pedidos de anulação parcial da liquidação de ISV;
b) Anular parcialmente as liquidações impugnadas, quanto ao valor global de € 59.741,96;
c) Julgar procedente o pedido de reembolso do ISV acrescido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagar à Requerente a quantia de € 59.741,96, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até que ocorra o reembolso.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 59.741,96 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 11 de abril de 2021
(Armando Oliveira)