Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 43/2020-T
Data da decisão: 2021-02-09  IVA  
Valor do pedido: € 65.161,82
Tema: Direito à dedução de IVA em caso de incumprimento de formalidades das faturas.
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SUMÁRIO:

1- Em faturas em que consta como designações dos serviços prestados “SERVIÇOS TECN. ADMIN. GESTÃO DE EMPRESAS”, “CONSULTADORIA ADMINISTRATIVA”, CONSULTADORIA DE GESTÃO EC. FINANCEIRA”, “CONSULTADORIA JURÍDICA”, “OUTOS SERVIÇOS DE GESTÃO”, “SERVIÇOS HIG. SEGUR. E SAÚDE NO TRABALHO”, afigura-se suficientemente cumprida exigência de indicação da “denominação usual” dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, uma vez que de cada designação, resulta o tipo de serviço ou consultoria em causa.

2- Constando de faturas, no que se refere à data em que os serviços foram prestados, a menção de que se referem a “serviços prestados ao adquirente até esta data” considera-se incumprido este requisito relativamente a estas faturas pois não é possível, no caso, face a esta esta indicação, saber a que data ou período temporal concreto a mesma se refere.

3- Relativamente à designação dos serviços como “SERVIÇOS EXTRAORDINÁRIOS”, de “SERVIÇOS ESPECIALIZADOS”, “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS” é manifesto que as faturas a que respeitam não indicam a denominação usual dos serviços a que respeitam, pois, que as expressões usadas, por demasiado genéricas, não dão a conhecer que tipo de serviço que foi prestado.

4-Relativamente à expressão “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS C. OBS CONF. AC. ÁREA ADM. COMER”, em si mesma, e pelas mesmas razões, também relativamente às faturas com tal descritivo, se considera ocorrer o incumprimento da obrigação de indicação da denominação usual dos serviços prestados, constante do art. 36º, nº 5, al. a), do CIVA uma vez que não dão a conhecer que tipo de serviço foi prestado.

5- No que respeita ao requisito da quantidade ou extensão dos serviços prestados é manifesto que nas faturas em causa, indicando-se tão somente a quantidade de “1”, quando do descritivo das faturas consta sempre a expressão “serviços”, não é dado cumprimento à formalidade em causa uma vez que, nestas circunstâncias, em que estão em causa serviços vários e não um único serviço, a  quantidade de “1”  aposta equivale a uma fórmula vazia, que nada esclarece quanto à quantificação ou à extensão dos serviços prestados.

7- A tese da Requerida de que as formalidades das faturas têm natureza ad substanciam para efeito do direito à dedução do IVA, é contrária à jurisprudência do TJUE e à atual jurisprudência nacional.

8- Tendo a Requerida, quer em sede de procedimento inspetivo, quer em sede de reclamação graciosa, assumido a irrelevância de eventuais elementos probatórios  complementares das faturas prestadas pelo sujeito passivo, com base no entendimento da natureza ad substanciam das formalidades das faturas, e tendo A Requerente feito a indicação exaustiva de tais elementos em sede de reclamação graciosa e efetuado a prova dos mesmos em sede arbitral, os atos tributários impugnados não se podem manter, quer à luz do erróneo entendimento em que se sustentam, quer à luz da demonstração dos requisitos substanciais do direito à dedução efetuada pela Requerente no presente processo.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

A..., Lda, contribuinte número..., com sede no Par¬que ..., ... (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante "IVA") 1/2018, no valor de 920€ (ID doc. 2019 ...); IVA 2/2018, no valor de 920€ (ID doc. 2019...); IVA 4/2018, no valor de 2.024,00€ (ID doc. 2019...); IVA 6/2018, no valor de 280,53€ (ID doc. 2019...); IVA 8/2018, no valor de 1.004,24€ (ID doc. 2019...); IVA 9/2018, no valor de 3.775,23€ (ID doc. 2019...); IVA 11/2018, no valor de 25.047,00€ (ID doc. 2019...); IVA 12/2018, no valor de 20.000,00€ (liq. ...); IVA 2/2019, no valor de 10.913,15€ (ID doc. 2019...) relativamente ao ano 2018, e ainda de juros compensatórios no valor de 277,67€, no valor total de €65.161,82 (sessenta e cinco mil cento e sessenta e um euros e oitenta e dois cêntimos) bem como do indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente àqueles actos.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 6.07.2020.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 6.07.2020.

 

A AT apresentou resposta a 24.09.2020, defendendo a improcedência do pedido arbitral.

 

Por despacho de 5.11.2020, foi convocada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 18.12.2020, tendo sido inquiridas as testemunhas indicadas pela Requerente e fixado prazo para alegações sucessivas, que as partes apresentaram.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

As questões a solucionar são as seguintes:

a)            Ilegalidade dos atos de liquidação objeto do processo.

b)           Direito da requerente à devolução do imposto e juros compensatórios pagos, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma sociedade do grupo B.../C... que comercializa produtos de perfis de alumínio da sociedade D..., SA, na região autónoma dos Açores e explora também outras representações associadas a essa atividade.

2.            Para além da Requerente fazem parte do grupo B...L/C... as sociedades  (i) D..., SA (doravante D...); (ii) E..., SGPS, SA (doravante E...); e (iii) F..., Lda (doravante F...).

3.            A D... (i) tem em ... a unidade fabril que produz os mais variados perfis de alumínio, que vende para sociedades do grupo e para entidades terceiras.

4.            A A... tem um armazém nos Açores onde vende os produtos do Grupo B.../C..., com uma estrutura de recursos humanos de 5 funcionários.

5.            A D... e a A... celebraram um contrato de prestação de serviços (doc. 4 do pedido de pronuncia arbitral):

a) Foi celebrado em 2006, e renovou-se anualmente, até aos dias de hoje (condição 4ª);

b) A D... presta à A...  os serviços discriminados no “objeto” do contrato, entre os quais, consultoria e desenvolvimento de produtos, marketing e área comercial e “quaisquer outros serviços que os anteriores venham a determinar, com vista à prossecução dos objetivos visados pelo presente contrato”;

c) O preço foi estabelecido da seguinte forma: (i) no primeiro ano, 50 mil euros; (ii) nos anos seguintes “a importância que para cada ano vier a ser acordada” (condição 2ª b).

6.            A E... e a A... celebraram um contrato de prestação de serviços (doc. n.º 5, do pedido de pronuncia arbitral):

a) Foi celebrado em 2004, e renovou-se anualmente, até aos dias de hoje (condição 4ª);

b) A E... presta à A... os serviços discriminados no “objeto” do contrato, entre os quais, a consultoria administrativa, de gestão (económica, financeira, comercial e nos stocks) e “quaisquer outros serviços técnicos enquadráveis no conceito de gestão e administração de empresas”;

c) O preço foi estabelecido da seguinte forma: (i) no primeiro ano, 50 mil euros; (ii) nos anos seguintes “a importância que para cada ano vier a ser acordada” (condição 2ª b).

7.            Em 2018, a D... prestou os seguintes dois tipos de serviços à A... (ao abrigo do referido contrato).

a) Serviços regulares, usuais e continuados, tipo “avença” mensal, no valor fixo de 400 euros mensais mais IVA (cuja fatura sai automaticamente), relativos aos serviços prestados pela D... à atividade da A..., no apoio administrativo e gestão de tesouraria.

b) Apoio à A..., quando esta lho solicitou, em vários domínios da gestão, mas sobretudo na parte comercial, apoio à produção e ao cliente, informática, contabilidade, atenta a realidade do negócio dos perfis e caixilhos de alumínio.

8.            Em 2018, a E... prestou dois tipos de serviços à A... (ao abrigo do contrato).

a) Serviços regulares, usuais e continuados, tipo “avença” mensal, no valor fixo de 4.000€ mensais mais IVA (cuja fatura sai automaticamente) – serviços técnicos de admi¬nistração e gestão, como permitido pela lei das SGPS (art. 4.º do Dec. Lei n.º 495/88, de 30/12): gestão de stocks, apoio jurídico, apoio fiscal, contabilístico e financeiro; acompanhamento da gestão do negócio.

b) Quota parte imputável à A... dos serviços extraordinários prestados pela empresa G... (www... ) para estudar, reestruturar e acompanhar todo o modelo de negócio do grupo, e de todas as sociedades que o compõem, nomeadamente a A...: a) criação de novas ferramentas e procedimentos de controlo de gestão (créditos, financeiros, negócios) e respetivo acompanhamento no dia-a-dia; b) reestruturação do modelo comercial, em busca de políticas para clientes com maior margem e menor incobrabilidade e respetivo acompanhamento; c) reestruturação do modelo financeiro e apoio à implementação e execução dessas políticas; d) apoio e controlo da gestão das empresas do grupo.

9.            Em 2018, a F... prestou serviços especializados à A..., no valor de 30 mil euros mais IVA, faturados no final do ano (22/12/2018) referentes ao trabalho de todo o ano, relativo ao controlo e gestão dos créditos sobre os clientes.

10.          Os funcionários da D..., da E... e da F... preenchem um time-sheet  com a descrição das horas e do trabalho que vão fazendo ao longo do ano, quando trabalham em benefício da A... .

11.          Esses funcionários entregam mensalmente esse reporte de horas à administração e seus superiores hierárquicos.

12.          As administrações das empresas (A... de um lado e D..., E... ou F... do outro) acertam o valor desses trabalhos perto do final do ano, por vezes por aproximação no último trimestre e depois em termos exatos no final do ano, numa lógica de estabelecer os preços de mercado pelos serviços prestados – quanto é que a A... teria de pagar, se recorresse a esses serviços no mercado.

13.          Dos elementos contabilístico-fiscais da A... referente ao exercício de 2018, constam os seguintes dados (doc. n.º 4, do pedido de pronuncia arbitral):

a) Lucro de 168 mil euros;

b) Vendas de 2,3 milhões de euros, contra 1,6 no ano anterior;

c) Inventários: 520 mil euros.

d) Créditos sobre clientes: 836 mil euros.

e) Os custos com o pessoal: 95 mil euros.

14.          Caso não fosse beneficiária de toda a organização e serviços do grupo, a Requerente teria de possuir uma estrutura de maior dimensão para efetuar a sua atividade nos moldes em que a realiza.

15.          A 25 de Fevereiro de 2019, a Requerente foi sujeita a um procedimento externo de inspecção tributária, relativamente ao ano de 2017, de âmbito parcial, que teve por objecto a verificação da situação tributária em sede de IVA, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de Ponta Delgada (SIT), com início a 25-02-2019.

16.          Na sequência da acção inspectiva realizada foram promovidas correcções meramente aritméticas, com base nos fundamentos constantes do relatório de inspeção (RIT) junto aos autos, que se considera integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte:

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

17.          É o seguinte o teor da fatura FT COM2018/952 emitida pela D... (doc. nº 5 junto com o PPA):

 

18.          É o seguinte o teor da fatura FT COM2018/5191 emitida pela D... (doc. nº 5 junto com o PPA):

 

19.          É o seguinte o teor da fatura nº FA 0/2018127, emitida pela E... (doc. 5) junto com o PPA:

 

20.          É o seguinte o teor da fatura nº FA 0/2018130, emitida pela E... (doc. 5 junto com o PPA):

 

21.          É o seguinte o teor da fatura nº FA5/50000136, emitida pela F... (doc. 5 junto com o PPA):

 

22.          Em 22 de Julho de 2019, a Requerente pagou as liquidações de IVA e juros (doc. n.º 2 junto com o PPA), no valor de €65.161,82.

23.          A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações ajuizadas na qual alegou, designadamente, o seguinte:

 

24.          A Reclamação Graciosa foi indeferida expressamente em 26 de Novembro de 2019, constando da proposta de decisão que foi objecto de despacho de concordância superior e integra a decisão, além do mais, o seguinte:

 

 Factos não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

2.2. Motivação da decisão da matéria de facto provada

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos aos autos, tendo sido selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e teve  em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas pela Requerente,

As testemunhas, apesar das suas relações profissionais com a Requerente ou outras empresas do grupo de que esta faz parte, aparentaram    depor com isenção e revelaram conhecimento direto dos factos sobre que prestaram depoimento.

H..., administradora da D..., revelou conhecimento dos serviços prestados por esta sociedade, bem como pelas empresas E... e F..., à A... .

I..., contabilista certificado da A..., e funcionário da D..., era o responsável pela contabilidade da Requerente e mostrou conhecimento  dos  vários serviços que eram prestados à A... bem como da forma  de contabilização das horas para apuramento do valor dos serviços.

J..., funcionário e encarregado da A..., residente nos Açores, explicou que a A... não poderia ter a  faturação que tem, apenas com 5 funcionários, sem o apoio dos serviços variados das empresas do grupo, C..., B... e K... . Deu alguns exemplos concretos, desde os serviços informáticos, à contabilidade, apoio aos orçamentos e customização de produto por cliente. Explicou que a A... não tinha essas capacidades e socorria-se dos serviços das empresas do grupo para os conseguir.

L..., colaborador da D..., explicou que os caixilhos de alumínio tiveram grande desenvolvimento nos últimos anos, na customização para clientes e em soluções melhores e mais desenvolvidas e que a D... segue esse padrão e apoiou a A... na orçamentação e conceção de caixilhos e no acompanhamento da sua execução. Explicou que fazia uma folha semanal das horas trabalhadas para a A... e enviava mensalmente para a administração.

A testemunha M... . Funcionário da D... no setor informático, explicou que trabalha e trabalhava para a A... na parte de apoio informático e que registava as horas trabalhadas numa folha excel que depois enviava mensalmente para a administração.

A testemunha N..., funcionário da E..., explicou que efetua o controlo de stocks de todas as empresas do grupo e também da A... e que isso é muito relevante para o negócio. Efetua por controlo informático e falando com funcionários da A... e desloca-se aos Açores sempre que necessário. Registas as horas trabalhadas para a A... numa folha excel que depois envia para a administração mensalmente. Como o faz para as demais empresas do grupo.

A testemunha O..., colaborador da G..., disse que foi prestado  serviço de consultadoria ao grupo C..., onde se inclui a A..., e que passou por controlo de gestão, melhorar a informação interna e promover centralização de serviços. Conhece os serviços prestados pelas empresas do grupo, já existiam antes do trabalho da G... e mantiveram-se e foi reforçada a sua importância para a boa gestão do grupo.

 

3. Matéria de direito – Argumentos das Partes

 

Alega a Requerente que as liquidações impugnadas são ilegais, pois todas as faturas foram passadas da forma legal, e cumprem os requisitos do art. 19.º e 35.º do CIVA.

Caso se considere que as faturas em causa (todas ou algumas) não foram passadas da forma legal, por incumprimento dos requisitos formais, então, ainda assim, os atos impugnados são ilegais, por prevalência do direito essencial à dedução do imposto, em confronto com erros formais e documentais (em violação do art. 19.º do CIVA) à luz do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão do proc. C-516/14, de 15/9/2016.

 

Por sua vez alega a Requerida que, com base no disposto no art.º 19º do CIVA, só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos que observem a forma legal, sendo que, conforme decorre do seu nº 6, para efeitos do exercício à dedução do IVA, consideram-se passados na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos no art.º 36.º do CIVA, mas que as faturas identificadas não cumprem os formalismos estabelecidos no n.º 5 do art.º 36º do CIVA no que respeita à  quantidade e denominação usual dos serviços prestados (alínea b) do n.º 5 do art.º 36º do CIVA) e à  indicação expressa da data em que os serviços foram realizados (alínea f) do n.º 5 do art.º 36º do CIVA).

Acrescenta a Requerida que o carácter formalista do IVA tem em vista, nomeadamente, evitar a evasão fiscal, assumindo as formalidades respeitantes às faturas uma natureza substantiva.

 

Vejamos.

 

3.1. Do cumprimento das formalidades previstas no artigo 36º, n 5, alíneas b) e f) do Código do IVA.

 

As faturas têm as menções constantes dos números 17 a 21 do probatório relativamente às faturas aí identificadas. Quanto às demais, na falta de prova, considerar-se-ão as menções apontadas no RIT, questão que perde relevância face ao que se dirá de seguida.

No RIT afirma-se, além do mais, que das faturas não consta a “quantidade” dos serviços prestados. Como do teor das faturas constantes dos nºs 17 a 21 do probatório, que não foram impugnadas pela Requerida, consta a quantidade de “1” interpreta-se a referida afirmação do RIT no sentido de considerar que as faturas contêm esta menção de “1” mas que a mesma não traduz a exigência de quantificação considerada exigível pela AT (por exemplo: indicação do número de horas ou outro tipo de mensuração da extensão dos serviços prestados).

 

Apreciemos então a argumentação avançada em primeira linha pela Requerente, no sentido de que todas as faturas cumprem os requisitos previstos no art. 36º, nº 5, do CIVA.

Relativamente às faturas emitidas pela E..., no valor de 4000 € cada das mesmas  consta  como designações  dos serviços prestados “SERVIÇOS TECN. ADMIN. GESTÃO DE EMPRESAS”, “CONSULTADORIA ADMINISTRATIVA”, CONSULTADORIA DE GESTÃO EC. FINANCEIRA”, “CONSULTADORIA JURÍDICA”, “OUTOS SERVIÇOS DE GESTÃO”, “SERVIÇOS HIG. SEGUR. E SAÚDE NO TRABALHO”, com a quantidade de “1” referente a cada um dos serviços, depreendendo-se do respetivo teor que o valor total de 4000 € se refere à globalidade dos serviços.

Afigura-se suficientemente cumprida exigência de indicação da “denominação usual” dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, uma vez que de cada designação indicada está indicado o tipo de serviço ou consultoria em causa, com liquidação de imposto à taxa máxima.

O mesmo já não se poderá dizer do requisito referente à data em que os serviços foram prestados, previsto na al. f), do nº 5, do art. 36º do CIVA, uma vez que  se refere, nas faturas referidas nos nºs 19 e 20 do probatório, relativamente  a este aspeto, que “Pelos serviços prestados ao adquirente até esta data” e  como decidiu o TJUE no caso Barlis “faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas (…) no n.° 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”

Na verdade sem se especificar a partir de que data foram prestados os serviços não é possível situar temporalmente os mesmos. Não é, pois, possível, no caso, face ao teor das faturas em causa, saber a que datas ou períodos temporais as mesmas se referem.

Assim, não pode deixar de considerar incumprido este requisito relativamente a estas faturas. O mesmo se dirá, relativamente às demais faturas com a mesma designação pois que, constando do RIT a afirmação de que as mesmas carecem de datação não produziu a Requerente qualquer prova de tal requisito à exceção da fatura que se acaba de analisar que, contudo, pelas razões apontadas, também não acata a exigência legal prevista no artigo 36º, nº 5, al. f) do Código do IVA.

Relativamente à designação dos serviços constantes das demais faturas a que se refere o  quadro 4 do RIT, “SERVIÇOS EXTRAORDINÁRIOS”, bem como a designação de “SERVIÇOS ESPECIALIZADOS” das faturas mencionadas no quadro 5, e ainda, da simples designação de “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS” do quadro 3, é manifesto que as faturas a que respeitam,  não indicam a denominação usual dos serviços a que respeitam. Na verdade, as expressões usadas, por demasiado genéricas, não dão a conhecer que tipo de serviço foi prestado.

Também relativamente à expressão “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS C. OBS CONF. AC. ÁREA ADM. COMER” constante das faturas do quadro 3 do RIT, em si mesma, e pelas mesmas não dão a conhecer que tipo de serviço foi prestado. Também relativamente a estas faturas se considera ocorrer o incumprimento da obrigação de indicação da denominal usual dos serviços prestados, constante do art. 36º, nº 5, al. a), do CIVA.

Quando à data em que os serviços foram realizados, são omissas a tal respeito as faturas nºs FTCOM 2018/952, FT COM2018/5191, emitidas pela D..., bem como a fatura nº FA5/50000316, emitida pela F..., incumprindo o requisito da al. F), do nº 5, do artigo 36º, do CIVA.

Também não cumpre a exigência de datação a fatura nº FO/2018130 emitida pela “E...” ao referir apenas “pelos serviços prestados até à presente data” pela razões supra expostas relativamente à fatura nº FA 0/2018127.

 

No que se refere ao cumprimento do elemento “quantidade ” dos serviços prestados (art. 36º, nº 5, al. b)) há que referir que, como se refere na decisão arbitral proferida no processo  411/2014-T,  “enquanto que a norma comunitária refere que os bens envolvidos na transacção facturada deverão ser mencionados, para além da sua natureza, pela sua quantidade, e que os serviços deverão ser mencionados pela sua extensão, a norma nacional dispõe que quer uns quer outros (bens e serviços) deverão ser mencionados pela sua denominação usual e quantidade.

Esta distinção, contudo, deverá considerar-se suficiente para que se conclua que, pelo menos, o conceito de quantidade empregue pela norma da al. b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA não poderá assumir o mesmo sentido quando estejam em causa bens e quando estejam em causa serviços.

De facto, enquanto os primeiros, pela sua natureza material, serão sempre, por definição, directamente mensuráveis, os serviços nem sempre o serão. Daí que a DIVA tenha utilizado termos diferentes no que diz respeito a um e a outro objecto das transacções sujeitas a IVA.”

No caso concreto, mesmo interpretando o conceito de quantidade da lei nacional à luz da norma comunitária é manifesto que nas faturas em causa, indicando-se tão somente a quantidade de “1”, quando do descritivo das faturas consta sempre a expressão “serviços”, não é dado cumprimento à formalidade em causa. Na verdade, nestas circunstâncias, em que estão em causa serviços vários e não um único serviço, a quantidade de “1” aposta equivale a uma fórmula vazia, que nada esclarece quanto à quantificação ou à extensão dos serviços prestados.

 

Assim, nos termos expostos, não pode deixar de se concluir que as faturas em causa não dão cumprimento às formalidade referidas previstas no nº 5, do art. 36º, do Código do IVA.

 

3.2.        Da Ilegalidade das liquidações por violação da prevalência do direito essencial à dedução do imposto, em confronto com erros formais e documentais.

 

Em segunda linha, invoca ainda a impugnante que os atos impugnados são ilegais, por violação da prevalência do direito essencial à dedução do imposto, em confronto com erros formais e documentais (em violação do art. 19.º do CIVA) à luz do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão do proc. C-516/14, de 15/9/2016.

 

Vejamos.

 

No ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 15 de setembro de 2016, proferido no proc. C 516/14 (Acórdão Barlis) , pode ler-se, além do mais, o seguinte:

 

“36      Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar as consequências de uma violação do artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112 no exercício do direito a dedução do IVA.

37      Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida).

38      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

39      O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

40      No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

41      No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C 280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).

42      O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C 385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C 280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).

43      Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

44      A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.

45      No processo principal, cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta todas as informações constantes das faturas em causa e dos documentos anexos apresentados pela Barlis com vista a verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.

46      Neste contexto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Evita K, C 78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C 184/05, EU:C:2007:550, n.° 35).

47      Em segundo lugar, importa precisar que os Estados Membros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados Membros têm a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objetivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).

48      Nomeadamente, o direito da União não impede os Estados Membros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

49      Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.”

 

 Por outro lado, na decisão arbitral proferida no processo n.º: 3/2014-T, de 6 de Dezembro de 2016 , refere-se além, do mais o seguinte:

 

“As medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adoptar para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, ao abrigo do artigo 273.º da Directiva IVA, encontram-se condicionadas ao teste da proporcionalidade e, por essa razão, não podem ir além do que é necessário para atingir tais objectivos, nem pôr em causa a neutralidade do IVA, sem prejuízo de os Estados-Membros aplicarem uma multa ou sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infracção a fim de punir a violação das exigências formais.”

 

Pode, ainda, ler-se na decisão arbitral proferida no processo n.º: 765/2016-T que:

 “(…) [O]entendimento , que considera que a factura é uma formalidade ad substanciam do direito à dedução do IVA, deve considerar-se actualmente ultrapassada, face ao que tem sido a jurisprudência do TJUE na matéria, que entende “que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.” 

(…).

Ou seja, (…), a consequência das faturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos.

A referida consequência apenas será legítima, portanto, se a AT não dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de não lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA (…).”

 

A tese de que as formalidades das faturas têm natureza ad substanciam para efeito do direito à dedução do IVA, tem vindo a ser abandonada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

Como se pode ler no acórdão do STA de 02-12-2020, proferido no processo 01383/11.2BELRS 01022/17:

 

“o IVA repousa sobre o princípio da neutralidade – e para a sua efectividade é essencial a verificação dos requisitos substanciais do direito à dedução – mas a boa gestão e o controlo requerem o cumprimento de diversas obrigações formais – entre as quais se inclui a de emissão de factura com os dados expressamente determinados na lei. Porém, os primeiros (os requisitos substanciais) prevalecem sobre os segundos, o que significa que a Administração está impedida de rejeitar o direito à dedução do imposto sempre que os dados objectivos permitam determinar com segurança que ele existe, não obstante alguns aspectos formais não terem sido devidamente observados. É isso que resulta, expressamente, do disposto nos seguintes arestos do TJUE: «Ora, a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v., neste sentido, acórdão de 15 de Setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.° 38 e jurisprudência referida)» - in §§ 40 do já referido acórdão Geissel.” 

 

Em sintonia com este entendimento, estão os acórdãos do TCA-Sul de 21-05-2020, processo 439/09.6BESNT, de 25-06-2020, processo 309/13.3BELRA e de 19-11-2020, processo 208/04.0BESNT.

 

Ora, a  Requerida na ação inspetiva alicerçando-se na tese da natureza “ad substanciam” tomou a seguinte posição que expôs, desde logo, em sede de projeto de relatório:

 

“(…) a exigência do acatamento integral do formalismo legalmente imposto no que toca à emissão das faturas constitui um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução (…) irrelevando (…) que os serviços e/ou bens nela evidenciados tenham sido, efetivamente, prestados ou fornecidos, o que é o mesmo que dizer que, não há que indagar (…) se os bens ou serviços nelas mencionados, têm, ou não, aderência à realidade.

E as eventuais declarações escritas, ou alegada prova testemunhal, com a discriminação dos trabalhos/serviços correspondentes a cada um dos documentos (com a eventual destrinças por horas, dias, duração, local das prestações de serviço, quantidade, preço unitário, etc.) que possam agora ser juntas aos presentes autos pelo contribuinte, não podem ser aceites para a validação formal dos respetivos documentos”

 

Parte das faturas emitidas pela D..., bem como parte das faturas emitidas pela E..., estão diretamente ligadas à execução de contratos de prestação de serviços, onde foi fixado um valor fixo a pagar pela Requerente pela prestação dos serviços contratualmente previstos, nos termos dos números 6 e 7 do probatórios.

Estas faturas devem, pois, à luz da jurisprudência do TJUE, ser conjugadas com os contratos de prestação de serviços que lhe servem de base. A esta luz inexistem dúvidas de que os requisitos substanciais do direito à dedução se encontram preenchidos.

 

No que respeita às demais faturas, em sede de reclamação graciosa, a Requerente discriminou detalhadamente os serviços em causa, indicando, designadamente,  o tipo de trabalho em causa, as horas gastas, os trabalhadores que executaram os serviços em causa,  bem como os serviços extraordinários faturados  pela E..., referentes aos serviços desenvolvidos pela G... .

Porém, a posição da Requerida manteve-se, com fundamentação idêntica.

Na verdade, pode ler-se, na decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa:

 

“Tratando-se de documentos que não respeitam integralmente o artigo 36º nºs 5 e 13 do CIVA, não se pode considerar que estejam passadas “em forma legal” e, consequentemente, não permitem a dedução do respetivo IVA de harmonia com o artigo 19º nº 2 do CIVA, independentemente da prova que se faça da realidade das operações subjacentes”

 

Ora, este entendimento conflitua com a jurisprudência do TJUE e com a atual jurisprudência nacional.

Por outro lado, a Requerente no presente processo produziu a prova dos factos atinentes à discriminação dos serviços de acordo com o que havia indicado em sede de reclamação graciosa sendo que, a relevância de tais factos foi expressamente recusada pela Requerida, quer em sede de procedimento inspetivo, quer em sede de  reclamação graciosa.

Assim sendo, à luz do entendimento da jurisprudência do TJUE, a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

Ou seja, e desde logo, ao contrário do que se entendeu no RIT, a consequência das facturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.º do CIVA não é não serem suporte válido para a dedução de imposto, sendo o TJUE taxativo no sentido de que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a factura não preencher os requisitos.

Tendo em conta o quanto se expôs, relativamente ao  IVA titulado pelos documentos a que se reportam as correcções propostas no RIT, considera-se que as deficiências formais detectadas pela AT não são, em concreto, idóneas a, de per si, afastarem o direito da Requerente à dedução do imposto nelas mencionado, uma vez que, conforme resulta do próprio RIT, a AT dispõe de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, em termos de lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido e da existência do direito a dedução do IVA.

Deste modo, e sem prejuízo das eventuais sanções que possam caber ao caso, pela violação dos normativos que regem o formalismo das facturas, está a AT na posse da informação necessária a assegurar o controle da verificação dos requisitos substanciais do direito à dedução da Requerente, não lhe sendo lícito, por isso, afastar tal direito com fundamento nas referidas deficiências formais.

Assim, os atos tributários impugnados não se podem manter, não podendo deixar de ser anulados, quer à luz do erróneo entendimento em que se sustentam, quer à luz da demonstração dos requisitos substanciais do direito à dedução efetuada pela Requerente no presente processo.

 

DIREITO À RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

 A Requerente pede, ainda, que seja ordenada a restituição do imposto indevidamente pago, no montante de €65.161,82. €, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e do art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

A Requerente pagou o valor da liquidação em 22 de Julho de 2019, como resulta do nº 22 do probatório.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao determinar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.”

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, determina o art. 99º, nº 2 do Código do IVA que “No caso de pagamento do imposto em montante superior ao legalmente devido resultante de erro imputável aos serviços, são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da lei geral tributária, a liquidar e pagar nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário”

 

E nos termos do art. 43ºda LGT:

“1-São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(…)”

 

Acompanha-se-se o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso sub judice, não sendo o erro que deu origem à liquidação imputável ao Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

4. Decisão

 

Termos em que se julga procedente o pedido de pronuncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação impugnados, devendo a Requerida dar cumprimento ao artigo 24º do RJAT, designadamente restituindo à Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), condenando-se ainda  a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida e ter dado causa ao presente processo.

 

 Valor do Processo

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €65.161,82.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida no montante de 2 448.00 €, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este último.

 

Lisboa, 9 de fevereiro de 2021,

 

Árbitro Presidente

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

Árbitro Vogal

(Magda Feliciano)

 

Árbitro Vogal

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990).