Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 261/2013-T
Data da decisão: 2014-05-05  IRC  
Valor do pedido: € 2.271,23
Tema: IRC - Autoliquidação de IRC e Derrama; Dedução do encargo fiscal com as Tributações Autónomas em sede de IRC; Tempestividade do pedido de pronúncia arbitral
Versão em PDF

Acórdão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 261/2013 - T

Requerente: A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

I - RELATÓRIO

 

1.      A, (adiante designada abreviadamente por “A”) sociedade com o número de pessoa coletiva …, com sede na …, doravante designada por Requerente, apresentou, em 21.11.2013, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada como AT), peticionando:

a.       A declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e derrama municipal (identificada nos autos), referente ao ano de 2010, na parte correspondente ao valor de €134.872,02, por vício material de violação de lei;

b.        O reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento do imposto indevidamente liquidado.

 

2.      O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 21.11.2014 e aceite pelo Exmº. Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 22.11.2014, tendo sido a Administração Tributária e Aduaneira notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.

3.      Em 08.01.2014, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar a sua designação, pelo que, o Tribunal Arbitral foi constituído no dia 23.01.2014 e o facto comunicado às partes na mesma data.

4.      Em 25.02.2014, a AT apresentou Resposta ao Pedido deduzido pela Requerente, invocando, desde logo, a excepção de intempestividade do pedido apresentado pela Requerente.

5.      Em 28.02.2014, a Requerente apresentou Resposta escrita à matéria de natureza excepcional, suscitada na sua resposta pela Requerida.

6.      Em 07.03.2014 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, como consta da respectiva acta, que se dá por integralmente reproduzida. Nessa reunião foi, fixado prazo de dez dias, consecutivo, para as partes apresentarem alegações escritas. Foi, ainda, fixada a data de 6 de Maio de 2014 como data limite para proferir Acórdão arbitral.

7.      As partes apresentaram as suas alegações escritas, como consta dos autos, e que se dão por integralmente reproduzidas.

 

A)    Do pedido formulado pela Requerente

 

8.      No seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte quadro factual:

 

-        A A, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal Y, procedeu à autoliquidação de IRC e derrama relativa ao exercício de 2010;

-        Em 25 de Janeiro de 2012 apresentou uma alteração a essa autoliquidação mediante apresentação de declaração de substituição;

-        Em 30 de Maio de 2013, a Requerente apresentou junto da Unidade dos Grandes Contribuintes reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC e derrama municipal referente ao ano de 2010;

-        Nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária (LGT), formou-se indeferimento tácito da reclamação graciosa em 30 de Setembro de 2013;

-        A Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral em 21.11.2013, pelo que o pedido arbitral é tempestivo;

-        No caso de actos de autoliquidação de imposto é ainda exigido o recurso prévio à via administrativa;

-        Assim, o acto objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto de autoliquidação de IRC e derrama consequente relativo ao ano de 2010, na medida correspondente à não relevação fiscal dos encargos fiscais com tributações autónomas do exercício de 2010, às quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 134.872,02;

-        Nessa liquidação, foi apurado, ao abrigo do artigo 88.º do Código do IRC (CIRC), um montante global de “tributações autónomas” no valor de € 538.619,72, as quais se encontram totalmente pagas;

-        A A, não deduziu, porém, esse valor das tributações autónomas no cômputo do lucro tributável para efeitos de IRC e consequente derrama, sendo que, na óptica da Requerente, lhe assiste esse direito;

-        Em termos de quantificação, o IRC resultante da aplicação da taxa base de 25% ao valor de € 538.619,72, resulta em €134.654,93, acrescido da derrama estadual no valor de €138,19 e da derrama municipal no valor de €78,89, num total de € 134.872,01, conforme documento discriminativo junto pela Requerente como documento n.º 7.

 

B)     Da fundamentação do pedido da Requerente

 

9.      A Requerente sustenta, em primeiro lugar, que a tributação autónoma não se confunde com o imposto sobre o rendimento (IRC) ou lucro da empresa, antes se configura como uma tributação sobre a despesa, e que assim o reconhece a própria AT (conforme documento n.º 8 junto pela Requerente em anexo ao pedido) e se extrai dos próprios modelos declarativos (modelo 22).

 

10.  Assim, as tributações autónomas são, na maioria dos casos, em termos técnicos, tributação sobre a despesa, uma tributação sobre encargos suportados pela empresa e representativos de consumos da empresa.

 

11.  Nenhuma parte das tributações autónomas em causa nos autos respeita a despesas não documentadas.

 

12.  A posição uniforme da doutrina é a de reconhecer que as tributações autónomas não são imposto sobre o rendimento, pelo contrário, atribuem-lhe, e bem, diferente carácter e finalidade (que não a de tributar o rendimento da empresa).

 

13.  E a jurisprudência aponta no mesmo sentido, quer a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Tribunal Constitucional, bem assim como, a deste Tribunal Arbitral.

 

14.  Aos encargos fiscais decorrentes das tributações autónomas aplica-se a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no artigo 23.º, nº 1, alínea f), do CIRC, dado que o encargo fiscal das tributações autónomas não foi, nem é, excepcionado da regra fiscal de dedutibilidade dos encargos fiscais; pelo que, não se aplica a excepção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42.º) do CIRC à regra fiscal da dedutibilidade dos impostos.

 

15.  Estão em causa nos presentes autos tributações autónomas incidentes sobre despesas fiscalmente dedutíveis.

 

16.  Há norma legal que afirma a dedutibilidade fiscal dos encargos fiscais, no caso, o artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC, e as tributações autónomas são isso mesmo: encargos fiscais resultantes de uma tributação incidente sobre despesas.

 

17.  As razões em que assentam o projectado indeferimento constantes do projecto de decisão da reclamação graciosa são confusas porquanto as tributações autónomas não tributam o rendimento do sujeito passivo nem são minimamente equiparáveis à derrama; sendo que a sua dedutibilidade resulta, pela positiva, do disposto no artigo 45.º do CIRC.

 

18.  As tributações autónomas em causa, são, evidentemente despesas documentadas, contrariamente ao que alude o projecto de indeferimento da reclamação graciosa.

 

19.  Não podem as tributações autónomas ter carácter sancionatório, como resulta da alusão constante do ponto 38 do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

20.  Resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 671/2012, de 19 de Dezembro, que as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa e não sobre o rendimento, com a sua consequente dedutibilidade em sede de IRC.

 

21.  Quando a AT não consegue basear a tributação numa norma de direito em concreto e se limita, usurpando a função legislativa, a criar uma norma “através de uma adequada ponderação dos referidos interesses em causa, do circunstancialismo económico e social que subjaz aos custos suportados com a tributação autónoma e da finalidade pretendida pelo legislador”, mais não está do que a fazer tábua rasa do princípio da legalidade e da separação entre os poderes legislativo e executivo.

 

22.  A interpretação sui generis da AT que a norma constante do artigo 23.º, nº 1, ou do artigo 45.º, designadamente no seu n.º 1, alínea a), todos do CIRC, impediria indiscriminadamente a dedução no apuramento do rendimento tributável de encargos reais com tributações autónomas, torna essas normas inconstitucionais, nessa medida, por violação dos artigos 2º (Estado de Direito Democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade, da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias), 13º (princípio da igualdade), 18.º, n.ºs 2 e 3 (princípio da proporcionalidade) e 104.º, n.º 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real em conjugação com o princípio da igualdade e princípio da capacidade contributiva), da Constituição da República Portuguesa.

 

23.  A Requerente conclui pedindo ao Tribunal Arbitral:

 

-           Que declare a ilegalidade parcial da autoliquidação na parte correspondente ao valor de €134.872,02, bem como,

-           O direito da Requerente aos juros indemnizatórios, atendendo a que a autoliquidação de IRC e as tributações autónomas do exercício de 2010 se encontram pagas, pelo que declarada a ilegalidade peticionada quanto à autoliquidação a Requerente tem direito ao reembolso do montante indevidamente pago, bem assim como dos juros indemnizatórios calculados, à taxa legal, sobre esse montante, desde a data de pagamento do imposto (31 de Maio de 2011), até integral reembolso do mesmo.

 

 

C)    A Resposta da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira

 

24.  A Requerida apresentou Resposta ao pedido da Requerente, na qual sustenta que:

 

-        O pedido formulado é extemporâneo, porquanto o prazo de 90 dias estipulado para pagamento voluntário da prestação voluntária, previsto no artigo 102.º, nº1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), terminou, no caso dos autos, em 31.05.2011, pelo que, a apresentação do pedido arbitral, em 21.11.2013, ocorreu mais de dois anos após o término daquele prazo de 90 dias, pelo que é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer;

-        Não obstante ter feito alusão e identificado as circunstâncias da existência de reclamação graciosa e do indeferimento tácito, a verdade é que a Requerente não formulou /concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do indeferimento tácito que operou, decorrente da sua reclamação graciosa;

-        Não o tendo feito, ou seja, não tendo a requerente sindicado o acto em segundo grau (o indeferimento tácito da reclamação graciosa) o pedido arbitral é intempestivo e e, consequentemente, o Tribunal não pode apreciar o pedido formulado quanto ao acto de autoliquidação;

-        A Requerente preocupa-se em rebater as razões aduzidas pela AT num mero projecto de decisão de indeferimento sem nunca, “em momento algum do seu pedido de pronúncia arbitral, demorar uma linha peticionando pela ilegalidade do indeferimento tácito”;

-        A 21.10.2013 a Requerente foi notificada do dito projecto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada em 31.05.2013;

-        No seguimento da qual informou a AT que já tinha apresentado impugnação do acto de liquidação em causa junto do Tribunal Arbitral, o que determinou o arquivamento do procedimento;

-        Mas, isto sem nunca peticionar a ilegalidade do indeferimento tácito que lhe serviu de termo inicial para a contagem do prazo para apresentação do pedido de impugnação directa do acto de autoliquidação;

-        Nos termos do disposto nos artigos 660.º, nº 2, e 661.º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC) (artigos 608.º, nº 2, e 609.º, nº 1 do CPC vigente) para além de questões de conhecimento oficioso, o juiz não pode conhecer na sentença de questões não suscitadas pelas partes, nem condenar em objecto ou em quantidade superior ao que tiver pedido;

-        Resultando, clara e inequivocamente do requerimento inicial a impugnação directa do acto de autoliquidação de imposto (IRC) deve o pedido formulado ser declarado improcedente por intempestivo e ser a entidade demandada absolvida da instância;

-        Sem conceder, alega a AT, quanto à questão de fundo, que as tributações autónomas não são, pelo menos formalmente, IRC, nem se aceita a sua dedutibilidade ao lucro tributável, quer por sua exclusão da al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, quer pela sua inclusão na al.f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC;

-        As tributações autónomas não configuram um imposto distinto do IRC, antes consistem num seu adicional, concluindo, ainda, pela não dedutibilidade das tributações autónomas, na medida em que um imposto não pode ser, pela própria natureza das coisas, dedutível a si mesmo.

-        Refere ainda a natureza acessória das tributações autónomas (acessorium principale sequitur) a qual impede a consideração das tributações autónomas como gasto fiscal;

-        Por último, o apuramento das tributações autónomas ocorre após o apuramento da matéria colectável, pelo que, se a taxa de tributação autónoma depende do apuramento da matéria colectável, o produto da sua aplicação não pode integrar o cálculo daquela, por impossibilidade lógica;

-        Conclui pugnando pela improcedência do pedido formulado pela Requerente quanto à anulação da autoliquidação, bem assim como pelo pedido formulado quando aos juros indemnizatórios.

 

25.  A Requerente apresentou resposta à excepção de intempestividade invocada pela AT na Resposta apresentada, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida.

 

26.  As partes apresentaram, ainda alegações escritas, no prazo fixado pelo Tribunal, as quais se dão por integralmente reproduzidas.

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

 

27.  A primeira questão a decidir é a da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

28.  A segunda questão, tal qual é configurada pelo pedido formulado pela Requerente, é a de saber se os valores suportados pelo sujeito passivo de IRC, a título de tributação autónoma, devem ser considerados gastos dedutíveis para efeitos de cálculo do lucro tributável em IRC.

 

III - FACTOS PROVADOS CONSIDERADOS RELEVANTES

 

-        A Requerente apresentou a autoliquidação em causa nos presentes autos em 31 de Maio de 2011, referente ao exercício de 2010;

-        Posteriormente, esta autoliquidação foi substituída por declaração de substituição submetida em 25 de Janeiro de 2012;

-        Esta liquidação foi objecto de reclamação graciosa, apresentada junto do Serviço de Finanças de …, a 30 de Maio de 2013;

-        Nessa declaração de rendimentos, foi apurado um montante de tributações autónomas de € 538.619,72;

-        A A, não deduziu, porém, esse valor das tributações autónomas no cômputo do lucro tributável para efeitos de IRC do exercício;

-        Da aplicação da taxa base de 25% ao valor de € 538.619,72, resulta o valor de € 134.654,93, acrescido da derrama estadual, no valor de € 138,19, e da derrama municipal, no valor de €78,89, num total de € 134.872,01.

-        A Requerente pagou o imposto (IRC) devido referente ao exercício de 2010, bem assim como o valor das tributações autónomas em causa.

 

IV – SOBRE A QUESTÃO DA TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

29.  Este Tribunal identificou nos pontos 27 e 28 as duas questões a decidir. Mas a primeira delas – a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral – constitui excepção dilatória e, por isso, a ser procedente, obstará ao conhecimento da segunda. Importa, por isso, conhecer previamente da mesma. 

 

30.  A Requerente formula um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade da autoliquidação de IRC e das tributações autónomas do período relativo ao exercício de 2010. O objecto do pedido é, portanto, esta autoliquidação.

 

31.  O prazo para impugnação de um acto de liquidação ou de autoliquidação tributária é de 90 dias (nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar dos factos previstos nos números 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT.

 

32.  No caso dos autos, o prazo de 90 dias contar-se-á a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária, por força do disposto no artigo 104.º, n.º 1., alínea b), do CIRC.

 

33.  Assim, o prazo para impugnar o acto de liquidação já havia terminado, quer ao tempo em que a Requerente apresentou a declaração de substituição (31.05.2011), quer posteriormente quando apresentou a reclamação graciosa no seguimento dessa declaração de substituição, ou seja, já em 25.01.2012.

 

34.  O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 21.11.2013.

 

35.  É pacífico na doutrina e na jurisprudência arbitral do CAAD que apesar do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT fazer referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de actos de liquidação, essa competência estende-se também a actos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade dos actos primários, como é o caso de actos de indeferimento de reclamações graciosas e de actos de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões de tais reclamações.

 

36.  Assim, tendo sido ultrapassado o prazo para uma impugnação directa da liquidação ou da autoliquidação, abria-se à Requerente a via de impugnar o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa a que alude no artigo 5.º do seu pedido, ou seja, suscitar a apreciação da legalidade da autoliquidação na dependência da interposição e decisão desfavorável de um meio de defesa gracioso.

 

37.  Sucede, no entanto, que a Requerente quando identifica expressamente o pedido arbitral o faz nos seguintes termos (cf. artigos 13.º e 14.º da seu pedido):

 

“13.º

Pretende a ora requerente que seja declarada a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação supra identificado (cf. Docs. n.ºs 1 e 2 – e que seja consequentemente anulado, nessa parte, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte do referido acto de autoliquidação que reflecte a não relevação fiscal de encargos fiscais com tributações autónomas, às quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 134.872,02.

14.º

Neste sentido, deve aquele acto de liquidação ser declarado ilegal e anulado nessa parte, porquanto padece de vício de ilegalidade, nos termos e com os fundamentos que nos propomos demonstrar infra.”

 

38.  E termina o seu pedido do seguinte modo: “Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente do Grupo Fiscal A relativa ao exercício de 2010, no que respeita ao montante de € 134.872,02, com a sua consequente anulação nesta parte, atenta a manifesta a ilegalidade da liquidação nesta parte, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 31 de Maio de 2011 até integral reembolso.”

 

39.  Assim se, por um lado, é inequívoco que a Requerente ao identificar e formular o seu pedido arbitral não fez a mais ténue alusão à impugnação do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou em 30 de Maio de 2013,

 

40.  Por outro, é também bem claro que a Requerente identifica como objecto do pedido arbitral o acto de autoliquidação de IRC e derrama municipal cuja declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial pede a este Tribunal.

 

41.  Não podemos, pois, deixar de concordar com a Requerida quando na sua Resposta escreve que a Requerente “não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido de tendente à anulação do indeferimento tácito que operou, decorrente da sua reclamação graciosa.”

 

42.  O âmbito dos poderes de cognição do Tribunal está limitado pelo pedido.

 

43.  E este Tribunal está exclusivamente confrontado com a impugnação directa de um acto de autoliquidação de IRC e derrama municipal.

 

44.  Impugnação que foi manifestamente apresentada fora do prazo previsto para o efeito no artigo 2.º, n.º 1, alínea), do RJAT, conforme já se demonstrou supra.

 

45.  Ao contrário do que pretende a Requerente na sua Resposta à excepção de intempestividade deduzida pela Requerida (cf. o seu n.º 20), a interpretação do disposto no artigo 2.º e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2,alínea b), ambos do RJAT, no sentido de que, para efeitos de prazo de reacção de 90 dias que se abre com o indeferimento da reclamação graciosa, o objecto do processo e a pretensão arbitral não podem ser, respectivamente, o acto tributário e o pedido de declaração da sua ilegalidade, não contraria qualquer disposição constitucional, designadamente as que garantem o princípio do acesso aos tribunais para a tutela de direitos (cf. artigos 20.º, n.º 1, e 268.º n.º 4) ou o princípio da protecção da confiança (artigo 2.º), nem tão-pouco o disposto no artigo 9.º do Código Civil. 

 

46.  Com efeito, o acesso ao direito não é ilimitado nem incondicional. Faz-se de acordo com as normas legais que o disciplinam. A Requerente tinha um meio adequado para garantir a sua pretensão – impugnar o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa -, mas não o fez. De modo algum, portanto, há lugar a qualquer violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República.

 

V – DECISÃO

 

47.  Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:

a)      Julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral;

b)      E, por consequência, julgar improcedente o pedido arbitral, dele se absolvendo a Requerida.   

 

Fixa-se o valor do processo em € 134.872,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável pro força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

O presente Acórdão foi redigido em conformidade com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, 5 de Maio de 2014.

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Jorge Lino Alves de Sousa)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Luís Máximo dos Santos)