Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2020-T
Data da decisão: 2021-02-08  IRC  
Valor do pedido: € 52.100,12
Tema: IRC - Art. 63.º CIRC – Preços de transferência; Princípio de Plena Concorrência – Rutura de contrato de distribuição vs transferência de atividade.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 6 de agosto de 2020.

 

I. RELATÓRIO

 

1. A... SGPS, S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com   sede   em..., ..., ..., ...-... ..., (doravante, Requerente), apresentou no dia 08 de maio de 2020 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade  do  ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento  das  Pessoas  Coletivas  (IRC)  e  demais  atos impugnados (o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., de 23 de dezembro de 2019, respetiva Demonstração de Acerto de Contas, e Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios, com referência ao ano de 2016, que apurou um montante de imposto a pagar de EUR 52.100,12 (doravante, ato impugnado), com a sua consequente anulação, com os fundamentos expostos na petição inicial (PI), sendo a Requerente ressarcida do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 11 de maio de 2020, e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 07 de julho de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 07 de julho de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 6 de agosto de 2020.

 

6. Em 12 de agosto de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta e juntar o processo administrativo em 30 de setembro de 2020, dentro do prazo legal.

 

8. Em 08 de outubro de 2020, foi proferido despacho arbitral com o seguinte  teor:  “Tendo em consideração o teor da resposta da Autoridade Tributária, notifica-se a Requerente para vir aos autos: (i) dizer se mantém interesse na inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral; e, em caso afirmativo, (ii) indicar quais os factos que, em seu entender, deverão ser objeto desse meio de prova. Prazo: 10 dias”.

 

9. Em 19 de outubro de 2020, em resposta ao despacho identificado, a Requerente veio “informar que mantém interesse na inquirição e audição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral, por se afigurar essencial ao apuramento da verdade material dos factos, sendo que as mesmas responderão a toda a matéria de facto, que não seja exclusivamente suscetível de prova documental, nomeadamente, quanto aos factos constantes dos artigos 10.º, 13.º a 16.º, 20.º, 22.º, 27.º, 37.º a 78.º, 106.º, 115.º a 131.º, 137.º, 139.º, 189.º, 196.º, 226.º, 231.º e 232.º, 235.º, 239.º, 247.º, 251.º e 265.º, todos do referido pedido. Sem prejuízo do exposto e no caso de o Tribunal e a Requerida não se oporem, poderá, em alternativa à realização da referida inquirição, ser aproveitada a prova testemunhal produzida no processo n.º 216/2018-T, no qual a pretensão da então Requerente e as correções realizadas pela AT se basearam em factos em tudo idênticos aos ora controvertidos, bem como, na mesma questão jurídica. De resto, essa prova testemunhal também já foi aproveitada, com esse mesmo fundamento e na sequência de sugestão do próprio Tribunal, no processo n.º 360/2019-T. Caso a inquirição venha efetivamente a realizar-se, a Requerente informa que, na audiência de inquirição das testemunhas, dará cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 118.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT”.

 

10. Em 20 de outubro de 2020,  foi  proferido  despacho  arbitral  com  o  seguinte  teor: “1) No que respeita à prova testemunhal, por aplicação do disposto no artigo 19.º alíneas c), e) e f) do RJAT, defere-se o requerido no requerimento de dia 19 de outubro e, por conseguinte, (i) determina-se o aproveitamento nos presentes autos da prova testemunhal produzida no processo n.º 216/2018-T e (ii) ordena-se que o CAAD proceda ao envio da gravação da prova testemunhal produzida no processo n.º 216/2018-T. 1.1) A Requerida poderá opor-se ao aproveitamento de prova no prazo de 10 dias. 2) Caso a Requerida não venha a opor-se ao aproveitamento de prova testemunhal e tendo em consideração que não existe matéria de exceção sobre a qual as partes careçam de se pronunciar, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT: 2.1) Dispensa- se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT; 2.2) Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas (i) podendo a Requerente, no caso de o direito de oposição não ser exercido pela Requerida, fazê-lo no prazo de 10 dias a contar do termo do prazo de oposição previsto no ponto 1.1, e (ii) podendo a Requerida fazê-lo no prazo de 10 dias a contar da notificação das alegações escritas da Requerente. 2.3) A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até dia 8 de fevereiro de 2021), devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente”.

 

11. Em 02 de novembro de 2020, foram disponibilizados pelo CAAD os ficheiros relativos à prova testemunhal produzida no processo n.º 216/2018-T.

 

12. Em 16 de novembro de 2020, a Requerente juntou aos autos as suas alegações finais escritas, e em 2 de dezembro de 2020 a Requerida veio também juntar aos autos as suas alegações finais escritas.

 

13. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pugna pela ilegalidade e consequente anulação do ato impugnado, com base nos seguintes argumentos:

(1) Inadmissibilidade de aplicação do regime de preços de transferência:

(1.1) Inexistência da operação vinculada, uma vez que a operação em que os SIT se apoiaram para realizar a correção em crise foi erroneamente configurada como um trespasse (quando não estão verificados os pressupostos do trespasse):

- Primeiro: não ocorreu qualquer transferência de negócio entre a B... e a C... . Aquilo que sucedeu foi que as unidades fabris, a F... e a G..., assim como a D..., procederam, por força de diretrizes emanadas da E..., a casa-mãe do Grupo - à rutura dos contratos de distribuição e comercialização que haviam sido celebrados com a B... . Nessa medida, viriam a contratar com uma outra entidade a realização dessa mesma atividade de comercialização, pondo termo ao acordo anteriormente firmado com a B... .

A partir de 2005, com a transferência da atividade das duas unidades industriais para a F...

e para a G..., a comercialização dos produtos fabricados passou a ser desenvolvida pela B..., tendo por base o “know-how” e os clientes do Grupo E.../A... . Sucede que, em 2013, o Grupo decidiu conceder essa atividade a uma outra comercializadora, essencialmente por uma decisão de gestão que visou a uniformização de estruturas e a sua concentração numa única entidade, tendo em vista a diminuição de custos. Para além disso, em face da intenção que o Grupo tinha, de separar fisicamente as atividades de produção e de comercialização (e toda a logística associada), pois a B... desenvolvia a sua atividade no perímetro das unidades fabris. Pelo contrário, a C... dispunha de terrenos e de armazéns próprios,  bem  como,  de  melhores acessos ferroviários e rodoviários, o que representava, como se aludiu, a possibilidade da atividade de comercialização – e de tudo o que a envolvia, como armazenamento e transporte dos produtos – vir a ser executada de uma forma mais adequada e eficaz. Tratou-se de uma decisão de gestão, não sindicável pela AT, que visou reduzir custos e estruturas.

Para além disso, a atividade que já era desenvolvida pela B... e que passou a ser desenvolvida pela C..., assim como o posicionamento no mercado, seguiram, sempre e em qualquer circunstância, as “guidelines” que iam sendo dadas pelo Grupo E.../A... . Os clientes encontravam-se fidelizados aos produtos que eram comercializados pelo Grupo, existindo uma base de dados com a  respetiva  identificação  fiscal, direções de faturação e de envio (“Maestro de Clientes”), não sendo por isso pertença, quer da B... quer da C... .

Assim, (i) não se verificou transferência de negócio entre a B... e a C..., em função do qual foi transmitido o “know-how” e a respetiva clientela; (ii) não foi celebrado qualquer negócio entre a B... e a C...; (iii) não ocorreu qualquer “passagem” de estabelecimento, ativos incorpóreos, atividade, ou qualquer outro elemento, entre aquelas duas entidades — pois, a B... não poderia transmitir o que  não  lhe  pertencia.  Ademais, mais de 80% da faturação da B..., pelo menos nos anos de 2012 e 2013, respeitou a entidades a quem anteriormente o GRUPO E.../A... já faturava. Pelo que não houve qualquer transmissão de negócio ou de transferência concertada de posição contratual entre as duas entidades em causa, a B... e a C...;

- Segundo: a onerosidade da operação e o seu caráter definitivo. Nos contratos celebrados entre a B... e os seus fornecedores, F..., G... e D..., era invariavelmente declarado pelas partes que as mesmas renunciavam ao pagamento de qualquer indemnização decorrente da eventual cessação desses contratos. Daí que nem sequer se compreenda por que motivo a AT entendeu que a rescisão contratual destes contratos deveria ter dado origem ao pagamento de uma indemnização, quando foram as próprias Partes que, ao abrigo da liberdade contratual de que gozam, excluíram liminarmente essa hipótese. E também não se compreende que fosse a C... a pagar essa indemnização, quando nem sequer era parte nos contratos, sendo para todos os efeitos um terceiro de boa-fé. Mesmo que se admitisse a obrigatoriedade de pagamento de uma compensação à B..., o que apenas por dever de patrocínio se admite, esta seria sempre da responsabilidade das unidades fabris que eram parte nos contratos (F..., G... e D...) e nunca da C..., tal como parece pretender a AT neste caso.

Perante o exposto e em suma, importa concluir o seguinte, que:

i) não ocorreu qualquer transferência de negócio ou de bens (ativos tangíveis ou intangíveis) entre a B... e a C..., mas uma mera rutura contratual das unidades fabris com a primeira;

ii) o know-how e a clientela utilizados, quer pela B..., quer posteriormente pela C..., eram já anteriormente da exclusiva propriedade do Grupo, não podendo sequer ser objeto de transmissão;

iii) os contratos de distribuição celebrados com a B... não contemplaram a opção de ressarcimento por quebra contratual, ao abrigo do princípio da liberdade contratual;

iv) Que a B... não teria direito a uma indemnização por rutura contratual, por não ter trazido valor acrescentado às unidades fabris.

Pelo que o ato de liquidação de IRC em crise enferma de manifesta inexistência de facto tributário e da violação do regime legal dos PT, previsto no artigo 63.º do Código do IRC.

 

(1.2) Da ingerência da AT nas decisões de gestão do grupo:

 

A AT ultrapassou o âmbito das suas competências, fazendo-o sem uma fundamentação clara, consistente e legal, tendo-se imiscuído numa matéria de exclusiva gestão privada. Nessa medida, decidiu, pela Requerente, que a decisão de atribuir a atividade de comercialização dos seus produtos a uma outra entidade do Grupo não era lógica, nem justificável, quer no plano económico, quer fiscal.

A AT tinha apenas que verificar se a Requerente cumpriu com todas as disposições legais e contabilísticas no apuramento do seu lucro tributável e não especular sobre o comportamento que considera adequado e que possivelmente adotaria se fosse ela (AT) a gerir a sociedade ou, neste caso, o próprio Grupo E.../A... .

Não foi apresentada nenhuma razão válida para a correção ora efetuada, sem ser um juízo de valor sobre a adequação e normalidade do cancelamento da atividade de comercialização por parte da B... e a sua atribuição a uma outra entidade.

Ora, recaindo o ónus da prova sobre a AT, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, esta deveria ter fundamentado as suas correções com base nos pressupostos acima indicados. Não tendo apresentado provas, nem alegado factos que concluam pela inadequação ou falta de justificação da alteração de comercializadora, a AT efetuou uma correção ilegal, daí resultando a ilegalidade do ato de liquidação, nesta parte, por violação do disposto nos artigos 61.º e 104.º, n.º 2 da CRP e 74.º da LGT.

 

(1.3) Da Falta de Fundamentação:

 

Apesar de vir referido, no RIT, que o método utilizado para nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, assegurar a comparabilidade entre esta operação e uma idêntica, seria o Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM), os SIT acabam, na realidade, por não utilizar tal método. Em momento algum, identificaram uma operação comparável e o respetivo preço, acabando por se basear no “apuramento do valor da concessão do direito de exploração anual da carteira de clientes, que estava a ser explorada pela B... e que passou para a esfera da C...”.

Os SIT tiveram apenas em consideração, por um lado, as vendas anuais realizadas pela C... junto dos alegados clientes da B... e, por outro lado, os lucros operacionais que esta última deixou de obter por ter “cedido a sua lista de clientes e know-how à C..., que correspondem à margem acordada com as empresas produtoras, reduzida  dos custos anuais em que teria incorrido para concretização das vendas”. Mas isso não permite apreender as fórmulas, os cálculos e, sobretudo, a lógica e o percurso cognoscitivo que os SIT utilizaram para aplicar aquele método e chegar a um determinado resultado que tem expressão no imposto apurado e a pagar a final pela Requerente.

Os cálculos elencados no RIT foram em tudo idênticos aos que a AT utilizou relativamente aos anos anteriores, nas inspeções tributárias de 2014 e de 2015. Insista-se, no entanto, que a Requerente entende que tal preço não é devido, pelo facto de não ter ocorrido qualquer transferência de negócio ou de ativos entre as sociedades em causa.

Tal fundamentação não é, de forma alguma, suficiente para demonstrar a razoabilidade e adequação do método utilizado pela AT. A Requerente só conhece cálculos, nada sabe quanto à existência de operações comparáveis ou, em concreto, qual a operação e o preço comparável que serviu de base à correção feita pelos SIT.

A AT não trouxe para o procedimento administrativo qualquer elemento comparativo. Pelo que é por demais evidente que o ato de liquidação contestado enferma do vício de falta de fundamentação — em violação do 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), 77.º da LGT e no artigo 36.º do CPPT — , pois a aplicação do regime legal dos PT não veio acompanhada da correta indicação e aplicação do método utilizado e, em concreto, dos comparáveis de mercado que permitiram sustentar a correção e apurar o montante de imposto devido.

 

(1.4) Da errónea quantificação do facto tributário e do imposto:

 

Ainda que fosse aplicado no caso vertente o regime legal dos PT, seguindo a metodologia supostamente utilizada pelos SIT – o que uma vez mais apenas se admite a benefício de raciocínio -, sempre se dirá que a quantificação apurada no RIT não está correta. De facto, os cálculos efetuados pela AT assentam em pressupostos que, em certos casos, são errados e, noutros, são insuficientes para quantificar o impacto da operação vinculada que consideram ter existido.

Assim, assumindo, académica e supostamente, que seria devida uma compensação à B... no caso em apreço, a Requerente solicitou a uma entidade independente (a H...) que realizasse um exercício de estimativa do valor de mercado para uma compensação por cessação contratual, acaso de se considerasse que a B... teria direito a ser ressarcida pela rutura do contrato de distribuição.

Nesse âmbito, a Requerente solicitou, quanto ao ano de 2014, um estudo técnico à H..., cuja cópia se junta ao presente pedido arbitral como Documento n.º 6, porque de evidente relevância para a decisão de mérito a proferir no caso vertente, o qual visou estimar o montante a que corresponderia essa indemnização por lucros cessantes, no caso hipotético de a mesma se considerar devida. E porque os fundamentos e a metodologia seguida pela AT neste ano de 2015, é em tudo idêntica à verificada no ano de 2014, importa trazer à colação o aludido estudo. É o que se fará de seguida.

O referido estudo teve por base a fórmula de compensação para situações similares de cessação de contratos de agentes/distribuição que se encontra prevista no Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de julho com as alterações introduzidas por Decreto-Lei n.º118/93 de 13 de abril. Foi apurada a possível compensação a ser paga pelas unidades fabris à B... que corresponderia à indemnização determinada por aplicação da média de remunerações da empresa nos últimos 5 anos, calculada nos trâmites descritos no referido estudo, tendo sido apurado um valor máximo de € 36.915 para essa indemnização, valor este bastante distinto daquele que foi apurado e quantificado pela AT – nesse caso, no relatório de inspeção referente ao ano de 2014.

Em complemento de tudo o que acima já se referiu, a propósito da questão da falta de fundamentação, é evidente que a fórmula de cálculo adotada pela AT carece da fundamentação técnica necessária, essencialmente pelos seis motivos a seguir indicados. E estas premissas valiam para o ano de 2014 mas valem também para os anos subsequentes, tal como, o ano de 2016, ora em apreço.

-              Em primeiro lugar, a AT não fundamenta o método utilizado para quantificar o valor de remuneração em falta na esfera da B... .

-              Em segundo lugar, considera nesse cálculo vendas efetuadas pela B... a clientes que já eram clientes do Grupo antes da criação da B... e antes da assinatura dos contratos de distribuição, que claramente não são clientes angariados pela B..., mas sim clientes que lhe foram disponibilizados, sem que esta pagasse qualquer compensação pela disponibilização desses clientes antigos.

Tal como se aludiu, a B... não poderia nunca pretender obter  uma  compensação  por um ativo que não tenha sido desenvolvido por si. De resto, é o próprio RIT que, a págs. 15, refere expressamente que a B... “tinha uma base de clientes estável e com baixa rotatividade”. Isto é, não só a AT parte, também neste aspeto, de pressupostos erróneos, pois considera que a base de clientela era da B..., quando não era. Como também e por outro lado, considera que não conseguiu apurar o efetivo contributo da B... para a angariação desses clientes. Trata-se de conclusões que, para além de infundadas, são contraditórias.

-              Em terceiro lugar, a AT assenta o seu cálculo em dados de apenas um exercício, ao invés do preconizado pela legislação aplicável e também de forma contrária à prática corrente no mercado em circunstâncias similares, que para mitigar efeitos de evoluções conjunturais extraordinárias, recomenda o uso da média de vários exercícios. Foi assim no ano de 2014 e 2015 e voltou a suceder quanto ao ano de 2016.

-              Em quarto lugar, considera erradamente que a compensação seria devida pela nova entidade distribuidora, que não é parte no contrato rescindido e não teve qualquer intervenção ou responsabilidade nessa rescisão, — pelo que não pode também ter qualquer responsabilidade na assunção de uma eventual compensação.

-              Em quinto lugar, a AT alega no relatório, por um lado, que se verificou uma transferência de negócio entre a B... e a C... e, por outro, que se verificou uma transferência da “carteira de clientes” ou uma cessação do contrato - o que não é a mesma coisa, nem a compensação subjacente se calcula da mesma forma, o que demonstra que a própria AT não está segura do que aconteceu, nem da forma como está a processar os seus cálculos.

Com efeito, nestes tipos de contratos de distribuição de produtos de uma fábrica, não é usual, nem é lógico, pensar que uma distribuidora poderia, por decisão unilateral, transferir o direito de distribuir esses produtos para uma outra entidade independente, sem necessitar da aprovação ou intervenção das fábricas, dado que é expectável e normal que as decisões sobre os canais de distribuição dos produtos caibam ao Grupo e não a entidades terceiras independentes.

Não é também aceitável que se ficcione um negócio que envolve apenas a B... e a C..., no qual a B... decide unilateralmente vender o seu negócio a um terceiro, e no qual as fábricas não têm uma palavra a dizer na decisão sobre se continuam ou não a vender os seus produtos a esse terceiro sem poder decidir rescindir ou negociar diretamente com esse terceiro. Assim, carece de qualquer racionalidade ou lógica a assunção de que a B... poderia livremente transferir, alienar ou ceder o seu negócio a um terceiro independente, como a Requerente teve a oportunidade de referir.

Caso se tratasse de uma efetiva transferência de negócio – posição que a Requerente não aceita, como vimos -, o método de cálculo deveria corresponder a uma avaliação do negócio feita, pelos métodos habitualmente utilizados nas avaliações de empresas e de negócios, e implicaria a assunção de uma compensação temporal única associada a essa transferência. Ou seja, o preço de venda do negócio resultante da avaliação, e não num cálculo de um resultado fiscal ficcionado na B... A que corresponderia ao ganho que a mesma teria num determinado exercício caso o negócio não tivesse acontecido.

Na realidade, a decisão das fábricas de rescindirem o contrato de distribuição com a B... e prosseguirem outras formas de comercialização através de outras entidades é um direito que lhes assiste de contratualizarem livremente e desenvolverem negócios com quem entenderem e corresponde também ao exercício de uma cláusula contratual  prevista entre as partes, como se constatou.

A AT não poderia obrigar o Grupo a continuar a efetuar a distribuição dos seus produtos através da B... ou a ficcionar a continuação dessa atividade. Podia, isso sim e embora a Requerente não o aceite, considerar o efeito fiscal da eventual compensação única que seria devida à B... por essa rescisão contratual. Acresce que não tem fundamento a alegação, feita a págs. 28 do Relatório de Inspeção, de que nenhuma empresa independente abdicaria da margem comercial proporcionada pelos intangíveis detidos “sem ser compensada pelo efeito negativo que a transferência desses intangíveis, para outra empresa, teria nos seus resultados”. Obviamente que aceitaria abdicar dessa margem se, como no caso vertente, assinasse um acordo nesse sentido, ao abrigo do princípio da liberdade contratual – pensar o contrário seria insinuar que os contratos em causa não correspondem à vontade negocial das partes.

A AT em momento algum quantificou o tal “efeito negativo”, desde logo à luz do MCPM. Como bem observou o Tribunal Arbitral, nos 2 acórdãos acima identificados (216/2017-T e 360/2018-T), o valor apurado pela AT corresponde tão só ao lucro anual que, no seu entendimento, a B... deixou de auferir, no ano de 2016, continuando a operar no seio do grupo empresarial, com transações vinculadas.

-              Em sexto lugar, a AT está a procurar decidir a forma como o Grupo e as fábricas devem desenvolver a sua atividade e ignorar os direitos de os mesmos poderem decidir livremente sobre como e com quem desempenhar a sua atividade, ficcionando para efeitos fiscais a continuação de uma atividade relativamente a contratos que foram legalmente cessados, de acordo com a Lei e com as cláusulas previstas nesses contratos. Como se demonstra através do estudo então realizado pela H..., tendo a AT considerado que a cessação contratual deveria ter originado o pagamento de uma compensação à B..., então deveria ter considerado e apurado uma compensação definitiva e única para a B..., relativamente a cada contrato de distribuição, ou seja, num único momento temporal, por referência aos factos únicos das rescisões contratuais de cada um desses contratos. Pois, obviamente, não é expetável que aconteçam rescisões contratuais todos os anos, ou que os efeitos da rescisão se prolonguem eternamente. Conclusão que vale, quer para o ano de 2014, quer para o ano de 2016, na medida em que os pressupostos em que assentaram as correções da AT são exatamente os mesmos.

Assim e como demonstra o referido estudo, a metodologia de apuramento da correção em causa nunca poderia ser validada ou considerada correta, quer para aferir o valor do negócio da B...- caso o objetivo da AT fosse quantificar o valor de mercado do mesmo -, quer para aferir o valor da compensação por cliente resultante de uma rescisão contratual, pois, como já se demonstrou, existe uma metodologia própria para este último caso prevista na Lei portuguesa que não poderá ser olvidada.

Em face do referido estudo, sendo apurada uma possível compensação, a mesma terá que ser determinada por aplicação da média de remunerações da empresa nos últimos 5 anos

– de que resultou o apuramento de um valor máximo de € 36.915,00, no caso do ano de 2014 -, bem inferior ao que constava do respetivo Relatório de Inspeção e que serviu de base à correção e aos atos de liquidação referentes aos anos seguintes, nomeadamente, de 2016, ora em apreço. E nesta matéria é particularmente importante que fique assente, pois a AT parte uma vez mais de um pressuposto errado no seu Relatório de Inspeção, que o estudo técnico elaborado pela H..., quanto ao ano de 2014, visou unicamente estimar o montante a que corresponderia uma eventual indemnização por lucros cessantes, no caso hipotético de a mesma se considerar devida.

De facto, quando a AT refere, a páginas 31 do Relatório de Inspeção da B..., que a abordagem que a Requerente apresentou, no processo arbitral n.º 216/2018-T9, “prescreve a atribuição de uma compensação por lucros cessantes”, está a imputar à Requerente uma intenção que manifestamente não tem, nem poderia ter, em face da sua posição nesta matéria. Sendo absolutamente inócua a conclusão que precede essa afirmação, de que a comparabilidade da operação se encontra suportada pela avaliação da perda de rendimento decorrente da alegada transferência da carteira de clientes e know- how dos trabalhadores, o que, no caso da B..., equivaleu a um “esvaziamento total de funções, ilustrado por um volume de negócios nulo em 2015 e 2016, com a situação anterior em que esses ativos permitiam o influxo de rendimentos”.

Como é óbvio, ocorreu um esvaziamento das funções até aí exercidas pela B..., precisamente porque deixou de as exercer, sendo os resultados (nulos) dos anos de 2015 e 2016 uma decorrência, mais do que natural, da cessação dessa mesma atividade. Conclusão que é, por isso, elementar, mas também inócua, como se aludiu.

Mais, a H..., no referido estudo, nem sequer se pronunciou sobre se a indemnização era ou não devida, pois não era esse o objeto do trabalho que lhes foi solicitado, tal como resulta evidenciado nas páginas 7 e 8 do referido estudo.

Tal como resulta daquele estudo, a H... apenas teve em consideração o pressuposto hipotético de a B... ter aportado clientes (para além dos que haviam sido angariados pelo Grupo) para a sua atividade e tendo por base o seu, também hipotético, contributo para o incremento das vendas. Isto é, a análise da H... foi feita tendo exclusivamente por base os clientes eventualmente angariados pela B... e as vendas realizadas por referência aos mesmos, não teve por isso em consideração os demais clientes. Evidente é, pois, em face de todo o exposto, que a AT procedeu a uma errónea quantificação do facto tributário e do imposto agora apurado, devendo o ato de liquidação de IRC em causa ser anulado, nos termos do disposto no artigo 100.º do CPPT, também com esse fundamento.

 

(1.5) Das Decisões Arbitrais já proferidas nesta matéria:

 

A Requerente procedeu à apresentação de dois pedidos de pronúncia arbitral, junto do CAAD, que tiveram por objeto, um deles, o ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 2014 (proc. n.º 216/2018-T) e, o outro, o ato de liquidação de IRC do exercício de 2015 (proc. n.º 360/2019-T). Os fundamentos subjacentes aos aludidos pedidos são em tudo idênticos aos que foram invocados no presente pedido, até porque as correções efetuadas pela AT, quer no ano de 2014, quer nos anos subsequentes, por referência a questões relacionadas com Preços de Transferência, são também elas em tudo idênticas.

Ambos os processos arbitrais em causa culminaram com a prolação de decisões que julgaram totalmente procedentes os respetivos pedidos, determinando, quer quanto a 2014, quer quanto a 2015, a anulação dos correspondentes atos de liquidação, com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.

E refira-se que ambas as decisões acima identificadas já transitaram em julgado, tendo a Requerente inclusivamente, no caso do IRC de 2014, já sido reembolsada do imposto indevidamente pago, acompanhado dos respetivos juros indemnizatórios. Tais situações são iguais à que se verificou em 2016, tanto que a correção efetuada ao IRC deste último ano acaba por resultar e refletir o impacto que a própria correção efetuada pela AT aos anos de 2014 e de 2015.

 

(2) Dos Juros indemnizatórios:

 

Apesar de não concordar com a emissão do ato de liquidação de IRC em crise, a Requerente procedeu ao seu pagamento em 13/02/2020.

Assim, caso venha a ser-lhe dada razão, no âmbito do presente pedido arbitral, reconhecendo-se a ilegalidade do procedimento adotado pela AT e, em consequência, a ilegalidade do ato de liquidação em crise, como se espera, deve a Requerente ser ressarcida, a final e desde logo, do montante pago. Só desta forma poderá obter-se, como impõe o artigo 100.º da LGT, a imediata e plena reconstituição da situação que existiria, caso não tivesse sido cometida tal ilegalidade. São devidos juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento do imposto até efetivo e integral pagamento, juros esses que deverão ser calculados nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, sobre a quantia efetivamente paga, ou penhorada, à Requerente. Ou seja e em suma, para além da quantia referente a imposto indevidamente liquidado e pago, a Requerente deverá ainda ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, 43.º, n.º 4 da LGT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril.

 

14. Na sua Resposta, a Requerida alega:

 

a) A correção controvertida está cabalmente fundamentada, de facto e de direito, nos relatórios das ações inspetivas da sociedade dominante e da sociedade dominada, na sua esfera individual, para os quais se remete dando-os por integralmente reproduzidos, pelo que resta salientar alguns aspetos relevantes para a decisão da causa;

b) A sociedade B..., Lda, transferiu, progressivamente, ao longo de dois anos (2013 e 2014) a atividade de comercialização de produtos siderúrgicos para uma sociedade pertencente ao mesmo grupo – a C... Lda - não tem auferido a esse título qualquer compensação nem pela transmissão da base de clientes fidelizados. A referida transferência refletiu-se numa redução progressiva do volume de vendas e serviços prestados, tendo passado de 210,4 milhões de Euros, em 2012, para 124,2 milhões de Euros em 2013 (redução de 41,0%) e para 33,7 milhões de Euros, em 2014 (menos 72,9%).

Nos períodos de 2015 e 2016, a empresa registou um valor nulo de "Vendas e serviços prestados". Em contrapartida, verificaram os SIT que a transferência do negócio provocou um incremento expressivo do volume de vendas e de serviços prestados, na C..., que atingiram 50,7MEuros em 2013, 142,7 M Euros em 2014 e 165,6 M Euros em 2015, que  lhe possibilitou apresentar lucro tributável e assim deduzir prejuízos fiscais gerados no âmbito da atividade exercida em anos anteriores (dentro do período de reporte).

No plano fiscal, as operações comerciais e financeiras efetuadas entre entidades com relações especiais, tomando como paradigma a realização dessas mesmas operações entre entidades independentes e, como tal, a B..., mesmo atuando como um distribuidor de riscos limitados, deveria ter obtido uma compensação quer pelos investimentos feitos, quer pelos lucros cessantes quer pela cedência de know-how e carteira de clientes.

Consta do RIT que a evolução simétrica do volume de actividade desenvolvida por ambas as sociedades, é reconhecida no Dossier dos Preços de Transferência da B... 2014 (ponto 4 – Evolução da Performance Económica e Financeira – justificando que “o decréscimo acentuado do volume de negócios em 2014 resulta do facto de quase a totalidade da actividade de comercialização de produtos siderúrgicos (…) ter sido transferida para uma comercializadora parcialmente detida pelo Grupo A...)”.

Tendo presente que as entidades envolvidas são todas afiliadas da sociedade A..., SGPS, S.A., verifica-se a existência de relações especiais (cfr., alínea b) do n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC), pelo que as operações que intervêm devem pautar-se pelo princípio de plena concorrência, enunciado no n.º 1 do mesmo artigo e art.º 1.º da Portaria n.º 1446- C/2001, de 21.12. A verificação da inexistência de qualquer compensação pela transferência da actividade de distribuição que era desenvolvida pela B..., levou os SIT a concluir que, nesta operação vinculada (cfr. alínea d) do n.º 3 do art.º 1.º e alínea c) do art.º 2.º, da Portaria n.º 1446-C/2001, materializada no âmbito de uma alteração de estruturas de negócio” cabe na definição constante da alínea a) do n.º 3 do art.º 1.º da Portaria) não tinha sido observado o princípio de plena concorrência, pelo que procederam à determinação do ajustamento a efetuar ao lucro tributável, de acordo com os termos e condições que seriam acordados entre entidades independentes numa operação idêntica ou similar (art.º 1.º da Portaria);

c) A determinação da compensação de plena concorrência que seria devida à  B... pela transferência do negócio: Concluiram os SIT, que a  operação  de  transferência do negócio da B..., não obstante ter sido efectuada por decisão do Grupo e ter envolvido entidades do Grupo com a justificação de que foi realizada por razões de “estruturação e otimização comercial” do Grupo A.../ E...:

(i) não foi qualificada como uma operação vinculada e integrada no Dossier de Preços de Transferência, tendo assim incumprido as obrigações previstas no n.º 6 do art.º 63.º do Código do IRC e nos artigos 13.º e 14.º da Portaria n.º 1446-C/2001, em matéria de documentação e informação; e

(ii) consequentemente, foi entendimento do Grupo que se tratava de uma simples substituição de um prestador de serviços de distribuição, pelo que a B... não teria direito a qualquer forma de compensação por cedência da sua posição no contrato de distribuição de produtos siderúrgicos.

Concluindo o RIT, na pag. 28: “Pelo exposto no ponto 111.1.1 .2.2.3, constatou-se que a transferência do negócio da B... para a C... se tratou de uma operação entre entidades relacionadas, interna ao grupo E..., que detinha o controlo de ambas as empresas. Os principais elementos transferidos, de natureza intangível, foram a carteira de clientes e o conhecimento do negócio e do mercado (know-how), inerente às funções desempenhadas pelos empregados da B... que passaram, todos, para a C... . As condições aplicadas não cumpriram o Princípio de Plena Concorrência pois nenhuma empresa independente abdicaria da margem comercial proporcionada pelos intangíveis detidos, sem ser compensada pelo efeito negativo que a transferência desses intangíveis, para outra empresa, teria nos seus resultados.”

Ao contrário de que argumenta a Requerente, independentemente da falta de previsão no contratos de distribuição celebrados entre a B... e os fabricantes – F..., G... e D...– do direito a compensação, em caso de transmissão ou cessão a outras sociedades do grupo no todo ou em parte e por qualquer título da posição contratual (cláusula 5) e do direito de indemnização decorrente da cessação dos contratos (cláusula 11), fora do quadro de relações intragrupo, i.e. quando estão em causa relações contratuais entre entidades independentes, subordinadas às regras de funcionamento dos mercados e da concorrência, a resolução de um contrato de distribuição ou a cessação da posição contratual a lei concede o direito à parte cedente a obter uma compensação.

Aliás, essa prática está vertida no princípio de plena concorrência enunciado no n.º 1 do art.º 63.º do Código do IRC, o qual impõe que, nas relações comerciais entre entidades relacionadas, sejam adoptados pelas partes os mesmos termos e condições que seriam acordados e aceites por entidades independentes numa operação comparável.

Uma vez que as partes intervenientes na operação de transferência da exploração da actividade de distribuição não enquadraram a operação na disciplina que emana do artigo 63.º do Código do IRC, os SIT procederam à selecção do método que melhor poderia estimar a compensação devida à B..., de acordo com as condições normais de mercado e à sua quantificação;

d) A seleção do método mais apropriado para a determinação do preço de plena concorrência: a aplicação do MPCM na operação sob análise não podendo basear-se na pesquisa de uma operação comparável, a análise de comparabilidade tem de centrar-se na forma de cálculo da remuneração da cedente, isto é, começando por definir os fatores que influenciariam o cálculo da remuneração que uma entidade independente esperaria receber pela cedência do direito a utilizar os ativos intangíveis inerentes ao desempenho da atividade de distribuidor, em particular a clientela e o Know-how dos trabalhadores transferidos para a C...;

e) Da alegada ingerência da AT nas decisões de gestão do grupo: apesar do CIRC prever um regime especial de tributação destinado ao fenómeno plurisocietário (grupos de sociedades que embora mantendo a individualidade jurídica são submetidas a uma direção unitária comum), a tributação integrada do respetivo resultado tem por base o apuramento parcelar do resultado respeitante a cada sociedade individualmente considerada, de acordo com as regras gerais que se aplicam a qualquer entidade. Donde se conclui que esta realidade económica é também reconhecida a nível fiscal, nomeadamente a nível do IRC, contudo há que atender, à individualização dos resultados que respeitam a cada entidade e às especificidades das relações intra-grupo com as inerentes distorções provocadas pela frequente sobreposição dos interesses do grupo ou dos seus acionistas em relação às posições individuais das sociedades que o integram, e que presidiram à inserção pelo legislador um conjunto de normas destinadas a neutralizar tais efeitos.

Por último, refira-se que o princípio da liberdade da iniciativa privada, consagrado no artigo 61.º da CRP, não foi constitucionalmente considerado como um preceito respeitante aos direitos, liberdades e garantias, não constituindo, por isso, um princípio absoluto (cfr. artigo 18.º, n.º 1 da CRP); E caso fosse, ainda assim tal princípio podia sofrer restrições para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (cfr.  artigo 18.º, n.º 2 da CRP), designadamente quando o objetivo do legislador se prende, como aconteceu, aliás, com a consagração do regime dos preços de transferência, com o combate à fraude e a evasão fiscais e com a sustentabilidade do sistema financeiro e fiscal;

f) Da alegada falta de fundamentação: No caso concreto, o acto tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação da Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral revela que esta não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato.

g) Errónea quantificação do facto tributário e do imposto/ a quantificação do ajustamento ao lucro tributável: Perante a inexistência, no art.º 63.º do Código do IRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de regras orientadoras dirigidas para as operações que se enquadram em reestruturações de negócios, os SIT (V., Ponto III.1.1.2.4 RIT) socorreram-se das OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, em particular do capítulo IX dedicado às reestruturações de negócios (Transfer Pricing Aspects of Business Restructurings), parágrafo 9.11.

 

Os SIT procederam ao “apuramento do valor da concessão ao direito de exploração anual da carteira de clientes, que estava a ser explorada pela B... e que passou para a esfera da C...” (cfr., Ponto III.1.1.2.5 do RIT), tarefa que comportou:

 

(i) A quantificação das vendas realizadas, em 2016, pela C..., junto de clientes da B..., os quais representam 99,475% do volume de vendas, cifrado em

€145.838.806,72;

(ii) O apuramento dos lucros operacionais que a B... teria obtido se não tivesse cedido a sua carteira de clientes à C..., “que correspondem à margem [0,75% do valor das vendas] acordada com as empresas produtoras, reduzida dos custos em que teria incorrido para concretização das vendas”, levando ao montante de €1.093.791,05, ao qual foram deduzidos os custos operacionais diretos (custos com o pessoal e os fornecimentos e serviços externos expurgados dos gastos de transporte); e

(iii) O cálculo da margem operacional potencial da B..., apurada nos termos apresentados no Quadro 8 (pág. 37 do RIT), que permitiu chegar ao montante de

€226.316,47, considerado como o rendimento anual, referente ao período de 2016, que a B... deixou de obter por ter abdicado, sem qualquer compensação, de clientes fidelizados, em resultado da transferência da atividade de distribuição para a C... .

 

Ou seja, segundo os SIT, o montante apurado representa a compensação pela transferência do direito à exploração dos intangíveis que a B... deveria obter em resultado da decisão do Grupo, tendo por base as operações de venda aos clientes fidelizados que transitaram para a C..., porquanto, em condições normais de mercado.

Assim determinada a melhor aproximação ao preço de plena concorrência que corresponde à remuneração anual das vendas que a B... deixou de obter junto da sua base de clientes fidelizados, em benefício da C..., pro efeito da cedência do direito a exploração dos ativos transferidos – carteira de clientes e know-how dos seus colaboradores, o respetivo montante, de €226.316,47, constitui o ajustamento a efetuar ao lucro tributável da B... (n.º 2 do art.º 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

 

O resultado alcançado no estudo da H... não é comparável com o valor da compensação apurado pelos SIT, desde logo, porque parte de uma qualificação distinta dos factos em presença (partiu do pressuposto de que os contratos celebrados entre a B... e os fabricantes correspondiam ao tipo de “contrato de agência”, regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril). A H... considera que se verificou uma cessação de contrato de agência e em consonância aplicou a metodologia legalmente prevista para estimar o valor da indemnização. Os SIT considerou, com base na análise da atuação das partes e na concreta situação económica e fiscal, que, em substância o que se operou de facto, por decisão de gestão do Grupo, foi uma transferência do direito de exploração dos ativos intangíveis – carteira de clientes e know-how dos colaboradores - afetos à distribuição dos produtos siderúrgicos, da B... para a C..., a título da qual, em condições normais de mercado, a cedente teria o direito a obter um rendimento anual. As diferentes perspetivas que subjazem ao estudo da H... à avaliação feita pelos SIT impedem que se proceda a uma comparação do resultado obtidos.

h) Das decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 216/2018-T e 360/2019-T: Considera a Requerida que não existe em Portugal a figura jurídica do precedente jurídico. Ademais, a Requerida não concorda com a fundamentação apresentada nas duas Decisões Arbitrais identificadas pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, alegando relativamente ao processo n.º 216/2018-T que da análise da decisão arbitral resulta que a mesma valida parcialmente as correções realizadas pela AT pois:

(i) O Tribunal Arbitral reconhece a existência de uma operação vinculada, com enquadramento legal no artigo 63° do Código do IRC;

(ii) O Tribunal Arbitral indica que a existência de uma cláusula contratual que estipula que não haverá direito a indeminização não é necessariamente uma disposição que se possa considerar como de plena concorrência;

(iii) O Tribunal Arbitral admite a utilização de métodos alternativos de determinação do preço de plena concorrência, tal como o método dos fluxos de caixa descontados;

(iv) O Tribunal Arbitral confirma que os factos descritos se encontram provados e, como tal, que poderia existir uma remuneração subjacente.

i) Dos juros indemnizatórios: dado que, como cabalmente demonstrado, inexiste in casu erro imputável aos serviços não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído. O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1 FACTOS PROVADOS

1. A Requerente é a sociedade dominante do “Grupo A...” que é tributado, em sede de IRC, de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS);

2. A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019... — ação inspetiva interna de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2016 — o qual teve por objetivo (i) verificar o cumprimento das obrigações contabilístico-fiscais inerentes à aplicação do RETGS; e (ii) refletir na declaração Modelo 22 de IRC do Grupo as correções efetuadas no âmbito de procedimentos de inspeção efetuados às sociedades que integram o Grupo;

3. Aquela ação inspetiva teve por base, por sua vez, a Ordem de Serviço n.º OI2018..., respeitante à ação inspetiva, de natureza externa, que foi realizada por referência ao IRC do ano de 2016 da sociedade “B..., LDA” (doravante, B...), da qual resultaram correções ao lucro tributável dessa sociedade, no aludido montante de € 226.316,47 respeitante a transferência do negócio para uma entidade relacionada;

4. No âmbito desta última ação inspetiva, foi então realizada uma correção na esfera da B..., em sede de IRC, decorrente da alegada transferência de “negócio” entre entidades relacionadas, pertencentes ao mesmo grupo empresarial, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do Código do IRC (regime dos preços de transferência);

5. O Relatório Final de Inspeção Tributária foi notificado à Requerente através do Ofício n.º ... de 19 de dezembro de 2019 dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), com despacho de 16 de dezembro;

6. Resulta do referido Relatório Final de Inspeção Tributária:

 

7. Foi anexo ao Relatório Final de Inspeção Tributária (como Anexo I) o Relatório de Inspeção Tributária relativo ao procedimento de inspeção instaurado através da Ordem de Serviço OI2018... relativo à B... Lda. (doravante, RIT da B...), com despacho do Sr.  Diretor Adjunto da UGC (por delegação de competências) de 14/Fev/2018, notificado através de correio postal registado com AR assinado em 17 de dezembro de 2018;

8. Através do RIT da B... Lda., (que se dá por integralmente reproduzido) a B... foi notificada da decisão da AT de aplicar correções ao seu resultado tributável em IRC, com referência ao período de tributação de 2016, no valor de EUR 226316,47;

9. As conclusões do RIT da B... Lda. são as seguintes:

 

10. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo a sociedade dominante de um grupo que, no ano de 2016 e nomeadamente para efeitos tributação em sede de IRC, ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), era constituído pelas seguintes sociedades:

 

i) A..., SGPS, S.A. (a ora Requerente);

ii) I..., S.A.;

iii)  J..., S.A.;

iv)  K..., S.A.;

v) F..., S.A.;

vi) G..., S.A.;

vii)  D..., S.A.;

viii) B..., Lda.;

ix) L..., Unipessoal, Lda.

11. Em 2008 e 2009, coexistiam dois Grupos, para efeitos de tributação em sede de RETGS: um, composto por I..., F..., G... e D... e outro, composto pela A... (a Requerente), a B... e a L...;

12. Em 01/01/2018, a E..., SL passou a ser a entidade dominante, para efeitos  de RETGS em Portugal, sendo a Requerente a entidade designada a permanecer  em Portugal para esse efeito;

13. A Requerente desenvolve a sua atividade no seio de um Grupo atualmente denominado por “Grupo E...”, que se afigura como o principal grupo, de dimensão ibérica, a atuar no sector siderúrgico em Portugal e em Espanha, do qual fazem parte sociedades residentes em ambos os países;

14. As empresas produtoras de produtos siderúrgicos, em Portugal, são: a F..., G... e a D...;

15. A estrutura societária do grupo E..., que abrange a Requerente, encontra-se representada no esquema seguinte (descrito no RIT da C... Lda.:

 

16. No que se refere à estruturação do aludido Grupo em Portugal (designado por “Grupo A...”), importa referir que o mesmo resultou de uma reestruturação societária ocorrida no ano de 2005. Nesse ano (2005), a “I..., S.A.” (adiante apenas “I...”), sociedade detentora de duas unidades industriais (uma situada no ... e outra na ...), procedeu ao destaque e à consequente transferência de todo o seu património afeto a essas unidades industriais para a esfera jurídica de duas outras sociedades então constituídas: a “F..., S.A.” e a “G..., S.A.”;

17. Essas duas sociedades - a “F..., S.A.” e a “G..., S.A.” – são detidas a 100% pela referida I..., que, como se constatou, é detida a 100% pela Requerente e integra o perímetro do Grupo A... e, nessa medida, do Grupo E...;

18. Complementarmente ao exposto, importa salientar que a Requerente detinha, neste ano de 2016, participações sociais nas seguintes sociedades:

 

19. A 23 de maio de 2013 38,98% do capital da C... foi adquirido pela Requerente à M... SL. Dado que o restante capital (62,02%) já pertencia ao grupo E..., este passou a deter 100% do capital da empresa e, portanto, a totalidade do seu controlo;

20. Do Grupo E.../A..., no qual a Requerente se insere, fazem parte entidades com natureza e função distintas, que contribuem e participam nas várias fases do processo produtivo, seja em termos de fabrico e transformação de matéria-prima ou da sua posterior comercialização a clientes fora e dentro do próprio grupo;

21. No que se refere, à comercialização dos produtos fabricados no seio do grupo (fio, varão e malha), a mesma começou por ser feita, sensivelmente até ao ano de 2005, por força também da composição do Grupo até essa data, pela própria I..., relativamente a clientes por si angariados ao longo do tempo e que integravam um significativo número de clientes, totalmente fidelizados com o tipo e qualidade do produto fabricado pelo Grupo;

22. De facto, após a transferência da atividade das duas unidades industriais para a F... e para a G..., a comercialização dos produtos fabricados passou a ser desenvolvida, a partir de 2005, pela “B..., LDA” (B...), tendo por base o “know-how” e os clientes já anteriormente angariados pelo Grupo e utilizados pela I..., durante vários anos;

23. A atividade a partir daí desenvolvida pela B... contemplou essencialmente a celebração de contratos de distribuição com as entidades produtivas do Grupo, a F..., a G... e a D..., às quais adquiriu produtos para  posterior revenda junto de entidades externas ao Grupo;

24. Mediante tais contratos – cujas regras eram idênticas, independentemente da entidade produtiva com quem eram celebrados -, a B... ficava adstrita à distribuição em território português dos produtos fabricados pela G..., F... ou D... a clientes externos ao Grupo E.../A...;

25. Ficava, ainda e designadamente, vinculada a aumentar o volume de vendas dos produtos em causa, organizar a logística de transporte e de gestão aduaneira, resolver questões de desconformidade na comercialização dos bens (quando tal lhe fosse imputável) e assumir o risco de não pagamento por parte dos clientes finais;

26. O que não obsta, refira-se, que tivesse sido contratualizado um seguro de crédito e que a empresa exigisse garantias bancárias quando o seguro não se afigurava suficiente para as necessidades de cada cliente, uma vez que era imposição do Grupo que as comercializadoras tivessem que exigir tais garantias;

27. No mais, tal atividade e o respetivo posicionamento no mercado seguiram sempre, e em qualquer circunstância, as “guidelines” que lhe eram fornecidas pelo Grupo E.../A..., uma vez que os clientes externos já se encontravam fidelizados aos produtos do Grupo;

28. Para além disso, toda a política de definição do “preço” de venda era da exclusiva responsabilidade do Grupo E.../A..., em função obviamente das regras que o mercado ditava nessa matéria, não tendo a B... qualquer interferência nesta matéria. Concretamente, era a sociedade “N..., S.A.” – cuja quase totalidade do capital social era detido pela sociedade- mãe do Grupo, a E... e que, por sua vez, detém em 50% a ora Requerente – que definia as políticas de preços e comercialização;

29. Não corresponde à verdade a afirmação feita pelos SIT, de que o “know-how” do negócio em causa (comercialização de produtos siderúrgicos) e a respetiva clientela pertencessem à B...;

30. Mais de 80% da faturação obtida pela B..., pelo menos nos anos de 2012 e 2013, respeitou a entidades a quem anteriormente o GRUPO E.../A... já faturava, nomeadamente, através da I... até ao ano de 2005 (ano em que, como se constatou, transferiu a atividade das fábricas para a G... e a F...);

31. Tendo em consideração as características do mercado em que a B.../C... se inserem, não existiu ao longo do tempo uma “entrada e saída de novos  clientes”, uma vez que os clientes ao longo do tempo foram sempre os mesmos;

32. Pela execução da atividade de comercialização ficou contratualizado o pagamento, pelas fábricas à comercializadora, de uma comissão sobre o montante das vendas realizadas, a qual se manteve estável no período compreendido entre 2010 e 2015, no valor de 0,75%;

33. No ano ora em causa (2016), essa margem subiu para os 2,25%, o que ficou apenas a dever-se a uma normal atualização do pricing interno, em linha, de resto, com as restantes comercializadoras, atendendo a que o preço em causa já não era atualizado há vários anos, particularmente por causa da crise financeira verificada nos anos anteriores;

34. No Contrato de Distribuição celebrado entre a F... e a B... em 7 de março de 2005 está prevista a seguinte cláusula número 5:

35. No Contrato de Distribuição celebrado entre a F... e a B... em 7 de março de 2005 está prevista a seguinte cláusula número 7:

36. No Contrato de Distribuição celebrado entre a F... e a B... em 7 de março de 2005 está prevista a seguinte cláusula número 11:

37. A cláusula número 5, a cláusula número 7 e a cláusula número 11 transcritas supra, são exatamente idênticas à cláusula número 5, à cláusula número 7 e à cláusula número 11 dos contratos de distribuição celebrados entre a B... e (i) a G...; e (ii) a D...;

38. Nos contratos celebrados entre a B... e os seus fornecedores, F..., G... e D..., era geralmente declarado pelas partes que renunciavam ao pagamento de qualquer indemnização decorrente da eventual cessação dos mesmos;

39. Em agosto de 2013, a atividade de comercialização dos produtos siderúrgicos (em barra) do Grupo em Portugal viria a ser exercida por uma outra empresa, a C..., em função de uma rutura contratual dos aludidos contratos, por parte das unidades fabris, sendo rescindido o acordo existente com a B...;

40. Ainda assim, não se tratou de uma rutura total imediata, pois a B...ficou ainda com a comercialização do grupo de produtos siderúrgicos, designado por “...” e, durante algum tempo e pelo menos no ano de 2013, responsável  pela gestão e venda do produto a clientes com garantias bancárias, pois era necessário aguardar que ficasse resolvida a situação dos mesmos junto da respetiva entidade bancária;

41. Só em maio de 2014 é que a atividade relacionada com o referido grupo de produtos siderúrgicos, “...”, passou a ser executada pela C...;

42. Em 12 de dezembro de 2014 foi assinada a Resolução do Contrato de Distribuição por Mútuo Acordo entre a B... e a F..., por aplicação das cláusulas número 7 e número 11 do Contrato de Distribuição, produzindo a resolução efeitos no dia 1 de janeiro de 2015;

43. Na mesma data (12 de dezembro de 2014) a B... assinou também a Resolução do Contrato de Distribuição por Mútuo Acordo com: (ii) a G...; e

(iii) a D...; Resoluções que foram assinadas exatamente nos mesmos termos que a Resolução com a F...;

44. Em 1 de agosto de 2013 foi celebrado Contrato de Distribuição entre a F... e a C..., no qual a cláusula número 5 tem a redação seguinte:

45. A cláusula número 7 tem a seguinte redação:

46. E por sua vez, a cláusula número 11 do contrato tem a seguinte redação:

47. A B... desenvolvia a sua atividade no perímetro das unidades fabris, situação que poderia ser resolvida através desta alteração;

48. A C... dispunha de terrenos e de armazéns próprios, bem como, de melhores acessos ferroviários e rodoviários, o que representava a possibilidade da atividade de comercialização – e de tudo o que a envolvia, como armazenamento e transporte dos produtos – vir a ser exercida de uma forma mais adequada e eficaz;

49. Para além disso e sempre por decisão da E...– que era quem definia as políticas do Grupo em Portugal e Espanha -, pretendeu-se evitar a redundância de custos, bem como, concentrar esta atividade em apenas uma entidade;

50. De facto, o Grupo já detinha uma percentagem do capital social da C..., no ano de 2005, sendo o restante detido pela O..., uma empresa espanhola e concorrente do Grupo, atuando no mesmo setor;

51. Sendo que, já desde 2005, que o Grupo tentou adquirir à O... o restante da participação da C..., por forma a conceder a esta sociedade o exclusivo da comercialização dos seus produtos, mas isso apenas foi possível no ano de 2013, pois foi só nesse ano é que a O... aceitou vender a sua participação social;

52. O Grupo E... já detinha 68.02% da C..., através da sociedade “KK...”

53. Acresce a tudo isto, que a C... tinha um nome mais forte no mercado, com um longo historial junto de alguns clientes do próprio Grupo, tratando-se de um nome composto (...+...) e que, no plano comercial, era extremamente apelativo e permitia seguir a política de coerência que, em termos nominativos, Grupo atribuía às suas comercializadoras noutros países (P... em Espanha ou Q... no Reino Unido);

54. O contrato celebrado entre a G... e a F... com a nova comercializadora – e que se encontra anexo ao Relatório Final de Inspeção Tributária – foi celebrado, praticamente, nas mesmas condições que haviam sido acordadas com a B...– à exceção do valor da comissão de venda acima referido;

55. A C..., tal como as suas antecessoras I... e B..., também beneficiou, como é compreensível, do “know-how” e dos clientes fidelizados ao Grupo W... /V..., sem prejuízo de poder, e dever, a partir desse momento desenvolver a atividade de comercialização e incrementar a venda dos produtos do Grupo;

56. Os termos da comercialização assentaram nas mesmas condições que até aí haviam sido acordadas entre a F..., a G..., a D... e a B... e no mesmo contexto, desde logo pelo facto da maioria da faturação obtida pela C... incidir sobre clientes que haviam sido angariados anteriormente pelo Grupo;

57. A comunicação a esses clientes foi efetivamente efetuada pelo Sr. R... (comercial), na qualidade de Diretor Comercial (não na qualidade de representante legal da B...);

58. A comunicação (circular) teve o seguinte teor:

59. A designação “B...”, nesse e em outros contextos, reporta-se a uma sociedade de direito espanhol, designada por “N..., S.A.” (detida em 95,69% pela sociedade-mãe do Grupo, a E... e que detém em 50% a ora Requerente), mais não sendo do que a junção de três palavras: N... S.A. = B...;

60. Foram aproveitados alguns dos trabalhadores que desempenhavam funções ligadas à comercialização e venda dos produtos, quer na C... (neste caso foi aproveitado apenas 1 dos trabalhadores), quer na B...;

61. Em qualquer um dos casos e como se aludiu, as funções exercidas por esses trabalhadores tiveram sempre, como base e linha orientadora, o “know-how” e os clientes fidelizados ao Grupo;

62. A situação económica da B... degradou-se no ano de 2013 e seguintes, com a redução do volume de vendas e em 2015 e 2016 as demonstrações financeiras espelharam a cessação da atividade comercial da empresa;

63. Na sequência do RIT a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC com o número de liquidação 2019... de 23 de dezembro de 2019, e com o número de compensação 2019..., no valor de EUR 3.703.132,59, e foi notificada da demonstração de acerto de contas com o número de compensação 2019..., no valor de EUR 52.100,12 (ato impugnado), o qual fixou como data limite de pagamento do imposto apurado o dia 13/02/2020;

64. Em 13 de fevereiro de 2020, a Requerente pagou (utilizando a respetiva referência) o IRC liquidado no valor de EUR 52.100,12;

65. Em 8 de maio de 2020 a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, o qual tem por objeto o ato impugnado.

 

III.2 FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º    n.º 2 do CPPT e artigo 607.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (conforme anterior artigo 511.º n.º 1 do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT).

 

Não se deram como provadas nem como não provadas, as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Os factos foram dados como provados com base (i) nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles; e (ii) nos depoimentos das testemunhas (particularmente das testemunhas ouvidas em primeiro, segundo e terceiro lugar, respetivamente R..., S..., e T...), que apesar da sua ligação à Requerente prestaram o seu depoimento de forma clara e credível, e demonstraram ter conhecimento direto dos factos sobre os quais vieram depor. O depoimento da testemunha U..., inquirida no processo n.º 216/2018-T, não foi considerado porque (i) esta testemunha não foi arrolada nos presentes autos, e (ii) a testemunha revelou que não conhecia os factos de fonte direta, tendo sido contratado, a posteriori, pela Requerente para a realização de um estudo na consultora em que presta funções, com o objetivo de determinar, caso fosse devida uma compensação pela operação assinalada pela AT, qual seria o seu valor à luz do princípio (preço) de plena concorrência. Deste modo, as declarações prestadas foram de caráter opinativo e não factual.

Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

IV. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

IV.1) QUESTÃO PRÉVIA:

 

Tal como refere a Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), a Requerente procedeu à apresentação de dois Pedidos de Pronúncia Arbitral (PPA’s), junto do CAAD, que tiveram por objeto, um deles, o ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 2014 (proc. n.º 216/2018-T) e, o outro, o ato de liquidação de IRC do exercício de 2015 (proc. n.º 360/2019-T) ambos emitidos com fundamentos idênticos aos que foram invocados no presente PPA, até porque as correções efetuadas pela AT, quer no ano de 2014, quer nos anos subsequentes, por referência a questões relacionadas com Preços de Transferência, são também elas em tudo idênticas. Ambos os processos culminaram com a prolação de decisões que julgaram totalmente procedentes os respetivos pedidos, determinando, quer quanto a 2014, quer quanto a 2015, a anulação dos correspondentes atos de liquidação, tendo as respetivas decisões transitado em julgado.

 

Embora de facto não exista em Portugal figura jurídica do precedente jurídico, conforme corretamente refere a Requerida, a uniformidade na aplicação do Direito — sobretudo numa situação como a dos autos em que há identidade (i) do pedido, (ii) da causa de pedir e (iii) das próprias partes — constitui um valor em si mesmo que tem de ser considerado pelo Tribunal, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º do texto fundamental (a Constituição da República Portuguesa (CRP)) . Assim, os argumentos trazidos pela Requerida para a sua Resposta no que respeita às duas decisões arbitrais identificadas pela Requerente, poderiam/deveriam ter sido apresentados em sede de impugnação ou recurso das mesmas decisões, não sendo os presentes autos o momento oportuno para discutir a correção das referidas decisões arbitrais. Note-se ademais que as referidas decisões transitaram em julgado e a decisão arbitral relativa ao IRC de 2014 já foi executada por parte da Requerida; o que significa que relativamente ao IRC de 2014 e relativamente ao IRC de 2015, já se consolidou no ordenamento jurídico o efeito jurídico de ambas as decisões arbitrais.

Tendo em consideração o exposto, e reiterando que a uniformidade na aplicação do Direito constitui um valor em si mesmo, nos presentes autos este Tribunal irá remeter (ao longo da presente Decisão) para  a  mui  douta  Decisão  Arbitral  proferida  no  processo  nº 216/2018-T (IRC 2014), atendendo: (i) à correção dos argumentos expostos pelo Tribunal coletivo; (ii) à identidade do pedido, da causa de pedir e das próprias partes; e por fim, (iii) à identidade da prova produzida — uma vez que nos presentes autos foi aproveitada a prova testemunhal produzida naquele processo.

 

IV.2)      QUESTÕES DE FUNDO:

 

A primeira questão de fundo que será analisada, é a apreciação da legalidade da forma como foi aplicado o regime dos preços de transferência (doravante, RPT) à operação realizada pela Requerente formalizada sob a forma de (i) Resolução do Contrato de Distribuição por Mútuo Acordo celebrado entre a B... e as unidades fabris (F..., a G...; e a D...), e subsequente (ii) Celebração de novos Contratos  de Distribuição, em termos contratuais similares, entre as mesmas unidades fabris e outra Sociedade do mesmo grupo (a C...). Entende a Requerida que esta operação constitui um trespasse entre a B... e a C..., e que se a operação fosse realizada em livre mercado a B... teria recebido uma compensação pela perda dos ativos intangíveis (a carteira de clientes e o conhecimento do negócio e de mercado (know-how), inerente às funções desempenhadas pelos empregados da B... que passaram todos para a C...) “pois nenhuma empresa independente abdicaria da margem comercial proporcionada pelos intangíveis detidos, sem ser compensada pelo efeito negativo que a transferência desses ativos intangíveis, para outra empresa, teria nos seus resultados”.

No Relatório de Inspeção Tributária relativo à B... (RIT da B...) — que constituiu  o Anexo I ao Relatório de Inspeção Tributária que serviu de base à emissão do ato impugnado — a Requerida aplicou um quadro legal que tem por base o disposto no artigo 63.º do CIRC (na redação da Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, em vigor à data a que se reporta o facto tributário (2016)), que prevê o Regime dos Preços de Transferência (doravante, RPT). A norma em análise à data do facto tributário (2016) tinha a seguinte redação:

 

“1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações  financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.”.

 

Por aplicação do nº 13 do artigo 63.º do CIRC “A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças”. A Portaria que regulamenta a aplicação do RPT, identificada no artigo 63.º n.º  13 do CIRC, é a Portaria 1446-C/2001 de 21 de Dezembro (doravante, Portaria) que nos diz no seu preâmbulo: “A presente portaria contém as regras de aplicação da pluralidade de métodos que o artigo 58.º do IRC enuncia para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente estabelecidos em situação de plena concorrência e adota o regime de obrigatoriedade de recurso ao método mais apropriado para cada operação, por se revelar mais apto a produzir a melhor estimativa de um preço independente e assegurar o mais elevado grau de compatibilidade entre operações vinculadas e operações entre partes independentes, tomando em linha de conta os factos e circunstancias do caso concreto, o conjunto dos dados disponíveis e a fiabilidade relativa dos vários métodos.”

 

Já adiantámos, na análise da questão prévia, que na presente Decisão Arbitral acompanhamos o teor da Decisão Arbitral de 22 de março de 2019, proferida no processo   n.º 216/2018-T. Para além do exposto naquela Decisão Arbitral, que infra iremos reproduzir, este Tribunal dirá que o erro da Requerida ao aplicar o RPT na situação em causa nos autos é um erro estrutural, uma vez que a Requerida não faz qualquer comparação entre a designada operação vinculada (o alegado trespasse) e uma operação similar realizada entre entidades independentes, sendo que esta “comparação” constitui o pressuposto essencial do próprio raciocínio que levaria à aplicação do RPT.

 

Ora vejamos, no ponto III.1.1.2.2.5. do RIT da B... (“Incumprimento do Princípio de Plena Concorrência na operação realizada”), a Requerida afirma: “As condições aplicadas não cumpriram o Princípio de Plena Concorrência pois nenhuma empresa independente abdicaria da margem comercial proporcionada pelos intangíveis detidos, sem ser compensada pelo efeito negativo que a transferência desses intangíveis, para outra empresa, teria nos seus resultados”.

 

A afirmação transcrita é uma manifestação de uma opinião da Requerida, um juízo de valor que não está fundamentado (i) numa análise do mercado em que se insere a Requerente, ou (ii) numa análise de operações similares concretas realizadas entre entidades independentes, em circunstâncias e condições de mercado comparáveis. A mera manifestação de uma “opinião” da Requerida sobre se entidades independentes “abdicariam da margem comercial proporcionada pelos ativos intangíveis detidos”, não constitui uma base válida de comparação de operações “para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes” nos termos do disposto no artigo 63.º n.º 2 do CIRC.

 

Também no ponto III1.1.2.3. do RIT da B... (“Selecção do método mais apropriado para a avaliação dos termos e condições praticados”), a Requerida prossegue afirmando: “Entre empresas independentes, uma empresa que utiliza intangíveis essenciais ao seu negócio só realizaria uma operação de transferência ou concessão do direito de utilizar ativos intangíveis para outra empresa, abdicando dos mesmos, caso recebesse um incentivo pelo menos equivalente ao valor da remuneração obtida com base nesses intangíveis. Essa empresa iria comparar a remuneração das operações comerciais proporcionadas pela detenção desses ativos intangíveis com a remuneração que iria obter com a suspensão da utilização desses ativos, e só realizaria uma operação de transferência para outra empresa caso viesse a receber uma remuneração igual ou superior”.

 

O que demonstra que, mesmo na seleção do método adequado, não existiu da parte da Requerida  o  cuidado  de  selecionar  operações  entre  entidades  independentes, suscetíveis de assegurar o mais elevado  grau  de  comparabilidade  com  a  operação vinculada (o alegado trespasse) — tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco. Esta ausência de seleção de uma operação independente comparável, constitui uma violação do disposto no artigo 63.º n.º 1 e 2 do CIRC, bem como da Portaria.

As “OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations” , ajudam a clarificar a forma como devem ser interpretadas as normas sobre preços de transferência:

 

“1.33 As stated in paragraph 1.6 a “comparability analysis” is at the heart of the application of the arm’s length  principle. Application of the arm’s length principle is based  on a comparison of the conditions in a controlled transaction with the conditions that  would have been made had the parties been independent and undertaking a comparable transaction under comparable circumstances. There are two key aspects in such an  analysis: the first aspect is to identify the commercial or financial relations between the associated enterprises and the  conditions  and  economically  relevant  circumstances  attaching to those relations in order that the controlled transaction is accurately delineated; the second aspect is to compare the conditions and the economically relevant circumstances of the controlled  transaction  as  accurately  delineated  with  the  conditions  and the economically relevant circumstances of  comparable  transactions  between independent enterprises. This section of Chapter I provides guidance on identifying the commercial or financial relations between the associated enterprises and on accurately delineating the controlled transaction. This first aspect of the analysis is distinct from the second aspect of considering the pricing of that controlled transaction under the arm’s length principle. Chapters II and III provide guidance on the second aspect of the analysis. The information about the controlled transaction determined under the guidance in this section is especially relevant for steps 2 and 3 of the typical process of a comparability analysis set out in paragraph 3.4.” .

 

“1.35 The process then narrows to identify how each MNE within that MNE group operates, and provides an analysis of what each MNE does (e.g. a production company, a sales company) and identifies its commercial or financial relations with associated enterprises as expressed in transactions between them. The accurate delineation of the actual transaction or transactions between the associated enterprises requires analysis of the economically relevant characteristics of the transaction. These economically relevant characteristics consist of the conditions of the transaction and the economically relevant circumstances in which the transaction takes place. The application of the arm’s length principle depends on determining the conditions that  independent  parties  would  have  agreed in comparable transactions in comparable circumstances.  Before making comparisons with uncontrolled transactions, it is therefore vital to identify the economically relevant characteristics of the commercial or financial relations as expressed in the controlled transaction.” 

 

“1.39 The second phase in which economically relevant characteristics or comparability factors are used in a transfer pricing analysis relates to the process set out in Chapter III of making comparisons between the controlled transactions and uncontrolled transactions in order to determine an arm’s length price for the controlled transaction. To make such comparisons, taxpayers and tax administrations need first to have identified the economically relevant characteristics of the controlled transaction. As set out in Chapter III, differences in economically relevant characteristics between the controlled and uncontrolled arrangements need to be taken into account when establishing whether there is comparability between the situations being compared and what adjustments may be necessary to achieve comparability.” 

 

Analisando o exposto nas Guidelines transcritas, resulta claramente dos autos que a Requerida  falhou  no  passo  essencial:  a  comparação  da  alegada  operação  vinculada   (o alegado trespasse) com uma operação não vinculada realizada entre entidades independentes em condições de mercado e circunstâncias semelhantes (“to compare the conditions and the economically relevant circumstances of the controlled transaction as accurately delineated with the conditions and the economically relevant circumstances of comparable transactions between independent enterprises”).

Remetemos agora, continuando com a apreciação jurídica da situação em causa nos autos, para a Decisão Arbitral proferida no processo nº 216/2018-T, já identificada, a qual acompanhamos na íntegra e reproduzimos para facilidade de referência:

 

“Alega a Requerente que não existiu qualquer trespasse ou alienação de intangíveis, pois a B... não poderia vender o que lhe não pertencia, designadamente a carteira de clientes, que tinha sido, na sua quase totalidade, angariada pelo Grupo, previamente ao  seu uso pela B..

Contrapõe a AT que a operação se centrou na transferência de uma estrutura de negócio, em especial na transferência de intangíveis, designadamente, carteira de clientes e know-how. Alicerça tal tese na fundamentação contabilística dos ativos, na descrição da estrutura comercial transferida e nos benefícios que a receção dos ativos nela incluídos proporcionaram à C... .

Se bem que, num plano formal, não tenha existido uma transação a título oneroso da carteira de clientes e do know how dos colaboradores, o que a disciplina fiscal dos preços de transferência visa aferir é se entre entidades independentes, em circunstâncias comparáveis, se realizaria a operação nas condições em  que  esta  foi  efetuada  (cf.  artigo 63.º, n.º 1 do Código do IRC).

Quanto a este primeiro ponto, o Tribunal tem de indagar se, numa ótica substantiva e económica, a cessação dos contratos de distribuição celebrados com a B... e a contemporânea (concomitante) contratação dos serviços à C... (pelas mesmas entidades produtoras do Grupo em Portugal) consubstanciaram uma transferência de ativos intangíveis e, depois, se as condições em que o foram permitem validar a tese preconizada pela AT.

Trata-se de uma questão complexa. Como bem notam WRIGHT e outros: “Economists tend to identify the value drivers in the market in which the company’  s product or service is traded, and those value drivers, more often than not, constitute intangibles in their eyes. Some lawyers, in the authors’ experience, take the position that if the intangible is not legally protected, it is not an intangible and the economist doing the valuation must not attribute value to it.  Accountants, on the other hand, tend to think that if the intangible is not reflected on the balance sheet, it does not exist and value cannot be attributed to it. This conflict has existed for as long as the authors have been involved in transfer pricing.”

Ou seja, em tradução livre deste Tribunal, os citados autores sustentam que a perspetiva económica sobre os intangíveis os identifica com elementos criadores de valor ou com fatores de rendibilidade, ainda que não reconhecidos no balanço. A perspetiva jurídica é diversa e associa-os a elementos imateriais legalmente protegidos, determinando a ausência de proteção legal a ausência de valor. Por fim, a perspetiva contabilística associa o valor de um intangível ao seu reconhecimento no balanço.

No caso concreto, a fundamentação da AT (no RIT) segue a perspetiva contabilística, por via da invocação das disposições da Norma Contabilística de Relato Financeiro (“NCRF”) 6, publicada, após homologação do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no Aviso n.º 15655/2009, do Diário da República, 2.ª série, n.º 173, de 7 de setembro, na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), pelo Decreto-lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Neste âmbito, a AT conclui que se transmitiram ativos intangíveis, designadamente a carteira de clientes e o know how do pessoal da B... .

Esta tese, quando vistos tais ativos isoladamente, num plano contabilístico, não é apropriada à situação. Poderá ter, contudo, aderência à realidade, se a operação for vista como equivalente à transferência económica de um negócio ou atividade. Explicitemos.

Atente-se nas seguintes disposições da NCRF 6:

"9 – As entidades gastam com frequência recursos, ou incorrem em passivos, pela aquisição, desenvolvimento, manutenção ou melhoria de recursos intangíveis tais como conhecimentos científicos ou técnicos, conceção e implementação de novos processos ou sistemas, licenças, propriedade intelectual, conhecimento de mercado e marcas e objetivos comerciais (incluindo nomes comerciais e títulos de publicações). Exemplos comuns de itens englobados nestes grupos são o software de computadores, patentes, copyrights, filmes, listas de clientes, direitos de hipotecas, licenças de pesca, quotas de importação, franchises, relacionamentos com clientes ou fornecedores, fidelidade de clientes, quota de mercado e direitos de comercialização.

10 – Nem todos os itens descritos no parágrafo 9 satisfazem a definição de um ativo intangível, i.e. identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros [...]

16 – Uma entidade pode ter uma carteira de clientes ou uma quota de mercado e esperar que, devido aos seus esforços para criar relacionamentos e fidelizar clientes, estes continuarão a negociar com a empresa. Porém, na ausência de direitos legais para proteger, ou de outras formas controlar, o relacionamento com clientes ou a sua fidelidade para com a entidade, esta geralmente não tem controlo suficiente sobre os benefícios económicos esperados derivados do relacionamento e fidelização dos clientes para que tais itens (por exemplo, carteira de clientes, quotas de mercado, relacionamento com clientes e fidelidade dos clientes) satisfaçam a definição de ativos intangíveis. Na ausência de direitos legais para proteger os relacionamentos com os clientes, as transações de troca dos próprios relacionamentos com os clientes ou outros semelhantes (que não sejam como parte de uma concentração de atividades empresariais) constituem prova de que a entidade está, não obstante, capacitada para controlar os benefícios económicos futuros esperados que fluam dos relacionamentos com os clientes. Dado que essas transações de troca também constituem prova de que os relacionamentos com os clientes, em si mesmos, são separáveis, esses relacionamentos com os clientes satisfazem a definição de ativo intangível."

Assim, quanto a um suposto valor, individualizado e reconhecido no balanço, da carteira de clientes, a fundamentação da AT ancora-se nas "transações de troca dos próprios relacionamentos com os clientes" (§16). Note-se que não são as simples transações com clientes (vendas de produtos ou serviços) a originarem ativos intangíveis; mas sim as transações dos relacionamentos, ou seja, do direito a comercializar com os clientes, transferindo a clientela (“lista de clientes”) como elemento potencialmente gerador de benefícios futuros.

A eventual existência de transações passadas de listas de clientes por parte da B... constituiria uma prova de aferição da identificabilidade, controlo e potencial de geração de benefícios futuros. Sucede que, no caso, não é apresentada qualquer prova transacional, quantificada, da qual possa emergir a sustentação contabilística de um ativo isolado e como tal valorizável.

Para mais, e a isso se voltará adiante, as condições específicas em que uma potencial transação entre entidades independentes (fosse entre a B... e um terceiro independente, por via de um comparável interno; ou entre dois terceiros independentes,  por via de um comparável externo) é suscetível de constituir um referencial exigem uma análise prévia de comparabilidade que tem de levar em conta certos aspetos da relação potencial com os clientes e a probabilidade de realização da operação ou do negócio em condição comparável.

 

Sobre o valor do know how dos colaboradores que terão passado da B... para a C..., importa começar por compulsar a NCRF 6 (§ 15):

"15 — Uma entidade pode ter uma equipa de pessoal habilitado e pode ser capaz de identificar capacidades incrementais do pessoal que conduzam a benefícios económicos futuros derivados da formação. A entidade pode também esperar que o pessoal continue a pôr as suas capacidades ao seu dispor. Porém, geralmente uma entidade não tem controlo suficiente sobre os benefícios económicos futuros provenientes de uma equipa de pessoal habilitado e da formação para que estes itens satisfaçam a definição de um ativo intangível. Por uma razão semelhante, é improvável que uma gestão específica ou um talento técnico satisfaça a definição de ativo intangível, a menos que esteja protegido por direitos legais para usá-lo e obter dele os benefícios económicos futuros esperados e que também satisfaça as outras partes da definição."

À luz deste preceito, não é sustentável que, num plano contabilístico, o know how  do pessoal, visto isoladamente, consubstancie um ativo reconhecível e valorizável.

Não se pretende com isto dizer que, em face destas questões analíticas, não haja qualquer valorização de intangíveis a efetuar como defende a Requerente. É que o artigo  3.º da Portaria n.º 1446-C/2001 estabelece que o termo «operações» "abrange as operações financeiras e, bem assim, as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objeto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços intragrupo, ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes".

E, no caso, existiu uma operação que consistiu num acordo intragrupo de alteração de estruturas de negócio que envolveu, quando visto na sua globalidade, ativos que, não estando embora reconhecidos como intangíveis nas contas da B..., são, contudo, elementos económicos determinantes para que a estrutura operacional da C... desenvolva a sua atividade e gere benefícios potenciais.

Se entre duas entidades independentes se efetuasse tal operação de realocação de ativos, equivalente a uma transferência de atividade, não seria a falta de reconhecimento dos ditos “ativos” nas contas do vendedor da estrutura comercial que determinaria que essas fontes eventuais de criação de valor (clientela, know how) não tivessem uma contrapartida.

Adicionalmente, na situação vertente, e para citar apenas este elemento, uma cláusula que preveja a inexistência de indemnização a pagar em caso de alteração de estrutura do negócio é compreensível no seio do grupo, mas não deve condicionar em absoluto a apreciação do princípio de plena concorrência.

Isso é, aliás, sublinhado pela OCDE, nas suas Orientações ou Guidelines (cf. “The OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprise and Tax Administrations, 2017, Chapter IX, Business Restructurings”), nos seguintes termos:

"9.105 However, the examination of the terms of the contract between the associated enterprises may not suffice from a transfer pricing perspective as the mere fact that a given terminated, non-renewed or renegotiated contract did not provide an indemnification or guarantee clause does not necessarily mean that this is arm’s length, as discussed below."

Em tradução livre deste Tribunal, afirma-se que o facto de uma cláusula prever a ausência de indemnização, quando da transferência de elementos empresariais, não significa que a administração tributária esteja impedida de a avaliar no plano da disciplina fiscal dos preços de transferência.

Acrescenta ainda a OCDE que:

"9.80 Transfers of intangible assets raise difficult questions both as to the identification of the assets transferred and as to their valuation. Identification can be difficult because not all valuable intangible assets are legally protected and registered and not all valuable intangible assets are recorded in the accounts."

Ou seja, certos intangíveis, tendo efetivo relevo económico, nem sempre estão legalmente protegidos e registados no balanço das entidades.

Em suma, pese embora a análise da Requerida a respeito dos ativos intangíveis em questão não aprofundar, como poderia, tais aspetos, não se julga que tal imperfeição seja de ordem a permitir, por si só, a resolução do caso. Acresce que a fundamentação constante do RIT apela amiúde às expressões "transferência de negócio" ou "atividade de comercialização" e não apenas a ativos individualizados, embora os clientes e o know how sejam, neste contexto, fulcrais (face à não significância dos ativos tangíveis).  Interessa notar que a disciplina fiscal dos preços de transferência obedece a uma teleologia e visa, no essencial, impedir a flexibilidade completa dos grupos empresariais na alocação de resultados a partir de operações vinculadas.

Prossigamos, pois.

 

3.3.3. A metodologia de quantificação do facto tributário e seus pressupostos 3.3.3.1. Nota prévia sobre a metodologia de valorização de intangíveis, em especial de listas de clientes

Segundo a Requerida o método utilizado para apurar o valor dos intangíveis em causa foi o do Preço Comparável de Mercado (“PCM”). No entanto, a Requerente alega que em ponto algum da fundamentação foi identificado um comparável independente, ou preço de mercado concorrencial.

Em ponto anterior desta decisão (3.3.1) mostrou-se que o artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001 estabelece que o método em causa (PCM) é o apropriado, designadamente, nas seguintes situações:

“a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico   ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.”

Não consta dos autos qualquer evidência de ter sido usado um comparável interno, tal como definido na alínea a), acima, pois não foi feita qualquer referência a que a B... tivesse alienado a um terceiro, não relacionado, ativos semelhantes em condições  similares. Muito menos se exibe um comparável externo, proveniente de uma transação idêntica entre duas entidades independentes (cf. alínea b) supra).

Há assim que averiguar se, a partir da natureza exemplificativa (“designadamente”  é a expressão usada na norma acima citada), o método aplicado pela AT cumpre os requisitos do PCM, que a lei define de forma particularmente exigente no artigo 6º da  citada Portaria, designadamente no plano da comparabilidade.

Para além do que se estabelece na legislação portuguesa sobre o PCM, as  Guidelines da OCDE contêm importantes considerações e diretrizes sobre a correta avaliação de intangíveis, que não podem aqui deixar de ser sublinhadas. Assim:

"6.20 In applying the arm’s length principle to controlled transactions involving intangible property, some special factors relevant to comparability between the controlled and uncontrolled transactions should be considered. These factors include the expected benefits from the intangible property (possibly determined through a net present value calculation). Other factors include: any limitations on the geographic area in which rights may be exercised; export restrictions on goods produced by virtue of any rights transferred; the exclusive or non-exclusive character of any rights transferred; the capital investment (to construct new plants or to buy special machines), the start-up expenses and the development work required in the market; the possibility of sub-licensing, the licensee’s distribution network, and whether the licensee has the right to participate in further developments of the property by the licensor."

Significa isto, em tradução livre deste Tribunal, que certos fatores especiais de comparabilidade devem ser considerados na análise de uma transação vinculada envolvendo intangíveis, por confronto com uma transação similar entre partes independentes. Entre esses fatores destacam-se os seguintes: benefícios esperados, calculados por um método de valor descontado ou pelo valor presente desses benefícios; limitações geográficas ao uso dos intangíveis; o carácter de exclusividade (ou falta dela) dos direitos incorporados nos intangíveis transmitidos; possibilidade de sub-licenciamento dos ativos, entre outros.

 

Quando seja difícil obter evidência sobre transações comparáveis entre partes independentes, a OCDE recomenda que:

"9.112 In case such evidence is not found, the question would be whether independent parties would have agreed to a similar allocation of risk. This will depend on the facts and circumstances of the transaction and in particular on the rights and other assets of the parties", colocando o acento tónico na alocação de risco que duas entidades independentes estabeleceriam numa transação comparável.

Por fim, refira-se, ainda respigado das orientações da OCDE:

"9.143 One important issue with such before-and-after comparisons is that a comparison of the profits from the post-restructuring controlled transactions with the profits made in controlled transactions prior to the restructuring would not suffice given Article 9 of the OECD Model Tax Convention provides for a comparison to be made with uncontrolled transactions. Comparisons of a taxpayer’s controlled transactions with other controlled transactions are irrelevant to the application of the arm’s length principle and therefore should not be used by a tax administration as the basis for a transfer pricing adjustment or by a taxpayer to support its transfer pricing policy." (sublinhado e realçe nosso)

Ou seja, e traduzindo livremente, preconiza-se que a comparação do lucro entre duas operações controladas, antes e depois de uma transação, não pode servir de base à aplicação do princípio de plena concorrência pelas autoridades fiscais. Sustentar que um PCM pode ser apurado em tais circunstâncias é entendido pela OCDE como inviável no plano da aplicação da disciplina fiscal dos preços de transferência.

Compreende-se que assim seja. Se a aplicação da disciplina dos preços de transferência visa comparar operações vinculadas com operações realizadas entre entidades independentes, em circunstâncias similares, então a comparação dos lucros que resultem de duas operações vinculadas não pode servir de base a tal comparabilidade, de acordo com as normas legais e regulamentares aplicáveis (cf. artigo 63.º do Código do IRC e Portaria n.º 1446-C/2001).

Feito este excurso, importa responder à questão de saber se a metodologia de quantificação do facto tributário e seus pressupostos enfermam dos vícios que lhes foram imputados pela Requerente.

 

3.3.3.2. A operação tomada como comparável

 

A Requerida procede ao apuramento do preço comparável de mercado da operação de transferência da atividade, ou de realocação de ativos, por via da reafectação de intangíveis da B... para a C..., da seguinte forma (p. 32 do RIT): "O montante de 332.148,42 Euros configura a margem operacional potencial da B... e representa o rendimento anual, referente ao período de 2014 a que a B... deixou de aceder por ter abdicado, sem qualquer compensação, de clientes fidelizados que realizaram aquisições durante um longo período de tempo e que transitaram para a C... devido a uma decisão imposta pelo grupo. Uma empresa independente, na posse de uma carteira de clientes fidelizados, só abdicaria de parte das suas encomendas presentes e das encomendas futuras, caso obtivesse uma compensação que lhe permitisse aceder a um rendimento equivalente ou superior."

Assim, o preço usado pela AT (332.148,42 Euros) não é um preço comparável de mercado, na ótica de um comparável interno, nos termos da alínea a) do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001. Também não é um comparável externo, de acordo com a alínea b) do mesmo artigo.

Relembra-se que o artigo 6.º, n.º 1 da Portaria 1446-C/201 estabelece que "A adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional […]".

Ora, tal preço foi obtido usando dados de uma transação vinculada, e não de uma transação entre partes independentes. O valor dos lucros de 2014 que, segundo o RIT, a B... deixou de auferir, configura um comparável apurado em situação de relações especiais,  pois ele emerge e é apurado no contexto de uma atividade comercial efetuada no seio de um grupo. 

O resultado desta atividade estimada da B..., operada inteiramente no seio de um grupo, em 2014, não pode servir, como acima sublinhado nas Guidelines da OCDE (§

 

9.143), como "análise comparativa do tipo antes e depois" .

 

Não há, para mais, na fundamentação do ato tributário qualquer análise a fatores de comparabilidade, como sejam, o acesso por um independente aos produtos das entidades produtoras do Grupo, ou a repartição do preço entre a B... e as empresas do Grupo que tinham angariado a larga fatia dos clientes, numa lógica de profit splitting ou de repartição do lucro, por investimentos passados.

Em suma, quando o RIT refere que uma empresa independente, na posse de uma carteira de clientes fidelizados, só abdicaria de parte das suas encomendas presentes e das encomendas futuras, caso obtivesse uma compensação que lhe permitisse aceder a um rendimento equivalente ou superior, toma como um dado que tal compensação deve corresponder ao preço comparável de mercado. Todavia, tal preço de mercado, como alega a Requerente, não é observado, nem tem uma lógica de formação, num mercado concorrencial entre partes independentes.

Esse preço, ou compensação, é apenas o lucro anual (2014) que, segundo a AT, a  B... deixou de obter em 2014 continuando a operar no seio do grupo, com transações vinculadas. Tal não pode considerar-se um preço de mercado, pois ancora-se em transações vinculadas e não em dados de transações entre partes não relacionadas.

Em síntese: o benchmark ou termo comparativo para apurar o preço de cedência de uma atividade, ou estrutura comercial, entre partes independentes, não pode tomar-se como o lucro anual que se obteria em condições de operações vinculadas. Tal resulta da lei e das Guidelines da OCDE, doutrina de referência. Tanto mais, que nenhuma análise ou ajustamento é efetuado a fatores de comparabilidade que, como adiante melhor se verá, implicariam que a B... não pudesse auferir tal preço.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) citada pela Requerente, designadamente o Processo n.º 0401/06, de 29 de novembro de 2006, no qual se enfatiza a necessidade de AT proceder à descrição, clara e objetiva, dos termos em que, normalmente, se processam as transações comparáveis entre entidades independentes, corrobora tal exigência.

 

3.3.3.3. O método de avaliação usado

 

A) Da aplicação concetual do método de avaliação

A fundamentação do ato tributário (RIT) que consta dos factos provados, explica o método de avaliação dos intangíveis que corporizam a transação nos seguintes moldes:

"Em «Avaliação de Empresas e de Negócios», João Carvalho das Neves, McGraw- Hill, 2002, página 33 e seguintes, o autor refere que: Uma das tipologias possíveis para classificar os métodos de é a seguinte: Avaliação Patrimonial (Asset Based Approach), Avaliação Comparativa com o Mercado (Market Approach) e Avaliação pelo Rendimento Atualizado. O método do rendimento é a abordagem mais utilizada quando se avalia o valor de um negócio, sendo o valor mensurado através do cálculo do valor presente dos benefícios económicos futuros. Neste âmbito, o modelo com a designação «Excess Earnings Approach» apresenta-se como um modelo híbrido de avaliação (combinando a abordagem rendimento com a abordagem custo), que consiste na aplicação da seguinte equivalência para determinação do valor de um negócio: Valor do Ativo Intangível = Valor do Negócio (Cash Flows descontados) – Valor do Ativo Tangível.

O Excess Earnings Approach, método de avaliação baseado na abordagem rendimento, baseia-se nos seguintes pressupostos:

a) O valor de um negócio é igual à capitalização do seu rendimento;

b) O fluxo de rendimentos pode ser decomposto em duas componentes: i. Uma rentabilidade normal nos ativos líquidos tangíveis;

ii. A diferença entre o valor do negócio e o valor dos ativos tangíveis consiste no valor dos intangíveis.

No modelo Excess Earnings Approach o termo ativo tangível referese ao valor de mercado de dinheiro, inventários, contas a receber, propriedade, entre outros, líquido de todas as obrigações. Os ativos líquidos tangíveis não incluem elementos imateriais ou intangíveis – tais como carteiras de clientes ou know-how referente ao mercado e  processos de desenvolvimento do negócio – que representam fatores adicionais que permitem às empresas a obtenção de rendimentos mais elevados.

A referência a este modelo justifica-se porque para apurar o valor de transferência do negócio da B... para a C..., há que considerar as duas componentes: o ativo tangível transferido e o ativo intangível, que no caso presente não foi considerado pelo sujeito passivo para efeitos de avaliação do valor do negócio de comercialização de produtos siderúrgicos."

Tal fundamentação implicaria o uso de um método de apuramento do valor dos intangíveis por via dos cash flows (fluxos de caixa) descontados, conforme expressamente referido na passagem citada.

O método dos fluxos de caixa descontados (discounted cash flow ou “DCF”) baseia- se na atualização dos valores estimados do conjunto dos cash-flows que a empresa previsivelmente gerará no futuro. O princípio que lhe subjaz é o de que uma empresa vale pela sua capacidade futura de libertar fundos para os detentores do capital, pelo que o valor da entidade deve corresponder à soma dos montantes atualizados desses fluxos de caixa estimados no momento da avaliação. Este método permite determinar o valor fundamental gerado pelo negócio e compara o desembolso presente de meios monetários com encaixes estimados ou futuros de fluxos monetários.

Na sua utilização é necessário prever:

i) os valores dos cash-flows que a empresa originará;

ii) a taxa de atualização, ou taxa de desconto, que traduz a expectativa quanto ao risco do investimento.

No plano técnico, são múltiplas as variáveis críticas que influenciam a estimativa dos cash-flows, designadamente (entre muitas outras) as seguintes:

i) Taxa de crescimento dos rendimentos operacionais (vendas de produtos ou prestação de serviços);

ii) Estrutura de custos e margens;

iii) Política de investimentos em capital fixo e fundo de maneio necessário; iv) Política de financiamento.

Trata-se de um método que exige um significativo número de estimativas, mas bem sustentado em alicerces da teoria financeira, a qual tem como postulado geral que o valor de um ativo (ou empresa) se baseia nos fluxos de caixa que este libertará, atualizados para o momento em que se efetua a transação desse ativo (ou empresa).

No plano concetual o método usado pela AT enferma de duas inconsistências. Em primeiro lugar, baseia-se em lucros para um determinado ano (2014) e não numa projeção de cash-flows para um período plurianual, que leve em conta a vida esperada da atividade economicamente transmitida. Como bem se sabe, o lucro é uma variável claramente distinta do cash-flow. O primeiro é uma variável económica (rendimentos – gastos). O segundo representa uma variável que mede liquidez ou encaixe monetário (recebimentos – pagamentos).

A segunda incongruência, resulta de o método DCF apurar o valor de um negócio ou de um acervo de ativos como sendo o valor presente de um conjunto estimado de cash- flows.

Como invoca a Requerente (e.g., artigo 220.º do ppa), o preço numa transação de transferência de atividade, entre partes independentes, corresponderia a um valor presente, descontado, único e apurado no momento em que tal transação é acordada. Tal preço global poderia ser sujeito a cláusulas de revisão futura. O que não se verificaria, por via de regra, seria o apuramento de um preço com base num lucro, a calcular anualmente, como consta da fundamentação do ato tributário, enquanto a clientela que subjaz ao negócio a desenvolver estiver na empresa que recebe tal intangível. Este Tribunal Arbitral também assim o julga.

A OCDE recomenda que na avaliação de intangíveis se sigam determinados procedimentos para que se apure um preço no momento da transação (no caso em apreço, no momento em que se efetua a alocação do negócio à C...). No § 6.29 das Guidelines sublinha-se que a avaliação de intangíveis entre empresas independentes é uma tarefa complexa e incerta.

Uma possibilidade de desenvolvimento de tal tarefa, consistirá em usar os benefícios estimados para, no momento da transação, calcular um preço, tendo em conta os fatores económicos relevantes (esta é a lógica de aplicação habitual do DCF, que no RIT se apresenta como método base que a AT aplicou). Para o que aqui releva, o preço seria, pois, apurado por referência ao valor presente, num dado momento, de benefícios estimados. Está-se longe, na doutrina e nas recomendações da OCDE, de apurar um preço de mercado a partir do lucro anual, calculado no contexto de operações vinculadas, que foi o percurso seguido pela Requerida.

Adicionalmente, como de seguida se explica, a variante do DCF que a AT usa (excess earnings method) não foi aplicada da forma configurada pela doutrina.

B) Da aplicação prática do excess earnings method Refere a este respeito o RIT:

"A referência a este modelo (Excess earnings approach) justifica-se porque para apurar o valor de transferência do negócio da B... para a C..., há que considerar as duas componentes: o ativo tangível transferido e o ativo intangível, que no caso presente não foi considerado pelo sujeito passivo para efeitos de avaliação do valor do negócio de comercialização de produtos siderúrgicos."

A literatura descreve o "Excess earnings approach" da seguinte forma, que se cita, em tradução livre do Tribunal:

"Os ativos intangíveis relacionados com a clientela são  frequentemente dependentes da existência de vários outros ativos para gerar valor para as empresas. Normalmente, a maioria dos ativos de uma empresa, incluindo ativos fixos e propriedade intelectual, é essencial na criação de produtos ou na prestação de serviços aos seus  clientes.

O valor (intangível) dos relacionamentos com clientes depende da capacidade da empresa de vender produtos e serviços no futuro. Como resultado, para que as empresas extraiam valor dos ativos intangíveis relacionados ao cliente, elas devem ter outros ativos alocados ao negócio.

O excess earnings method (“EEM”) é comummente usado para avaliar ativo(s) gerador(es) de rendimento de uma empresa ou de um segmento de uma empresa. O EEM estima o valor com base no fluxo de lucros e cash-flows futuros esperados atribuível a um ativo específico. 

O analista estima a receita e o fluxo de caixa derivados do ativo intangível a avaliar, como seja o relacionamento com o cliente, e deduz as parcelas do fluxo de caixa que podem ser atribuídas a ativos de suporte, ou ativos contributivos.

Esses ativos contributivos incluem marcas registadas, nomes comerciais ou ativos tangíveis que contribuíram para a geração desse fluxo de caixa. O fluxo de caixa excedente resultante atribuível ao ativo objeto de avaliação é então descontado a uma taxa  de retorno proporcional ao risco do ativo a avaliar.

Ao aplicar o MPEEM, o analista deve executar os seguintes procedimentos: Identificar o (s) ativo (s) a ser(em) avaliado (s)

Identificar o fluxo de receita associado ao(s) ativo(s)

Estimar as taxas de atrito para o ativo sujeito (e.g. taxa anual de perda futura de clientes)

Estimar fluxos de caixa associados ao(s) ativo(s)

Estimar e deduzir encargos de ativos contributivos (e.g. marcas) Estimar a taxa de retorno exigida para o(s) ativo(s) a avaliar

Descontar os fluxos de caixa remanescentes (fluxo do ativo a avaliar - fluxos de ativos contributivos) para o valor presente

Existem outros ativos que precisam de ser usados para que as empresas possam extrair valor dos ativos relacionados com a clientela. Possíveis ativos contributivos podem incluir fundo de maneio ou capital circulante; equipamentos e edifícios; força de trabalho especializada; e outros ativos intangíveis, como contratos de marca, marca, tecnologia e não concorrência. O analista deve, portanto, reduzir o fluxo de caixa atribuível ao ativo intangível de relacionamento com o cliente por via do retorno exigido sobre os outros ativos contributivos."

Assim, embora a entidade detentora de um intangível (no seio de um Grupo) possa receber o produto da exploração do mesmo, outros membros do grupo podem ter desempenhado funções, utilizado ativos, ou assumido riscos que contribuíram para o valor do intangível, devendo ser compensados pelas suas contribuições no âmbito do PCM. A alocação final dos retornos obtidos pelo Grupo da exploração destes ativos, bem como a alocação final de gastos e outros encargos relacionados com esses bens intangíveis, é alcançada através da compensação das empresas do Grupo pelas funções desempenhadas, ativos utilizados e riscos assumidos.

A fundamentação da AT, que menciona o uso do PCM, que requer o mais elevado grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações entre entidades independentes, não obtém o comparável utilizado, como devia, a partir de transações num contexto de independência ou mercado livre. Acresce assinalar que o método usado não é, como sustentado pela AT, baseado em cash flows descontados, e, por fim, o cálculo do preço de um ativo a partir dos lucros que se obteriam em 2014, fica muito distante dos procedimentos técnicos que o EEM implica, como se viu no excerto atrás citado sobre os passos a seguir na respetiva aplicação.

Em conclusão, quer concetualmente, quer na sua aplicação concreta, o método ou processo de cálculo usado pela AT enferma dos referidos vícios.

 

3.3.3.3.4 Considerações adicionais sobre comparabilidade

 

A AT, ancorando-se nas posições da OCDE, refere no RIT que:

"Nesta perspetiva, a aceitação, por parte da B..., de um contrato de distribuição, do qual depende a totalidade da sua atividade, contendo cláusulas que (i) prejudicam o seu interesse individual (Cláusula 11º, que prevê que as partes abdiquem do direito de solicitar indemnizações no âmbito da execução ou cessação do contrato) [...] é uma decisão que difere da racionalidade da prossecução do interesse próprio que existiria numa empresa independente "

De facto, é compreensível a posição segundo a qual entidades independentes, ao transacionarem entre si, exigiriam uma contrapartida pela cedência de ativos.

Porém, é também certo que o § 6.13 das Guidelines da OCDE sublinha que no seio de um Grupo existem relacionamentos especiais, com regras próprias do Grupo, que não devem ser automaticamente postos em causa por desrespeito ao princípio de plena concorrência, particularmente em transações envolvendo intangíveis.

Neste contexto, o RIT é totalmente omisso, e não deveria sê-lo, sobre o valor do contributo do Grupo para a clientela da B..., conforme assente no probatório, em particular na lógica de aplicação do excess earnings method (e respetivos elementos contributivos para os ativos em avaliação).

Numa transação entre partes independentes, a parte vendedora, tendo previamente obtido, certamente por via do pagamento de uma contrapartida um tal direito ou ativo intangível, o que ganharia seria o valor decorrente do seu contributo específico, e não o valor total do ativo, pois que uma substancial parte do mesmo não foi por si desenvolvido .

No caso vertente, ao lucro da B... teria de ser deduzido o valor aportado pelo grupo para a carteira de clientes realocada à C... . A admitir-se uma compensação pela reafectação dos intangíveis da B..., teria também de analisar-se como aquela se repartiria entre as entidades do Grupo que contribuíram para a geração dos intangíveis realocados.

Em face de tudo o que antecede, conclui-se que os atos tributários de liquidação de IRC e dos juros compensatórios inerentes, enfermam de erro nos pressupostos e são por isso anuláveis por vícios substantivos, em virtude de a AT não ter observado os critérios legais do método de determinação do preço comparável de mercado (PCM) ou de outro método alternativo. Em concreto:

a. O preço alegadamente comparável foi obtido pela AT a partir dos dados de uma transação vinculada, e não de uma transação entre partes independentes – o que não é admissível de acordo com o artigo 63.º do Código do IRC, da Portaria n.º 1446-C/2001 e  das Guidelines da OCDE que consagram as diretrizes a seguir para este efeito;

b. O método de avaliação empregue foi o método dos fluxos de caixa descontados (discounted cash-flow), que tem como postulado geral que o valor de um ativo (ou  empresa) se baseia nos fluxos de caixa que este libertará, atualizados (valor presente) para o momento em que se efetua a transação desse ativo (ou empresa). Porém, de forma inconsistente, apesar de invocar esse método, a AT não se fundou numa projeção de cash- flows para um período plurianual, baseando-se nos lucros (e não, como referido, em cash- flows) de um determinado ano – 2014 (e não, como referido, numa base plurianual);

c. Não foram tidos em conta fatores relevantes de comparabilidade como o que respeita, no caso vertente, ao facto de ao “lucro” da B... dever ser deduzido o valor  aportado pelo Grupo para a carteira de clientes realocada à C...”.

 

Ainda no que respeita à escolha do método, nas palavras do TCA Sul, no Acórdão de 25 de janeiro de 2018, proferido no processo nº 06660/13 (disponível in http://www.dgsi.pt):

“Os preços de transferência, como já afirmamos, devem ser determinados de  acordo com o princípio da plena concorrência (Nos termos do artigo 2º da Portaria nº 1446-C/2001, o princípio de plena concorrência é aplicável (i) às operações vinculadas entre sujeito passivo de IRS ou IRC e uma entidade não residente; (ii) às operações realizadas entre uma entidade não residente e um seu estabelecimento estável, incluindo as  realizadas entre um estabelecimento estável em território português e outros estabelecimentos estáveis da mesma entidade situados fora deste território; (iii) operações vinculadas realizadas entre entidades residentes em território português sujeitos passivos  de IRS ou IRC. E por força do nº 10 do artigo 58º do CIRC e do artigo 23º da citada Portaria, o princípio de plena concorrência é ainda aplicável às situações neles previstas.) que seria o que vigoraria caso as transacções ou operações fossem organizadas entre entidades independentes. Talvez por esta razão, o legislador consagrou uma cláusula aberta a  respeito dos métodos a adoptar para a determinação dos preços de transferência (veja-se a redacção da alínea b) do artigo 4º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nos seguintes dizeres «ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas»), isto porque, para além dos cinco métodos fixados [Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM); Método do Preço de Revenda Minorado (MPRM); Método do Custo Majorado (MCM); Método da Margem Líquida da Operação (MMLO); Método do Fraccionamento do Lucro (MFL)] poderá ser adoptado outro método que for mais apropriado para cada operação ou série de operações, ou seja, aquele que for mais adequado a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade.

 

Dito por outras palavras, podem ainda ser aplicados métodos residuais ou alternativos desde que: os fixados pelo legislador não possam ser aplicados ou podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam”.

 

No demais, remetemos igualmente para o teor da Decisão Arbitral transcrita:

 

“3.4. Sobre o Vício Formal de Fundamentação

Entende a Requerente que se verifica o vício formal de falta de fundamentação, relativamente ao método de quantificação utilizado, aos cálculos realizados e à respetiva lógica, para o que invoca o princípio constitucional consagrado no artigo 268.º, n.º 3 da CRP, concretizado disposto no artigo 77.º da LGT que determina que a decisão do procedimento tributário é sempre fundamentada e, apesar de poder ser efetuada de forma sumária, deve “sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (n.ºs 1 e 2), e ainda no artigo 153.º do (novo) CPA.

 

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa.

 

Seguindo a jurisprudência do STA, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. Acórdãos do STA, Processo n.º 01114/05, de 2 de fevereiro de 2006, e Processo n.º 42180, de 20 de  novembro de 2002). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, de forma direta ou por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, processo n.º 46796, de 14 de março de 2001).

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que são percetíveis as razões que conduziram a AT à decisão do procedimento tributário, bem como os cálculos que realizou, incluindo os respetivos pressupostos (ainda que errados), e que a Requerente compreendeu perfeitamente o seu sentido e alcance, rebatendo de forma circunstanciada os respetivos argumentos. 

 

Não se constatam, deste modo, as deficiências apontadas pela Requerente à fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária, improcedendo a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

 

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de tributação nela retratados e que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014). Neste caso, não se trata de aferir o   vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, por erro nos pressupostos, que foi acima apreciada.

 

* * *

À face do exposto, e em síntese, os atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios, relativos ao exercício de 2014, padecem de vício de violação de lei, relativamente à correção de preços de transferência objeto da presente ação arbitral, pelo que devem ser parcialmente anulados na parte correspondente, cifrada em € 92.532,51,  em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA” - com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

3.5. JUROS COMPENSATÓRIOS

 

Na situação sub iudice, os juros compensatórios incidem sobre a dívida tributária de IRC que é parcialmente anulada, nos termos e pelas razões expostas. Estes juros integram a relação jurídica tributária e supõem o retardamento de uma prestação tributária devida (cf. artigos 30.º, n.º 1, alínea d) e 35.º, ambos da LGT), sendo a forma processual própria para  a sua discussão a impugnação judicial.

 

Dada a equiparação da ação arbitral ao processo de impugnação judicial, cabe nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros compensatórios (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e b) do RJAT), pelo  que, perante a anulação parcial do ato tributário de liquidação de IRC que constitui seu pressuposto, a liquidação dos juros compensatórios inerentes partilha de idênticos vícios e desvalor invalidante, devendo, por isso, ser, de igual forma, parcialmente anulada, na parte correspondente”.

 

IV.3) DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS:

 

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios — (à taxa de 4%, nos termos do artigo 43.º n.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril) em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio,  tal  dever  compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e

(ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso do imposto pago indevidamente seja efetivamente efetuado.

 

No caso concreto, os requisitos do direito a juros  indemnizatórios  (previsto  no  artigo 43.º  nº  1  da  LGT)  estão  verificados,  uma  vez  que:  (a)  a  Requerida  incorreu  num  erro de direito ao emitir o ato impugnado; (b) o erro foi imputável exclusivamente aos serviços da Requerida (que ademais, foi notificada de duas Decisões Arbitrais que anularam os atos de liquidação emitidos com os mesmos fundamentos relativos aos exercícios de 2014 e de 2015 e, mesmo assim, não revogou o ato impugnado);

(c) a existência desse erro é determinada na decisão arbitral dos presentes autos; e

(d) desse erro resultou o pagamento de uma dívida tributária que não era devida  (vide neste sentido, o Acórdão do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de maio de 2019, proferido no processo nº 1770/12.9BELRS, disponível in http://www.dgsi.pt).

 

Termos em que, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal (4%), que são devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:

a) Anular o ato impugnado (o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., de 23 de dezembro de 2019, respetiva Demonstração de Acerto de Contas, e Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios, com referência ao ano de 2016, que apurou um montante de imposto a pagar de EUR 52100,12);

b) Condenar a Requerida à restituição do valor de EUR 52100,12 pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal; e

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 52100,12.

 

VII. CUSTAS

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 2142,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

Notifique-se.

Lisboa, 08 de fevereiro de 2021.

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)