Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 407/2020-T
Data da decisão: 2021-03-08  IRS  
Valor do pedido: € 1.078,99
Tema: IRS – Rendimentos da categoria G; artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS; encargos com a valorização dos bens; documentos comprovativos.
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SUMÁRIO:

I. Como estatuído no artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS, nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efetuado mediante o acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objeto de alienação onerosa, dos encargos com a valorização desse mesmo bem imóvel, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, das despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, e da indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esse bem imóvel.

II. Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados é a referente à realização de obras pelos respetivos proprietários, as quais, desde que originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado, se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.

III. Nesse caso, é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 12 de agosto de 2020, A..., NIF..., divorciada, residente na Rua ..., ..., Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), tendo em vista a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2020 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., referentes ao ano de 2016.

A Requerente juntou 25 (vinte e cinco) documentos, requereu a prestação de declarações de parte e arrolou 2 (duas) testemunhas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

                «- A Autoridade Tributária, (…) notificou a Requerente da sua intenção de proceder à correção dos valores de despesas/encargos por esta declarados no Modelo 3, Anexo G, do quadro 4, Campo 4001, relativos à valorização do bem imóvel alienado. Esta correção cifrava-se na substituição do valor declarado, de 13.508,71 €, para o valor oficiosamente fixado, de 8.338,36 €, invocando a AT, para o efeito, o n.º 4 do art. 65.º do CIRS (…).

                - O que determinou a rejeição oficiosa do valor de 5.280,35 €, a título de despesas e encargos dedutíveis, considerando a AT não ter sido provado documentalmente, nos termos do art. 128.º do CIRS, o valor daquelas despesas suportadas com a alienação do imóvel (…).

                - Tal deu origem a uma segunda liquidação (…) decorrente do acerto de contas objeto da nota de liquidação com o número 2020 ... (…) bem como à notificação de cobrança, no valor de 1.078,99 €, referente a imposto e a juros compensatórios (…).     

- As despesas com a valorização do imóvel rejeitadas pela AT, no valor de 5.665,48 €, respeitam efetivamente a materiais e mão-de-obra efetivamente utilizados na reabilitação do imóvel alienado, pelo que não podem deixar de ser aceites como encargos dedutíveis nos termos e para os efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, estando refletidas em faturas emitidas sob a forma legal e, portanto, devidamente documentadas.

- Acresce que a exigência imposta pela AT de que as faturas dos fornecedores deviam conter a morada da obra é desprovida de qualquer suporte legal e viola o princípio da legalidade, pois configura um pressuposto material de tributação não consagrado na lei (artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP).

- Aliás, de acordo com o artigo 36.º, n.º 5, alínea a) do Código do IVA, que rege os requisitos formais a que devem obedecer as faturas, a morada que destas deve (leia-se, tem de) constar é a da sede ou domicílio do adquirente dos bens e serviços. Assim, a única morada que, de acordo com a lei, tem obrigatoriamente de constar da fatura é a da residência do adquirente e não a do local das obras que este vai efetuar. Pelo que o requisito que a AT demanda implicaria tão-só que a Requerente solicitasse faturas indicando uma morada que viola a lei fiscal!

- Por outro lado, a AT violou o disposto nos n.ºs 2 e 4 do art. 65.º (…) CIRS (…) porquanto procedeu à alteração dos elementos declarados, efetuando correções decorrentes de erros evidenciados na declaração Modelo 3, não obstante dispor dos documentos que comprovavam a veracidade desses elementos.

- Uma vez que a Requerente cumpriu o disposto no n.º 1 do art. 128.º, apresentando os documentos que sustentavam as despesas declaradas.

- Por outro lado, o art. 51.º do CIRS apenas exige que os encargos com a valorização dos bens e as despesas necessárias efetivamente praticadas, deverão ser comprovados, sem que indique a forma e os documentos necessários para tal.

- (…) em sede de IRS, os documentos justificativos dos gastos suportados pela Requerente, não têm sequer de assumir as formalidades previstas para as faturas, em sede de IVA, estando os encargos devidamente documentados quando contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar á AT o controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto.

- Para que a AT proceda à correção do lucro tributável, por desconsideração dos custos suportados pelas faturas e pelas declarações juntas, e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações, nelas consubstanciadas, teria que provar a factualidade que a determinou a não aceitar tais custos.

- E tal factualidade teria de ser adequada a abalar a presunção de veracidade dos documentos apresentados pela Requerente, pois só então passaria para o contribuinte o ónus de prova do direito de deduzir os custos ao lucro tributável.

- Porém a AT não invoca essa factualidade no despacho que foi notificado à Requerente e a negação da dedutibilidade dos encargos, incorridos pela Requerente, sem fundamentos de facto ou de direito viola o princípio de tributação pelo rendimento real e o princípio da justiça ínsito no princípio material do Estado de direito, consagrados na Constituição (…), nos artigos 104.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 e 2.º.

- (…), na fundamentação do seu acto, a AT não indica quais os documentos em falta ou quais as deficiências de que padecem os documentos juntos, nem quais os preceitos legais efetivamente violados ou inobservados. 

- Não bastando proceder a essa alteração com a fundamentação de que: “Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016, com a identificação J4504 / 53, constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões): Não foi comprovado documentalmente nos termos do art. 128.º CIRS, o valor das despesas suportadas com a alienação do imóvel U-110660-656-E, cf. art. 51.º do CIRS”.» 

 

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 17 de agosto de 2020.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29 de setembro de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 29 de outubro de 2020.

 

5. No dia 1 de dezembro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:   

«- A comprovação dos custos de valorização recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (…).

- E qual a forma de comprovar os custos com a construção/melhoramento dum imóvel?

Para que tal aconteça, a prova do encargo deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associal a despesa com o imóvel alienado.

- E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36.º do Código do IVA.

- (…) das faturas não aceites pela Autoridade Tributária para efeitos de comprovação de encargos, não consta a morada do imóvel objeto de melhoramentos.

- E, não tendo a morada do imóvel (mas apenas a morada do domicílio fiscal da requerente) não pode ser estabelecida a conexão dos encargos com aquele imóvel em concreto.

- (…) a requerente (…) é engenheira de profissão. Poderia, pois, ter mais de uma obra de remodelação a decorrer (em imóveis diferentes e não necessariamente de sua propriedade). Assim, se nas faturas não constar a identificação do imóvel não se saberia qual seriam de considerar os encargos com a valorização. Ou seja, esta é mais uma razão para que o imóvel objeto de melhoramento tenha de vir identificado nas faturas.  

- Não basta para preencher tal ónus a simples junção de faturas, torna-se necessário que seja demonstrado que aqueles materiais e mão-de-obra foram efetivamente utilizados naquele imóvel.

- Assim, conclui-se que a prova documental não foi capaz de estabelecer uma ligação entre os materiais fornecidos e mão-de-obra com aplicação destes na obra e nesse imóvel.

- (…) a Requerente não logrou demonstrar, de forma inequívoca, que algumas das despesas apresentadas se destinaram à obra de valorização do prédio urbano em causa.

- Em causa está a falta de elementos probatórios, que decorrem efetivamente das faturas apresentadas, mas que poderiam ter sido supridos através de outros, os quais não demonstram de forma inequívoca que as despesas declaradas foram destinadas ao prédio.

- (…) a motivação da liquidação oficiosa consta de uma informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 11, sobre a qual recaiu despacho concordante do Chefe de Finanças, e que, independentemente de com a mesma se concordar, contém argumentos suficientes e claros sobre as razões das divergências da AT e da sua decisão de não aceitar como despesas e encargos necessários e inerentes à aquisição e alienação do imóvel, as faturas referentes a obras, na medida em que no campo “morada”, esta não corresponde à morada do imóvel onde foram efetuadas as obras.   

- (…), sendo a Requerente notificada da fundamentação anteriormente à notificação do ato de liquidação, tinha conhecimento da situação subjacente a esta liquidação, aliás, o pedido de pronúncia arbitral reflete como a Requerente sabia os motivos que conduziam à emissão da liquidação oficiosa em causa.

- Questão diversa é a de saber se a notificação da liquidação foi acompanhada da devida fundamentação, ou seja, se existiu falta de notificação da fundamentação (ou se é obscura ou impercetível) quando foi notificada da liquidação.

- Ainda assim, (…), a consequência nunca seria a ilegalidade da liquidação em causa (devido à correção dos valores das despesas e encargos).»    

    

6. Em 1 de março de 2021, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido indicado o dia 29 de abril de 2021 como data previsível para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à tomada de declarações de parte à Requerente, bem como à inquirição das testemunhas por esta arroladas. 

Na mesma ocasião, ambas as partes produziram alegações orais, nas quais essencialmente reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.

 

                II. SANEAMENTO

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

8. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é engenheira civil, sendo que no decurso do ano de 2015 e até fevereiro de 2016 trabalhou na empresa “B..., S.A.”. [cf. declarações de parte da Requerente]

b) Em 10 de abril de 2015, a Requerente adquiriu, em comum e em partes iguais, com C..., NIF..., pelo preço global de € 73.000,00 – correspondendo a sua quota-parte ao valor de € 36.500,00 –, a fração autónoma designada pela letra “E”, destinada a habitação, correspondente ao andar recuado, com entrada pelo n.º ... da ..., do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., n.º..., tornejando para a Rua ..., n.ºs ... e..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário, correspondente à fração, de € 45.590,00. [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA] 

c) A Requerente e o C... procederam à total remodelação daquela fração autónoma, no período compreendido entre 11.04.2015 e 26.05.2016, tendo alterado profundamente a sua estrutura com a realização das seguintes obras [cf. documentos n.ºs 10 e 11 anexos ao PPA, declarações de parte da Requerente e depoimentos das testemunhas]:

•             A cobertura da fração foi desmontada e refeita com novos materiais de isolamento e os elementos de madeira em mau estado foram substituídos;

•             O apartamento tinha de origem uma instalação sanitária que foi relocalizada e passou a dispor de duas, o que implicou novos revestimentos, instalação de louças sanitárias, canalização e torneiras;

•             O espaço físico foi totalmente reorganizado através da demolição de algumas paredes não estruturais e edificação de novas paredes em gesso cartonado;

•             A cozinha foi eliminada, sendo transformada num quarto e foi criada uma kitchenette na sala;

•             Foi colocada nova caixilharia na totalidade do espaço exterior;

•             Foram colocados novos vãos interiores;

•             Foi colocado teto falso em gesso cartonado novo em toda a casa;

•             Foram feitos trabalhos de eletricidade de acordo com a nova organização do espaço;

•             Foram feitos trabalhos de rede de águas de acordo com a nova organização do espaço;

•             Foram feitos trabalhos de rede de esgotos de acordo com a nova organização do espaço;

•             O pavimento de origem foi arrancado e totalmente substituído por soalho de pinho novo;

•             O apartamento foi integralmente pintado.

d) As referidas obras de remodelação determinaram a alteração da classificação energética da fração da classe F para a classe D. [cf. documentos n.ºs 12 e 13 anexos ao PPA, declarações de parte da Requerente e depoimentos das testemunhas]

e) Em resultado das mencionadas obras, a tipologia da fração foi alterada de T1 para T2 [cf. declarações de parte da Requerente e depoimentos das testemunhas], estando a mesma assim descrita:

(i) no documento n.º 12 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido: «A fração autónoma é de tipologia T1, composta por uma sala de jantar, uma cozinha, 1 quarto, 1 instalação sanitária, …»; e 

(ii) no documento n.º 13 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido: «Trata-se de uma fração de habitação de tipologia T2 com uma área útil de 68,45 m2 e é composta por sala, cozinha, despensa, dois quartos, closet e duas instalações sanitárias. A fração tem as suas fachadas orientadas a Sudeste, Sudoeste e Noroeste, encontrando-se sobre frações de habitação e sob desvão da cobertura e em contacto com o exterior. As paredes são estucadas e revestidas a cerâmico nas zonas húmidas (cozinha e instalações sanitárias), no pavimento utilizou-se pavimento de madeira em toda a fração, sendo as zonas húmidas em cerâmico; e os tetos são estucados e em gesso cartonado.»   

f) Os custos totais das mencionadas obras de remodelação do imóvel foram suportados em partes iguais pela Requerente e pelo C... . [cf. declarações de parte da Requerente e depoimento da testemunha C...]

g) A quase totalidade daquelas obras foi executada pelo C...– durante os dias de semana, à noite, aos fins-de-semana e em dias de férias –, tendo sido apenas adjudicada a terceiros a execução dos zincos (caleiras, etc.), da carpintaria e da caixilharia. [cf. declarações de parte da Requerente e depoimentos das testemunhas]  

h) A aquisição dos materiais necessários para as mencionadas obras foi efetuada, maioritariamente, pela Requerente, tendo o C... efetuado também algumas compras, sendo que o transporte daqueles materiais desde os locais de compra até ao imóvel em apreço foi quase sempre realizado com recurso às viaturas particulares da Requerente e do C... . [cf. declarações de parte da Requerente e depoimentos das testemunhas]

i) Aquando das compras dos referidos materiais, a Requerente e o C... solicitaram a emissão das respetivas faturas, indicando os seus números de identificação fiscal, sendo que, em diversas ocasiões, a respetiva morada fiscal já estava associada aos seus números de contribuinte, pelo que essa morada era automaticamente inserta nas faturas pelo sistema informático. [cf. declarações de parte da Requerente e depoimento da testemunha C...]

j) A Requerente conformou a sua atuação de acordo com as informações que lhe foram prestadas no Serviço de Finanças de Lisboa-... – onde se deslocou, previamente, a fim de obter informações fiscais referentes à compra, remodelação e venda do imóvel, designadamente, quais os procedimentos a observar na aquisição de bens e serviços para as obras a serem realizadas –, sendo que o funcionário que ali a atendeu não lhe fez menção da necessidade de fazer constar a morada do aludido imóvel (local da obra) nas faturas respeitantes às aquisições de materiais e serviços para as obras de remodelação. [cf. declarações de parte da Requerente e da testemunha C...] 

k) Após a conclusão das mencionadas obras de remodelação, concretamente em 27 de maio de 2016, a Requerente e o C... venderam a aludida fração autónoma, pelo preço de € 215.000,00. [cf. documento n.º 9 anexo ao PPA]

l) Tendo o preço de compra sido de € 73.000,00 e o preço de venda sido de € 215.000,00, tal significou um aumento de € 142.000,00 no valor comercial do imóvel, ou seja, uma valorização de quase 300%, no período de tempo de 1 ano e 46 dias.

m) Em 20 de maio de 2017, a Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, acompanhada dos Anexos A, G e H referente ao ano de 2016 (...), tendo declarado no campo 4001 daquele Anexo G rendimentos provenientes de incrementos patrimoniais resultantes da alienação de imóveis, concretamente, da fração “E” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... (descrita no facto provado b)), em maio de 2016, pelo valor de € 107.500,00, que havia adquirido em abril de 2015, pelo valor de € 36.500,00, bem como despesas e encargos, no montante de € 14.106,96, tudo na quota-parte de 50%. 

n) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2017..., da qual resultou o valor a pagar de € 6.290,01.

o) Em 31 de maio de 2017, a Requerente entregou uma declaração de substituição de rendimentos Modelo 3 de IRS, acompanhada dos Anexos A, G e H, atinente ao ano de 2016 (...), tendo declarado o seguinte naquele Anexo G [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA e PA]:

 

p) Nessa sequência, foi emitida pela AT a liquidação de IRS n.º 2017..., da qual resultou o montante a pagar de € 6.403,15.

q) A Requerente foi notificada, por ofício da Direção de Serviços de IRS, datado de 06.06.2017, anexo como documento n.º 22 ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual, além do mais, consta o seguinte:

«(…)

A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2016, com a identificação..., foi selecionada para análise por ter(em) sido detetada(s) a(s) seguinte(s) situação(ões):

Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor da alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional.

Assim, poderá V. Exa., no prazo de 15 dias (…), prestar os devidos esclarecimentos no site www.portaldasfinancas.gov.pt, mediante seleção da opção “Serviços Tributários – Cidadãos – Consultar – Divergências”, onde pode anexar ficheiros dos documentos relevantes (…), e/ou regularizar automaticamente a situação entregando uma declaração corrigindo o facto que determinou a análise, ou, em alternativa, dirigir-se ao Serviço de Finanças da área do seu domicílio com cópias dos documentos justificativos.

(…)

Decorrido o prazo mencionado, sem a regularização da situação detetada, o procedimento prosseguirá para correção dos valores declarados.

(…)»   

r) Sequentemente, em 16 de junho de 2017, a Requerente deslocou-se ao Serviço de Finanças de Lisboa-..., tendo apresentado diversos documentos referentes ao mencionado imóvel, designadamente cópia da escritura pública de compra e venda e comprovativos de despesas e encargos com as obras de remodelação do mesmo, tenho a AT aceitado apenas as despesas constantes das seguintes faturas, no montante total de € 8.338,36 [cf. documentos n.ºs 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 23 anexos ao PPA e declarações de parte da Requerente]:

•             Pagamento de comissão à imobiliária (50%): 5.289,00€;

•             IMT referente à aquisição do imóvel (50%): 365,00€;

•             Imposto de Selo referente à aquisição do imóvel (50%): 292,00€;

•             Emolumentos notariais da escritura de aquisição (50%): 195,00€;

•             Certificação energética (50%): 67,96€;

•             FT 2015/1047 ... (50%): 361,82€;

•             Fat-Rec 3060/2015 ... (50%): 771,29€;

•             Fat-Rec 630 ... (50%): 996,30€

s) Naquela mesma ocasião e quanto às demais faturas de despesas apresentadas pela Requerente, foi-lhe dito que as mesmas não eram aceites por não indicarem a morada do imóvel remodelado (local da obra), pelo que ela deveria obter, junto dos fornecedores que emitiram as faturas não aceites, uma declaração indicando que os bens e/ou serviços adquiridos se destinaram àquele imóvel. [cf. declarações de parte da Requerente]

t) A Requerente enviou emails, fez telefonemas e deslocou-se às instalações de todos os fornecedores, tendo obtido as referidas declarações respeitantes às faturas emitidas no período compreendido entre 11.04.2015 e 26.05.2016 que seguidamente são indicadas, as quais entregou no Serviço de Finanças de Lisboa-... e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas [cf. documento n.º 24 anexo ao PPA, PA, declarações de parte da Requerente e depoimento da testemunha C...]:

•             39,99€ 2015/00502012641 ...;

•             239,60€ FT 5110111/0092105 ...;

•             15,87€ FT 05110111/0092111 ...;

•             208,70€ 2015/00718006850 ...;

•             379,59€ Fat-Rec 83-299300 ...;

•             9,78€ FT 051101170084672 ...;

•             57,45€ 1067201511/016345 ...;

•             173,00€ FT 11/56443 ...;

•             575,66€ FT 11/57837 ...;

•             18,44€ FT 11/60546 ...;

•             175,62€ FT 11/58798 ...;

•             363,10€ Fatura Recibo 5919 ...;

•             2,05€ Fat-Rec 83-307870 ...;

•             24,91€ FatRec 83-307865 ...;

•             1.219,40 Fatura 52230/2015 ...;

•             5,88€ 2015/00517014973 ...;

•             89,26€ Fat-Rec 83-319095 ...;

•             330,75€ FT 11/63261 ...;

•             951,49€ FT 11/65589 ...;

•             151,01 FT 11/65594 ...;

•             65,68€ Fatura Recibo 7104 ...;

•             720,50€ Fat-Rec 8482 ...;

•             56,11€ Fat-Rec 8485 ...;

•             231,81€ Fat-Rec 12242 ...;

•             241,60€ Fat-Rec 12364 ...;

•             228,61€ Fat-Rec 11095 ...;

•             57,99€ Fat-Rec 5373 ...;

•             119,58€ Fat-Rec 6117 ...;

•             12,80€ Fat-Rec 6460 ...;

•             3,99€ FT 05110311/0098554 ...

•             139,23€ 2015/00506009585 ...;

•             33,28€ Fat-Rec 13124 ...;

•             276,75€ FT 52001/796 ...;

•             13,62€ FT 003315/2803 ...;

•             38,20€ Fatura 15SP/9300 ...;

•             79,26€ Fatura Recibo 39 ...;

•             920,43€ 2015/00506010130 ...;

•             36,38€ 2016/00502001550 ...;

•             191,31€ FT 11/79761 ...;

•             111,19€ FT 11/80827 ...;

•             111,72€ Fatura Recibo ...;

•             168,80€ 201600502/000554 ...;

•             119,23€ 201600514/002829 ...;

•             47,10€ Fat-Rec 83-359069 ...;

•             88,78€ Fat-Rec 2016/1453 ...;

•             29,98€ FT 201600508/001107 ...;

•             74,87€ FT 201600507/002117 ...;

•             85,98€ FT 201600514/006934 ...;

•             54,99€ FT 201600513/006406 ...;

•             80,97€ FT 201600505/002506 ...;

•             30,99€ FT 201600503/002731 ...;

•             55,87€ Fat-Rec 1239 ...;

•             219,60€ Fatura 97 ...;

•             8,06€ Fat-Rec 2016/1697 ...;

•             368,05€ FT 201600513/010550 ...;

•             0,65€ Fat-Rec 2016/3830 ...;

•             63,63€ Fat-Rec 2016/3799 ...;

•             6,04€ Fat-Rec 2727 ...;

•             61,16€ Fat-Re 2964 ...;

•             9,99€ FT 05110211/0127666 ...;

•             18,06€ FT 05250211/0076961 ...;

•             2,56€ Fat-Rec 2016/4047 ...;    

•             540,00€ FT1 MN1/7098 ...;

•             127,20€ FT 2/869 ...;

•             22,56€ FR 702/019694 ...;

•             16,57€ FR-2936m15 ...;

•             283,00€ FR –...– 015829 ...;

•             9,67€ FT 2015/00706072833 ... .

u) Em 12 de dezembro de 2019, o Serviço de Finanças de Lisboa-... remeteu à Requerente o ofício n.º GI-..., notificando-a para audição prévia, nos seguintes termos [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]:

«Da análise efetuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2016, com a identificação ..., constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):

Não foi comprovado documentalmente nos termos do art. 128.º do CIRS, o valor das despesas suportadas com a alienação do imóvel ..., cf. art. 51.º do CIRS.

Deste modo, fica V. Exª notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3:

 

Anexo  Quadro Campo  Valor Declarado               Valor a Corrigir  Valor Final

G            4             4001       € 13.508,71         € 5.280,35           € 8.338,36

 

              

Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, poderá apresentar as suas alegações no prazo de 15 dias, no site www.portaldasfinancas.gov.pt, mediante seleção da opção “Serviços Tributários – Cidadãos – Consultar – Divergências”, ou, em alternativa, junto do Serviço de Finanças de LISBOA-..., localizado em RUA ..., N..., ...-... LISBOA.»

v) Em 20 de janeiro de 2020, a Requerente exerceu o direito de audição prévia, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo pugnado pela não realização das projetadas correções aos valores de despesas e encargos inscritos no quadro 4 do Anexo G à declaração e rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2016 (...). [cf. PA]     

w) Através do ofício n.º..., datado de 23.01.2020, do Serviço de Finanças de Lisboa-..., a Requerente foi notificada nos seguintes termos [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]:

«(…)

Assunto: NOTIFICAÇÃO NOS TERMOS DO N.º 4 DO ART. 65 DO CIRS

Da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação das divergências identificadas na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2016, com a identificação..., não foram comprovados os elementos declarados, pelo que por minha decisão, de 2020-01-21, foi determinada a efetivação das seguintes correções:

 

Anexo  Quadro Campo  Valor Declarado               Valor a Corrigir  Valor Final

G            4 (Despesas e encargos)              4001      € 13.508,71         € 5.280,35           € 8.338,36

 

                Decorrente dessas alterações aos valores declarados, será oportunamente notificado da liquidação do correspondente imposto, da qual poderá reclamar/impugnar nos termos do artigo 140.º do Código do IRS e artigos 68.º/99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

                (…)»

x) Nessa conformidade, a AT elaborou o documento de correção n.º..., que integra a declaração oficiosa de rendimentos Modelo 3 de IRS, atinente ao ano de 2016 (...), da Requerente, o qual veio a dar origem à liquidação adicional de IRS n.º 2020..., no valor total a pagar de € 7.482,14, que compreende a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no montante de € 101,15, e à respetiva demonstração de acerto de contas da qual resultou o montante a pagar de € 1.078,99, com data limite de pagamento em 18.03.2020 [cf. documentos n.ºs 1, 4 e 5 anexos ao PPA e PA]    

y) Em 12 de março de 2020, a Requerente efetuou o pagamento do aludido montante de € 1.078,99 (mil e setenta e oito euros e noventa e nove cêntimos). [cf. documento n.º 6 anexo ao PPA]

z) As faturas elencadas no facto provado t) são respeitantes a materiais e serviços adquiridos e pagos pela Requerente e por C... para a realização das obras descritas no facto provado c). [cf. declarações de parte da Requerente e depoimento da testemunha C...]  

aa) Nos anos de 2015 e 2016, a Requerente apenas realizou, por sua conta e a seu cargo, obras de remodelação no imóvel identificado no facto provado b). [cf. declarações de parte da Requerente e depoimento da testemunha C...]     

bb) Em 12.08.2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

10. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.  

                Relativamente às declarações de parte prestadas pela Requerente – que tiveram por objeto a factualidade vertida nos artigos 11, 15 e 23 a 43 do PPA –, importa começar por salientar que esta assumiu uma postura franca e respondeu de forma aberta e objetiva a tudo quanto lhe foi perguntado.

Para além de ter reiterado a factualidade constante dos mencionados artigos do PPA que balizaram o seu depoimento, afirmou ainda o seguinte com interesse para o esclarecimento da situação sub judice: o imóvel em apreço foi o único que, até hoje, adquiriu com a perspetiva de investimento, ou seja, remodelar e revender, pelo que nunca tinha tido qualquer outra obra particular a seu cargo; nunca tinha lidado com compras de materiais para obras, pois em todas as empresas em que trabalhou, até hoje, sempre houve um departamento encarregue de o fazer; despendeu bastante tempo na obtenção das declarações respeitantes às faturas referenciadas no facto provado t); e, por último, identificou todas as faturas elencadas no facto provado t), sabendo dizer a que materiais e/ou serviços respeitam e fazendo a respetiva ligação às obras efetuadas no imóvel em apreço.     

No tocante à prova testemunhal produzida, há que salientar que as testemunhas arroladas pela Requerente –C..., encarregado de construção civil, com intervenção direta nos factos em causa neste processo, enquanto comproprietário do referenciado imóvel e executor da maior parte das aludidas obras de remodelação (inquirido à factualidade constante dos artigos 7, 8, 10, 11, 13 a 16, 18 a 20, 23, 25, 27, 31, 39, 40, 50 e 54 do PPA) e D..., engenheira civil e amiga da Requerente e do C..., tendo estado no referido imóvel antes do inicio das obras, no decurso destas e após a respetiva conclusão (inquirida à factualidade constante dos factos 8, 11, 13 a 19, 23 e 24 do PPA) – depuseram de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas, pelo que os seus depoimentos nos mereceram total credibilidade.

Para além do mais que afirmaram e que sustenta, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais é feita menção aos respetivos depoimentos, importa ainda respigar os seguintes segmentos dos depoimentos destas testemunhas, pela sua relevância para a dilucidação da situação sub judice:

a)            C...: anteriormente, adquiriu um outro imóvel para investimento, ou seja, que também remodelou e revendeu, mas, quando adquiriu o imóvel em apreço nestes autos, conjuntamente com a Requerente, não tinha qualquer outra obra particular em curso; as faturas de materiais e serviços destinados às mencionadas obras de remodelação que foram aceites pela AT para além de não contemplarem a totalidade dos materiais e serviços necessários à completa execução daquelas obras, são de montante muito inferior ao efetivo custo global das mesmas; identificou muitas das faturas elencadas no facto provado t), dizendo a que materiais e/ou serviços respeitam e fazendo a respetiva ligação às referenciadas obras; se as ditas obras não tivessem sido executadas, na sua grande maioria, por ele próprio, o respetivo custo global teria sido muito superior ao que consta dos autos.  

b)           D...: a alteração quer da tipologia do imóvel de T1 para T2 quer da respetiva classificação energética da classe F para a classe D implicam obras estruturais de grande envergadura (designadamente, ao nível dos isolamentos, dos pavimentos, das paredes, dos tetos, da caixilharia, da canalização de águas e esgotos e do sistema elétrico) que, a custos normais e correntes de mercado, à época dos factos, seriam sempre muito superiores a € 40.000,00; por isso, o custo total das obras que consta dos autos é um valor baixo atendendo a tudo quanto foi feito e considerando a valorização que o imóvel teve em consequência daquelas obras. 

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

11. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissidio entre as partes consiste em determinar se os valores que a Requerente afirma ter despendido nas obras de remodelação do imóvel em apreço nestes autos – elencadas no facto provado c) –, estão ou não devidamente comprovados e, nessa medida, se devem ou não ser tidos em conta, nos termos do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS, para efeitos de determinação do montante de mais-valias sujeitas a tributação. 

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

12. A Requerente imputa dois tipos de vícios ao ato de liquidação adicional de IRS controvertido, entre os quais não estabeleceu uma relação de subsidiariedade: por um lado, um vício formal, consubstanciado na falta de fundamentação, o que constitui violação, além do mais, do disposto no artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS; por outro lado, vícios materiais, radicados, desde logo, na violação do disposto no artigo 51.º, alínea a), e no artigo 65.º, n.º 2 e 4, ambos do Código do IRS, mas também na violação dos princípios constitucionais da legalidade, da tributação pelo rendimento real e da justiça, ínsito no princípio do Estado de direito.

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT – pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento. Isto significa, pois, que o reconhecimento da existência de um vício implica que se considere prejudicado o conhecimento dos restantes vícios.

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado. Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário em que se aplique a mesma norma que baseou o ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante. Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

Volvendo ao caso concreto e visando fornecer uma tutela mais estável e eficaz aos interesses da Requerente, começaremos pela apreciação dos vícios de ordem material e, dentro destes, pelos de violação das apontadas normas do Código do IRS, pois, a verificarem-se, afastarão definitivamente a possibilidade de impor à Requerente novos atos tributários praticados nos mesmos moldes dos atos impugnados; posteriormente, se se revelar necessário à resolução do litígio e nessa exata medida, passar-se-á à apreciação do invocado vício formal.  

 

§2. ENQUADRAMENTO NORMATIVO

13. A apreciação do thema decidendum deve principiar pela análise do quadro jurídico da tributação das mais-valias em sede de IRS, para o que se impõe convocar as seguintes normas do Código do IRS, com a redação à data dos factos e nos segmentos a que aqui importa atentar:

“Artigo 10.º

Mais-valias

1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresarias e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(…)

3 – Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

(…)

4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:

a)            Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(…)”

 

“Artigo 43.º

Mais-valias

1 – O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 – O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

(…)”

 

“Artigo 44.º

Valor de realização

1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.

2 – Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

(…)

5 – O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.

6 – A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.

(…)”

 

“Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1 – No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 – Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

(…)”

 

“Artigo 51.º

Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a)            Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

(…)”

Sintetizando, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, este último calculado de acordo com o disposto nos artigos 46.º e seguintes do Código do IRS.

Nas situações de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, ao valor de aquisição acrescem, por força do estatuído na alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, as despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, e a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens.

 

14. Como refere Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 219 a 222):

«Nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efetuada mediante uma técnica de acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objeto de alienação onerosa (…). O acréscimo, nos termos do artigo 51.º, alínea a) do CIRS, pode corresponder a:

i)             Encargos com a valorização do bem, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos. Estão aqui em causa encargos intrinsecamente ligados ao bem alienado, conducentes a uma valorização, quer material ou física, quer económica, do mesmo. Carecem de relevância os encargos destinados à mera preservação do valor do bem, e não à sua valorização. (…)

ii)            Despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação dos bens em causa. (…)

iii)           Indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens.   

(…)

               Em termos gerais – uma vez que o cálculo da mais-valia tributável assenta na diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (cfr. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS) –, o acréscimo, ao valor de aquisição do imóvel, dos encargos e das despesas suportados pelo sujeito passivo para obter o rendimento em causa, tem como efeito uma redução do valor da mais-valia sujeita a IRS.

                Assim:

Mais-valia = Valor de realização – (Valor de aquisição + Encargos + Despesas do art. 51.º do CIRS)

Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo – princípios estruturantes do CIRS.

(…)

Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.

Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.

Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

Outra questão frequentemente discutida prende-se com o conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes. A este propósito, a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.].

Quanto às despesas necessárias e inerentes à aquisição/alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é entendimento consolidado que são dedutíveis, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, o IMT suportado aquando da aquisição do imóvel ora alienado e, ainda, os encargos notariais e de registo predial incorridos.

Também são tidas como despesas necessárias à alienação e, portanto, contribuem para a redução do valor da mais-valia, as despesas com a mediação imobiliária eventualmente incorridas para efeitos da alienação do imóvel, desde que devidamente comprovadas. A comprovação requerida deve abarcar o efetivo pagamento das despesas pelo proprietário do imóvel e, ainda, a conexão destas com o imóvel alienado / intervenção do mediador imobiliário na alienação em causa.

São, ainda, aceites, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, as despesas incorridas pelo proprietário do imóvel com a solicitação do certificado energético. Esta despesa releva desde que, simultaneamente, se encontre comprovada através do recibo de pagamento e o certificado demonstre inequivocamente a sua conexão com o imóvel alienado. A partir de 2009, a compra e venda de um imóvel obriga o respetivo proprietário à obtenção de um certificado energético, o que contribuiu para vulgarizar bastante este tipo de despesa.»

Também neste âmbito, José Guilherme Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 460 a 462) afirma o seguinte:        

«(…) a lei consagra também a dedução de despesas e encargos, para a determinação de algumas das mais-valias sujeitas a imposto. A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.

O artigo 51.º manda, com efeito, acrescer ao valor de aquisição:

(…)

Na alínea a), consideram-se os “encargos com a valorização dos bens imóveis, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos” [atualmente, doze anos] e também as “despesas necessárias e efectivamente realizadas” com a alienação do imóvel.

Ambas as fórmulas usadas na lei podem suscitar dúvidas de interpretação, particularmente a segunda, atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam “despesas necessárias”.

(…) Há-de tratar-se, pois, de despesas que contribuem e são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são as simples despesas de manutenção e conservação que são elegíveis para este efeito. Só as que “valorizam” o bem estão em causa. De entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. (…)

Por outro lado, a dedução de encargos – através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (…) Com a redacção actual do artigo 51.º, abrangem-se os encargos que, nos últimos 5 anos [atualmente, 12 anos], tenham contribuído para a valorização do imóvel – todos eles e não só as beneficiações materiais.»

 

15. Os tribunais – quer estaduais, quer arbitrais – já se pronunciaram sobre esta matéria, por diversas vezes, sendo disso exemplo os seguintes arestos:

(i) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012, proferido no processo n.º 0587/11, assim sumariado: 

«I – A al. a) do art. 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.

(…)»

(ii) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2009, proferido no processo n.º 0585/09, assim sumariado: 

«I – Nos termos do disposto no art. 51.º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respectiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.

II – O qualificativo "inerente", logo etimologicamente – in re – contem, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.

(…)»

(iii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.04.2015, proferido no processo n.º 06824/13, assim sumariado:

«1. Artigo 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS – as despesas suportadas pelo sujeito passivo que podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias.

2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevantes, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis.»

                (iv) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.03.2017, proferido no processo n.º 00543/04.7BEPNF, assim sumariado:

                «(…)

                III. O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (al. a) do n.º 4 do art. 10.º do CIRS), este calculado de acordo com o disposto nos artigos 46.º e seguintes do Código do IRS.

                IV. Acrescem ao valor de aquisição, por força do art. 51.º do CIRS, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º.»

                (v) Decisão arbitral proferida no processo n.º 766/2016-T, na qual é referido o seguinte:

                «(…) atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos]) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Daquele específico bem e não de qualquer outro.

                (…)

                Com efeito, considerando que as mais-valias são o saldo apurado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel não pode deixar de concluir-se, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado.

                (…)»

 

§3. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

16. Volvendo ao caso concreto, importa começar por salientar que incumbe à Requerente o ónus de estabelecer, provando-a, uma relação direta entre os custos documentados pelas faturas elencadas no facto provado t) e as obras realizadas no imóvel em apreço e que estão descritas no facto provado c), uma vez que ela pretende «prevalecer-se da dedutibilidade dos encargos suportados com a valorização do imóvel, (…). É o que resulta do n.º 1 do art. 74.º da LGT.» (acórdão do STA, de 21.10.2009, proferido no processo n.º 0583/09). Sendo certo que «não basta para preencher tal ónus a simples junção de faturas ou vendas a dinheiro, torna-se necessário que seja demonstrado que aqueles materiais e mão-de-obra foram efetivamente utilizados naquele imóvel» (acórdão do TCAN, de 30.03.2017, proferido no processo n.º 00543/04.7BEPNF); no mesmo sentido, na decisão arbitral proferida no processo n.º 766/2016-T é afirmado que «face à questão sob escrutínio [idêntica à destes autos] competia aos Requerentes provar, relativamente ao prédio alienado, não só que suportaram custos mas que as importâncias foram efectivamente despendidas em obras de valorização efetuadas naquele bem imóvel, não bastando, para o efeito que os custos e as despesas se mostrem devidamente comprovados.»    

Em suma, não basta, pois, que os referenciados custos se mostrem devidamente comprovados, sendo também necessário que a Requerente prove não só que suportou aqueles custos, mas também que os mesmos foram efetivamente incorridos em obras de valorização executadas no imóvel alineado.

 

17. A AT entende que não é possível extrair tal conclusão (que os custos em causa foram efetivamente incorridos com as obras de remodelação executadas no imóvel alienado) das faturas apresentadas pela Requerente, elencadas no facto provado t), por nelas não constar a morada do imóvel alienado, enquanto local da obra a que se destinavam os materiais e os serviços constantes das mesmas; por isso, segundo a AT, «não pode ser estabelecida a conexão dos encargos com aquele imóvel em concreto». Este é, aliás, o único motivo em que a AT funda a desconsideração das mencionadas faturas e, portanto, é tão somente nele que radicam as correções que foram efetuadas ao IRS da Requerente, referente ao ano de 2016, descritas no facto provado w) (com efeito, a AT não questiona nem que o imóvel alienado foi objeto de obras de remodelação, nem que a Requerente suportou metade dos respetivos encargos). 

Não subscrevemos tal entendimento da AT, porquanto, em face de todo o acervo probatório carreado para os autos – com particular destaque para os documentos n.ºs 10, 11, 12, 13 e 24 anexos ao PPA, para as declarações de parte da Requerente e para os depoimentos das testemunhas –, afigura-se-nos que a Requerente logrou provar o que lhe competia, ou seja, que as faturas elencadas no facto provado t) correspondem a materiais e serviços fornecidos para as obras de remodelação que foram executadas no imóvel alienado e que estão descritas no facto provado c); daí, termos considerado provada a factualidade vertida no facto provado z).

Assim, aquilo que está em causa nos autos e que importava comprovar, ou seja, os aludidos encargos suportados pela Requerente com a valorização do imóvel alienado, decorrentes das ditas obras de remodelação, ficou provado; efetivamente, a Requerente provou que realizou obras no imóvel em causa, qual a natureza das mesmas e qual o montante que nelas gastou.

Com efeito, no caso concreto, é possível estabelecer uma relação direta entre as mencionadas faturas e as obras efetuadas no referenciado imóvel (cf. facto provado z)), pelas seguintes ordens de razão: não existe nada nos autos que indicie que, à época dos factos, a Requerente ou o C... estivessem a executar, a seu cargo, obras de remodelação em qualquer outro imóvel (cf. facto provado aa)); e os materiais e serviços constantes das referidas faturas são consentâneos com o tipo de obras realizadas no imóvel em apreço.

Acresce, ainda, salientar os seguintes aspetos: a atuação diligente da Requerente que, antes da aquisição do dito imóvel, deslocou-se a um Serviço de Finanças a fim de obter informações fiscais referentes à compra, remodelação e venda do imóvel, designadamente, quais os procedimentos a observar na aquisição de bens e serviços para as obras que pretendia realizar (cf. facto provado j)), o que é demonstrativo do propósito de conformar a sua atuação com os ditames legais tributários; a atitude colaborativa da Requerente na sequência da notificação da AT no sentido de esclarecer e comprovar os encargos que havia declarado no Anexo G da sua declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2016; o custo total das obras que consta dos autos é inferior aos custos normais e correntes de mercado, à época dos factos, atendendo a tudo quanto foi feito e considerando a valorização que o imóvel teve em consequência daquelas obras; por último, as aludidas declarações escritas obtidas pela Requerente, referentes às faturas elencadas no facto provado t), não podem deixar de ser tidas em consideração pois, concatenadas com os demais elementos probatórios, permitem escortinar o destino dos materiais e serviços a que respeitam.

 

18. Nesta conformidade, a correção efetuada pela AT ao IRS da Requerente, referente ao ano de 2016, descrita no facto provado w), enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS, o que implica a declaração de ilegalidade e sequente anulação da liquidação adicional de IRS controvertida, na parte em que radica naquela correção (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

§3.1. OS JUROS COMPENSATÓRIOS

19. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

Na situação sub judice, concluiu-se que o ato de liquidação adicional de IRS controvertido é inválido por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, gerador de anulabilidade, na parte em que radica na correção efetuada pela AT ao IRS da Requerente, referente ao ano de 2016, descrita no facto provado w).

Tendo sido esse o pressuposto subjacente à liquidação de juros compensatórios controvertida, esta enferma de idêntico vício invalidante e, por consequência, deve ser anulada.

*

20. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, por vício que impede a renovação desses mesmos atos, nos termos em que foram praticados, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Requerente (cf. artigo 130.º do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

§4. O REEMBOLSO DOS MONTANTES (INDEVIDAMENTE) PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

21. A Requerente peticiona, ainda, a restituição «do valor de € 1.078,99 de IRS e juros indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT».

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, então está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§4.1. DO REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS

22. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação quer da liquidação adicional de IRS quer da liquidação de juros compensatórios controvertidas, nos termos acima enunciados, há lugar ao reembolso dos montantes pecuniários indevidamente suportados pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos valores de imposto e de juros compensatórios indevidamente pagos, no montante global de € 1.078,99 (mil e setenta e oito euros e noventa e nove cêntimos).

 

§4.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

23. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

No caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação quer da liquidação adicional de IRS quer da liquidação de juros compensatórios controvertidas, nos termos acima enunciados, são inteiramente imputáveis à AT.

Destarte, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante de € 1.078,99 (mil e setenta e oito euros e noventa e nove cêntimos) a reembolsar, calculados desde a data em que efetuou o pagamento – 12 de março de 2020 (cf. facto provado y)) – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril. 

 

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegais e anular a liquidação adicional de IRS n.º 2020...– na parte em que radica na sobredita correção efetuada ao IRS da Requerente, referente ao ano de 2016 – e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., atinentes ao ano de 2016, com as legais consequências;

b)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de € 1.078,99 (mil e setenta e oito euros e noventa e nove cêntimos) à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais. 

 

V. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.078,99 (mil e setenta e oito euros e noventa e nove cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 306,00 (trezentos e seis euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de março de 2021.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)