DECISÃO ARBITRAL
RELATÓRIO
1. Em 7 de Março de 2014, o Cabeça de Casal da Herança de A, com o NIF …, doravante designado por Requerente, residente em Portugal, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. …, e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª. … e Dr.ª. ….
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 10 de Março de 2014.
4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, o Requerente pretende a anulação dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo, relativos aos anos de 2012, no valor total de € 14.999,00 que se indicam:
a) Artigo nº. ...-C.NAS, imposto de € 2.158,30 sobre o VPT de € 215.830,00, (cf. doc.º n.º 3A);
b) Artigo nº. ...-C.PAT, imposto de € 1.736,60 sobre o VPT de € 173.660,00, (cf. doc.º n.º 3B);
c) Artigo nº. ...-C.POE, imposto de € 1.254,10 sobre o VPT de € 125.410,00, (cf. doc.º n.º 3C);
d) Artigo nº. ...-C.POT, imposto de € 2.188,14 sobre o VPT de € 218.814,00, (cf. doc.º n.º 3D);
e) Artigo nº. ...-C.SUL, imposto de € 1.816,90 sobre o VPT de € 181.690,00, (cf. doc.º n.º 3E);
f) Artigo nº. ...-MOINH, imposto de € 2.660,10 sobre o VPT de € 266.010,00, (cf. doc.º n.º 3F que junta);
g) Artigo nº. ...-R/C, imposto de € 990,20 sobre o VPT de € 99.020,00, (cf. doc.º n.º 3G que junta);
h) Artigo nº. ...-1º, imposto de € 1.131,10 sobre o VPT de € 113.110,00, (cf. doc.º n.º 3H que junta);
i) Artigo nº. ...-2º, imposto de € 1.063,30 sobre o VPT de € 106.330,00, (cf. doc.º n.º 3I que junta);”
5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.
6. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 14 de Maio de 2014, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
7. No dia 22 de Maio de 2014, o Requerente requereu a ampliação do pedido, de modo a abranger os actos de liquidação, referentes ao ano de 2013, no valor global de € 15.062,20, que aqui se indicam:
“Artigo nº. ...-MOINH, imposto de € 2.609,70 sobre o VPT de € 260.970,00;
Artigo nº. ...-2º, imposto de € 1.160,30 sobre o VPT de € 116.030,00;
Artigo nº. ...-C.PAT, imposto de € 1.730,20 sobre o VPT de € 173.020,00;
Artigo nº. ...-C.POT, imposto de € 2.315,10 sobre o VPT de € 231.510,00;
Artigo nº. ...-C.SUL, imposto de € 1.810,10 sobre o VPT de € 181.010,00;
Artigo nº. ...-C.NAS, imposto de € 2.149,10 sobre o VPT de € 214.910,00;
Artigo nº. ...-1º, imposto de € 1.125,60 sobre o VPT de € 112.560,00;
Artigo nº. ...-R/C, imposto de € 984,20 sobre o VPT de € 98.420,00;
Artigo nº. ...-C.POE, imposto de € 1.177,90 sobre o VPT de € 117.790,00;
8. Devidamente notificada, por despacho de 27 de Maio de 2014, para se pronunciar sobre a requerida ampliação do pedido, a AT nada disse,
9. Tendo, a 11 de Junho de 2014, a Requerida apresentado a respetiva Resposta, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelo Requerente, e consequentemente, pela absolvição da Requerida quanto ao pedido contra si apresentado.
10. Não houve lugar à primeira reunião do tribunal arbitral por ter sido dispensada, face ao requerimento da Requerida de 30.07.2014, e relativamente ao qual não apresentou o Requerente oposição, conforme requerimento de 27.08.2014.
11. Os representantes do Requerente e da Requerida declararam prescindir da produção de prova adicional e de alegações.
12. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 7 de Outubro de 2014 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido o Requerente de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
II. O Requerente sustenta os seus pedidos, em síntese, da seguinte forma:
O Requerente sustenta o pedido de anulação dos actos de liquidação de imposto do selo a que foi sujeito, relativamente aos andares ou partes suspectíveis de utilização independente, afectos a habitação, do prédio sito na ..., ..., freguesia de ..., concelho de …, que se encontra em propriedade vertical, por ilegais, porquanto:
a) o Valor Patrimonial Tributário (VPT) constante da matriz, para efeitos de aplicação da norma de incidência constante da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), só pode ser o da inscrição matricial correspondente a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional e não o correspondente à soma de todos os VPT dos andares que o compõem;
b) os VPT dos andares que compõem o prédio em questão nestes autos oscilam entre € 16.980,00 e € 266.010,00 sendo, portanto, todos eles inferiores a 1.000.000,00 €, pelo que "a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT desses andares ou divisões” e que “nos termos do CIMI, cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, e é precisamente ao “VPT constante da matriz” que o texto da lei mandar atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba n.º 28 da TGIS. Assim sendo, sobre os mesmos não incide o imposto do selo a que se refere a verba n.º 28 da TGIS";
c) a interpretação da AT da norma constante da verba n.º 28 da TGIS não tem qualquer correspondência com a letra e com o espírito da lei, porquanto esta “visa sujeitar a imposto não os prédios propriamente ditos, mas as habitações nele existentes. Por isso se desinteressa ostensivamente dos demais prédios, que não têm afectação habitacional”;
d) “não sendo a concentração ou a dispersão imobiliária um critério de capacidade contributiva ou qualquer outro critério legítimo de tributação, é forçoso concluir que a norma de incidência da verba n.º 28 da TGIS anexa ao CIS é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade inscrito no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa”;
e) “Ainda que as liquidações de imposto do selo aqui em juízo não padecessem da ilegalidade e da inconstitucionalidade acima assacadas, sempre seriam ilegais por violação do regime transitório do imposto do selo do n.º 28.1 da TGIS, previsto no art.º 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aplicável ao ano de 2012, e violam o disposto no n.º 7 do artigo 23.º do CIS conjugado com o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29.10.”;
f) "os actos de liquidação que aqui se impugnam são ilegais, por violarem a norma de incidência prevista na verba n.º 28 da TGIS."
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta:
a) “que o prédio de que é proprietário, o requerente, encontra-se constituído em regime de propriedade total, pelo que, entende a Requerida que, “para efeitos de IMI e também de imposto do selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietário de 10 fracções autónomas, mas sim de um único prédio”;
b) “a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil, cujo modo de constituição se encontra aí previsto, assim como as demais regras sobre direitos e encargos dos condóminos, tendo de se reconhecer nesta estatuição, a existência de um regime mais evoluído de propriedade”;
c) A aplicação da analogia “ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal, porquanto intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal, e por outro lado, ainda tendo em conta, que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei”;
d) Entende a Requerida que a lei fiscal não comporta qualquer lacuna, dado que o CIMI “determina para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns”;
e) “Não podemos, pois, aceitar que se considere, que para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal”;
f) Ademais, refere, ainda, a Requerida que “[o] facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral.”, dado que esta “incide sobre os prédios urbanos com afectação habitacional";
g) Mais, defende a Requerida que "o valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente";
h) E que, “O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a € 1.000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”;
i) Face ao exposto entende a Requerida que “a tributação em causa não violou o princípio da igualdade ou o princípio da irrectroactividade dos impostos”;
j) Em síntese, a AT sustenta que o "imposto de selo da verba 28 foi correctamente liquidado".
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.
V. Matéria de Facto
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
- A herança indivisa de A, na qual estão habilitados seis herdeiros sem distinção de parte ou direito, é integrada, entre outros, pelo prédio sito na ..., ..., freguesia de ..., concelho de …, inscritos na matriz predial urbana sob os seguintes artigos:
“Artigo nº. ...-MOINH,;
Artigo nº. ...-2º;
Artigo nº. ...-C.PAT;
Artigo nº. ...-C.POT;
Artigo nº. ...-C.SUL;
Artigo nº. ...-C.NAS;
Artigo nº. ...-1º;
Artigo nº. ...-R/C;
Artigo nº. ...-C.POE.
- O prédio compreende um total de dez andares e divisões com utilização independente cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 16.980,00 e € 266.010,00 e perfaz, no total, € 1.516.854,00, sendo que apenas 9 se encontram afectos à habitação, perfazendo um VPT no valor € 1.499.900,00.
- O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total.
- Sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, foi liquidado imposto do selo, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Impostos do Selo, relativo ao ano de 2012 e 2013, no valor de € 14.999,00 e 15.062,20, respectivamente, perfazendo o total de € 30.061,20.
- O Requerente deduziu reclamação graciosa a 04.07.2013 dos actos de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2012, no valor total de € 15.799,08, tendo a AT proferido decisão no sentido do seu indeferimento, tendo, em consequência, o Requerente interposto, a 24.10.2013, recurso hierárquico, sobre o qual foi presumido o indeferimento tácito nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária.
- O Requerente elaborou requerimento, a 22 de Maio de 2014, ao Tribunal Arbitral no sentido de ser igualmente apreciada nos presentes autos, a legalidade dos actos de liquidação de imposto do selo relativos ao ano de 2013, no montante de € 15.062,60, de que foi, entretanto, notificado, ou seja, requereu a ampliação do pedido inicialmente efectuado, o qual foi deferido pelo Tribunal arbitral, em despacho de 28 de Agosto de 2014, por entender que “está em causa o mesmo imposto (IS), os mesmos factos (artigos urbanos e propriedade vertical) e a aplicação das mesmas regras de direito (nº. 7 do art.º 29.º do CIS, conjugado com o disposto no nº. 1 do art.º 6º. da Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro)”.
VI. Motivação da matéria de facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
VII. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VIII. Fundamentos de direito
No presente caso, são duas as questões de direito controvertidas:
1) saber se a sujeição a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, relativa ao ano de 2012 e 2013, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem - Incidência da verba 28.1 da TGIS;
2) saber se a verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, na interpretação que dele faz a AT.
Vejamos,
I – Da incidência da verba 28.1 da TGIS
1. A Lei nº. 55-A/2012, de 19 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos.
2. A alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redacção:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afetação habitacional -------------------------------1%
28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------- 7,5%”
3. Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:
a) “prédios urbanos,
b) com afectação habitacional,
c) E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)
4. A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro deste diploma, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.
5. Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.
6. E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço colectivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.
7. Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
8. Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
9. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
10. Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.
11. Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.
12. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.
13. Com efeito, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou fracções for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.
14. Não parece sensato que se possa enquadrar prédios urbanos no seu todo, i.e, constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas.
15. Tal como referido, a introdução da Lei n.º 55-A/2012, de 19 de Outubro, pretendia tributar de facto, o luxo.
16. Ora, o prédio em questão pertence à herança indivisa de A, e é composto por 9 divisões com utilização independente, todas com afectação habitacional.
17. É entendimento da AT que o somatório dos VPT relativos a essas 9 divisões com utilização independente que têm afectação habitacional, perfazendo um VPT global de € 1.499.900,00 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, e novecentos euros), no ano de 2012 e € 1.506.220,00 (um milhão, quinhentos e seis mil, duzentos e vinte euros) no ano de 2013, dá lugar a incidência de imposto do selo, razão pela qual entendeu proceder à liquidação do Imposto do selo impugnada nos presentes autos.
18. Assim, do ponto de vista da AT, para um prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação.
19. Vejamos, se a tese da AT convence,
20. A Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012.
21. No entanto, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”, que aqui nos interessa.
22. No entanto, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
23. Assim, temos que, a norma de incidência se refere a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
24. Consultado o CIMI, verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
25. Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio, mas, sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.
26. Mais, aferimos que, para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Releva, sim, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
27. Com efeito, a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS, é determinado pela conjugação de três factos, a saber:
a) estarmos perante um prédio urbano;
b) a afectação habitacional e
c) o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00.
28. Ora, tratando-se de um prédio com as características supra descritas e que constam do Anexo V junto com a reclamação graciosa, a sujeição a imposto do selo terá de ser determinada, não pelo VPT do prédio “no seu todo”, mas pelo VPT atribuído a cada dos andares ou divisões com utilização independente, afectas a habitação.
29. Assim sendo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPTs das várias fracções ou divisões com utilização independente afectas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000, legitima a incidência do imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no regime regra, é, manifestamente, ilegal!
30. Assim sendo, não havendo, deste modo, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, nunca poderia a AT sujeitar o Requerente ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, dos anos de 2012 e 2013, que ora se impugna, por ser o mesmo ilegal, e por isso inaceitável e desconforme, entre outros, com o princípio da legalidade fiscal, bem como com o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
II – Do princípio da igualdade – artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa na aplicação da verba 28.1 da TGIS
31. Com efeito, o princípio constitucional da igualdade fiscal, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º, da CRP), não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério - a regra da uniformidade dos impostos.
32. Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente, e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade.
33. O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto.
34. Por isso mesmo, é que o artigo 12º, nº 3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”
35. Em consequência, a discriminação que se verifica, e que está a ser operada pela AT no caso concreto, traduz uma discriminação arbitrária e ilegal. Nada na lei impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal.
36. Por outro lado, é sabido que muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, factores que necessariamente devem ser tidos em conta. E, certamente, tendo em conta toda essa realidade social e económica, o próprio legislador fiscal no CIMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.
37. Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103º, nº 2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.
38. Ora, a não anulação destas liquidações viola claramente este princípio, uma vez que implica uma tributação desigual do ora Requerente, comparativamente com uma situação em que o prédio se encontre em propriedade horizontal de idênticas características.
39. Deste modo, é manifestamente ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, porque se trata de uma nítida violação, entre outros, do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, nada legitimando a interpretação que a AT faz das normas jurídicas aplicáveis.
40. Finalmente, não pode deixar de se referir a recente jurisprudência do CAAD, proferida sob o tema “Imposto de Selo – Verba 28, propriedade vertical”, nos processos n.º 185/2013-T, n.º 183/2013-T, n.º 181/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 248/2013-T do CAAD, entre outros, cuja motivação de Direito, o presente tribunal adere na íntegra quanto à matéria da incidência da verba 28.1 da TGIS.
41. Face ao exposto não havendo, deste modo, uma única fracção ou divisão com utilização independente, afecta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, são os actos de liquidação de Imposto do Selo relativos aos anos de 2012 e 2013, no montante de € 14.999,90 e € 15.062,20, respectivamente, nulos, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS e no artigo 13.º da CRP.
DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
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Anular todos os actos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pelo Requerente, relativos ao ano de 2012 e 2013.
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Declarar ilegal e anular o acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto pelo Requerente quanto aos mesmos actos de liquidação.
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Declarar a Autoridade Tributária obrigada, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os atos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adoptando os actos necessários para o efeito.
Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 30.061,20 nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.836,00.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Outubro de 2014
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O Árbitro
(Jorge Carita)