O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A.
1. No dia 1 de julho de 2020, A... residente em ..., França, e em ..., Amares, Portugal com o NIF ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), pedindo a anulação parcial da nota de liquidação de IRS n.º 2019..., relativa a 2018, no valor de € 8.832,77, e o pagamento de juros indemnizatórios com relação ao montante pago em excesso.
2. No dia 2 de julho de 2020 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 24 de agosto de 2020 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 23 de setembro de 2020.
6. No dia 21 de outubro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
7. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.
8. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art. 21.º, 1, do RJAT.
9. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º e 6.º, 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Nada obsta a que seja apreciado o mérito da causa.
B. Posição das partes
Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, sendo residente em França, na qualidade de não residente em Portugal, comprou em 1998 a fração autónoma inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia ..., Braga, destinado a habitação própria e permanente pelo preço de € 14.000,00, tendo a vendido em 2018 pelo preço de € 59.000,00. A Requerente apresentou a declaração de rendimentos, IRS-modelo 3, referente ao ano de 2018, onde declarou pretender a tributação pelo regime geral (dos não residentes).
Desta declaração resultou nota de liquidação de IRS n.º 2019..., relativa a 2018, no valor de € 8.832,77.
A Requerente, no entanto, investiu o produto da venda da referida fração na compra de prédio sito na União das Freguesias ... e ... .
Não concordando com a referida liquidação, apresentou declaração de substituição, entretanto convolada em reclamação graciosa com o n.º ...2019..., que obteve despacho de indeferimento, fundado no facto de a Requerente não possuir qualquer habitação própria e permanente em Portugal.
Entende a Requerente que a AT tributou a mais valia imobiliária do ano de 2018, no montante de € 31.180,00, na sua totalidade, à taxa de 28% (artigo 72.º, CIRS), sem considerar o previsto no 43.º, 2, CIRS, discriminando negativamente os não residentes, infringindo, desta forma, os arts. 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por comparação com o mesmo tipo de operação efetuado por um residente do estado onde o bem imóvel se situa (em Portugal). Deste modo, o ato de liquidação impugnado é ilegal na medida em que se fundamenta em norma do direito interno incompatível com o direito comunitário. A tributação só pode incidir sobre 50% da mais valia, por força do dispostno no art. 43.º, 2, CIRS, apesar de a Requerente ser não residente em Portugal.
Por sua vez, a AT veio defender-se por impugnação, concluindo que a liquidação em causa não padece do vício alegado na medida em que a Requerente não considerou a redação do art. 72.º, introduzida pela L 67-A/2007, de 31 de dezembro, nomeadamente, os aditamentos dos ns. 7 e 9 (atualmente, ns. 14 e 15), no sentido de, se pretendesse beneficiar da incidência de apenas de 50% da mais valia, teria de ter optado pela tributação da totalidade dos seus rendimentos à taxa que seria aplicável no caso de terem sido auferidos por residente em território português, o que se não verificou. Para o efeito, deveria ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do art. 68.º, CIRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
Mais refere a AT que o Ac. do TJCE citado pela Requerente considerava um enquadramento legal que, com os aditamentos mencionados, deixou de ser relevante, porque desatualizado. Com efeito, "após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9) e o n.º 8 (atual n.º 10). Isto porque essa alteração "veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território". Daí que entende que que deve ser mantida a liquidação impugnada, referente ao IRS do ano fiscal de 2018.
Pede ainda a AT que "caso subsistam dúvidas, por força da obrigação de reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (...) deverá suspender-se a instância para que o TJUE estabeleça interpretação vinculante sobre a matéria"
Conclui pedindo que seja julgada improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
A) A Requerente é emigrante em França, residindo em ..., França, e em ..., Amares, Portugal.
B) A Requerente comprou em 1998 a fração autónoma inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia de ..., Braga, destinado a habitação própria e permanente pelo preço de € 14.000,00.
C) Beneficiou das isenções de IMT e de IMT em virtude de ter afetado a referida fração a sua habitação própria e permanente aquando das suas estadias em Portugal.
D) A fração referida foi vendida em março de 2018 pelo preço de € 59.000,00.
E) A Requerente comprou nesse mesmo ano, pelo preço de € 59.000,00, o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Braga, sob o artigo ... .
F) Da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome da Requerente, com o n.º ..., com data de entrega de 29/10/2019, relativa ao ano fiscal de 2018, no quadro 8B, foi assinalado o campo 04 (não residente), o campo 06 (residência em país da EU — 250 — França) e o campo 07 ( pretende a tributação pelo regime aplicável aos não residentes).
G) Do Anexo G resulta a declaração de alienação onerosa de direitos reais sobre o identificado bem imóvel, tendo 59.000 euros como valor de realização e 14.000 euros como valor de aquisição, respetivamente, dos anos de 2018 e de 1998, tendo sido suportadas despesas e encargos de 7.380 euros.
H) Tal declaração foi aceite e validada pela AT, dando origem à liquidação de IRS n.º 2019..., relativa a 2018, no valor de € 8.832,77.
I) A Requerida aplicou a taxa de 28% sobre a totalidade do rendimento declarado, ou seja, das mais valias referidas.
J) A Requerente apresentou declaração de substituição n.º ... com data de 25/11/2019, fazendo constar que tinha investido o preço recebido resultante da venda efetuado na compra do prédio identificado anteriormente.
K) A AT convolou a referida declaração de substituição em reclamação graciosa, a que foi atribuído o número ...2019..., posteriormente indeferida por a Requerente não ter demonstrado que tal prédio se encontrava afetado à sua habitação própria e permanente.
L) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto em causa, no montante de € 8.832,77.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, do CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Considerando o alegado pelas partes e ainda a matéria de facto dada como provada, a questão a dirimir consiste em aferir, face ao quadro legislativo vigente em 2018, se é legalmente admissível a exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% prevista no art. 43.º, 2, CIRC, quando o sujeito passivo é um não residente em Portugal mas residente num Estado Membro da União Europeia. Isto é, se as referidas mais valias imobiliárias devem ser tributadas em apenas 50% ou a 100% a uma taxa de 28%.
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Veio a AT requerer a suspensão da instância.
Para o efeito, importa considerar a jurisprudência que iremos citar, infra, e ainda o disposto no art. 8.º, 4, CRP.
Vejamos o que já foi decidido neste tribunal arbitral, proc. 904/2019-T, em situação similar:
Prescreve o art. 8, 4, CRP, que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Por seu turno, e hoje entendimento comummente aceite que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.
Tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, bem assim como o recente acórdão do STA, de 02-20-2019, sobre esta matéria, o regime facultativo introduzido pelo orçamento de estado para 2008, ao fazer impender sobre os não residente um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, mantém a discriminação entre residentes e não residentes.
Ademais, conforme decidido no processo 600-T/2018, “(...) quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do ato claro).
No caso em apreço, conclui-se com segurança, da reiterada jurisprudência do TJUE, secundada pela jurisprudência nacional, que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanda pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial, ou da suspensão da presente instância.
Acresce referir que a suspensão da instância, determinada por outro Tribunal, não obriga este Tribunal a determinar tal reenvio ou suspensão, uma vez que este é um poder discricionário do julgador.
Reforçando este entendimento, veja se o recente Ac. do TJUE, de 18 de março de 2021, no processo C-388/19 "que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), por Decisão de 30 de abril de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de maio de 2019, no processo".
A questão colocada foi a de se saber se as "alterações introduzidas no direito fiscal português na sequência do Ac. de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C 443/06, EU:C:2007:600), a saber, nomeadamente, a introdução da possibilidade de os não residentes optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, deste código, são suficientes para obviar à restrição aos movimentos de capitais assinalada pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão."
Dito de outra forma, "se em substância, se os artigos 18.° e 63.° a 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável."
A conclusão do Tribunal é a de que "o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável."
Aderindo na integra à tese exposta, indefere-se o pedido de suspensão da instância pela AT.
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É entendimento pacífico que sobre os tribunais não recai a obrigatoriedade de apreciarem todos os argumentos formulados pelas partes (cf. o Ac. do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR –Apêndice de 31 de Março de 97, pp. 36-40 e Ac. STA –2ª Sec –de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
A Requerente alega que o direito da União Europeia se encontra violado, nomeadamente, o art. 56.º, do Tratado CE, por não se aplicar o disposto no art. 43,.º, 2, CIRS a outros residentes na União Europeia mas apenas aos residentes em Portugal.
Por sua vez, a AT esgrima, basicamente, que com as alterações introduzidas (aditamento do artigo 72.º do CIRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), passou a ser possível que tanto residentes como não residentes beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, 2, CIRS (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), "desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território". Daí que "a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do territorio nacional".
Esta questão das mais valias imobiliárias deverem ser tributadas em apenas 50% ou a 100% a uma taxa de 28%. quando o sujeito passivo é um não residente em Portugal mas residente num Estado Membro da União Europeia já foi profusamente debatida nos processos 57/2020-T, 6/2020-T, 904/2019-T, 822/2019-T, só para citar os mais recentes. Sigamos de perto os referidos relatórios, nomeadamente o 57/2020-T, merecendo este a sua transcrição parcial, dada a clareza da exposição.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».
De acordo com a redação do n.º 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.
O valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel (artigos 50.º e 51.º do CIRS).
O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º, n.º 1, do CIRS), mas, no caso de transmissões efetuadas por residentes o saldo «é apenas considerado em 50 % do seu valor» (n.º 2 do mesmo artigo, na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).
Quanto aos residentes, sobre esse valor incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do CIRS.
Relativamente a não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.
Porém, «os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» (n.º 9 do artigo 72.º na redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, vigente em 2018). De harmonia com o n.º 10 deste artigo «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».
(...)
O artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece o seguinte: Artigo 63.º (ex-artigo 56.º TCE): 1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Constitui entendimento consolidado, amplamente aceite e replicado na diversa jurisprudência do TJUE, secundada pelos tribunais nacionais, a proibição de discriminação entre os sujeitos passivos residentes num Estado Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado Membro.
E, na verdade, o regime vigente gera uma discriminação entre residentes e não residentes fiscais a que não subjaz qualquer razão objetiva ou fundamento material, porquanto em ambas as situações o imóvel se encontra situado em Portugal, sendo o rendimento aqui obtidos.
Efetivamente o TJUE considerou incompatível com o direito da União Europeia, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento.
Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais ( ) um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel». Esta jurisprudência foi recentemente confirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, no qual defende que «uma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».
Também o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 02-02-2019, prolatado no âmbito do processo n.º 0901/11.0 BEALM 0692/17, na apreciação que fez do ato tributário praticado na vigência do quadro legal normativo introduzido com o OE 2008, defende que a tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50% evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver reconhecida, como aliás resulta do sumário, cujo teor de transcreve (em parte):
(...)
III - O ato impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
A introdução da possibilidade de o contribuinte poder optar por diferentes regimes de tributação, em nada altera o vertido nos acórdãos Hollmane Gielando TJUE, porque o que essencialmente releva é apurar se o atual regime consubstancia uma discriminação negativa na aplicação ao caso do Requerente.
Ora, um dos objetivos que preside à proibição da discriminação é impedir que não residentes fiquem sujeitos, num determinado Estado, a qualquer tributação ou obrigação correspondente ou mais gravosa do que aquelas a que estiveram sujeitos, ou podem estar sujeitos, os nacionais, ou residentes de um Estado que se encontram na mesma situação.
Ademais, o regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.
Assim, é evidente que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redação vigente em 2018, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado.
A previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não afastando a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.
Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação».
Neste sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11: “(...) a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.”
Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14: "(...) Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C 168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida)".
Acresce a esta reflexão o teor do já supra citado Ac. do TJUE, de 18 de março de 2021, no processo C-388/19, que vai exatamente no mesmo sentido do defendido.
Esta posição dogmática, a que aderimos, mutatis mutandis, subsume-se na factologia dada por provada nos presentes autos.
Com efeito, também aqui a AT não pode ignorar a aplicação do disposto no art. 63.º do TFUE e o princípio da livre circulação de capitais. A escolha do regime de tributação aplicável, por si só, a que fica obrigado o SP, nos termos do CIRS, é razão suficiente para que se entenda que viola o art. 63.º, conjugado com o art. 65.º, ambos do TFUE.
Daí que não resta a este tribunal outra solução que a de aplicar o disposto no referido preceito aos presentes autos e, consequentemente, dar razão à Requerente, deferindo o pedido formulado.
Deste modo, e sem mais considerandos, conclui-se pela ilegalidade parcial da liquidação por se suportar em erro sobre os pressupostos de direito.
Quanto aos juros indemnizatórios.
Determina o art. 24.º, 5, RJAT que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, 1 e 2, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Determina o art. 24.º, 1, b), RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso parcial do montante pago pelo SP, na sequência da anulação do ato de liquidação já melhor identificado, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já identificada.
Deste modo, considerando o disposto no art. 61.º, CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o SP terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante pago por excesso contabilizados de acordo com o disposto no art. 61.º, 3, CPPT.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial da nota de liquidação de IRS n.º..., relativa a 2018, no valor de € 8.832,77, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária;
b) Condenar a AT a devolver à Requerente o valor pago em excesso, no valor de € 4.416,39, e respetivos juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 4.416,39, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 euros nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de março de 2021
O Árbitro Singular
(Ricardo Marques Candeias)