Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 144/2020-T
Data da decisão: 2021-02-26  IMI  
Valor do pedido: € 52.640,22
Tema: IMI – limites da isenção a prédios afetos à realização de fins de assistência e solidariedade.
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Sumário: verificado o exercício de uma atividade lucrativa, paralelo ao exercício da atividade assistencial, por parte de uma corporação missionária, e não tendo sido feita prova de que essa sua atividade é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecido, as partes do prédio de que a mesma é titular que não estejam diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade não beneficiam da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

Decisão Arbitral

 

                A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 05.08.2020, decide nos termos que se seguem:

            

                1. Relatório

 

A..., pessoa coletiva religiosa n.º..., doravante designada por Requerente, com sede na Rua ..., ..., ...-... LISBOA, tendo sido notificada do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante IMI), no montante global final de € 52.640,22 pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), através das notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2016 ... e n.º 2017 ..., de que junta cópias, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31 de Janeiro de 2020, vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e ao abrigo do disposto nos artigos 99.º e 102.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral para apreciação dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Autoridade Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09.03.2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06.07.2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 05.08.2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A.           A Requerente foi reconhecida como corporação missionária por Despacho de 22 de Janeiro de 1994, desenvolvendo a sua missão evangelizadora no quadro mais amplo do serviço integral à pessoa humana, quer em Portugal, quer em Angola e São Tomé e Príncipe, aí dando assistência a pessoas carenciadas, afirmando e difundindo a língua portuguesa.

 

B.            A Requerente possui um elevado número de obras de natureza social em todo o país, que visam atuar em vários sectores carenciados da sociedade trabalhando designadamente nas seguintes áreas:

•             Setúbal – paróquia ..., na qual existe um Centro Social Paroquial com apoio a idosos e crianças e as Conferencias …, com cerca de 350 utentes e 20 trabalhadores voluntários.

•             Lisboa – ..., o qual não é uma mera residência universitária, mas de apoio logístico à formação e acompanhamento de 160 alunos do ensino superior, provenientes de pontos afastados de Lisboa, bem como das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e mesmo dos PALOP; nos seus espaços desenvolvem-se ainda ações de apoio a associações de emigrantes, apoio aos sem-abrigo e mais necessitados da cidade de Lisboa em saídas semanais e entrega de alimentos, roupa, calçado e material de higiene, a cerca de 120 pessoas; desenvolve ainda actividades culturais variadas.

•             Porto – ..., que acolhe 130 crianças em risco e apoia famílias carenciadas e famílias de acolhimento Colégio ...– frequentado por cerca de 1.500 alunos com ensino totalmente gratuito.

 

C.            Nos termos dos respetivos estatutos, a Requerente é uma Congregação Missionária que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.

 

D.           A Requerente é, nos termos dos artigos terceiro e quarto da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente ereta, devidamente registada em Portugal, tal como consta da Certidão de cinco de maio de 2005 passada pelo Governo Civil de Lisboa.

 

E.            A Requerente está registada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com atividade mista desenvolvida no âmbito do sector social (sem finalidade lucrativa) e no sector comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa).

 

F.            Em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), a Requerente está enquadrada no regime normal mensal.

 

G.           A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., conforme certidão com a chave de acesso PA- ... .

 

H.           O prédio em causa, que foi objeto das liquidações de IMI impugnadas, é parcialmente utilizado para a realização dos fins de assistência e solidariedade prosseguidos pela Requerente.

 

I.             Dos elementos constantes da inscrição predial em vigor resulta que o prédio inscrito sob o número ... da freguesia do ..., entretanto extinta, é composto por um conjunto de três edifícios e logradouro:

a)            Cave, rés-do-chão e dois andares com área coberta de 1.102,21 m2

b)           Capela com cripta subjacente com área coberta de 561,33 m2

c)            Edifício com subcave, cave, rés-do-chão e dois andares com área coberta de 1.568, 98 m2, cuja área foi ampliada pela Ap. 06/2001/03/02 - AV.3, que deu lugar à apresentação do aludido modelo ficando com a área de 1.719,78 m2

d)           Logradouro comum a todo o prédio com área de 18.679 m2, ficando assim com a área de 14.618,03 m2, tendo ainda sido desanexada a área de 1.488,20 m2 (av. 4 à Ap. 12/20020628), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...  da freguesia de ... .

 

J.             Em 04/05/2017, na sequência de notificação nesse sentido pelo respetivo serviço de finanças, a Requerente procedeu à entrega de pedido de alteração dos elementos do supra descrito prédio urbano constantes do artigo ... da matriz predial urbana da freguesia de ..., procedendo assim à alteração dos elementos constantes da matriz correspondente ao artigo ... da freguesia de ... .

 

K.            Na sequência desse ato foi criado um novo artigo matricial, o artigo ..., com a mesma descrição predial do artigo ..., constituindo o primeiro uma duplicação do segundo.

 

L.            Face à duplicação, a AT extinguiu o artigo ... e manteve o novo artigo ... .

 

M.          A AT procedeu à avaliação do prédio, apurando um VPT de € 10.441.300,00, e alterou o valor isento para € 2.808.709,70.

 

N.           Nos termos da decisão de cessação do benefício fiscal que correu no Serviço de Finanças de Lisboa ..., emitida na sequência do exercício do direito de audição prévia, e que determinou a isenção parcial de IMI relativamente a 26,9% do valor patrimonial tributário (VPT) do prédio e, em consequência, na liquidação do IMI em relação à parte de VPT não isenta, ou seja, 73,1%:

“Aos 25/10/2016 o ora sujeito passivo exerceu o direito de audição prévia, invocando grosso modo: Que o sujeito passivo é uma pessoa Jurídica Canónica, constituída pelas competentes autoridades eclesiásticas para a prossecução de fins religiosos, a quem foi reconhecida personalidade civil pelo Estado Português, comprovada por certidão do governo Civil do Distrito de Lisboa de 5 de maio de 2005, conforme documento que anexou; Que o prédio, objeto do cancelamento da isenção, inscrito sob o artigo ... é composto por Igreja, seminário e instalações diretamente afetas à atividade de culto e ensino da religião, constituindo 47,38%, isenta de IMI nos termos do artigo 26º da concordata celebrada entre o estado Português e a santa Sé, em 18/02/2004; e uma parte destinada a formação e alojamento de estudantes carenciados, ou seja, a fins de assistência e solidariedade social, representando 52,62%; A proporção de 47,38%, no artigo matricial urbano encontra-se automaticamente isenta ao abrigo 26º, nº 2, alíneas a), b) e c) da concordata celebrada em 18/05/2004, por se encontrarem afetas à prossecução de fins religiosos e que os restantes 52,62% destinam-se a fins de assistência e solidariedade social (colégio ...), sendo que o colégio tem por objetivo proporcionar condições aos jovens universitários portugueses para uma melhor formação humana, técnica e profissional. Tendo em conta os objetivos de solidariedade e assistência que pautam a Requerente e, apesar de formalmente não revestir a natureza de pessoa coletiva de utilidade pública ou instituição particular de solidariedade social, desenvolve, inequivocamente, para além de fins religiosos, os mesmos fins que essas entidades, o que a equipara a IPSS, nos termos do artigo 1º do decreto-lei 172-A/2014, de 14/11. Nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 44º do Estatuto dos benefícios fiscais, estão isentas de imposto “as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas a elas legalmente equiparadas, em relação aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins”; Nos termos do artigo 12º da concordata, “as pessoas jurídicas canónicas com personalidade jurídica civil reconhecida pelo estado português que, além de fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade, desenvolvem a respetiva atividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito Português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas com fins da mesma natureza”; Requer que se reconheça, oficiosamente, nos termos do nº 2, alínea b) do artigo 44º do estatuto dos benefícios fiscais, a isenção do imposto municipal sobre imóveis, na parte afeta a fins de assistência e solidariedade, nos termos do artigo 12º da concordata de 2004;

Sobre o referido exercício do direito de audição, cumpre informar:

Na prossecução do princípio do inquisitório, nos termos do artigo 58º da lei geral tributária, foi emitida uma ordem de serviço ao funcionário (…) para informar, após deslocação ao imóvel, objeto de análise, qual a afetação que o seu proprietário (…) está a dar a cada uma das partes (edifícios) que constituem o artigo ..., atual artigo ... da freguesia de ... . Em resposta à aludida ordem de serviço foi lavrada a informação aos 21/11/2019, com o seguinte teor: “As instalações são compostas por área de estacionamento, área de lazer com campos desportivos, residência universitária e igreja para o culto religioso. A atividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários, não sendo lecionada qualquer tipo de disciplina nestas instalações. A residência é composta por 150 quartos com casa de banho privativa, um serviço de limpeza diário, assim como serviço de alimentação prestada aos alunos. O edifício em causa é composto por uma área de receção, onde os residentes depositam as chaves de acesso aos quartos; uma zona de refeitório e cozinha, salas de convívio, salas de conferências e a área de gabinetes destinados à administração e apoio aos alunos residentes. A igreja ainda com uma área generosa, encontra-se aberta de segunda a sábado, a todo o público; A instituição tem cariz religioso, que neste caso dedica a sua atividade ao acolhimento e acompanhamento de alunos universitários, disponibilizando para o efeito vários serviços mediante pagamento de uma mensalidade. A isenção em causa, segundo a informação prestada recai unicamente sobre o espaço religioso (igreja) e gabinetes envolventes; Cumpre informar que o prédio em alusão está atualmente inscrito sob o artigo ... da freguesia de ... e que a sua inscrição foi desencadeada pelo exercício do direito de audição, tendo o ora sujeito passivo sido notificado, conforme nosso ofício nº... de 17/03/2017, para proceder à entrega de modelos 1 de IMI, de modo a refletir o que expôs de que 47,38% de destina a fins religiosos e 52,62% a outros fins. Como o contribuinte não cumpriu com a entrega voluntária, procedeu o serviço de finanças à avaliação oficiosa, tendo ficado descrito, na ficha de avaliação, da qual o ora sujeito passivo foi notificado aos 26/03/2018, o seguinte: “Prédio em propriedade total com unidades independentes de natureza “outros” (igreja: Área de implantação de 561,33 m2, área bruta privativa de 1122,66 m2 e área bruta dependente de 561,33 m2 / Centro de apoio à juventude: Área de implantação de 860 m2, área bruta privativa de 1175 m2 e área bruta dependente de 860 m2) / Serviços (colégio): Área de implantação de 1102,21 m2, área bruta privativa de 3306,63 m2 e área bruta dependente de 1102,21 / Residência universitária: Área de implantação de 490 m2, área bruta privativa de 2940 m2 e área bruta dependente de 490 m2. Aplicou-se a idade média dos edifícios de serviços, uma vez que o colégio é de 1955 e a residência de 1971, ou seja, 55 anos de idade média, o que dá uma vetustez de 0,55” Aos autos o ora sujeito passivo juntou documento comprovativo de que é uma pessoa moral canonicamente ereta, emitida pela secretaria do Governo Civil de Lisboa de 5 de maio de 2005; A questão central a analisar nos presentes autos é se as partes do imóvel, ora identificado, que não se subsumam nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 44º do EBF, ainda assim, possa beneficiar de isenção o aludido sujeito passivo, por força da alínea f) do nº 1 do artº 44º do EBF, em conjugação com o disposto no artigo 12º da concordata celebrada entre o estado português e a Santa Sé de 18/05/2004, com o fundamento de que prosseguem fins de assistência e solidariedade, de acordo com o regime jurídico instituído atribuído às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza? A isenção prevista na alínea f) do nº 1 do artigo 44º do estatuto dos benefícios fiscais (EBF) é aplicável não só às instituições particulares de solidariedade social, mas também às pessoas coletivas a elas legalmente equiparáveis, os prédios da titularidade das fábricas das igrejas paroquiais e outras pessoas jurídicas canónicas que prossigam fins de assistência e solidariedade estão em condições de beneficiar desta isenção de IMI, relativamente aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins. Com efeito para que haja lugar à isenção de IMI não basta que o prédio, parte, seja propriedade do ora sujeito passivo, mas sim, que prossiga diretamente os seus fins, conforme preceituado no nº 4 do artigo 44º do EBF. Como supra informamos, a atividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade. Consultando o enquadramento do ora contribuinte, verificamos que está coletado com a atividade de organizações religiosas, CAE 94910, desde 2008/01/02 e com a atividade de Ensinos Secundário Tecnológico, Artístico e Profissional desde 27/01/2015. Ora a atividade de alojamento a estudantes universitários mediante o pagamento de um preço, uma mensalidade, prossegue os fins do ora sujeito passivo enquanto comparável com as entidades a que alude as alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 44º do EBF?

Reconduz-se diretamente à realização dos seus fins, como impõe o normativo, in fine, da alínea e) e f) do nº 1 do artigo 44º do EBF? As instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, não têm fins lucrativos, requisito fundamental à instituição destas entidades. O que no caso concreto não se verifica. Em nosso parecer a situação concreta não se equipara aos fins prosseguidos pelas instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública, em conformidade com i supra exposto. Em conclusão, a isenção de IMI a conceder ao caso concreto deve apenas compreender os espaços que se reconduzam à alínea c) e, eventualmente, à alínea f) do nº 1 do artigo 44º EBF. Tendo em conta o resultado da avaliação, de que o ora sujeito passivo tomou conhecimento: Área bruta privativa da Igreja de 1122,66 m2 Área bruta privativa do centro de apoio à juventude: 1175,00 m2 Área que se subsume nos termos da alínea c): 1122,66 m2 e 1175,00 m2 nos termos da alínea f), ambas do nº 1 do artigo 44º do EBF. Ora atento que o imóvel tem a área bruta privativa total de 8544,29 m2, significa que a percentagem da área subsumida nos termos das alíneas c) e f) é de 26,8911 % arredondado a 26,9%. Nestes termos afigura-se ser de manter a isenção nos termos supra informados em 26,9% do valor patrimonial total».

 

O.           Em 18/12/2019 foram emitidas as liquidações de IMI, correspondentes aos documentos de cobrança números 2015..., 2016... e 2017... .

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e nos documentos que constam do processo administrativo, bem como no que é objeto do acordo das Partes nas respetivas peças processuais.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente sustenta, no pedido apresentado, que os atos visados padecem de falta de fundamentação, em concreto por estar ausente a identificação da lei concretamente aplicada, do autor do ato e por ter sido omitida a notificação para o exercício da audiência prévia.

 

Sobre estes aspetos, respondeu a AT que, relativamente à falta de fundamentação da liquidação impugnada, não tem a Requerente razão. Resulta dos documentos que juntou, e nos termos dos quais a AT a notificou das liquidações impugnadas, uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito dos mesmos atos, em observância do disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT.

 

Acrescenta ainda a AT que a Requerente não tem razão quando refere que os atos visados nos autos estão feridos de ilegalidade por preterição da formalidade essencial de notificação do sujeito passivo para exercício do direito de audição prévia. Com efeito, as liquidações decorrem de um procedimento de cessação da suspensão de tributação em sede de IMI e, no âmbito desse procedimento, a Requerente participou nos termos legalmente previstos. Foi na sequência da notificação do despacho definitivo de cessação de suspensão de tributação em IMI que a AT emitiu as liquidações, as quais não careciam de prévia audição dos interessados por serem o ato consequente de um procedimento em que essa participação ocorreu.

 

Sobre estes dois pontos – falta de fundamentação e de audiência dos interessados – parece-nos que assiste razão à AT. Com efeito, quanto à fundamentação, a jurisprudência consolidada defende que estará cumprido esse requisito sempre que o administrado, colocado na posição de um destinatário normal, possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na base do ato, permitindo-lhe, assim, o exercício do seu direito de defesa e, ao tribunal, o efetivo controlo da legalidade . Quanto à audiência dos interessados, é manifesto que a Requerente participou no procedimento que antecedeu os atos impugnados, o que se afigura suficiente para garantir a sua participação na formação desses mesmos atos.

 

Por outro lado, considera a Requerente que os atos de liquidação impugnados são ilegais por erro sobre os factos, erro sobre as qualidades do bem objeto de tributação e erro sobre os pressupostos de direito da lei aplicada.

 

A Requerente afirma que, tendo em conta os objetivos de solidariedade e assistência que pautam a sua existência, esta não pode deixar de ser considerada como sendo uma IPSS à luz do estatuto das IPSS.

 

Com efeito, nos termos do artigo 1.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172- A/2014, de 14 de novembro, que regula o regime jurídico das IPSS, estas são definidas como as “entidades constituídas sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos e desde que não sejam administradas pelo Estado (…) para prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos mediante a concessão de bens e a prestação de serviços: a) Apoio a crianças e jovens; b) Apoio à família c) Apoio à integração social e comunitária d) Proteção dos cidadãos na velhice e invalidez e em todas as situações de falha ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho e) Promoção e proteção na saúde (…) f) Educação e formação profissional dos cidadãos g) Resolução dos problemas habitacionais ais das populações”.

 

Nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, as organizações e instituições religiosas e os seus institutos que, para além de fins religiosos, se proponham outras atividades, enquadráveis no artigo 1º, são legalmente equiparáveis a IPSS, ficando sujeitas, quanto ao exercício daquelas atividades, ao regime estabelecido para as IPSS.

 

As atividades prosseguidas pela Requerente enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.º 1 do art.º 1º do diploma atrás mencionado. Apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, a Requerente prossegue os fins destas entidades.

 

Nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 44 do EBF, estão isentas de impostos “as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas a ela legalmente equiparadas., em relação aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins (…)” sendo que esta isenção se inicia no ano em que se constitui o direito de propriedade e é de reconhecimento oficioso, desde que se verifique a inscrição matricial em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem diretamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respetiva natureza jurídica, conforme determinado na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4 do mesmo artigo.

 

A AT reconhece que a Requerente reúne condições para ter direito a esta isenção, pelo que esse ponto não está em dúvida.

 

O que refere é que há partes do prédio em (atual artigo urbano n.º ... da freguesia de ... e antigo artigo urbano n.º...da mesma freguesia) afetas ao culto, à realização de fins religiosos e a apoio direto e exclusivo a atividades com estes mesmos fins e que, segundo apurou o SF de Lisboa ..., são a “igreja” e o “centro de apoio à juventude”, e outras que o não estão.

 

Sobre esse ponto, recorda o estabelecido no n.º 4 da Circular nº 10/2005, de 21 de Novembro, da DGCI, que concretizou que se encontram integrados na isenção: “a) As residências dos eclesiásticos (quer sejam residências paroquiais, episcopais ou de congregações religiosas, institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica), nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 26º da Nova Concordata; b) Os imóveis afetos a lares de estudantes, a casas de exercícios espirituais e a formação de religiosos, desde que, em qualquer dos casos, estejam integrados em estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 26º da Nova Concordata; c) Os imóveis pertencentes a pessoas jurídicas canónicas e cedidos gratuitamente a instituições particulares de solidariedade social ou a estabelecimentos de ensino”.

 

Afirma ainda que, admitindo que as partes do prédio que correspondem ao “colégio” e à “residência universitária” não estão exclusivamente destinadas a esses fins religiosos, por aí poderem ser admitidos quaisquer estudantes independentemente da existência ou inexistência de vocação eclesiástica ou religiosa, há que não desconsiderar o facto de estarmos perante uma situação em que o titular do prédio onde se integram essas partes é uma pessoa jurídica canónica, reconhecida nos termos do artigo 10.º da Concordata.

 

Continua dizendo que, além de fins religiosos, esta instituição prossegue fins de assistência e solidariedade, desenvolvendo a sua atividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português, pelo que goza dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza (vide artigo 12.º da Concordata), sendo equiparada a instituição particular de solidariedade social e, por isso, podendo aproveitar da isenção de IMI constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, desde que aquelas partes do prédio estejam diretamente afetas à realização desses fins de assistência e solidariedade.

 

Refere ainda a AT que, tendo em vista o reconhecimento oficioso desta isenção, tem o sujeito passivo de fazer prova da sua natureza jurídica (ser uma pessoa jurídica canónica, reconhecida nos termos do artigo 10.º da Concordata, que, além de fins religiosos, prossegue fins de assistência e solidariedade) e, além disso, de identificar os prédios ou partes de prédios que diretamente afeta à realização dos seus fins, devendo, nesta parte e por se tratar do exercício de um direito, prevalecer o princípio geral de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), em detrimento do princípio da verdade declarativa a que alude o artigo 75.º da Lei Geral Tributária, por não se estar ao nível de declarações para cumprimento de obrigações tributárias.

 

Da informação elaborada no SF de Lisboa ... resulta que não foi reconhecida a isenção de IMI prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF em relação às partes do prédio destinadas a “colégio” e a “residência universitária” por se ter concluído que o sujeito passivo (uma pessoa jurídica canónica, reconhecida nos termos do artigo 10.º da Concordata, que, além de fins religiosos, prossegue fins de assistência e solidariedade) tem fins lucrativos, já que recebe uma mensalidade dos estudantes que acolhe.

 

Entende a AT que o recebimento de uma mensalidade não seria suficiente para desvirtuar os fins de assistência e de solidariedade prosseguidos pela pessoa jurídica canónica, reconhecida nos termos do artigo 10.º da Concordata, se a Requerente, no âmbito dos serviços que presta (alojamento, alimentação, tratamento de roupas, espaços para estudar e praticar desporto), tivesse escalões definidos em contratos de associação ou de parceria com a Segurança Social ou a Ação Social Escolar que fixassem os custos imputáveis aos estudantes em função do seu agregado familiar e respetivos rendimentos.

 

Contudo, tendo a AT verificado que a Requerente está registada, em sede de IRC, como entidade com atividade mista desenvolvida no âmbito do sector social (sem finalidade lucrativa) e no sector comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa), e que, em sede de IVA, está enquadrada no regime normal mensal, revelando um fluxo de bens e serviços significativo, tendo em vista o reconhecimento da isenção aqui em causa, teria a Requerente que demonstrar que essa sua atividade desenvolvida no sector comercial, industrial e de prestação de serviços é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e solidariedade aos mais desfavorecidos.

 

Assim, verificado o exercício de uma atividade lucrativa e não tendo sido feita prova de que essa sua atividade é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecidos, entende a AT estar plenamente justificada a sua decisão por ter concluído que as partes do prédio destinadas a “colégio” e a “residência universitária” não estão diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade prosseguidos pela Requerente. Sustenta, assim, que não se mostrando verificados os pressupostos da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, não se verifica o direito à isenção em relação a essas partes do prédio (“colégio” e “residência universitária”).

 

Este tribunal entende assistir razão à AT.

 

A norma que prevê a isenção aqui em causa estabelece que a isenção de IMI beneficia “as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas a elas legalmente equiparadas, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins, salvo no que respeita às misericórdias, caso em que o benefício abrange quaisquer imóveis de que sejam proprietárias.

 

A norma é clara ao precisar que as entidades em causa, à exceção das misericórdias (categoria em que a Requerente não se insere), só beneficiam da isenção relativamente aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins.

 

Há uma lógica subjacente a esta previsão: o Estado dá o seu apoio às IPSS ou entidades equiparadas, inibindo-se da angariação de um imposto sobre a propriedade imobiliária que, de outro modo seria cobrado, na medida em que essa propriedade esteja afeta à realização dos fins que motivam o apoio do Estado.

 

Esses fins, pela sua própria natureza, são, em princípio, incompatíveis com a presença de lucro na atividade da entidade que os prossegue. Não sendo impossível que a entidade tenha uma atividade lucrativa que seja exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecidos, teria que ter sido feita prova de que efetivamente assim o é. Ora, a Requerente fundamentou o seu pedido de anulação dos atos impugnados fundamentalmente no facto de, em função do seu estatuto e das atividades que prossegue, ser titular do direito a esta isenção de IMI, não tendo feito prova de que são em exclusivo as atividades de assistência aos mais desfavorecidos que são prosseguidas no prédio objeto da tributação.

 

Por outro lado, também não ofereceu prova de que a proporção calculada pela AT para a atribuição parcial da isenção estivesse errada ou mal calculada – prova que lhe cabia, naturalmente, nos termos gerais das regras sobre ónus da prova.

 

Quanto à invocada violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição, também não colhe a argumentação da Requerente – precisamente pelas razões que ficaram descritas supra. É que o princípio da igualdade obriga a tratar de forma igual o que é igual da mesma forma que obriga a tratar diferenciadamente o que é distinto, na medida dessa diferença. Ora, em função do que antecede, a posição da Requerente é diferente de outra entidade que prossiga exclusivamente fins assistenciais e de solidariedade nos prédios de que seja titular. É nessa medida que se justifica o seu tratamento diferenciado, através da atribuição de uma isenção parcial e não total. Aliás, o princípio da capacidade contributiva, invocado pela Requerente, conduz justamente à conclusão aqui explicitada: é que a Requerente, ao desenvolver uma atividade lucrativa através do seu património imobiliário, explorando-o de uma forma que lhe permite, efetivamente, obter lucro, não pode ser tratada como outra instituição que dedique todo o seu património a atividades assistenciais e de solidariedade, em perceção de lucro.

 

Em função do exposto, entende este Tribunal que os atos impugnados respeitam a legalidade vigente, devendo, por conseguinte, ser mantidos na ordem jurídica.

 

4. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação adicional de IMI objeto do pedido;

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 52.640,22.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

               

Lisboa, 26.02.2021

 

A Árbitro

(Raquel Franco)