SUMÁRIO:
1. A remodelação de um imóvel adquirido para revenda não faz caducar a isenção de IMT, pois esse facto não constitui uma alteração do destino, nos termos do art. 11.º, n.º 5, do CIMT.
2. Caducada a isenção de IMT por o imóvel não ter sido revendido em 3 anos, e tendo no ínterim ocorrido uma alteração de natureza do imóvel por ter sido constituída a propriedade horizontal, o IMT será liquidado nos termos do art. 18.º, n.º 3, do CIMT, com base nos valores vigentes à data da transmissão para o adquirente que beneficiou nesse momento da isenção.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e Prof. Doutor Manuel Pires (árbitros vogais), designados respetivamente pelo CAAD (na falta de acordo dos árbitros nomeados pelas partes), pela Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27/12/2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A., NIPC …, com sede na … (doravante A ou Requerente), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), e 6.º, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IMT e juros compensatórios no valor total de 342.209,56€ (notificada pelo Ofício 2019…, de 8/5/2019).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros.
O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27/12/2019, foram emitidos os despachos de prorrogação da decisão, devendo atender-se também à suspensão dos prazos por efeito da pandemia do COVID 19.
A AT respondeu impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Em 23/9/2020 realizou-se a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, seguida da diligência de inquirição de testemunhas. As partes apresentaram alegações escritas onde mantêm, no essencial, os argumentos anteriores.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) A Requerente dedica-se, entre outras, às atividades de construção e reconstrução de edifícios e à compra e venda de imóveis para revenda;
b) Em 29/12/2014, a Requerente adquiriu, para revenda, pelo valor de 900 mil euros, um prédio urbano, destinado a “armazém e atividade industrial”, situado na …, artigo matricial …, União das freguesias de X e Y e descrito na Conservatória do Registo Predial de J sob o n.º 2800/200…;
c) A aquisição beneficiou da isenção de IMT do art. 7.º do CIMT – porque o imóvel adquirido se destinou a revenda, preenchendo-se as demais condições objetivas e subjetivas para essa isenção.
d) Nessa data (2014), o Valor Patrimonial do Imóvel (VPT) era de 2.819.635,42€.
e) A entidade vendedora, antes de 12/2014, tinha apresentado um pedido de licença de obras à Câmara de J;
f) O alvará de obras foi emitido em …/2015, em nome da entidade vendedora, sendo posteriormente averbado em nome da requerente;
g) As obras consistiram essencialmente na profunda reabilitação de uma fábrica têxtil (degradada e sem atividade) num centro empresarial (ninho de empresas), com 10 frações destinadas a comércio e serviços e 15 a atividades industriais; tal passou por demolição em parte de acrescentos ilegais, e legalização de construções já feitas (sem alteração da área coberta total); o exterior do edifício central manteve a traça original (paredes exteriores, janelas, número de pisos…); mudou-se a cobertura de fibrocimento para painéis sanduiche (por imposição legal e de saúde pública); houve grandes obras no interior, incluindo a demolição de paredes interiores e construção de outras, com a constituição da propriedade horizontal. Do alvará de obras consta: “obras de demolição, alteração e ampliação e construção (legalização) parcial: alteração da antiga fábrica têxtil – B, num centro empresarial, com funções de ninho de empresas na área industrial, comercial e serviços composto por 10 estabelecimentos de comércio/serviços e 15 unidades industriais”.
h) A atividade de comércio é prosseguida através de escritórios e armazéns, sem destino ao público em geral; antes das obras, a unidade fabril também tinha espaço para os respetivos escritórios.
i) As obras foram realizadas entre 2015 e 3/2017. Em 12/4/2017 foi constituída a propriedade horizontal.
j) Na sequência, em 28/4/2017, o VPT foi reavaliado passando para um valor de 4.787.340,00€.
k) Até final de 2017, a requerente vendeu 17 das 25 frações, o que corresponde a 61.02% do imóvel.
l) Em final de 2017, a requerente solicitou que a AT lhe liquidasse o IMT em relação às 8 frações não alienadas no prazo de 3 anos, que corresponde a 38,98% do imóvel.
m) Em 5/2019, a AT emitiu a liquidação impugnada – liquidando IMT sobre todas as frações do imóvel, com base no VPT à data de 2017, no valor total de imposto e juros de 342.209,56€.
n) Os fundamentos dessa liquidação são os seguintes: a isenção de IMT caduca se os imóveis não forem revendidos no estado em que foram adquiridos; houve grandes obras na estrutura externa e interna do edifício que não cabem no conceito de simples reparação ou beneficiação indispensável à sua conservação; houve, assim, obras enquadráveis em alterações substanciais da estrutura interna ou disposições internas das divisões do edifício – como alteração assinalável na edificação implementada, o que provocaria a caducidade da isenção de IMT, nos termos do art. 11.º, n. 5, do CIMT.
o) Em 2/8/2019, a requerente prestou garantia bancária para suspender o processo executivo associado à liquidação impugnada, no valor de 433.367,84€.
2.2. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT.
Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas partes (emitidos pelas Finanças, pela Câmara Municipal de J, e escrituras públicas de compra e venda), no consenso das partes (também em relação aos documentos, valores em causa, percentagem do imóvel vendido e não vendido até final de 2017), nas informações oficiais juntas ao processo e no depoimento da testemunha C, que revelou conhecimento das obras efetuadas, porque as acompanhou de perto, e isenção no seu depoimento.
3. Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
Como é aceite pelas partes, são duas as questões a decidir:
a) As obras efetuadas pela requerente (entre a compra e a revenda do imóvel – partes do imóvel) implicam ou não que deixe de beneficiar da isenção do art. 11.º, n.º 5, do CIMT? Tendo em conta as obras efetuadas, foi ou não dado um destino diferente ao imóvel face ao que tinha aquando da sua aquisição?
b) Após a aquisição do imóvel e antes do final dos três anos houve ou não alguma alteração da natureza do imóvel, para efeitos do art. 18.º, n.º 3, do CIMT? A constituição da propriedade horizontal deve ser ou não qualificada como uma alteração da natureza do imóvel, nos termos do art. 18.º, n.º 3, do CIMT? Por outras palavras, o imposto deve ser calculado com base no valor vigente à data da transmissão (2014) ou à data da liquidação (2017)?
A requerente coloca ainda duas outras questões, a saber: violação da boa-fé (por a liquidação do imposto ter demorado 17 meses entre o pedido do contribuinte e a sua emissão); e de falta de fundamentação (por ser insuficiente e meramente conclusiva).
3.2. As leis aplicáveis
Segundo a lei fiscal, a compra para revenda de um imóvel (em certas condições verificadas nos autos) está isenta de IMT, sujeita, no entanto, entre outras, à condição, descrita no art. 11.º, n.º 5, do CIMT, que dispõe:
5 - A aquisição […] deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.
Por outro lado, em relação à taxa e base do imposto, o art. 18.º do CIMT dispõe o seguinte:
2 - Se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.
3 - Quando, no caso referido no número anterior e após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a sua natureza, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão.
3.3. Os argumentos das partes
Sem prejuízo do indicado adiante na “decisão”, sintetizam-se os vários temas deste processo:
Na opinião da AT, as obras efetuadas implicariam que ao imóvel teria sido dado um destino diferente do inicial – o que faria caducar a isenção de IMT (art. 11.º, n.º 5, do CIMT), quer porque ultrapassariam obras de simples conservação e beneficiação, envolvendo uma alteração assinalável da sua estrutura e edificação, quer porque passam a ter a atividade de comércio, quando antes era apenas destinado a atividade industrial (focado pel AT, na resposta a esta ação arbitral). A requerente advoga, ao invés, que ao imóvel não foi dado destino diferente, apesar das avultadas obras, seguindo jurisprudência do STA – que, na sua tese, admitiria avultadas obras e desde que não envolvessem alteração substancial do imóvel, e no caso dos autos as obras não se traduziram numa alteração substancial do imóvel.
Por outro lado, segundo a AT, em relação ao imóvel (ou frações) não revendidas, deve atender-se ao VPT da data da liquidação (2017), segundo o art. 18.º, n.º 2, do CIMT. Pelo contrário, a requerente invoca a aplicação do art. 18.º, n.º 3, do CIMT em relação às frações não alienadas (ou a todas em face da resposta que se der à primeira questão, sobre o “destino diferente”), por ocorrência de factos que alteraram a sua natureza (a constituição da propriedade horizontal) – com o que pretende que o valor da liquidação seja o VPT à data da transmissão do imóvel (2014).
3.4. Decisão
As questões serão decididas sequencialmente, na ordem porque foram deduzidas pela requerente, e em cumprimento do art. 124.º do CPPT. Por outro lado, seguir-se-á a jurisprudência recente do STA sobre os temas, no preenchimento das clausulas gerais “destino diferente” do art. 11.º, n.º 5, do CIMT e “alteração da natureza” do art. 18.º, n.º 3, do CIMT, pela bondade desses Acórdãos, por interpretação uniforme do direito (art. 8.º, n.º 3, do Código Civil) e para evitar desnecessários recursos de oposição de julgados.
3.4.1. “Destino diferente” (art. 11.º, n.º 5, do CIMT)
A lei instituiu um benefício fiscal de isenção de IMT em relação à aquisição de imóveis para revenda (art. 7.º do CIMT), sujeito, todavia, a vários requisitos e condições (resolutivas), nomeadamente, no que ao caso dos autos importa, que (i) a revenda ocorra no prazo de 3 anos (desde a sua aquisição) e (ii) que ao imóvel não seja dado um destino diferente, face ao que tinha aquando da sua aquisição (art. 11.º, n.º 5, do CIMT) – cfr. Ac. STA de 23/5/2018, proc. 0462/17.
Existe atualmente um acervo significativo de Acórdãos do STA sobre o recorte e interpretação do conceito destino diferente do art. 11.º, n.º 5, do CIMT – que importa agora escalpelizar, perante a situação factual dos autos.
a) Não envolve alteração do destino (ainda é uma aquisição para revenda) o caso em que a sociedade adquire o imóvel (lote de terreno para construção, ainda em tosco) e faz depois obras de construção para a conclusão do prédio e constitui propriedade horizontal e vende depois frações autónomas no prazo legal (Ac. STA de 26/1/2005, proc. 0798/04);
b) Só constituiria destino diferente a “alteração substancial” do prédio, nomeadamente a transformação de um terreno em prédio urbano (com a construção desde o zero de um edifício, para posteriormente ser vendido) – Ac. STA de 26/1/2005, proc. 0798/04.
c) O que importa é que não haja metamorfose ou alteração substancial do bem adquirido para revenda: não envolve alteração do destino as obras feitas pelo comprador para a finalização da construção, de modo a vender o terreno com o edifício já acabado (Ac. STA de 17/9/2014, proc. 1623/13).
d) Constitui alteração do destino a alteração substancial do prédio, nomeadamente a transformação de um prédio rústico em urbano (compra de um terreno e construção um edifício para venda) ou a demolição de uma habitação e posterior venda do terreno para construção (Ac. STA de 17/9/2014, proc. 1623/13).
e) Não existe alteração substancial do imóvel (não caduca a isenção de IMT) caso se efetuem as seguintes obras: demolição de paredes interiores para adaptação do projeto; construção de novas divisões com paredes; fecho de caixa de escadas; colocação de baia de estacionamento exterior; colocação e substituição de tubagens, carpintaria, serralharia, janelas, pavimento, louças sanitárias, eletricidade, iluminação, rebocos e pinturas (Ac. STA de 17/9/2014, proc. 1623/13).
No caso dos autos, assistiu-se a uma grande remodelação de um edifício, em estado de abandono, que era composto por uma unidade fabril e que foi transformado em vários (25) lotes para comércio e indústria (em propriedade horizontal). Manteve-se a construção original, com as suas paredes exteriores, mas efetuaram-se enormes obras no seu interior, que passaram inclusive por criação de paredes e divisórias para a constituição de frações. Fizeram-se todas as obras interiores para a criação de frações, perante um imóvel antigo e ao abandono. Demoliram-se algumas construções ulteriores à original, que eram ilegais. E legalizaram-se outras. E mudou-se o telhado, porque degradado e em fibrocimento – e por razões imperativas da lei e de saúde publica.
Ora, aplicando aos factos provados no processo os corolários da jurisprudência do STA – conclui-se que as obras realizadas pela requerente não alteraram o destino do imóvel. Tratou-se de uma remodelação profunda, sem alteração da traça original da construção e sobretudo ao nível dos interiores.
Assim, improcedem os argumentos aduzidos na fundamentação da AT. A qualificação como conservação ou reparação ou beneficiação não tem hoje tradução na jurisprudência do STA sobre esta matéria. A expressão alteração assinalável indicada pela AT não permite estabelecer a linha de divisão entre o destino diferente ou não do imóvel. E, mais ainda, segundo a jurisprudência do STA abordada não existe alteração do destino quando se fazem obras que alteram a estrutura interna do edifício, mesmo com a construção de paredes e divisórias, como foi o caso.
A AT, na resposta a esta ação arbitral, refere que a alteração do destino se concretiza ainda no facto de que o imóvel, quando adquirido, tinha uma função de armazéns e atividade industrial (indústria têxtil, apesar de abandonado) e que, após a conclusão das obras, fica a possuir 15 frações para indústria e 10 frações para comércio/serviços (sem abertura ao público) e, que estas, porque não admitidas na data da aquisição, revelariam uma alteração do destino do imóvel.
Este argumento não procede, por várias ordens de razão.
Desde logo, porque não foi concretamente esgrimido na fundamentação da liquidação de imposto, por mais lata e abrangente que seja a interpretação e consideração da fundamentação. Ora, segundo jurisprudência consolidada, o objeto do processo está balizado pelos argumentos levados à fundamentação, sendo proibida a fundamentação a posteriori, ou seja, não são considerados os novos argumentos trazidos pela Fazenda Pública ao longo do processo, mas que não têm o mínimo de aderência na fundamentação (Cfr. por todos, o Ac. STA de 22/3/2018, proc. 0208/17).
Apesar de isto implicar a desnecessidade de ponderação deste argumento, a verdade é que o mesmo seria sempre improcedente: não envolve destino diferente a situação do imóvel afeto a armazéns e indústria no momento da aquisição e, por efeito das obras, passar a ser alocado a indústria e comércio/serviços aquando da alienação.
Há três argumentos a favor desta conclusão:
Em primeiro lugar, porque no caso dos autos as obras de criação de espaços de comércio nunca são substanciais, na aceção do art. 11.º n.º 5, do CIMT. Remodelaram-se espaços, sem construções novas, adaptando-os, em parte a escritórios, com divisórias e todas as obras para esse fim (eletricidade, carpintaria, paredes, serralharia). E, como se viu, o STA entende que isso não envolve uma alteração do destino. Em tese, tal só se verificaria se a alteração formal do destino fosse acompanhada de obras substanciais em termos materiais (por exemplo, a demolição total e construção de nova edificação), segundo a jurisprudência do STA, o que não sucedeu.
Em segundo lugar, antes das obras, a unidade fabril também tinha um espaço para escritórios – como é normal, aliás, em que os escritórios e zonas de apoio estão ao lado da parte edificada ligada à atividade fabril. Logo, à alteração meramente formal (com o acréscimo da afetação para escritórios), não corresponde grande diferenciação real no edificado, em que uma parte do edificado era já destinada a escritórios da fábrica têxtil. Não interessa a alteração meramente formal ou documental, se não for acompanhada, como não foi, de alterações materiais nos espaços concretamente remodelados, que já tinham espaços para os escritórios da fábrica.
Em terceiro lugar, a interpretação teleológica corrobora que a constituição de escritórios não provoca uma alteração do destino do imóvel, para efeitos do art. 11.º n.º 5, do CIMT. A isenção é uma derrogação da tributação regra, por prevalência de um interesse extra-fiscal, superior ao da própria tributação (art. 2.º do EBF). No caso concreto, o interesse extra- fiscal é evitar o encarecimento do preço final dos imóveis para o consumidor final, se o agente intermediário (quem compra para revenda) tivesse de pagar o imposto, que depois seria muito provavelmente repercutido no preço dos imóveis para o consumidor final (Ac. STA de 26/1/2005, proc. 0798/04). Isso explica as várias condições a que está submetido o beneficio fiscal; que o agente seja um intermediário – compra para revenda, qualificando-o contabilisticamente como uma existência ou inventário (e não como um ativo fixo tangível ou propriedade de investimento) no sentido de que o destina a revenda; e que possa fazer as obras necessárias para remodelar o imóvel, desde que não revistam um destino diferente; ou seja, mantendo-se sempre um adquirente para revenda e não como empresário de construção ou promotor imobiliário – e as obras, por maiores que sejam, se consistirem em remodelar o existente ou em acabar o que está em tosco, nunca levam à caducidade da isenção, pois o agente ainda se comporta como um comprador para revenda. Agora se modificar substancialmente a coisa, então caduca a isenção pois já não se comporta como um revendedor, mas como um promotor. É esta a teleologia do benefício fiscal. Ora, quem faz obras de remodelação de um imóvel, decidindo que parte seja alocado a comércio, seguindo os ritmos do mercado, fazendo obras no interior de remodelação, então continua a merecer a isenção de imposto, pois continua a comportar-se materialmente como um agente que compra, para revenda, fazendo obras compatíveis com essa natureza.
Em suma: anula-se a liquidação impugnada, por ilegal interpretação e aplicação ao caso dos autos do art. 11.º, n.º 5, do CIMT.
3.4.2. “factos que alterem a natureza” (art. 18.º, n.º 2 e 3, do CIMT)
Depois de anulada a liquidação nos termos da argumentação anterior – esta questão coloca-se apenas em relação às frações que não foram alienadas (revendidas) no prazo de 3 anos a contar da data de aquisição.
Com efeito, a requerente não conseguiu alienar uma parte (8) das frações (em propriedade horizontal) no prazo de 3 anos – e sobre essas tem de se liquidar e pagar o IMT correspondente.
A questão é apenas a seguinte: a base tributável do imposto deverá ser calculada com base no Valor Patrimonial Tributário (VPT) à data da transmissão (2014) – que monta a 2.819.635,42€ (melhor dito com base em 38.98% desse valor, que corresponde à parte do imóvel não alienada nos 3 anos), porque superior ao preço de aquisição (900 mil euros) e o IMT calcula-se com base no maior desses valores (preço ou VPT) – art. 12.º, n.º 1, do CIMT;
Ou, ao invés, com base no VPT à data da liquidação (2017, no final dos 3 anos) – que se cifra em 4.787.340,00€ (melhor dito com base em 38.98% desse valor, que corresponde à parte do imóvel não alienada nos 3 anos) – dado que o imóvel foi objeto de reavaliação, na sequência da constituição da propriedade horizontal.
A questão está solucionada no art. 18.º, n.º 2 e 3, do CIMT, nos seguintes termos:
a) Ocorrendo caducidade da isenção (não revenda no prazo de 3 anos), a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação, ou seja, em 2017 (n.º2) – é essa a regra geral;
b) O n.º 3 contém, no entanto, uma exceção: (i) ocorrendo caducidade da isenção (porque não revendeu nos 3 anos) e (ii) se após a aquisição do imóvel (2014) tenham “ocorrido factos que alterem a sua natureza” – então o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão (2014).
Tudo se resume em saber, pois, se após a aquisição (entre 2014 e 2017) ocorreu ou não um ou mais factos que alteraram a natureza do imóvel. Se a constituição da propriedade horizontal constitui ou não uma alteração da natureza do imóvel.
Esta mesma e exata questão foi já decidida pelo STA, no Ac. de 9/9/2015, proc. 244/15 (e no mesmo sentido, Ac. STA de 21/10/2015, proc. 506/15), cujo sumário indica:
I - Tendo caducado a isenção de IMT por o prédio não haver sido revendido nos três anos que se sucederam à sua aquisição por uma entidade exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda, e, entretanto haver o prédio sofrido alteração na sua natureza, visto que foi sobre ele constituída a propriedade horizontal, aquele imposto será liquidado, tendo em conta o disposto no artº 18º, nº 3 do CIMT, com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão para o adquirente que beneficiou dessa isenção
Aderimos, sem reserva, a esta interpretação do STA. A constituição de propriedade horizontal constitui, pois, uma alteração da natureza do imóvel, para efeitos do art. 18.º, n.º 3, do CIMT. Assim sendo, e voltando ao caso dos autos, o IMT sobre as frações não revendidas no prazo de 3 anos deve ser apurado com base no VPT vigente à data da transmissão, com base no VPT vigente em 2014 (porque superior ao preço de aquisição, art. 12.º, n.º 1, do CIMT).
3.4.3. Demais questões
O conhecimento das demais questões invocadas pela requerente – a saber violação da boa-fé e vícios de fundamentação – é desnecessário, porque prejudicado face ao decidido nesta Sentença. Com esta Sentença já se acolheram totalmente as pretensões da requerente, sendo assim desnecessário analisar estes outros vícios apontados no RI.
4. Indemnização por garantia indevida
Segundo o art. 53.º da LGT, o contribuinte tem direito a ser indemnizado por prestação de garantia indevida, caso se verifique na impugnação judicial (e vale também para a sentença arbitral) que houve um erro imputável aos serviços (n.º 2).
No caso dos autos, a AT efetuou, como se viu, uma ilegal liquidação de imposto, em violação de lei (art. 11.º e 18.º do CIMT), por erro que lhe é imputável na errada interpretação e aplicação da lei.
Assim sendo, a requerente tem direito a ser indemnizada por todos os prejuízos resultantes da sua prestação – traduzidos nos custos da sua constituição e manutenção, com o limite legal do art. 53.º, n.º 3, da LGT, a determinar em execução de julgado.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação impugnada de IMT e juros compensatórios no valor total de 342.209,56€ (notificada pelo Ofício 2019s000…, de 8/5/2019), com todas as consequências legais
b. E condenar a AT a indemnizar a Requerente por todos os prejuízos sofridos com a prestação de garantia bancária apresentada para suspender a execução fiscal – a determinar em sede de execução de julgados.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 342.209,56€.
Notifique-se
Lisboa, 10 de janeiro de 2020
Os Árbitros
José Pedro Carvalho (árbitro-presidente),
(Votei favoravelmente a decisão, considerando ser transponível para o caso sub iudice a fundamentação da decisão do processo arbitral 152-2019T, do CAAD)
Tomás Cantista Tavares (árbitro vogal)
Manuel Pires (árbitro vogal com declaração de voto)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)
DECLARAÇÃO DE VOTO.
DOS FACTOS retira-se terem sido introduzidas transformações profundas no imóvel, não obras de simples restauro ou, por maioria de razão, de mera conservação. Por exemplo, internamente foi totalmente modificado e foi-lhe dado destino diverso, (criação de 25 fracções autónomas das quais 17 industriais e 8 para “comércio e serviços”). Numa visão global é algo diferente do que anteriormente existia, isto é, trata-se de restruturação, de destino diferente, incluído no artigo 11.º n.° 5 do CIMT. No entanto, embora a configuração do imóvel fosse modificada não afectou a natureza do imóvel - prédio urbano - aliás, como qualquer outro facto, ainda que jurídico, ocorrido, o que torna inaplicável o disposto no artigo 18.º n.° 3 do CIMT. Não se está, pois, a exigir, que o prédio dê origem ao benefício da isenção, que seja revendido no preciso estado em que foi adquirido, isto é, não se está a escrever ser suficiente 8, mas também não deve ser exigido o 80, in medio virtus. Houve alteração substancial, não houve acabamento do prédio, não podendo concluir-se necessariamente que alteração substancial ocorre apenas nos casos mais extremos, por exemplo, de transformação de prédio rústico em urbano ou de demolição de prédio para venda de terreno para construção, visto serem exemplos extremos que não esgotam a previsão da norma aplicável. Que houve obras para utilização distinta é inegável, resultando, pois, em modificação da utilização, o que se conclui, ainda, de modo patente, lendo o registo predial - inscrição b … - Março 10 n.°1- onde .consta “edifício (...) destinado a indústria de fiação de tecidos” e o que consta da Licença de construção à data da aquisição e da Licença de utilização Muito claramente no alvará das obras escreve-se “Alteração da antiga fábrica têxtil - B, num centro empresarial com funções de ninho de empresas na área industrial, comercial e de serviços, composto por 10 estabelecimentos de comércio e de serviços e 15 unidades industriais”, com diminuição e ampliação de áreas. Também no Alvará de Autorização de Utilização n° …/2017, escreve-se “A utilização a que foi destinado o edifício: centro empresarial”, com área de indústria de 7 416, 18 m2, do comércio 3 218,60 m2 e de garagens 1 774,88m2, com fracções destinadas, conforme o documento de constituição de propriedade horizontal, a estabelecimento de restauração e bebidas, comercial e serviços e estabelecimento industrial, tudo isto implicando assaz acentuada substância das obras realizadas, com modificação da disposição interna. Aliás, é também de relevar que a área coberta passou para 9 114, 55 m2, sendo originariamente 9150 m2. Do escrito, não resulta que os factos corporizam “uma metamorfose ou alteração substancial do bem adquirido para revenda” ou” obras de grande envergadura”? O destino, numa perspectiva considerando os diversos aspectos relevantes, é o mesmo do que era anteriormente? A intervenção foi meramente acessória? Tratou-se de meras obras de beneficiação ou conservação? O bem não “foi objecto de um processo económico de transformação”? O que é colocado no mercado “é o mesmo bem ou foi objecto de transformação económica”? Bem pode escrever-se que “A actividade levada a cabo pela Requerente, após a aquisição do[s]imóve]is], é uma actividade economicamente significativa, que alterou o bem adquirido em termos de se poder dizer que o bem a ser colocado no mercado é um outro bem, transformado”. Aliás, não podendo negar a evidência, afirma a Requerente ser a reabilitação “como edifício fundamentalmente industrial” e que “o prédio é um ninho de empresas” nele se encontrando “várias empresas industriais e comerciais”, embora pretenda inculcar a ideia de que as outras fracções que não as industriais, destinam-se “apenas” ao” comércio por grosso e armazém”, o que é totalmente rejeitado pela simples leitura do conteúdo das escrituras de venda das fracções, do qual resulta que as fracções não industriais não foram criadas para suporte das industriais quer pelo que integra estas quer pela diversidade dos adquirentes das dos vário tipos. Bem pode dizer-se, pois, que o teor das escrituras de venda das fracçôes destinadas à indústria não revela, muito pelo contrário, que as outras fracções com fim diferente são acessórias das primeiras, prestando serviços àquelas.
Face ao aqui escrito, deveria ter sido julgado improcedente o solicitado.
(Manuel Pires)