Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 303/2020-T
Data da decisão: 2021-02-18  IRS  
Valor do pedido: € 3.746,69
Tema: IRS - mais - valias: artigos 10º, nºs 1, alínea b), nº 3 e 44º, nº 1, alínea f) do CIRS; valor da contraprestação.
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SUMÁRIO:

 I- A norma prevista na alínea f) do nº do artigo 44º, em conjugação com o disposto na alínea b) do nº 1 e nº 3 do artigo 10º, ambos do Código Sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS), deve ser interpretada de forma a consentir que o “valor da respectiva contraprestação” tenha em consideração o valor efectivamente recebido em resultado da alienação onerosa realizada.

II- O disposto nos nºs 1 alínea b) e nº 3 do artigo 10º do CIRS deverá ser interpretado de forma a não determinar (no acto da prática em que se verifica a alienação) a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do seu titular, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias foram auferidos no momento da constituição do facto tributário.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I-RELATÓRIO

1. A..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., nº..., ..., ...-... Coimbra (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), veio em 2020-06-15, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto da alínea a) do nº 1 do artigo 2, 5º, nº 2, alíneas a) e b) e 10º,nºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), e artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação oficiosa nº 2018..., de 28 de Setembro de 2018 correspondente ao valor adicional de IRS. demonstração de acerto de contas e juros compensatórios com referência ao ano fiscal de 2016, no valor de 3.746,69 €, bem assim como a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

2.O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2020-06-19.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquela Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4.Em 2020-08-03, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1, alíneas a) e b) da redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2020-09-02 de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Fundamentalmente sustenta a Requerente o seu pedido, com relevo para o que aqui importa, e em breve síntese (que se menciona maioritariamente por transcrição) que:

 6.1.A Requerente era titular de uma quota correspondente a 16,7% do capital social do Colégio de B..., ficou com um crédito a receber o montante de 86 840 € (520 000 € x 16,7%), na data da escritura, e com um crédito de montante incerto, que poderia ir até 21 710 € (130 000 € x 16, 7%), e que seria determinado posteriormente, em “acerto de contas” (cfr. artigo 21 do pedido de pronúncia arbitral);

6.2.(…) a Requerente recebeu o montante de 86 840 €, na data da escritura, valor que declarou como rendimento da categoria G-Incrementos patrimoniais, na declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao exercício de 2016 (cfr. artigo 22 do pedido de pronúncia arbitral),

6.3.A parte remanescente e de valor incerto do preço só viria a ser paga à Requerente, em maio de 2017 (cfr. artigo 23 do pedido de pronúncia arbitral),

6.4. Conforme previsto no contrato, este remanescente foi determinado em “acerto de contas”, com base no valor das contingências previstas no contrato, conforme documento que contém os “Dados a ter em conta nas contas de acertos de saldos com os antigos accionistas”, enviado pelo comprador aos vendedores tendo a Requerente recebido apenas € 9 852,02 (cfr. artigo 23 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nº 5-A, 6 e 6-A com o mesmo juntos),

7. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2020-10-06, a Requerida apresentou a sua resposta por excepção e impugnação, pugnando pela improcedência do pedido, tendo procedido à junção do processo administrativo em 2020-12-29.

8.1. Sustenta a AT, por impugnação, a sua posição quanto à questão fundamental dos presentes autos que, “nos termos do nº 3 do artigo 10º do Código do IRS, os ganhos a tributar consideram-se obtidos no momento da prática do ato, pelo que se considera obtido na data da escritura de venda, em 2016, pese embora parte do preço vir a ser recebido em data posterior”, e que,

8.2 ” Atendendo ao principio da legalidade tributária, com correspondência no artigo 103º da CRP, o momento para efeitos de determinação do valor da mais valia é o da alienação onerosa das participações, independentemente das cláusulas obrigacionais que as partes estabeleçam relativamente ao cumprimento de determinadas obrigações futuras (de âmbito contratual privado).

9. Através de despacho arbitral de 2020-11-03, foi, para além do mais, dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, convidadas as partes a remeter ao CAAD os seus articulados em formato editável, e apresentarem alegações escritas, e indicada data para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral,

10. Em 2020-12-02 a Requerente apresentou alegações escritas, não tendo a AT usado dessa faculdade.

11. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

12. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

13. Foi pela Requerida suscitada a excepção de litisconsórcio necessário passivo, que  infra será objecto de apreciação e decisão.

14. O processo não enferma de nulidades.

15. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A.1. Factos dados como provados

A- Até vinte de nove de Julho de dois mil e dezasseis, a Requerente era titular de três mil trezentas e quarenta acções no valor global de dezasseis mil setecentos euros, correspondentes a 16,7% do capital social na sociedade denominada “COLÉGIO B..., S.A.”

B- Na supra referida data, através da competente escritura pública outorgada em Cartório Notarial de ..., a Requerente, aí designada como oitava outorgante alienou a totalidade das suas acções à “Fundação C...”.

C- Através da sobredita escritura e em resultado de deliberação para tanto tomada pelo “Colégio B..., S.A. foram  em tal acto vendidas a totalidade das suas ações à referida Fundação C...”.

D- A fls 5 da escritura da escritura de COMPRA E VENDA DE ACÇÕES, RENÚNCIAS AOS ORGÃOS SOCIAIS E DESIGNAÇÃO DE ORGÃOS SOCIAIS, é mencionado no que concerne à venda da totalidade as ações “pelo preço global de seiscentos e cinquenta mil euros, (€ 650.000,00) a ser pago em duas tranches, uma de oitenta por cento com a presente escritura e os restantes vinte por cento até trinta e um de Dezembro de dois mil e dezasseis, em acerto de contas.”

E- A fls 7 da aludida escritura  a Requerente através do seu representante declarou vender “as acções de que é titular, no valor nominal de dezasseis mil e setecentos euros  ( 16.700,00) pelo preço de cento e oito mil quinhentos e cinquenta euros (188.550,00), recebendo nesta data o equivalente a oitenta  por cento do preço, isto é, a quantia de oitenta e seis mil oitocentos e quarenta euros (€ 86.840,00), de que dá imediata quitação após pagamento do cheque, ficando por receber vinte por cento, isto é, vinte e um mil setecentos e dez euros (€ 21.170,00)

F- Na escritura a que nos temos vindo a referir, é mencionado a fls. 8 da mesma o seguinte:

“ Que sendo pago nesta data o valor global de quinhentos e vinte mil euros (€ 520.000,00] correspondentes a oitenta por cento (80%) dos preços atribuídos às acções de cada um dos respectivos titulares, acordam que que o remanescente, no valor global de cento e trinta mil euros (€ 130.000,00), correspondentes a vinte por cento (20%), será pago, na data em que a sociedade receber do Ministério da Educação o crédito de que esta administração cessante é credora no montante de catorze mil euros (14.000,00 €), a ter lugar até 31/12/2016, comprometendo-se o primeiro em nome da sua representada a disso dar conhecimento aos vendedores”.

A diferença entre as quantias depositadas somadas aos referidos catorze mil euros e o valor de € 550.000,00, será descontado, em acerto de contas a ter lugar na mesma data de 31/12/2016, no valor de 20% do preço ainda não pago e, na proporção da quota de cada accionista, um valor igual à diferença entre os €550.000,00 e o valor recebido (valor do acerto de contas a favor do comprador € 550.000,00-14.000,00€ valor deixado depositado pela administração cessante à presente data”.

G- A Autoridade Tributária e Aduaneira a coberto da Ordem de Serviço OI2018..., efectuou uma inspecção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, para além do mais, o seguinte:

 

I.3 Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

 

Do procedimento de inspeção interno ao sujeito passivo A..., NIF..., resultaram correções meramente aritméticas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), para o período de tributação de 2016, que se encontram descritas no ponto III do presente relatório.

 

As correções ascendem a € 3.547,60 e resultam do facto de, no exercício de 2016, se ter procedido, nos termos do contrato de cessão de quotas, da cessão quota cedidas pelo sujeito passivo que detinham no capital social do COLÉGIO B..., LDA.

Com esta operação, o  sujeito passivo obteve uma  mais-valia de  €88.215,64  (categoria  G  –

Incrementos Patrimoniais de IRS) sujeita a IRS e não isenta. O imposto em falta ascende a €3.547,60, conforme se evidencia no quadro seguinte:

 

RUBRICAS           VALORES DECLARADOS VALORES APURADOS

A             Valor Realização               86.840,00            108.550,00

B             Valor aquisição 16.700,00            14.160,67

C             Valor aquisição atualizado           23.964,33            20.334,36

D=A-C   Mais - Valias       62.875,67            88.215,64

E=D x 50%           50% Mais – Valia              31.437,84            44.107,82

F             Taxa      28%        28%

G = E X F              Imposto relativo a tributações autónomas           8.802,59               12.350,19

3.547,60

II.            OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

 

II.1         Credencial, motivo, âmbito e incidência temporal

 

Na sequência da ordem de serviço interna n.º OI2018... foi realizado um procedimento de inspeção interno ao sujeito passivo A..., NIF ...

 

A presente ação de inspeção interna, de âmbito parcial (IRS), tinha por objetivo o controlo e análise da declaração Mod. 3 de IRS do ano de 2016 e foi motivada por necessidade de análise de mais-valias referentes a transmissão de partes sociais.

 

II.2 Outras informações

 

Os rendimentos da categoria G – Incrementos patrimoniais de IRS no período de 2016 declarados pelo sujeito passivo, foram os seguintes:

 

III.DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMETICAS

 

III.1Enquadramento das partes sociais alienadas

 

A sociedade COLÉGIO “B..., LDA, NIPC..., foi constituída em 1 de Janeiro de 1998, tal como consta publicado em 28 de fevereiro de 1998 no DIARIO DA REPÙBLICA – III SÈRIE (anexo I)

O seu capital social, no valor de ESC 750 000 (€3.740,98), encontrava-se representado por três quotas iguais cada uma de valor nominal de ESC 250.000 (€1.246,99), pertencente a D... com NIF..., A... NIF... e E... com o NIF...,

Em 27 de Abril de 1998, foi efetuado um aumento de capital realizado em dinheiro e a entrada seis novos sócios, passado a capital social para ESC 15 000 000 e distribuído por nove quotas publicado no DIARIO DA REPÙBLICA – III SÈRIE (anexo II). Três quotas iguais cada uma do valor nominal de €2 505 000 pertencentes aos antigos sócios, já anteriormente identificados, e três iguais, cada uma do valor nominal de ESC 1 755 000 pertencendo cada uma F... com NIF..., G... com NIF... e H... com NIF..., uma do valor nominal de ESC 1.110.000, pertencendo ao socio I... com o NIF..., uma do valor nominal de ESC 585 000 pertencendo à socia J... com o NIF... e uma do valor nominal de ESC 525 000 pertencendo ao sócio K... .

 

 

Em 3 de dezembro 2010, foi efetuado aumento de capita, passando o capital social para

€100.000,00, conforme publicação no portal da justiça (anexo III) por incorporação de reservas no montante de €25.180,31, para reforço da quota existentes na proporção das respetivas quotas, e transformada em sociedade anonima passando o capital social composto por 20.000 ações nominativas no valor de €5 cada.

Na tabela abaixo resume as alterações do capital social da sociedade COLÉGIO “B...:

 

NIF       

 

Identificação sócios        28-02-1998         27-04-1998         2010      

 

%

                              

Constituição     

Aumento dinheiro          Aumento

incorporação                    

                               Escudos               Euros    Escudos               Euros     Aumento            Capital apos      

 

…            D...        

250.000               

1.246,99              

2.505.000           

12.494,89           

4.205,11              

16.700,00           

16,7%

 

…            A...        

250.000               

1.246,99              

2.505.000           

12.494,89           

4.205,11              

16.700,00           

16,7%

…            E…          250.000                1.246,99               2.505.000             12.494,89            4.205,11               16.700,00             16,7%

…            F...                                         1.755.000            8.753,90               2.946,10               11.700,00            11,7%

 

…            G...                                       

1.755.000           

8.753,90              

2.946,10              

11.700,00           

11,7%

 

…            H…                                        

1.755.000           

8.753,90              

2.946,10              

11.700,00           

11,7%

 

…            I...                                         

1.110.000           

5.536,66              

1.863,34              

7.400,00              

7,4%

 

…            J...                                        

585.000               

2.917,97              

982,03  

3.900,00              

3,9%

                K…                                         525.000                2.618,69               -                              0,00%

 

…              L…                                                                      

440,66  

1.750,00              

1,75%

 

…                  M…                                                               

440,66  

1.750,00              

1,75%

TOTAL CAPITAL                3.740,98                              74.819,68             25.180,32            100.000,00          100%

 

Mediante um contrato de cessão de quotas, celebrado em 29 de julho de 2016, os dez sócios alienaram as respetivas quotas à Fundação C..., com NIPC ..., adquirindo esta sociedade a totalidade do capital do COLÉGIO “B... .

 

As quotas foram cedidas pelo preço global de €650.000,00, pago em duas tranches, uma de 80% na data da escritura, 29 de julho, e os restantes 20% até 31 de Dezembro de 2016.

 

Estamos perante uma alienação onerosa de partes sociais, nomeadamente quotas, que será rendimento da categoria G de IRS, conforme prescrito pelo art.º 9, n.º 1 al. a) do CIRS e art.º 10, n.º 1 al. b) também do CIRS:

 

“ARTIGO 9.º - Rendimentos da categoria G

1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a)            As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;

 

“ARTIGO 10.º - Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b)           Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;

 

O ganho sujeito a IRS, é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, conforme descrito no art.º 10, n.º 4 al. a) do CIRS.

 

III.2 Apuramento do ganho obtido com a alienação onerosa das partes sociais

 

A alienação onerosa de partes sociais e de valores mobiliários, conforme já referido anteriormente, constitui rendimento da categoria G, com base nos já citados e transcritos, art.º 9, n.º 1 al. a) do CIRS e art.º 10, n.º 1 al. b) também do CIRS.

 

“ARTIGO 10.º - Mais-valias

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

a)            Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

 

O art.º 43 n.º 1 do CIRS, indica que o valor de rendimentos qualificados como mais-valias, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas no mesmo ano, apuradas de acordo com os artigos seguintes do CIRS:

 

“ARTIGO 43.º - Mais-valias

 

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

III.2.1    VALOR DE REALIZAÇÃO

O valor de realização, para as quotas alienadas, é fixado nos seguintes termos, pelo art.º 44, n.º 1 al. f) do CIRS:

“ARTIGO 44.º - Valor de realização

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.

…”

Conforme consta da escritura o preço fixado pela cessão das quotas foi de €650.000,00, (anexo IV), a sujeita passiva, A..., detinha 16,70% do capital, pelo que o valor de aquisição da quota da sujeita passivo é de €108.550,00 (€650.000,00 X 16,70%)

 

III.2.2    VALOR DE AQUISIÇÃO

 

O valor de aquisição, seria o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal, conforme indica o art.º 48, al. b) do CIRS

 

“ARTIGO 48.º - Valor de aquisição a título oneroso de partes sociais e de outros valores mobiliários

No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o valor de aquisição, quando esta haja sido efetuada a título oneroso, é o seguinte:

b)           Tratando-se de quotas ou de outros valores mobiliários não cotados em bolsa de valores, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal;

…”

No tocante ao valor de aquisição das quotas, evolução da composição do capital social consta do ponto III.1 do presente projeto de relatório.

 

Importa referir que o CIRS ao referir como custo de aquisição o custo documentalmente provado, pretende indicar que apenas será de considerar o custo efetivamente suportado pelo sujeito passivo, excluindo desse valor de custo, os aumentos de capital por incorporação de reservas, dado que estes são efetivamente suportados, pela sociedade.

 

O valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda, conforme estipulado no n.º 1 do art.º 50.º do CIRS

 

Resumindo, teremos o custo de aquisição da quota alienada é:

 

Ano      

Mês      

Dia        

Valor Aquisição

Coeficiente        Valor aquisição atualizado

1997      11           5              1.666,67               1,48       2.466,67

1998      3             9              12.494,89            1,43       17.867,69

                14.161,56                            20.334,36

 

 

III.2.3    Mais-valia sujeita a tributação em sede de IRS e imposto em falta

 

Verificou-se, nos pontos anteriores, que o valor de realizado da quota, foi erradamente declarado pelo sujeito passivo. Os valores de realização e aquisição e respetivas mais-valias, declaradas pelo sujeito passivo, foram os seguintes:

 

Corrigindo os valores de realização, conforme o exposto no ponto anterior, teremos o seguinte valor de mais-valias:

 

Realização          Aquisição

Titular   Ano       Mês       Valor     Ano       Mês       Valor

A             2016      7              10.863,79            1997      1             1.666,67

A             2016      7              97.991,21            1998      4             12.494,89

SOMA   108.855,00                          14.160,67

 

O n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS consagra que as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de partes sociais relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentados ou não regulamentados da bolsa de valores são consideradas em 50 % do seu valor. O n.º 4 do diploma citado acrescenta ainda que “entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro”.

 

A sociedade alienada é um micro e pequena empresa, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que nos termos do art.º 43 n.º 3 e 4 do CIRS, a mais-valia acima referida ascende, então, a €44.107,82 (€88.215,64x 50%), correspondendo a 50% do ganho obtido.

 

De acordo com o n.º 4 do artigo 72.º do Código do IRS, com a redação em vigor à data das operações, o saldo positivo entre as mais e menos-valias, resultante da alienação onerosa de partes sociais, é tributado à taxa de 28%.

Assim, o imposto em falta, em 2016, ascende a €3.547,60, como se evidencia no quadro seguinte:

 

H- Na sequência da inspecção foi emitida a nota de liquidação nº 2018..., de 28 de Setembro de 2018 no valor de 3746,69 €.

I-A Requerente apresentou em 04/02/2019 reclamação graciosa da liquidação subjacente, a que veio a caber o número ...2019... com os fundamentos em tudo semelhantes aos apresentados no pedido de pronúncia arbitral, que na sua esmagadora maioria reproduz.

J- A reclamação graciosa veio a ser indeferida por despacho de 19-12-2019 proferido pelo Senhor Diretor de Finanças de Coimbra, e notificado à Requente pelo ofício nº..., que manifestou concordância com o projecto de decisão que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, para além do mais o seguinte:

1 • PEDIDO E FUNDAMENTOS

A Reclamante acima identificado. vem, em 04 de fevereiro de 2019, na pessoa do seu mandatário Dr N..., reclamar da liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2016, efetuadas pela AT.

li · LEGITIMIDADE E TEMPESTIVIDADE

À reclamante foi liquidado IRS, com referência ao ano de 2016, que deu origem á Nota de Cobrança no montante de € 3.746,69, que lhe foi notificada para pagamento voluntário até 2018-11-12 conforme prints da nota de cobrança junto aos autos.

O pedido é legal, tempestivo e os reclamantes têm legitimidade.

IlI· OS FACTOS

Com referência  ao  ano  de  2016,  em  nome da R. existem as seguintes declarações de rendimentos:

•             ... liquidação 2017...-receção 2017-05-31-submetida pela R.

a pagar € 8.202,76;

•             ... liquidação 2018...-receção 2018-09-21-oficiosa da AT, a pagar€ 3.746,69;

Naquela declaração oficiosa foi considerado no anexo "G" referente a alienação de valores mobiliários (quadro 9):

•             campo 9001- o valor de aquisição€ 1.666,67 em 05-11-1997 e o correspondente valor de realização€ 10.863,79 em 29-07-2016 da entidade emitente ...;

•             campo 9002-valor de aquisição € 12.494,00 em 09-03-1998 e correspondente valor de realização€ 97.991,21 em 29-07-2016 da mesma entidade emitente.

Em ambas as alienações foi declarado que se tratava de alienação onerosa de partes sociais de microempresas;

De referir que a nota de cobrança cuja liquidação se reclama, encontra-se por regularizar;

FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO:

Alega a R. que a execução fiscal e a comunicação a terceiros da penhora de bens da R., foram um erro da AT, pois prestou uma garantia bancaria junto ao requerimento onde comunicava a intenção de reclamar, sobre esta questão, este não é este o meio próprio.

Sobre a liquidação oficiosa das mais valias, a R. alega que:

•             29-07-2016 escritura de cessão de quotas da sociedade colégio "B..." a favor da "Fundação C...," cujo preço de referencia acordado foi€ 650.000,00, sendo 80% do preço pago na data da escritura e os 20% ou seja€ 130.000,00 a pagar até 31-12-2016, quando a sociedade recebesse o pagamento do credito sobre o Ministério da Educação;

•             Detinha uma quota de 16,7%, a que correspondia a um crédito a receber de€ 86.840,00 á data da escritura e um montante incerto que podia ir até € 21.710,00;

•             Que recebeu € 86.840,00 na data da escritura que declarou no Anexo "G" da modelo 3 de IRS de 2016;

•             Que o remanescente só foi pago em maio de 2017 no montante de€ 9.852,02, e foi declarado na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2017;

•             Que o argumento da AT é que para a tributação das mais valias, o valor de realização seria o valor da contraprestação acordado no contrato e não o valor recebido.

•             Que a AT considerou a contraprestação acordada no contrato € 650.000,00, mas na escritura foi acordado € 520.000,00 no ato da escritura e o remanescente até 31/12/2016 a determinar na sequência do apuramento do valor de determinadas contingências.

•             Que foi declarado na escritura a fórmula para o tal acerto- "valor do acerto de contas a favor do comprador igual€ 550.000,00 menos€ 14.000,00 mais valor depositado pela administração cessante á presente data"

•             Que pelo acordado, foi descontado no remanescente do preço de referência o valor de € 71.005,84, conforme DOC. 5-A, pelo que o comprador pagou o valor global remanescente de€ 58.994,16 ou seja €130.000-€ 71.005,84, tendo a R. recebido a sua quota de 16,7 no valor de €9.852,02 em maio de 2017. (DOC. 6).

Assim, entende a R., que o valor foi recebido parte em 2016 e parte em 2017, e foi declarado e tributado nos respetivos anos, pelo que não pode ser tributado duas vezes pelo mesmo rendimento.

E ainda:

. A R. refere que o artigo 44.º n. º 1 f) CIRS "... o valor de realização é o valor da respetiva contraprestação ", e que o valor da contraprestação é o valor da efetivamente recebido e não um valor/preço de referência, que apenas serve para o cálculo da contraprestação efetiva.

•             Que o IRS tributa rendimentos e não meras abstrações, pelo que a liquidação oficiosa viola o princípio da legalidade tributaria e capacidade contributiva, pois o que deve ser tributado são rendimentos efetivamente recebidos, rendimentos reais.

 

Em síntese requer a anulação do acto reclamado por ilegal, por tributar rendimentos presumíveis e não os reais e incorrer numa duplicação de tributação e requer por isso o pagamento de indemnização do artigo 53° da LGT e 171° do CPPT na eventualidade de prestação indevida de garantia para suspensão do PEF.

 

APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO

Relativamente ao ano de 2016, os serviços de inspeção, apuraram uma diferença de IRS, relativa a mais valia de bens mobiliários, no valor de€ 3.547,60, cujo relatório foi notificado á R. a qual exerceu direito de audição nos mesmos termos e argumentos agora apresentados em sede da presente reclamação.

Assenta no essencial os argumentos da R., na problemática da consideração do valor da realização a considerar para efeito das mais valias, que a R. pretende que seja o valor efetivamente recebido, e a AT considerou o valor declarado como valor da contraprestação na escritura ou seja € 650.00,00 e no momento em que as mesmas (mais valias) deviam ser declaradas.

Assim, no caso em apreço, por contrato de cessão de quotas, em 29-07-2016, a FUNDAÇÃO C...- NIPC..., adquiriu a totalidade do capital da sociedade "colégio B...", por € 650.000,00, sendo o pagamento faseado, 80% na data da escritura e 20% até 31-12-2016.

Conforme escritura (fls 27 a 36 ) a R. era titular duma quota correspondente a 16,7% do capital social do colégio B..., pelo que lhe correspondia o valor de€ 108.550,00 a receber da venda efetuada.

 

Folha 73 da escritura, .."..a oitava outorgante  A..., vende.., as ações de que é titular, no valor nominal de €16.700,00, pelo preço de€ 108.550,00, recebendo nesta data 80% do preço , isto é, € 86.840,00, ... ficando por receber 20%, isto é, € 21.710,00";

A R. declarou como valor de realização apenas o valor recebido á data da escritura, ou seja, os ) 80% do valor total de 108.550,00, isto é 86.840,00, a que tinha direito, ou seja a sua quota do valor global de 650.000,00;

 

AR. menciona como valor apenas de referência o valor€ 650.000,00, contudo este foi o valor acordado por todas as partes intervenientes no acto, na escritura de cessão de quotas, como valor real.

Declararam também quando seria efetuado o pagamento, desse valor de € 650.000,00, 80% na data da escritura€ 520.000,00, e os restantes 20% ou seja€ 130.00,00 até 31-12-2016.

No ponto 9, a R. alega que ficou com um crédito de montante incerto, que poderia ir até € 21.710,00 (130.000, x16,75) que seria determinado posteriormente, mas que só veio a receber€9.852,02.

Assim, contrariamente ao referido pela R., o montante do remanescente não seria indeterminado, foi logo determinado com o preço acordado de€ 650.000,00 e reafirmado (folha

74) ... acordaram que o remanescente, no valor global de€ 130.000,00, correspondente a 20%, será pago, na data em que a sociedade receber do Ministério da Educação o crédito de que a administração cessante é credora no montante de€ 14.000,00, a ter lugar até 31-12-2016.

Como se constata, nunca o valor do remanescente esteve indeterminado, nem sequer a data do pagamento, a qual ficou acordado que tinha que ser efetuada até 31-12-2016.        

Alega que o valor recebido á data da escritura foi declarado na modelo 3 de IRS de 2016 e o valor do remanescente no valor de € 9.852,02 foi declarado na modelo 3 de IRS do ano de 2017.

A R. alega no essencial que as mais valias não deviam ter em consideração para o valor da realização o valor da contraprestação declarado na escritura e que foi de € 650.000,00, mas que deveria ser o valor recebido, tal como tinha declarado na modelo 3 de IRS do ano de 2016 e 2017.

Alega que mesmo a ser verdade que o valor de realização é o valor declarado na escritura, não seria o valor de€ 650.000,00, mas€ 520.000,00 pago na data da escritura e um remanescente a determinar na sequencia do apuramento do valor de determinadas contingências, o qual " será descontado , em acerto de contas a ter lugar na mesma data de 31/12/2016, no valor de 20% do preço ainda não pago", e refere que o comprador pagou o valor global remanescente de 58.994,16 tendo a R. recebido 16,7% deste valor, ou seja 9.852,02 em maio de 2017.

E acrescenta que este valor já foi declarado, pelo que não o pode declarar em 2016 porque isso iria gerar duplicação de rendimentos.

Alega que o valor de€ 650.000,00 é um valor de referência, e que o artigo 44 n.º 1 f) CIRS ao referir que o valor da realização, é o valor da respetiva contraprestação "efetivamente acordada no contrato".

Alega que o deve ser tributado é o valor real e não o valor de referência.

A tudo o que foi alegado pela R, se contrapõe que o artigo 44 n. 01 f) do CIRS, o valor de realização é o valor da respetiva contraprestação, ora a contraprestação foi expressamente e várias vezes repetida do "contrato de venda da totalidade das ações por € 650.00,00, "vendem livres de quaisquer ónus e encargos, com todos os direitos e obrigações, com todos os direitos e obrigações inerentes e pelo preço global de€ 650.000,00" (folha 71-verso),

Pelo que o valor acordado/declarado de € 650.000,00, não era passível de qualquer ajuste para mais ou menos, e o facto de ter sido declarado que .." os restantes vinte por cento até trinta e um de dezembro de 2016, em acerto de contas." Não significa que pudesse haver quaisquer ajustes ao valor de venda, mas apenas que seria pago á data do acerto de contas.

Alias, seria contraditório venderem por determinado preço, com todos os direitos e obrigações inerentes, e ser considerado como valor de realização outro valor diferente ao valor declarado. Quanto ao momento em que se consideram obtidos os referidos ganhos, segundo o artigo 1O n. º 3 conjugado com o n.1 do CIRS: os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos.

Assim, a prática do ato ocorreu com a outorga do contrato/escritura, em 29/07/2016, e não com o pagamento do valor, pelo que o ganho ao ter sido obtido no ano de 2016 deveria ter sido declarado na modelo 3 de IRS referente a esse exercício.

Em resumo as mais valias apuradas pelos serviços de inspeção estão corretas quer quanto ao valor de realização de 650.000,00 conforme artigo 44° f) do CIRS quer quanto ao momento em que as mesmas deveriam ter sido declaradas ou seja 2016, conforme artigo 10° n. 0 3 do CIRS. As mais valias foram consideradas em 50% do seu valor por se tratar de transmissão onerosa de partes sociais relativas a micro e pequenas empresas, conforme está consagrado no artigo 43° n.0 3 do CIRS, porquanto a mais valia apurada era de €88.215,64 mas na liquidação foi considerado os 50% com a aplicação da taxa de 28% que resultou na coleta de€ 3.547,60 .

V - CONCLUSÃO

Assim, a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2016, agora controvertida, está conforme a alínea f) do artigo 44° conjugado com o n. º 3 do artigo 1O.º, ambos do CIRS, no que concerne ao valor realização e ao momento de tributação, e foi respeitado o regulamentado no artigo 43.º n.º 3 e 4 do CIRS, relativo á natureza da sociedade alienante, pelo que a presente reclamação deve ser indeferida, com dispensa do direito de audição consignado no artigo 60° da LGT, porquanto sobre a mesma questão já se pronunciou em sede de procedimento inspetivo.

 

K-Em 2019-01-23 a Requerente constituiu uma garantia bancária, no montante de 4.988,49 € a favor do Serviço de Finanças de Coimbra ... .

L- Em 2020-06-15, a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que veio a dar origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhes sim, o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e determinar a matéria provada da não provada (cfr., artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova de encontra pré-estabelecida na lei (vg., força probatória dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos, bem como o processo administrativo anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados nem como não provados as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B-DO DIREITO

-da excepção

No seu articulado de resposta a AT suscitou, a excepção de litisconsórcio necessário passivo, aduzindo em síntese, o seguinte:

“com efeito, se para efeitos tributários o douto tribunal tributário considerar que o valor atribuído ao negócio de 650.000,00€, não corresponde à verdade, invariavelmente implicará que recaia sobre o adquirente das participações sociais, a Fundação C..., Instituição de Utilidade Pública, com sede no Centro Social Comunitário O..., na freguesia de ..., pessoa coletiva nº..., diferença entre o valor da aquisição e da eventual realização futura de mais valias”.

A Requerente, notificada para tanto, em observância do princípio do contraditório, veio apresentar resposta à excepção suscitada pela AT, nos seguintes moldes:

“ (…) a referida Fundação não é contra interessada, uma vez que, em geral, a liquidação correta do valor de realização para efeito de cálculo de mais-valias, numa compra e venda de partes sociais, não é contrária ao interesse do adquirente, em ver corretamente determinado o valor de aquisição.

 

O que é sobretudo verdade, quando, como no caso desta ação, o valor de realização da Autora (ou preço de aquisição da referida fundação) resulta claramente de documentos, um dos quais, uma escritura pública, que está junta aos autos.”

Vejamos então;

A  problemática do litisconsórcio necessário pode ter origem na lei, no negócio jurídico, ou na natureza da relação jurídica litigada.

Ajuizando a questão ao caso concreto, a excepção dilatória invocada, isto é a necessidade de intervenção de um outro eventual interessado, não tem origem em nenhum dos supra referidos fundamentos.

Verifica-se que, a Fundação C... não se subsume à figura de contra interessado, desde logo  interpretando o que se retira do acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 04-12-2017 (no âmbito do processo nº 2389/16.0BELS,:

“(…) o contra- interessado é quem seja titular de interesses contrapostos aos dos autos no âmbito de acções administrativas de impugnação de actos e normas administrativas ou de condenação à prática de actos e normas devidas. Portanto, serão contra- interessados aquelas que foram titulares de posições jurídico- subjectivas que possam ficar lesadas com a eventual procedência da acção.

Actualmente, a doutrina tem sido uniforme a entender a posição dos interessados como sendo de verdadeiras parte processuais e já não como meros terceiros no litígio (…)”. 

 

No mais, entende-se que a fundação C..., não tem um interesse contraposto ao da autora, como não sofre qualquer colisão aos seus interesses, caso o pedido da Requerente, e relativamente à consideração das mais-valia, venha a ser julgado procedente.

Para além disso, tal excepção dilatória está desenhada, fundamentalmente, para outro tipo de situações que se circunscrevem, nomeadamente à acção de declaração de nulidades da cessão de quotas, em virtude de simulação.

Julga-se, deste modo improcedente a excepção de litisconsórcio necessário passivo suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

- do mérito

A questão que é objecto do presente processo reconduz-se ao tema da tributação dos rendimentos da categoria G, concretamente das mais-valias previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 10º do CIRS e, com esta correlacionada a determinação do valor efectivo de realização, previsto na alínea f) do nº 1 artigo 44º do mesmo diploma legal.

***

O CIRS configura os incrementos patrimoniais como uma categoria residual, tributando somente os ganhos que não estão abrangidos nas restantes categorias.

 

No artigo 9º do CIRS, respeitante aos rendimentos da categoria G, agregam-se várias categorias de incrementos patrimoniais desde que não considerados rendimentos de outra categoria, as mais valias, as indemnizações que ressarçam danos não patrimoniais, as quantias auferidas em virtude das obrigações de não concorrência, os acréscimos patrimoniais não justificados estabelecidos nos termos nos termos dos artigo 87º, 88º e 89º A) da Lei Geral Tributária e as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direito inerentes a contratos relativos a bens imóveis.

Constituindo ainda incrementos patrimoniais as mais valias tal como se encontram definidas no artigo 10º do CIRS.

“Artigo 9º- Rendimentos da categoria G

1.            Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a)            As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;”

As mais-valias encontram-se casuisticamente enumeradas no artigo 10º do CIRS, podem dizer-se que se caracterizam pela sua natureza ocasional e fortuita, e, para o que aqui releva, no que concerne à fonte do “ganho obtido” as mobiliárias provindas, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 10º do CIRS da “alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.

 

Sendo que o código do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, não nos fornece um conceito de mais-valias, poderemos assumir que constituindo os mesmos incrementos de natureza patrimonial “correspondem, essencialmente a ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, portanto independentemente de uma actividade produtiva do seu titular. São “ganhos trazidos pelo vento (“windfal gains”) .

Relativamente ao ganho para efeitos fiscais, dir-se-á que “a mais valia é um ganho que se materializa diferença entre o valor por que o activo entrou no património individual e o valor por que dele saiu por força de um acto de disposição ou outro facto que, segundo a lei, constitua a realização da mais valia”. 

Tais ganhos, e segundo a solução tradicional no nosso ordenamento jurídico tributário só serão tributados no momento da alienação do bem, de acordo com a previsão do nº 3 do artigo 10º do CIRS, consagrando-se como princípio geral da tributação das mais-valias, o princípio da realização.

Aos ganhos, para além das excepções previstas nas alíneas a), b) e c), do nº 3 do artigo 10º, consideram-se obtidas no momento da prática dos actos previstos no seu nº 1: “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previsto no nº 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:”

Pois bem,

Traçado ainda que de forma sinóptica o regime das mais-valias mobiliárias e recentrando-nos na questão fulcral dos presentes autos, haverá que assinalar o seguinte:

A controvérsia entre as partes reconduz-se ao facto de a AT entender, com apelo  ao disposto no nº 3 do artigo 10º do CIRS que se consideram obtidos os ganhos na data da escritura, realizada em 29 de Julho de 2016, em conjugação com o disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 44º do CIRS quanto ao valor de realização correspondendo ao “valor da respectiva contraprestação” e constante na escritura subjacente, n valor  de 650.000,00 €, e, em contraponto, a Requerente sustentar que, não obstante os normativos em causa, a contraprestação deverá consubstanciar-se no valor efectivamente recebido por esta, tendo em atenção o que vem exarado na própria escritura de “compra e venda de acções, renúncias aos órgãos sociais e designação de órgãos sociais”, quanto ao “acerto de contas”.

Ora,

Se, aparentemente parecem não subsistir dúvidas quanto á identificação do facto gerador da mais valia, valor da mesma, e valor de realização [cfr. artigos 10º, nº 1, alínea b), 43º e 44º, nº 1, alínea f), do CIRS] a definição de “contraprestação” entendida como a obrigação a que num contrato, uma das partes se encontra obrigada relativamente à outra, parece conduzir-nos ao que foi entre as partes estabelecido no contrato já assinalado.

A ser assim, somos levados a concluir, que na situação factual subjacente, deverá ter-se em consideração que do remanescente que competiria à Requerente receber de 21.710,00 € (cfr. probatório), esta só usufruiu da quantia de 9.852,02 €, sendo contrário ao princípio da capacidade contributiva a liquidação de imposto (neste caso de IRS) sobre valores efectivamente não auferidos.

O valor de 21.710,00 € alcançado em razão da percentagem de 16,7% do capital social então detido pela Requerente, sobre o remanescente de 130.000,00 € e constante da escritura em causa, seria, como da mesma consta, objecto de posterior “acerto de contas”.

Face aos documentos juntos pela Requerente, nomeadamente a escritura de compra e venda de acções, cópias dos cheques recebidos e demonstração dos acertos de saldos a serem recebidos pelos accionistas cedentes do “Colégio B...”, não se vislumbram razões para por em causa que o remanescente do valor em falta quanto à Requerente foi no indicado valor efectivamente recebido de 9.852,02 €.

Acompanhando o que se retira do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-04-2003, proferido no âmbito do processo nº 0320/03, em que foi relator o Exmo. Conselheiro Pimenta do Vale, cuja situação factual era similar à dos presentes autos, (não obstante com remissão para as redacções ao tempo dos correspectivos normativos)  é convicção deste tribunal que é no momento em que se verifica o efetivo recebimento que se deve entender como realizado acréscimo patrimonial e, consequentemente o facto tributário.

“ I. A norma do artº 10º, nº 1 al. b)  do CIRS deve ser interpretada à luz do regime global do IRS e aos  princípios essenciais em que assenta este imposto, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico.

II. Da globalidade das normas do IRS decorre que em cada ano, apenas sobre o rendimento efectivo desse ano (artº4º, nº 4 da Lei nº 106/88 de 12/9 e 1º, nº 1, 21º, nº 1 e 24º, nº 1 do CRS).

III-Assim e de harmonia com estas regras, o nº 3 do artº 10º deverá ser interpretado não como determinando, no ano da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais – valias são auferidos no momento da prática do acto.

IV-Mesmo que se tratasse de uma presunção iuris et iure, inilidível, actualmente tem de ser considerada susceptível de ilisão, por força do disposto no artº 73º da LGT”. (cfr. acórdão do STA supra referido)

 

Face ao que vem de expor-se, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, não pode deixar de dar-se razão à Requerente.

 

III- INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA

Como resulta do probatório, em 2019-01-23 a Requerente apresentou uma garantia bancária consubstanciada sob o documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, com a finalidade de suspender a execução fiscal nº ...2018..., instaurada para cobrança da quantia objecto da liquidação subjacente, pedindo nesta sequência que a Requerida seja condenada em indemnização pela garantia indevidamente prestada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria  tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competência s poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99º e 124º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida.

 Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artº 171º do CPPT estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda”, e que  “ a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Assim, é inequívoco, que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia d, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobra a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele nº 1 do referido artº 171º do CPPT, é também o processo arbitral adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artº 3º do RJAT, ao falar em “cumulação de pedidos, ainda que, relativos a diferentes actos”, o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de  condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo nº 2 do artº 9º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artº. 53º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53º

Garantia em caso de prestação indevida

1.O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4.A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do  ano em que o pagamento de efectuou.

 

Adicionalmente, sempre se dirá, subscrevendo a doutrina que dimana do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2017, prolatado no âmbito do processo nº 0160/17, e em que foi relator o Exmo. Conselheiro Aragão Seia que:

 

II- Existe a obrigação de indemnizar por parte da AT, decorrente da prestação indevida da garantia, se a ilegalidade da liquidação do imposto resulta de uma interpretação errada que a AT fez das normas legais aplicáveis ao caso concreto ou da errada subsunção jurídica da situação de facto concreta às normas e princípios fiscais aplicáveis.”

No caso em apreço, o acto de liquidação de IRS foi da exclusiva responsabilidade da AT, não tendo, porém, a Requerente feito prova das despesas suportadas com a garantia bancária.

Termos em que fica a Requerida condenada a restituir à Requerente as despesas incorridas com a prestação da garantia bancária indevidamente prestada, no montante que se vier a determinar em sede de execução de sentença.

 

IV- DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular, em:

a)            Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)           Declarar a ilegalidade do acto de liquidação de IRS nº 2018..., referente ao ano de 2016, e em consequência,

c)            Declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa,

d)           Julgar procedente o pedido de indemnização devida por prestação da garantia indevida, no valor que venha a ser determinado em execução de julgados,

e)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento das custas do processo.

 

V-VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º -A, nº 1 a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 3.746,69 € (três mil setecentos e quarenta e seis euros, sessenta e nove cêntimos).

 

VI-CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJTA, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 612,00 € (seiscentos e doze euros).

 

NOTIFIQUE-SE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

Dezoito de Fevereiro de dois mil e vinte e um

 

O árbitro,

(J. Coutinho Pires)