Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 476/2020-T
Data da decisão: 2021-03-23  IRS  
Valor do pedido: € 9.568,28
Tema: IRS - Não Residente; Residente em Estado Membro da União Europeia. Tributação das mais-valias na transmissão onerosa de imóvel.
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Sumário

I - A necessidade de escolha pelo contribuinte não residente do regime de tributação aplicável para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em território português não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, opõe-se ao artigo 63.º do TFUE lido em conjugação com o artigo 65.º, conforme Acórdão do TJUE, de 18 de março de 2021, proferido no Processo C-388/19.

 

II - Não são, pois, conformes com o Direito da União, e consequentemente são ilegais, as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e dos atuais n.ºs 13.º e 14 do artigo 72.º do mesmo Código, o que é fundamento de anulação de uma liquidação de imposto que tenha sido efetuada em conformidade com elas, aplicando a taxa de 28% à totalidade das mais-valias realizadas e não apenas a 50%.

 

III - Sendo o ato tributário divisível por natureza e definição, impõe-se a sua anulação parcial para suprimento da ilegalidade cometida e que não contamina a matéria coletável deixada incólume.

 

DECISÃO ARBITRAL

I - Relatório

 

1.            A..., titular do Cartão de Cidadão de Cidadão n.º..., emitido pelas entidades competentes da República Portuguesa e válido até 16 de Janeiro de 2022, com o número de identificação fiscal ... e residente em ..., n.º..., ... ..., Espanha (doravante a “Requerente”), veio, em 21/09/2020, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS e de juros compensatórios, efetuada em 2019 e relativa ao ano de 2018.

 

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) em 22 de setembro de 2020.

 

3.            A Requerente pediu a nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º.1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

 

4.            A Requerente e a Requerida foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5.            O Tribunal foi declarado constituído em 17 de dezembro de 2020.

 

6.            A AT apresentou a sua resposta em 22 de janeiro de 2021, a que, como Processo Administrativo (PA) apenas juntou uma informação da Direção de Serviços do IRS mantendo o ato praticado.

 

7.            Em 25 de janeiro foi proferido despacho arbitral dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e da apresentação de alegações, e determinando à AT a junção da reclamação graciosa que a Requerente tinha oportunamente deduzido

 

8.            A AT juntou aos autos, em 27 de janeiro de 2021, o designado "Documento 1", referido na Resposta.

 

9.            A AT juntou aos autos, em 28 de janeiro de 2021, a reclamação graciosa, no estado em que se encontrava à data da dedução do pedido de decisão arbitral.

 

10.          A Requerente juntou aos autos, em 2 de fevereiro de 2021, uma denominada "resposta à resposta da AT".

 

11.          Por despacho arbitral, de 3 de fevereiro de 2021, foi mandada desentranhar dos autos a "resposta à resposta da AT", apresentada pela Requerente, com fundamento em atipicidade e não previsão legal

 

12.          Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o indeferimento tácito da reclamação graciosa e ainda que anule, parcialmente, a liquidação de IRS n.º 2019..., do ano de 2019, relativa a rendimentos auferidos no ano de 2018, no montante total de 9.568,28€, com todas as legais consequências, nomeadamente o reembolso ao Requerente do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

13.          A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

a.            À Requerente foi imputado o rendimento global de €68.344,83 sendo o mesmo valor imputado igualmente como “Total do rendimento para determinação da taxa”;

 

b.            A AT aplicou a taxa autónoma de 28% sobre a totalidade das mais-valias obtidas pela Requerente em 2018, tendo daí resultado um imposto a pagar de €19.357,56;

 

c.            Ora, os sujeitos passivos não residentes em território português apenas estão sujeitos a tributação em sede de IRS em Portugal relativamente aos rendimentos de fonte portuguesa, conforme resulta do n.º 2 do artigo 15.º do Código do IRS (CIRS);

 

d.            Nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS, consideram-se rendimentos de fonte portuguesa, designadamente, os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão – pelo que serão sempre sujeitos a imposto em Portugal, até porque a convenção para evitar a dupla tributação assinada entre Portugal e Espanha atribui ao país onde se encontra localizado o imóvel o poder para tributar as referidas mais-valias;

 

e.            No que respeita à tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de imóveis, os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do CIRS, estando os sujeitos passivos não residentes sujeitos a tributação à taxa especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS;

 

f.             Acresce que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano é, no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, apenas considerado em 50% do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS;

 

g.            Já os não residentes, no entendimento da AT, são tributados sobre a totalidade das mais-valias auferidas, exceto se optarem pelas taxas progressivas e cumprirem as demais condições;

 

h.            Ora, constitui entendimento consolidado e amplamente replicado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a proibição de um tratamento discriminatório entre os sujeitos passivos residentes num Estado-Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado-Membro.

 

i.             Ou seja, tal interpretação no sentido de aplicar dois regimes distintos, para residentes e não residentes em Portugal, é absolutamente contrária às normas de direito europeu, e à jurisprudência do TJUE e dos tribunais internos que sobre o assunto se pronunciou.

 

j.             Pelo que se conclui que a presente liquidação adicional de IRS é ilegal, por não tributar apenas metade da mais-valia realizada pela Requerente aquando da venda do imóvel, e deve ser anulada, sendo restituídos à Requerente os valores indevidamente pagos.

 

14.          Por seu lado, a Requerida na sua Resposta, defendeu a improcedência do pedido da Requerente, também em síntese, nos termos seguintes:

 

a.            A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal nem residente num Estado Membro da União Europeia (ou seja, residente num país terceiro) violar o Direito Comunitário.

 

b.            Ou seja, entende a Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros).

 

c.            Ora, na sequência da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, operou-se a alteração do artigo 72.º do CIRS no sentido dos não residentes que obtenham mais-valias valias imobiliárias em território poderem ser tributados por apenas 50% desses ganhos se optarem pela sua tributação por englobamento, o que significa tributação por taxas progressivas.

 

d.            Devendo, consequentemente, ser declarados todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, tal como está consagrado para os residentes.

 

e.            Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2018), verifica-se que no quadro 8B foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime aplicável aos não residentes).

 

f.             Posto isto, a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.

 

g.            Assim, as alegacões da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 13) e 8 (atual n.º 14).

 

h.            O n.º 8 (atual n.º 14) do artigo 72° do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

 

II - Saneamento

15.          De modo resumido:

 

a.            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido - cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT;

 

b.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas - artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março;

 

c.            O pedido é tempestivo;

 

d.            O processo não enferma de nulidades.

 

III - Matéria de Facto

III.1 - Factos provados

 

16.          Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            A Requerente, sendo residente fiscal em Espanha, em 2018, é não residente fiscal em território português nesse mesmo ano fiscal.

 

b.            A Requerente alienou onerosamente, em 23 de janeiro de 2018, por escritura pública de compra e venda lavrada em 23 de janeiro de 2018, pelo preço de 157.500,00€, o prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., ..., Freguesia ..., Concelho de Setúbal, inscrito na matriz predial da mesma freguesia nos o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 57.644,79€.

 

c.            A Requerente adquiriu o prédio ora alienado em 27 de novembro de 2008, pelo preço de 60.000,00€.

 

d.            Em 14 de outubro de 2019, a Requerente apresentou a sua declaração anual de rendimentos com os anexos A e G, o primeiro com rendimentos de trabalho dependente (41,59€) e o segundo com os dados e valores legalmente exigíveis para o apuramento das mais-valias ou menos-valias geradas pela alienação onerosa do prédio urbano.

 

e.            A Requerente não preencheu, na declaração de rendimentos apresentada, os campos relativos à opção pelo regime previsto nos atuais n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do CIRS.

 

f.             Em 9 de novembro de 2019, a Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2019..., de 18 de outubro de 2019, com um rendimento global apurado de 68.344,83€ e o montante total de IRS a pagar de 19.357,56€, incluindo já a quantia de 222,26€ de juros compensatórios.

 

g.            Quanto a valores de imposto liquidado, a Nota Demonstrativa da Liquidação apresenta, na linha 17, Imposto relativo a tributações autónomas, a quantia de 19.124,90€, na linha 18, Coleta total, a quantia de 19.135,29€, na linha 22, Coleta líquida, a quantia de 19.135,30€ que repete na linha 25, Imposto apurado, não se fundamentando as diferenças verificadas, nem, na Resposta da AT, se lhes fazendo qualquer referência

 

h.            Em 20 de fevereiro de 2020, a Requerente deduziu reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de Lisboa ..., que foi instaurada como Processo n.º ...2020... .

 

i.             Depois de autuado o respetivo processo, consta dele uma diligência efetuada em 24 de agosto de 2020, a qual consistiu na junção de um print da consulta IRS - Pesquisa sobre DECLARAÇÕES/LIQUIDAÇÕES POR CONTRIBUINTE TITULAR, o qual evidencia que, com referência ao ano de 2018, foram apresentadas duas declarações anuais de rendimentos, uma primeira declaração e uma declaração de substituição, referindo-se ou tendo por base a declaração de substituição a liquidação notificada à requerente e a nota demonstrativa da liquidação.

 

j.             Do mencionado processo de reclamação graciosa consta ainda, a final, uma proposta de arquivamento, que o chefe do Serviço de Finanças sancionou por despacho de 28 de dezembro de 2020, com fundamento no facto de a Requerente ter, entretanto, deduzido o presente PPA, considerando-se, pois, formado o indeferimento tácito.  

 

k.            Em 30 de outubro de 2020, a Subdiretora-Geral da Área do Rendimento manteve o ato de liquidação impugnado, por despacho lavrado em Informação que, para o efeito, lhe foi submetida pela Direção de Serviços do IRS, a esta se cingindo o Processo Administrativo.

 

l.             Em 21 de setembro de 2020, com fundamento em indeferimento tácito, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

III.2 - Factos não provados

17.          Não foi provada a lógica do conteúdo descritivo, no que respeita à determinação do imposto devido, da nota demonstrativa da liquidação de IRS contestada.

 

18.          Não há outros factos com relevância para a decisão que não tenham sido provados.

 

19.          A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente ao PDA, na aplicação informática do CAAD, no PA e no Processo de Reclamação Graciosa juntos aos Autos pela requerida.

 

20.          Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

III.3 - Motivação

 

21.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta (m) o pedido formulado pela Requerente [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e declarar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

 

22.          Em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não prevalece na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

23.          Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

IV - Matéria de direito

 

24.          São duas as questões que constituem objeto deste processo:

 

a.            A primeira consiste em saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes;

 

b.            A segunda questão, se a resposta à primeira for negativa, é a de saber se o regime atualmente consagrado nos n.ºs 13 e 14.º do artigo 72.º CIRS (opção pelo englobamento) é compatível com o direito da União.

 

25.          Assim, após a apreciação da posição das partes em matéria de fundamentação de direito, deve, o Tribunal deve decidir as seguintes questões:

 

a.            A compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes;

 

b.            O pedido de reenvio prejudicial ao TJUE;

 

c.            A (i)legalidade parcial da liquidação impugnada;

 

d.            O pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

 

IV.1 - Posições das Partes

 

26.          Os artigos 10.º, 43.º e 72.º do CIRC, com a redação vigente em 2018, estabelecem o seguinte, no que à decisão interessa:

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

Artigo 43.º

Mais-valias        

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

 

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.

(...)

Artigo 72.º

Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(...)

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(...)

27.          A Requerente era residente em Espanha e não formulou a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obteve, provenientes da venda de um imóvel, foram tributadas, em 2018, à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS.

 

28.          A Requerente defende, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao circunscrever aos sujeitos passivos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redação vigente em 2018, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros, pelo que deve ser-lhes aplicado o regime previsto para os residentes.

 

29.          Quanto à referida opção consagrada nos citados n.ºs 8 e 9 (atuais n.ºs 13 e 14) do artigo 72.º do CIRS, a Requerente defende que a suscetibilidade de opção não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, explícita no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

 

30.          A Administração Tributária defende, por sua vez, a legalidade da liquidação efetuada, alegando que a incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com o Direito da União é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 9 e 10 (atuais n.ºs 13 e 14) do artigo 72.º do mesmo Código

 

31.          E adianta que, e, em caso de dúvida, deve suspender-se a instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto de reenvio prejudicial a que o Estado Português se encontra vinculado.

 

32.          A AT invoca, por último, em favor da sua defesa da legalidade do ato de liquidação impugnado, as CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL GERRARD HOGAN, apresentadas em 19 de novembro de 2020, no Processo C-388/19 , MK contra Autoridade Tributária e Aduaneira que rematam nos seguintes termos :

 

Tendo em conta o que precede, proponho por isso ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial que lhe foi submetida pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD) (Portugal) da seguinte maneira:

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que sujeita a tributação das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro por um residente de outro Estado Membro a um regime fiscal diferente do aplicável aos residentes, desde que essa mesma legislação ofereça aos não residentes a possibilidade de optar pelo regime fiscal aplicável aos residentes. Nestas condições, as autoridades do Estado Membro em causa devem certificar se de que a possibilidade de fazer tal escolha foi comunicada aos não residentes, de forma clara, atempada e inteligível, e que as consequências decorrentes do facto de a totalidade dos rendimentos da pessoa em causa não ser tributada nesse Estado são neutralizadas. O cumprimento destes últimos requisitos é, todavia, uma questão que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

IV.2 - A questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes

33.          Esta questão foi já dissecada em inúmeras decisões jurisprudenciais, nomeadamente pelo STA e pelo CAAD. Adere-se, aqui, desde logo, à posição adotada na Decisão Arbitral de 23 de outubro de 2020, Processo 310/2020-T, para a qual se remete, sem necessidade, consequentemente, de aqui se aludir a toda a jurisprudência interna e do TJUE que naquela exaustivamente se refere.

 

34.          O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».

 

35.          Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor».

 

36.          Este regime está previsto apenas para as transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis, para a alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no setor comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não seja o seu titular originário e para a cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis, efetuadas por residentes (antes do aditamento da alínea i)  pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro).

 

37.          Para os não residentes, prevê-se no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado», parecendo ter-se querido afastar o saldo entre mais-valias e menos-valias que eventualmente nas respetivas transmissões onerosas se verifique, porque, nos termos da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 72.º, só o saldo (positivo) entre mais-valias e menos-valias resultantes dos factos tributários previstos nas restantes alíneas é tributado.

 

38.          No entanto, nos n.ºs 9 e 10 deste artigo 72.º (na redação da Lei n.º 2-E/2014, de 31 de Dezembro) estabelece-se que «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» e que, «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».

 

39.          Destas normas decorre que existem, quanto ao elemento subjetivo do facto tributário, três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:

 

a.            Para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que o saldo entre as mais-valias e as menos valias realizadas, respeitantes a específicos factos tributários, são consideradas apenas em 50% do seu valor;

 

b.            Para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de optarem pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;

 

c.            Para os não residentes em território português e nem num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.

 

40.          E quanto ao elemento objetivo do facto tributário, existem igualmente distintos regimes, uma vez que, atenta a literalidade das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS:

 

a.            A determinação do rendimento líquido da categoria G não é igual para residentes e não residentes;

 

b.            A compensação de perdas é restringida para os não residentes, embora a jurisprudência não venha aceitando essa restrição (ver, v. g., Acórdão do STA de 20-03-2019, Processo 0968/14.0BELLE 01411/15).

 

41.          A Requerente, em 2018, não residia em território português, mas residia em território de um Estado-Membro da União Europeia, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, com possibilidade de opção pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

 

42.          A Requerente defende que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, que estabelece que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, por não ser aplicável a exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo Tratado.

 

43.          A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que:

 

a.            A incompatibilidade do regime de tributação de não residentes com o Direito da União Europeia que se previa nas redações do CIRS anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro foi declarada pelo acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no processo C-443/06, caso Hollmann;

 

b.            Esse regime foi alterado com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 72.º (a que correspondem os n.ºs 8, 9 e 10, na redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro e, atualmente, os n.ºs 12, 13 e 14, na renumeração efetuada pela Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro, com produção de efeitos a 1 de janeiro de 2019);

 

c.            Não há ainda jurisprudência do TJUE sobre a compatibilidade do novo regime com o Direito da União;

 

d.            Mas existe já a posição, conforme à sua tese, do Advogado-Geral no Processo C-388/19;

 

e.            Pelo que deve suspender-se a instância neste tribunal e ser efetuado reenvio prejudicial.

 

 

IV.3 - Desenvolvimentos recentes

 

44.          Sucede, porém, que a questão prejudicial submetida ao TJUE sobre o objeto deste PDA acaba de ser decidida por Acórdão de 18 de março de 2021, proferido no Processo C-388/19, pelo Tribunal de Justiça (Primeira Secção), já disponível em curia.europa.eu, que se pronunciou nos termos seguintes:

 

O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

45.          Assim se concluindo, definitivamente, como, aliás, já era jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, designadamente do STA (cfr. Acórdão de 9 de dezembro de 2020, Processo n.º 064/20-0BALSB), e recorrente no CAAD (ver, por todas, a Decisão Arbitral de 10-11-2020, proferida no Processo 334/2020-T), pela incompatibilidade do regime instituído pelo legislador nacional após a sua condenação por Acórdão do TJUE de 11 de dezembro de 2007, no Processo C-443/06.

 

46.          Pelo exposto, a necessidade de escolha pelo contribuinte não residente do regime de tributação aplicável para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em território português não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, opõe-se ao artigo 63.º do TFUE lido em conjugação com o artigo 65.º do TFUE.

 

47.          São, assim, ilegais, por incompatibilidade com o Direito da União, não só a disposição do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS na exata medida em que limita a redução em 50% das mais-valias realizadas por residentes, mas também o regime de opção consagrado nos atuais n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do mesmo Código.

 

48.          Nos termos expostos, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes e sem dependência da opção prevista no atual n.º 13 do artigo 72.º do mesmo Código.

 

49.          Consequentemente, a liquidação impugnada, ao não aplicar aos Requerentes a redução em 50% prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enferma de vício de violação de lei.

 

50.          Este vício afeta também a liquidação de juros compensatórios, que tem a respetiva liquidação de IRS como pressuposto, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

 

IV.4 - Do reenvio prejudicial

 

51.          O reenvio prejudicial que é sugerido pela AT está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do TFUE, mas, neste caso e face aos desenvolvimentos recentes, está, obviamente, prejudicado.

 

IV.5 - Da anulação parcial ou total

52.          Estando, pois, a liquidação impugnada inquinada de vício de violação de lei, é de anular, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

53.          A Requerente requer, certamente por lapso, a anulação do valor de 9.568,28€, o que não corresponde exatamente a 50% do valor total da liquidação (juros compensatórios incluídos), isto é, de 19.357,56€, nem a 50% do valor do imposto liquidado e relativo às mais-valias (19.124,90€), acrescendo que o imposto liquidado ascende a 19.135,29€, sem juros compensatórios.

 

54.          A Demonstração de Liquidação do IRS não fundamenta estas diferenças e este Tribunal entende que as devia fundamentar ao abrigo do dever geral de fundamentação dos atos tributários consagrado no artigo 77.º da LGT, ainda que de forma sumária (n.º 2).

 

55.          Por meras operações aritméticas, concluiu-se, no entanto, aplicando-se o disposto nos artigos 44.º, 46.º, 50.º e 51.º do CIRS, que o valor do imposto relativo às mais-valias, segundo defende a AT estaria correto: MV = 157.500,00 - (60.000,00 x 1,09) - 23.796,76 = 68.303,24€; Imposto = 68.303,24 x 28% = 19.124,90€.

 

56.          A diferença para 19.135,29€, ou seja, de 10,39€, deriva da aplicação da taxa de 25% ao rendimento de trabalho dependente (categoria A) declarado, de 41,59€, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 71.º do CIRS, ainda que aquele montante não conste em qualquer linha da Nota Demonstrativa da Liquidação, o que, salvo melhor entendimento, não devia suceder, e que até se poderia configurar como falta de fundamentação.

 

57.          O arredondamento da importância de 19.135,29 para 19.135,30€, em linha distinta da nota demonstrativa da liquidação, parece ter ficado a dever-se às regras de arredondamento do euro divulgadas pela Circular n.º 1290-A/2001, de 19 de julho de 2001, da Direção-Geral do Orçamento. No entanto, parece que a mesma devida ter sido logo efetuada na linha 18 - Coleta Total, o que melhor se entenderia.

 

58.          Na decisão do CAAD que vimos seguindo de perto, levanta-se a questão de saber se se há de anular totalmente, ou se apenas parcialmente, a liquidação impugnada, invocando-se jurisprudência contraditória do STA. Na verdade, em casos idênticos, há acórdãos que defendem a não anulação parcial, como é o caso dos acórdãos de 23-03-2011, Processo n.º 01031/10 e de 10-10-2012, Processo n.º 0533/12 e acórdãos mais recentes que defendem a anulação parcial, como é o caso dos Acórdãos de 30-04-2013, Processo n.º 01374/12, e de 18-11-2015, processo n.º 0699/15. E no Processo n.º 310/2020-T, do CAAD, foi decidida a anulação total. Dela dissentimos quanto a este ponto. De facto,

 

59.          Desde, pelo menos, 2013, que o STA tem entendido reiteradamente que, julgada incompatível com o direito comunitário a norma contida no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, na medida em que prevê, somente para os residentes em Portugal, a limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, é ilegal o ato de liquidação que desconsiderou essa limitação relativamente a um não residente. E restringindo-se a ilegalidade a esse excesso de tributação, o ato deve ser anulado apenas parcialmente num caso em que a matéria coletável é constituída exclusivamente pela mais-valia imobiliária, com a aplicação de uma taxa fixa de imposto, porquanto, o ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial.

 

60.          E ainda recentemente, em Acórdão do STA de 17-02-2021, Processo 0710/11.BELRS, se escreveu: Neste cenário, julgamos, perfeita e legalmente, cabida, na certeza, transitada em julgado, de que a liquidação de IRS impugnada (aludida em A. dos factos assentes) considerou, além de outros, um rendimento tributável, da categoria G (mais-valias), num quantitativo superior em 50% ao que devia ter ocorrido (foi utilizada a percentagem de 100 em vez da legal de 50), a possibilidade de ser declarada a consequente, incontornável, ilegalidade de tal ato tributário, apenas, quanto à consideração do rendimento, respeitante às mais-valias auferidas, em 100%, devendo sê-lo em 50%, deixando, concomitantemente, incólume a restante composição do rendimento tributável, do impugnante, para o ano de 2003. Obviamente, em sintonia com o acima expresso, cabe, no momento oportuno, aos serviços da AT, com competência para o efeito, desenvolverem os trâmites necessários ao suprimento da ilegalidade cometida, corrigindo, na medida precisa e adequada, o ato de liquidação de IRS em crise, por forma a que, em todas as suas componentes (rendimento tributável, abatimentos, taxa, deduções …) se refletiam os efeitos decorrentes da, aqui, decretada anulação parcial do mesmo. Não se tendo a sentença recorrida movido nesta linha de pensamento e atuação, por erro de julgamento, tem de ser, parcialmente, revogada.

 

61.          A generalidade das decisões proferidas no CAAD sobre a mesma matéria pronunciaram-se no sentido da anulação parcial da liquidação.

 

62.          Aliás, nós entendemos que, nestes casos, não faz sentido algum, podendo mesmo configurar-se como incorreto, falar-se em "nova liquidação". De facto,

 

63.          Dispunha, in illo tempore, o artigo 68.º do Decreto n.º 16.733, de 13 de Abril de 1929, que "Os chefes das repartições de finanças cumprirão ex officio as sentenças ou acórdãos dos tribunais do contencioso. § único. Quando tais sentenças ou acórdãos importem ou determinem a anulação parcial ou total da colecta impugnada, processar-se há o competente título de anulação, para ser encontrado ou restituído a dinheiro, quando se trate de receita virtual". Veio, posteriormente, o Decreto-Lei n.º 39.393, de 20 de Outubro de 1953, determinar a extensão, no seu artigo 8.º, da obrigatoriedade da passagem do competente título de anulação nos casos em que a coleta impugnada tivesse sido cobrada eventualmente.

 

64.          De harmonia com FRANCISCO RODRIGUES PARDAL , "o título de anulação é um título de crédito, mediante o qual a administração fiscal declara que determinado imposto foi indevidamente liquidado e, por isso, foi anulado. O título de anulação é passado em execução de uma decisão administrativa ou dos tribunais".

 

65.          Ou seja, a emissão de um título de anulação não pressupunha quer a anulação total da liquidação quer a sua anulação parcial, nem decorria ou se concretizava em nova "liquidação", satisfazendo-se com a declaração de que determinado imposto fora indevidamente liquidado e que, nos exatos termos da decisão administrativa ou jurisprudencial, se anulava uma determinada importância. Era, porém, obrigatório anotar o título no verbete de lançamento da liquidação anulada, por razões de certeza e de segurança jurídico-tributárias, como é evidente.

 

66.          Quando, no âmbito da Reforma do Tesouro prevista no Decreto-Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro, foi determinado, pelo artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 275-A/93, de 09-08-1993, que a restituição das receitas passava a fazer-se por reembolso, através dos meios de pagamento do tipo e com as características dos utilizados pelos bancos, extinguiu-se, por decorrência, o velho título de anulação, sem que nenhum outro documento equivalente tivesse, até agora, sido criado e evitasse estas "liquidações anulatórias" que relevam de total ausência de regime jurídico e até, que se conheça, de entendimento administrativo geral e abstrato. Porque uma coisa é enviar um cheque, ou fazer uma transferência bancária, ao Autor da reclamação, da revisão ou da impugnação (proposição do DL 275-A/93), outra coisa é o documento justificativo da anulação que poderia limitar-se a declarar a anulação da importância correspondente. A exemplo do "Documento Único de Cobrança", bem poderia designar-se "Documento Único de Reembolso".

 

67.          A tese exposta tem apoio jurisprudencial, nomeadamente no Acórdão do STA de 15-06.2016, Processo n.º 01471/15, onde, sumariando, se escreveu: A existência de uma "liquidação corrigida", ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da AT6procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo, por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data do acto que a corrija.

 

68.          Nestes termos, há de anular-se parcialmente a liquidação que vem impugnada, devendo, no entanto, ter-se em conta que o montante a anular deve apenas corresponder a 50% da matéria coletável relativa às mais-valias e equivalentes juros compensatórios, ou seja:

 

a.            Imposto a anular: 50% de 19.124,90€, o que é igual a 9.562,45€;

 

b.            Os juros compensatórios que, no total liquidado, proporcionalmente correspondam ao imposto a anular, o que se traduz no montante de 111,07€;

 

c.            Total a anular: 9.673,52€

 

 

IV.6 - Pagamento de juros indemnizatórios

 

69.          A Requerente pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios.

 

70.          A Requerente comprovou que pagou o imposto e juros compensatórios que lhe foram liquidados em 28 de novembro de 2019.

 

71.          Concluindo-se que há erro na liquidação imputável aos serviços da administração tributária, são devidos juros indemnizatórios à Requerente, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

72.          Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data em que ocorreu o pagamento do imposto e juros compensatórios ora anulados até ao seu reembolso integral à Requerente, à taxa legal supletiva nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V - Decisão

Nestes termos este Tribunal Arbitral decide:

A.           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, pressupondo, por consequência, a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação e a anulação parcial desta.

 

B.            Anular parcialmente a liquidação de IRS relativa ao ano de 2018 e à Requerente, condenando a Requerida a restituir-lhe o montante de imposto e juros compensatórios pagos em excesso conforme determinado supra (n.º 68).

 

C.            Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto IV.5 da presente Decisão Arbitral

 

VI - Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento corrige-se o valor do processo para 9.673,52 €, correspondente ao benefício efetivo da Requerente

 

VII - Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

              

Lisboa, 23-03-2021

 

O Tribunal Arbitral Singular

(Manuel Faustino)