Sumário:
I - Nos termos do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRCS, para efeito do apuramento de mais-valias, a data de aquisição dos valores mobiliários por alteração do valor nominal corresponde à data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;
II – Tendo sido constituída uma sociedade antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida já na sua vigência encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro, ainda que tenha ocorrido reforço do capital social inicial através de novas entradas em dinheiro após a entrada em vigor do Código.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., com o número de identificação fiscal..., residente na Rua ... n.º... ...-... Porto, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2018, no montante de € 169.348,17, na parte mantida na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
O Requerente alienou, no decurso do ano de 2018, 51% da quota que detinha na sociedade B..., Lda., pelo valor de € 1.377.000, a qual havia sido constituída em 1988 e foi alvo de sucessivos aumentos por entradas em dinheiro, em 1992, 1997, 1998 e 2000, e por incorporação de reservas, em 1997.
O Requerente preencheu a sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa a 2018 interpretando o n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS segundo as indicações da Autoridade Tributária, no sentido de não se aplicar a aumentos de capital realizados por entradas em dinheiro, considerando, nesses casos, como data de aquisição dos valores mobiliários, a data do aumento de capital e não a data de aquisição dos valores originários.
Deste modo, o Reclamante declarou como mais-valia sujeita a IRS, no anexo G da declaração, a parcela da quota alienada que havia sido obtida através de aumentos de capital realizados por entradas em dinheiro após 1 de janeiro de 1989, a saber:
Realização Aquisição
Ano Mês Dia Valor Ano Mês Dia Valor
2018 06 21 57.641,22 € 1992 04 15 3.434,22 €
2018 06 21 546.727,36 € 1997 11 04 26.908,34 €
2018 06 21 729.699,79 € 1998 01 27 54.947,58 €
2018 06 21 3.112,11 € 2000 12 04 242,78 €
Consequentemente, foi apurada uma mais-valia de € 1.209.629,79, que, sujeita em metade do seu valor à taxa autónoma de 28%, deu lugar a uma tributação autónoma de € 169.348,17.
Mais tarde, o Requerente concluiu ter incorrido num erro ao seguir as instruções da Administração e sujeitar a tributação a mais-valia resultante da alienação da parcela da sua quota que havia adquirido por aumentos de capital realizados através de entradas em dinheiro, pelo que apresentou reclamação graciosa em que solicitou a anulação parcial da liquidação de IRS, na parte correspondente à tributação autónoma incidente sobre a mais-valia gerada com a alienação de 51% da sua quota, que veio a ser objecto de indeferimento.
O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código do IRS, estabelece que os ganhos não sujeitos ao antigo imposto de mais-valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, como é o caso dos resultantes da alienação de participações sociais, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor do Código do IRS, ou seja, a partir de 1 de janeiro de 1989.
Por sua vez, a alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS, estabelece que “a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.
Neste contexto, a Autoridade Tributária interpretou esse preceito no sentido de incluir entre as mais-valias sujeitas a tributação o ganho correspondente à alienação dos valores mobiliários adquiridos por entradas dinheiro realizadas após a entrada em vigor do Código do IRS, pese embora as mesmas tenham sido feitas com base em valores mobiliários cuja data de aquisição originária era anterior a essa data.
Contudo, em situação similar, no acórdão de 7 de Março de 2018 (Processo n.º 0149/17) o STA anulou a liquidação adicional de IRS sobre a mais-valia, considerando que a referida alínea a), do n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS se refere não só à “incorporação de reservas”, mas também a “alterações do valor nominal”.
Neste sentido, o Requerente entende ter incorrido em erro ao declarar como sujeita a IRS a parcela da mais-valia resultante da alienação da parte da quota adquirida por aumentos de capital realizados por entradas em dinheiro, uma vez que este aumento não deu lugar à aquisição de novas quotas, mas apenas à alteração do valor nominal da quota de que já era proprietário, a qual se considera assim totalmente adquirida antes da entrada em vigor do Código do IRS.
E, desse modo, a totalidade da mais-valia resultante da quota alienada pelo Reclamante deverá ser excluída de tributação em sede de IRS, na medida em que se considera adquirida anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS e sujeita ao regime previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera que a orientação adoptada no acórdão do STA de 7 de Março de 2018 não é uniforme, tendo-se já entendido no acórdão do TCA Norte, de 28 de Setembro de 2017 (Processo n.º 01264/09) que, se incluídas na alienação quotas constituídas ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS, e não sujeitas a imposto (n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º. 442-A/88 de 30 de Novembro), os ganhos devem ser decompostos por referência aos aumentos de capital constituídos antes e depois da entrada em vigor do Código do IRS.
É que, tratando-se de aumento de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, não se aplica o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 43º do Código do IRS, que estabelece que "a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas(...) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.
E justifica-se o tratamento diferenciado das duas realidades porquanto na incorporação de reservas não se verifica um aumento do património da sociedade e no aumento de capital por novas entradas em dinheiro ou em espécie, existe um incremento efectivo do património da sociedade a que corresponde um efectivo dispêndio de dinheiro ou bens por parte dos sócios.
Assim, os valores mobiliários alienados em 2018 consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que o valor da respetiva transmissão deve ser dividido em várias parcelas. As referentes aos valores constantes do título constitutivo de 1988 e as adquiridas posteriormente por aumentos de capital por incorporação consideram-se adquiridas na data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem, cujos ganhos se encontram excluídos da tributação, nos termos do regime transitório da categoria G, estabelecido no artigo 5.º do Decreto Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, ao passo que as resultantes de aumentos de capital por entradas em dinheiro são sujeitas a tributação.
O aumento do capital social de uma sociedade por quotas pode ocorrer por duas formas: ou por incorporação de reservas da sociedade ou por novas entradas dos sócios. E, assim, considerando a redacção do mencionado preceito, conclui-se que apenas se reportam à data de aquisição dos valores mobiliários originários, os aumentos de capital que resultem da incorporação de reservas, encontrando-se excluídos os aumentos do valor de quotas ou outras participações sociais em resultado de novas entradas dos sócios.
No caso, a quota alienada foi objecto de quatro aumentos de capital, sendo que apenas o aumento realizado em 1997, no valor de € 29.540,19 foi realizado por incorporação de reservas, resultando os restantes de novas entradas dos sócios, pelo que apenas o valor da mais-valia correspondente ao valor da constituição da quota e do aumento de capital por incorporação de reservas está excluído de tributação, enquanto o valor da mais-valia correspondente aos aumentos de capital por novas entradas é objecto de tributação.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo, por despacho de 18 de Fevereiro de 2021, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por considerar que a factualidade relevante poderá comprovada pela documentação já junta aos autos e não existirem quaisquer novos elementos instrutórios sobre que as partes se devessem pronunciar.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 5 de Janeiro de 2021.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) O Requerente é sócio fundador, com dois outros sócios, da sociedade por quotas denominada B..., Lda. (B...).
B) A B... foi constituída em 11 de Agosto de 1988, com o capital social de € 2.244,60, à taxa de conversão para a moeda actual, integralmente realizado em dinheiro, representado por três quotas iguais de € 748,20, pertencentes a cada dos três sócios.
C) Por escritura outorgada em 15 de Abril de 1992, o sócio C... cedeu a sua quota a D... e este e o Requerente, passando a ser os únicos sócios da B..., deliberaram aumentar o capital social através de entradas em dinheiro, cabendo ao Requerente um reforço da sua quota em € 6.733,77.
D) Por escritura outorgada em 4 de Novembro de 1997, foi deliberado pelos sócios um aumento de capital por incorporação de reservas livres, no valor de € 59.080,38, correspondendo ao Requerente o valor de € 29.540,19, e por entradas em dinheiro, cabendo ao Requerente uma entrada no valor de € 52.761,46.
E) Por escritura outorgada em 27 de Janeiro de 1998, foi deliberado pelos sócios a alteração do pacto social mediante a admissão de um novo sócio e o aumento do capital através de entradas em dinheiro, cabendo ao Requerente um reforço da sua quota no montante de € 107.740,35.
F) Por escritura outorgada em 4 de Dezembro de 2000, foi deliberado pelos sócios o aumento do capital através de entradas em dinheiro, cabendo ao Requerente um reforço da sua quota no montante de € 476,03.
G) Em 2018, mediante contrato de cessão de quotas, o Requerente alienou 51% da quota que detinha na sociedade B... à sociedade E..., SGPS, S.A. pelo valor de € 1.377.000,000.
H) Em 21 de Maio de 2019, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos mod.3, em que integrou a declaração de mais-valias por transmissão de valores mobiliários, que originou um procedimento de divergências para efeito de comprovação do estatuto de pequena empresa.
I) Em 23 de Maio seguinte, o Requerente submeteu uma declaração de rendimentos mod.3 de substituição, que determinou que fosse solicitada a apresentação dos títulos de aquisição e alienação de quotas da sociedade e veio a originar a liquidação n.º 2019 ... com o valor de € 163.770,90.
J) Em 22 de Julho de 2019, o Requerente submeteu uma outra declaração de rendimentos mod.3 de substituição, que determinou um procedimento de divergências para verificação das datas e valores de aquisição das quotas transmitidas e veio a originar a liquidação correctiva n.º 2019 ... com o valor de imposto a pagar de € 166.637,26
L) No quadro 9 do anexo G da declaração de rendimentos mencionada na alínea antecedente, o Requerente inscreveu como valor de realização correspondente à venda de 51 % da sua quota, e por referência às respectivas datas de aquisição, os seguintes montantes: € 57.641,22 (1992); € 546.727,36 (1997); € 729.699,79 (1998); € 3.112,11 (2000).
M) No quadro 4 do anexo G1 da declaração de rendimentos mencionada na antecedente alínea J), o Requerente inscreveu como valor de realização correspondente à venda de 51 % da sua quota, por referência à entrada em dinheiro no momento da constituição da sociedade, o montante de € 39.819,52 (1988).
N) O Requerente inscreveu como valor de aquisição correspondente à venda de 51 % da sua quota, e por referência às respectivas datas de aquisição, os seguintes montantes: € 3.434,22 (51% de € 6.733,77); € 26.908,34 (51% de € 52.761 ,46); € 54.947,58 (51% de € 107.740,35); € 242,78 (51% de € 476,03).
O) O Requerente inscreveu como valor de aquisição correspondente à venda de 51 % da sua quota, por referência à entrada em dinheiro no momento da constituição da sociedade, o seguinte montante: € 381,58 (51% de € 748,20).
P) Em 13 de Janeiro de 2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação mencionado na antecedente alínea J).
Q) Por ofício datado de 10 de Julho de 2020 o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
S) O projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na parte relevante, é do seguinte teor:
APRECIAÇÃO DO PEDIDO
Depois de devidamente analisados os documentos juntos aos autos e consultados os elementos internos disponíveis cumpre referir:
1.ª Declaração mod 3 IRS/2018:
13. Em 2019-05-21 o S.P. submeteu a l.ª DR mod.3, com a identificação ..., integrando os anexos A, l, G, G-l, H.
14. Esta DR deu origem a um procedimento de divergência no ..., com o código de motivo D65 — "Mais Valias de Valores mobiliários de micro e pequenas empresas" com notificação GIC ... em 30-05-2019, para efeitos de comprovação do estatuto de pequena empresa.
15. A liquidação resultante no 2019 ... ficou na situação de "Canc. Definit. Manual".
1.ª Declaração de substituição mod 3 IRS/2018:
16. Em 2019-05-23 o S.P. submeteu a 1.ª DR mod.3 de substituição, com a identificação..., integrando os mesmos anexos A, l, G, G-l, H.
17. Com base nesta DR foi originado um procedimento de divergência no..., com o código de motivo D65 — "Mais Valias de Valores mobiliários de micro e pequenas empresas" com notificação GIC ... em 2019-05-30, solicitando os títulos de aquisição e alienação de quotas da sociedade.
18. Foi emitida a liquidação n.º 2019 ... com o valor de € 163.770,90, refletida na nota de cobrança (NC) n. º 2019 ... paga em 2019-08-20 (dentro do prazo).
1.ª Declaração de substituição mod 3 IRS/2018
19. Em 2019-07-22 (i.e. dentro do prazo dos 30 dias nos termos do art.º 59.º, n.º 3, alínea b), subalínea l), o S.P. submeteu a 1.ª DR mod.3 de substituição, com a identificação..., integrando os referidos anexos A, l, G, G-l, H.
20. Com base nesta DR foi criada a Divergência nº ..., com o código de motivo D65 — "Mais Valias de Valores mobiliários de micro e pequenas empresas" com notificação GIC ... em 2019-07-31, para verificação das datas e valores de aquisição das quotas transmitidas.
21. Foi emitida a liquidação corretiva (total de acerto da liquidação) n.º 2019 ... com o valor de € 166.637,26, vertida na nota de cobrança (NC) n.º 2019 ... no valor de € 2.866,36 com prazo limite de pagamento em 2019-09-04, paga em 2019-08-20.
22. No quadro 9 do anexo G, o valor total de realização de € 1.377.000,00, correspondente à venda de 51 % da sua quota, é repartido pelo em função das datas de aquisição da mesma, da forma como segue:
• € 57.641 ,22 — aquisição em 1992, com o valor nominal de € 3.434,22 (51% de € 6.733,77)
• € 546.727,36 - aquisição em 1997, com o valor nominal de € 26.908,34 (51% de € 52.761 ,46)
• € 729.699,79 — aquisição em 1998, com o valor nominal de € 54.947,58 (51% de € 107.740,35)
• € 3.1 12,11 — aquisição em 2000, com o valor nominal de € 242,78 (51% de € 476,03)
23.No quadro 4 do anexo G1, declara:
• € 39.819,52 — aquisição em 1988 referente à constituição da sociedade, com o valor nominal de € 381,58 (51% de € 748,20)
24.O aumento de capital por incorporação de reservas em 1997, no valor de € 29.540, 19, está excluído pela norma do art.º 43.º n.º 6, alínea a) do CIRS.
ORA,
25.Não tem acolhimento na letra do art.º 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS, os argumentos do s.p, porque em nenhum momento aquela norma estabelece, como pressupostos, a manutenção de qualquer quota e a não criação de novas quotas pela sociedade.
26.Cabe, sim, referir que as escrituras apresentadas assinalam diferentes datas de aquisição sucessiva com alteração (reforço) do capital imediatamente anterior, através de entradas em numerário (e incorporação de reservas), com implicação na situação patrimonial quer na esfera da sociedade quer na esfera dos sócios.
27.Assim, conforme constam das escrituras, a constituição e os sucessivos aumentos de capital ocorreram em 1988 (constituição - € 748,20), em 1992 (€ 6.733,77), em 1997 (€ 52.761,46 e reservas de € 29.540,19), em 1998 (€ 107.740,35) e em 2000 (€ 476,03).
28.Em suma, das escrituras constam que os aumentos sucessivos de capital em numerário foram efetuados após o ano de 1989 e a alienação, em 2018, de 51% da quota de valor nominal de € 198.000,00, pelo valor de 1.377.000,00, o que constitui um facto abrangido na esfera de incidência do IRS e como tal considerado na liquidação reclamada.
29.Sempre se dirá que o Acórdão do STA referenciado pelo S.P. não tem força de lei, aplicando-se apenas, e só, ao caso julgado e não à matéria da presente reclamação.
CONCLUSÃO
Face ao exposto, conclui-se pela manutenção da liquidação reclamada, sendo de indeferir o pedido, devendo o reclamante ser notificado, nos termos e para os efeitos do art. 60.º da LCT.
T) Pela informação dos serviços que constitui o documento n.º 1, junto com o pedido arbitral, e que aqui se dá como reproduzido, foi proposta a conversão em decisão definitiva do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
U) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 17 de Agosto de 2020, do chefe de divisão da Direcção de Finanças do Porto, praticado com subdelegação de competências, e notificado ao interessado por carta registada datada de 7 de Setembro de 2020.
V) Em 20 de Agosto de 2019, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido.
X) O pedido arbitral deu entrada em 12 de Outubro de 2020.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
5. No decurso do ano de 2018, o Requerente alienou 51% da quota que detinha na sociedade B... e inscreveu como valor de aquisição, na declaração de rendimentos relativa a esse período de tributação, para efeito do apuramento de mais-valias, não apenas o montante correspondente à entrada inicial realizada no momento da constituição da sociedade, em 1988, como também os montantes resultantes de aumentos de capital através de entradas em dinheiro que foram realizadas após 1 de Janeiro de 1989.
Entende, no entanto, ter incorrido em erro na medida em que os aumentos de capital realizados através de entradas em dinheiro não dão lugar à aquisição de novas quotas, mas apenas à alteração do valor nominal da quota de que já era proprietário, e se encontram cobertos pelo disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, pelo que a totalidade da mais-valia resultante da quota alienada deverá ser excluída de tributação em sede de IRS por ter sido adquirida anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS, e, portanto, sujeita ao regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Em contraposição, a Autoridade Tributária sustenta que a referida disposição do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS apenas se reporta à aquisição dos valores mobiliários originários e, para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, os ganhos resultantes de alienação de quotas constituídas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do Código do IRS devem ser decompostos segundo um critério de imputabilidade, distinguindo-se entre o valor das quotas constituídas antes de 1 de Janeiro de 1989 e o das que tenham sido adquiridas já na vigência do Código do IRS.
A questão que está em debate é assim a de saber se os aumentos de capital realizados mediante entradas em dinheiro já na vigência do Código do IRS, mas relativamente a uma sociedade comercial constituída ainda antes da entrada em vigor desse diploma, devem encontrar-se excluídos de tributação em mais-valias sobre valores mobiliários por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, que aprovou o Código do IRS.
As normas com relevo para a apreciação da causa são, além da referida disposição do artigo 5.º do diploma preambular, as dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea b), e 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS.
O artigo 3.º do diploma preambular aboliu o imposto de mais-valias que se era regulado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, e que na sua vigência não sujeitava a tributação a transmissão onerosa de partes sociais.
Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), Código do IRS, as mais-valias passaram a constituir rendimentos da categoria G, aí se incluindo, tal como prevê o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”
O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, introduziu uma norma transitória, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:
Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.
[…]
Por fim, o artigo 43.º do Código do IRS, na parte relevante dispõe nos seguintes termos:
1- O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
[…]
5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.
6- Para efeitos do número anterior, considera-se que:
a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;
[…].
O Código do IRS entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989 (artigo 2.º do diploma preambular).
6. Como se depreende do de todas as mencionadas disposições, a mais-valia corresponde a uma diferença positiva entre o valor da realização e o valor da aquisição do mesmo bem ou direito, contrapondo-se ao conceito de menos-valia, ou seja, às situações em que o valor da realização do bem ou direito é inferior ao valor da aquisição. Trata-se, por outro lado, de uma tributação de carácter residual, na medida em que só são considerados a esse título os incrementos patrimoniais que se não enquadrem em rendimentos de outras categorias. O fundamento para a sujeição a imposto radica na circunstância de ter ocorrido uma valorização ocasional dos bens na esfera jurídica do alienante e que revela uma capacidade contributiva não directamente decorrente da sua actividade profissional ou empresarial.
A norma transitória instituída pelo artigo 5.º do diploma que aprovou o Código do IRS, ao consignar, no seu n.º 1, que só ficam sujeitos a IRS a aquisição dos bens ou direitos que tiver sido efectuada depois da entrada em vigor do Código, destina-se a evitar a aplicação retroactiva do novo regime de tributação de mais-valias incidente sobre a “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”, que não era contemplado no antigo Código do Imposto de Mais-Valias.
E importa ter presente que esse regime transitório não constitui uma isenção de imposto, mas uma exclusão do seu âmbito de incidência (neste sentido, PAULA ROSADO PEREIRA, Manual de IRS, Coimbra, 2.ª edição, pág. 224).
Por outro lado, a norma do artigo 43.º do Código do IRS, há pouco parcialmente transcrita, não é uma norma de incidência tributária, mas de determinação da matéria colectável.
O facto tributário gerador das mais-valias ocorre no momento da alienação, isto é, no momento em que se verifica o ganho resultante da diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e que apenas pode ser avaliado em cada concreto acto de alienação, e que, assim, se traduz num facto tributário instantâneo que se esgota na transacção e na consequente realização da mais-valia.
O que o artigo 43.º explicita é que, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, o rendimento colectável anual do sujeito passivo qualificado como mais-valias corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (nº 1). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmudar a natureza dos factos tributários subjacentes.
Esclarecendo este aspecto, o STA, no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2017 (acórdão 7 de Junho de 2017, Processo n.º 01471/14), refere o seguinte:
Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os actos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento colectável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento colectável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respectiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento colectável.
Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento colectável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada acto de alienação dos bens mobiliários em questão.
Como é possível concluir, o que a alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º pretende precisar, ainda que para efeito da determinação da matéria colectável, é que a data de aquisição dos valores mobiliários, nas situações aí referidas, e, designadamente, por alteração do valor nominal, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem. Sendo certo que o inciso “para efeitos do número anterior”, que consta do segmento inicial do proémio desse n.º 6, não se refere à situação específica descrita no antecedente n.º 5, mas ao apuramento do saldo positivo ou negativo dos rendimentos qualificados como mais-valias para efeito do apuramento do valor tributável.
Com efeito, a norma refere-se aos aumentos do valor da quota realizados através da incorporação de reservas, mas também aos aumentos resultantes da alteração do valor nominal, isto é, ao aumento do valor das quotas já existentes, o que não pode entender-se como correspondendo à criação de novas quotas mas ao reforço da quota inicial (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 689/2019-T).
E, sendo assim, não há nenhum motivo para efectuar uma diferenciação, para efeito do apuramento das mais-valias, entre os diversos momentos em que ocorreu um reforço do capital social relativamente à entrada inicial, quando a lei estipula, para esse efeito, que o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas pré-existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários (neste sentido, o acórdão do STA de 7 de Março de 2018, Processo n.º 0149/17).
Uma vez que a sociedade em causa foi constituída em 1988, ainda antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida em 2018, encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, ainda que tenha ocorrido já na vigência do Código de IRS o reforço do capital social inicial através de entradas em dinheiro.
A Autoridade Tributária invoca em contrário o acórdão do TCA Norte de 28 de Setembro de 2017 (Processo n.º 01264/09), segundo o qual, relativamente a quotas constituídas ou adquiridas antes da entrada em vigor do Código do IRS, deve atender-se, para efeito da aplicação da norma transitória, ao momento em que ocorreram os aumentos de capital, entendendo-se como excluídas da tributação aqueles que já tiveram lugar na vigência do Código. O aresto não tem em consideração, no entanto, o regime de equiparação que resulta da falada disposição do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), e não efectua, por isso, a mais adequada interpretação dos textos legais.
Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMT, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto tributário de liquidação de IRC n.º 2019 ... e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido;
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 169.348,17, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 16 de Março de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
António Pragal Colaço
A Árbitro vogal
Rita Guerra Alves