Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 525/2020-T
Data da decisão: 2021-03-31  IRS  
Valor do pedido: € 15.962,20
Tema: IRS – Mais-valias; Não residentes; Princípio da não discriminação.
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SUMÁRIO:

 

O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A) As partes e a constituição do tribunal arbitral

A..., contribuinte fiscal n.º..., casada no regime de separação de bens com B... e residente na ..., ..., ..., em França, apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2019..., relativa ao ano de 2018, no valor de € 15.962,20, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa da mesma. Peticiona ainda o reembolso de 50% do imposto relativo a mais-valias pago em excesso, juros indemnizatórios, a condenação da Requerida nas custas do processo e em custas de parte.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 10.10.2020 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 12.10.2020. Foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19.10.2020. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 02.12.2020, a ora signatária como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 05.01.2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro. Em 06.01.2021 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

Em 15.01.2021, a Requerida AT veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Não juntou processo administrativo.

Em 01.02.2021, foi proferido nos autos despacho arbitral, cuja fundamentação se dá por integralmente reproduzida, a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dada a ausência de matéria de facto controvertida e a evidência da natureza das questões suscitadas pelas partes, que se configuram como questões exclusivamente de direito. Por outro lado, porque as questões estavam suficientemente debatidas no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foram dispensadas alegações.

 

B) Do pedido formulado pela Requerente

A Requerente no presente pedido arbitral pretende a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2018 e a sua anulação, em parte, bem assim como a restituição do imposto por si pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT, desde a data do pagamento até efectivo reembolso. Alega, em síntese, que este acto tributário enferma de vício de violação de lei, porquanto no apuramento do seu rendimento colectável, a AT não aplicou a regra constante do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que prevê a redução em 50% (cinquenta por cento) da mais-valia realizada pela Requerente pela alineação onerosa do direito de propriedade.

Segundo a Requerente, o entendimento da AT, subjacente ao acto impugnado, assenta numa interpretação e aplicação do n.º 2, dos artigos 10.º e 43.º, do CIRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% (cinquenta por cento) as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em Portugal, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência do imposto unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do actual artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que corresponde ao artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE), por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia. Alega, em suma, que o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para tributação das mais-valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estabelece uma discriminação inaceitável à luz do disposto no artigo 56.º do Tratado da União Europeia, quando aplicado a residentes noutro estado membro que realizem mais-valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal. Assim, entende a Requerente que a liquidação impugnada é ilegal, porquanto tem a sua origem na aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, do qual resultou, no caso concreto, a aplicação da taxa de IRS sobre a totalidade da mais-valia e não apenas sobre 50%, apenas porque a Requerente, sendo residente noutro Estado da União Europeia – França -, não cumpre o pressuposto previsto na norma legal em causa. Invoca, em favor do seu entendimento, jurisprudência diversa, quer arbitral  quer dos nossos Tribunais superiores , bem assim como do TJUE . Em consequência, pede o reembolso do imposto pago indevidamente, bem como juros indemnizatórios. Requere ainda a condenação da Requerida nas custas e em custas de parte.

 

C) A Resposta da Requerida

A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual pugna pela manutenção na ordem jurídica do acto impugnado. Alega, em síntese, que a posição da Requerente não deve obter provimento, face à alteração do artigo 72.º do CIRS, efectuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (actual n.º 9) e 8 (actual n.º 10). Assim, o n.º 8 (actual n.º 10) do artigo 72.º do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro). O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Como tal, entende a AT que para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) do Modelo 3. Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data da jurisprudência do TJUE aqui invocada pela Requerente, tendo em conta que foi efectuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (actuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Salienta, ainda, a AT que o artigo que a Requerente pretende que lhe seja aplicado (43.º, n.º 2, do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento colectável". Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

Conclui pugnando pela legalidade da liquidação de IRS impugnada e pela improcedência do pedido arbitral e, caso se entenda de modo diferente, entende que deve o Tribunal arbitral suspender a instância até prolação de pronúncia do TJUE nos processos 598/2018-T e 569/2019-T.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

O processo não padece de vícios que o invalidem.

Cumpre decidir.

 

III – DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A)           Factos Provados

Tendo em conta a prova documental junta aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

Como matéria de facto relevante, dá o tribunal por assente os seguintes factos:

a)            A Requerente, à data do facto tributário, era residente em França, concretamente, na ..., ..., ... . (Doc. 1 junto com o pedido arbitral)

b)           Em 8 de Outubro de 2018, a Requerente procedeu à venda da sua quota-parte (50%) da fracção autónoma designada pela letra A, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... de ... . (Doc. 1 junto com o pedido arbitral)

c)            Consequentemente, a Requerente apresentou, em 2019, a Declaração de IRS Modelo 3, acompanhada do Anexo G, para declaração daquela alienação onerosa, na respectiva proporção. (Doc. 2 junto com o pedido arbitral)

d)           Na referida declaração, a Requerente declarou a sua condição de não residente em Portugal. (Doc. 2 junto com o pedido arbitral)

e)           No Anexo G da mencionada Declaração de Rendimentos, a Requerente inscreveu, no quadro 4 [“Alienação Onerosa de Direitos Reais sobe Bens Imóveis, artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS”], o valor de aquisição: € 65.000,00, e o valor de alienação: € 110.000,00. (Doc. 2 junto com o pedido arbitral)

 

f)            A Requerente, foi notificada da demonstração da liquidação de IRS com o n.º..., relativa ao ano de 2018, no valor de € 15.962,20, em conformidade com a cópia da demonstração de liquidação de IRS, que constitui o Doc. 3 anexo ao pedido arbitral.

g)            A AT liquidou imposto à taxa de 28%, sobre a totalidade das mais-valias realizadas com a venda da quota-parte da Requerente no identificado imóvel. (Doc. 3 junto com o pedido arbitral)

h)           De que resultou imposto a pagar no montante de € 12.418,00, a título de mais-valias, através da liquidação n.º 2019... de 08/11/2019, relativa ao ano de 2018, com o valor global de € 15.962,20. (Docs. 3 e 4 juntos com o pedido arbitral)

i)             A Requerente procedeu ao pagamento do imposto em 18.12.2019. (Doc. 5 junto com o pedido arbitral)

j)             Em 17.03.2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que não foi objecto de qualquer decisão. (Docs. 6 e 7 juntos com o pedido arbitral).

k)            Em 10.10.2020, a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

B) Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

C)           Fundamentação dos factos provados

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.

 

IV – DECISÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente. A questão de fundo a apreciar, consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes, e em concreto, se a base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o qual corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes. É, pois, esta a única questão que está em debate.

 

A) Da Questão de Direito a decidir nos presentes autos

Essa questão foi já analisada, em situação similar, no acórdão proferido no processo n.º 208/2019-T, na linha do também já decidido em diversas outras decisões arbitrais, e, não havendo motivo para alterar esse entendimento, passa aqui a reproduzir-se a parte mais relevante da sua fundamentação:

«Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, "constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...".

Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, art. 18.º, n.º 1, al. h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, arts. 13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2).

Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor actualizado pelo coeficiente de correcção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º 1, do citado Código.

No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redacção em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando "respeitante às transmissões efectuadas por residentes."

Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respectivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28.09.2006, Proc.439/06).

Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11.10.2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que " O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel."

Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16.01.2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que " O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia."

A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22.03.2011- Proc. 01031/10, de 10.10.2012, Proc. 0533/12, de 30 .04.2013, Proc. 01374/12, de 18.11.2015, Proc. 0699/15, de 03.02.2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20.02.2019, Proc. 0901/11.

Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os actuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redacção:

"9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes."

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme, aliás, em vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objecto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, insusceptível de excluir a discriminação em causa.

Nesse sentido, pode ler-se na decisão arbitral de 22.05.2019, Proc. 74/2019-T:

"Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa. De facto, actualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do n.º 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação susceptível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter de optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:

a. "a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório", frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.".

b. "o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório".

c) O Tratado "se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes".

No mesmo sentido, considerou-se, em decisão arbitral de 14.05.2013, Proc. 127/2012-T que "(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que "ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.

É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do actual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.

Também dúvidas se não suscitaram ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20.02.2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 - reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, portanto já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos: "12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28.04, instituiu um regime opcional, ex vi n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes. 13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18.03.2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann. 14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes. 15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional. 16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03.02.2016, Proc. 01172/14 - negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida. 17. Concluindo que a aplicação do n.º 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra".»

Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e a referida decisão proferida no processo n.º 208/2019-T que aqui se transcreveu, considera este Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação ora impugnada.

Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, bem como o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, encontram-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se, no entanto, a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, a título de mais-valias, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser anulado nessa parte.

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no pagamento de juros indemnizatórios, de custas do processo e em custas de parte.

 

B) Reembolso das quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito". O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS, ao reembolso da importância indevidamente liquidada, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

C) Reenvio prejudicial

A Autoridade Tributária entende que deve o Tribunal arbitral suspender a instância até prolação de pronúncia do TJUE nos processos 598/2018-T e 569/2019-T.

No entanto, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça que foi mencionada, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais, não se afigurando que o caso dos autos ofereça qualquer especificidade, no plano dos factos, que recomende uma nova intervenção em sede de reenvio.

Entende-se, nestes termos, não se justificar a requerida suspensão.

 

D)           Custas de Parte

Nem o RJAT nem o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária prevêem a possibilidade da condenação da Requerida em custas de parte.

O artigo 4.º do Regulamento de custas estabelece que não há lugar a reembolso, devolução ou compensação, a qualquer título, para além dos casos previstos naquele regulamento.

Pelo que improcede o pedido de custas de parte formulado pela Requerente.

 

VI - DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o acto tributário objecto dos presentes autos, por violação de lei, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, com as demais consequências legais;

b)           Condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até à data do processamento da respectiva nota de crédito;

c)            Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida em custas de parte;

d)           Condenar a AT no pagamento das custas do processo.

 

VII - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 15.962,20 (quinze mil, novecentos e sessenta e dois euros e vinte cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de Março de 2021

 

O Árbitro,

Cristina Aragão Seia