Sumário:
A simples omissão do número de identificação fiscal do adquirente dos serviços ou do fornecimento dos bens nos documentos comprovativos das despesas, quando dissociada de quaisquer outros elementos que permitam concluir que as despesas documentadas não se relacionam com as obras de valorização do prédio alienado ou não respeitam a esse prédio, não é suficiente para desconsiderar esses encargos para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, nos termos do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ... nº..., ..., Esquerdo, em ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação de IRS nº 2018..., referente ao ano de 2017, onde se apurou um rendimento global de € 336.600,94, e, bem assim, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzido.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Na declaração de rendimentos de IRS referente ao exercício de 2017, o Requerente mencionou no quadro 4 do Anexo G a alienação onerosa de um prédio urbano, pelo preço de € 1.340.000,00, correspondente à fracção A do imóvel anteriormente adquirido sito na rua ..., nºs ... a ..., em Lisboa, e que depois foi reabilitado e dividido em duas fracções (A e B).
Na declaração indicou o valor de aquisição e o montante das despesas e encargos incorridos para a execução das obras de reabilitação.
A Autoridade Tributária instaurou um procedimento de divergências por não ter aceite algumas das despesas e encargos “por falta do número de identificação fiscal” e, noutros casos, “por falta de identificação do local nas facturas”.
Na sequência, o requerente entregou a declaração de rendimentos de IRS de substituição, em cujo anexo G declarou os valores de despesas e encargos aceites pela Autoridade Tributária, mencionando que o valor de aquisição do prédio foi de € 271.000,00 a que acrescem despesas e encargos no valor de € 282.124,14.
Em consequência, foi emitida a liquidação de IRS que apurou um rendimento global de € 336.600,94.
Discordando do entendimento adoptado pela Autoridade Tributária, o Requerente entregou um requerimento endereçado ao serviço local de finanças, onde solicita a reapreciação do valor das despesas e encargos a considerar para efeitos de cálculo das mais-valias, o qual foi oficiosamente convolado em reclamação graciosa e que veio depois a ser indeferida.
O Requerente realizou despesas no prédio no valor total de € 684.750,00, sendo que as despesas incorridas na reabilitação da fracção A ascendem a € 653.258,64, que correspondem às despesas já aceites pela Autoridade Tributária (€ 282.124,14), e que constam da declaração de substituição, a que acrescem despesas no valor € 371.134,50, que igualmente deviam ter sido aceites.
Em concreto, a Autoridade Tributária entende que as facturas não podem ser aceites como documentos comprovativos das despesas por não se encontrar inscrito o número de contribuinte do Requerente e não cumprirem os requisitos legais previstos no artigo 36.º, n.º 5, do CIVA.
Sucede que no ordenamento fiscal vigente não existe norma remissiva que permita aplicar uma regra do Código de IVA, para efeitos de cálculo do rendimento global sujeito a IRS, e a remissão que é efectuada no artigo 32º do Código do IRS é feita para o Código do IRC.
Sendo unicamente de reconhecer que os documentos comprovativos das despesas devem conter a menção das características fundamentais da operação ou seja, indicação dos sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção.
Havendo de concluir-se que o acto tributário de liquidação é ilegal por errónea qualificação dos factos tributários.
A Autoridade Tributária contestou por excepção, invocando a intempestividade do pedido, porquanto o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa no dia 29/04/2020 e à data da apresentação do pedido já haviam decorrido 91 dias, excedendo o prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e ainda a ilegitimidade activa, na medida em que, respeitando a questão controvertida à legalidade do acto de liquidação de IRS referente à declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente e o cônjuge, verifica-se uma situação de litisconsórcio necessário, pelo que o pedido arbitral teria ser proposto por ambos os interessados.
Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária refere que para determinação das mais-valias, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, relevam os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados, sendo que o Requerente não fez prova de que a totalidade das despesas que declarou foram efectivamente realizadas no imóvel alienado, correspondente à fracção A do prédio sito na Rua ....
Para esse efeito, torna-se necessário conhecer o local a que se referem as despesas, mediante a correta identificação do adquirente dos bens ou serviços. Por outro lado, as declarações emitidas pela empresa encarregada de realizar as obras são meros escritos particulares, cujo subscritor não se mostra devidamente identificado, ficando por provar a sua autenticidade, nem delas resulta que o local corresponda à fracção alienada.
A fatura nº 47, no valor de 16.768,22€, de 06/06/2011, diz respeito unicamente à fração B, que já havia sido alienada em 2011, e que não está aqui em causa, enquanto que as faturas nº 163, 164 e 173, de valor total de 140.690,00€, são omissas quanto ao local onde foram efetuados os trabalhos.
Acresce que a totalidade das facturas não correspondem às obras realizadas na fracção A, devendo em parte, ser imputadas aos pisos 2.º e 3.º.
Não basta, por conseguinte, a simples apresentação de documentos, tornando-se necessário que as facturas identifiquem o contribuinte e o local onde foram fornecidos os bens ou prestados os serviços, de modo a estabelecer uma efectiva correlação entre o imóvel a que se destina a despesa.
Conclui no sentido da procedência das excepções dilatórias e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. Por requerimento apresentado em 16 de Novembro de 2020, B..., casada com A..., ora Requerente, requereu a intervenção principal no processo, ao abrigo do disposto no artigo 313.º do CPC, concordando integralmente com o teor do pedido de pronúncia arbitral e prescindindo de apresentar articulado próprio.
No seguimento do processo, o Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo que foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 29/04/2020, pelo que o prazo para a apresentação do pedido arbitral se iniciou no dia imediato, conforme previsto no artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, pelo que o pedido, tendo dado entrada em 29/07/2020, foi tempestivamente apresentado. Além de que o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral esteve suspenso desde 9/03/2020 a 3/06/2020, por efeito do disposto no artigo 7.º, n.º 6, alínea c), e n.º 7 da Lei 1-A/2020 de 19 de Março), razão pela qual só a partir desta última data se iniciou a contagem do prazo.
Quanto à questão da ilegitimidade passiva, o Requerente refere que, nos termos do artigo 34.º do CPC, o litisconsórcio necessário apenas se verifica se da acção resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos os cônjuges possam ser alienados, sendo que, no caso, uma eventual improcedência do pedido apenas poderá originar o pagamento de uma quantia pecuniária a título de liquidação de IRS que não configura a perda ou a oneração de bens. Acresce que o cônjuge do Requerente apresentou um pedido de intervenção principal, em 13-11- 2020, mediante a adesão aos articulados do autor, sendo a intervenção admissível a todo o tempo, nos termos do disposto no artigo 313.º do CPC.
Conclui no sentido da improcedência das excepções invocadas.
Por requerimento apresentado em 16 de Novembro de 2020, B... veio requerer a intervenção provocada como associada da Requerente, dizendo prescindir de apresentação de articulado próprio.
Por despacho arbitral de 9 de Dezembro de 2020, foi admitida a intervenção provocada, relegou-se para final a apreciação das excepções suscitadas, e, não havendo novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, determinou-se a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15 de Outubro de 2020.
Cabe apreciar e decidir.
Saneamento
4. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A Autoridade Tributária suscitou a excepção da intempestividade do pedido arbitral, alegando que, tendo ocorrido a notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 29 de Abril de 2020, a apresentação do pedido em 3 de Julho seguinte foi extemporânea por ter excedido o prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
O Requerente, em resposta à matéria de excepção, contrapõe que, tendo sido notificado em 29 de Abril de 2020, o prazo só se inicia do dia seguinte, em aplicação do disposto no artigo 279.º, alínea b), do Código Civil, que consigna que “na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”.
Ainda assim, contando-se o prazo para a apresentação do pedido arbitral a partir do dia imediato àquele em que se concretizou a notificação e sendo esse prazo de 90 dias, como prevê o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o pedido arbitral apenas deu entrada quando decorriam 91 dias.
Importa ter presente, em todo o caso, que, segundo o disposto no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT, “as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências”. Uma das menções que devem constar obrigatoriamente da notificação é, por conseguinte, o prazo de que o notificando dispõe para impugnar o acto seja através da via procedimental, seja no plano jurisdicional.
No caso, a notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi efectuada nos seguintes termos:
Fica por este meio notificado de que no procedimento supra identificado, em 24-04-2020 foi proferido despacho de indeferimento, pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças, ao abrigo de subdelegação de competências.
Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 68.º do CPPT ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do artigo 97.º e do artigo 102.º, ambos do CPPT.
A contagem dos prazos referidos inicia-se no dia útil seguinte àquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.
Nos termos do artigo 77.º da LGT, em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada.
A notificação menciona o prazo de três meses, reportando-se à impugnação judicial perante o tribunal tributário, mas é omissa quanto à possibilidade legalmente prevista de impugnação perante o tribunal arbitral, para que a lei fixa um prazo de 90 dias, induzindo assim em erro o interessado.
E não pode ignorar-se o princípio geral de direito que decorre do artigo 157.º, n.º 6, do CPC, segundo o qual “os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”. Um afloramento desse mesmo princípio resulta ainda do artigo 191.º, n.º 3, do CPC, aplicável às citações, no qual se consigna que “se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares”.
Impondo a lei, nos sobreditos termos, que as notificações de actos em matéria tributária que afectem direitos ou interesses legítimos dos contribuintes, devem conter a indicação dos meios de defesa e o correspondente prazo de reacção, a omissão do prazo aplicável para a constituição do tribunal arbitral e a menção de um prazo único de três meses podem ter gerado no interessado a errónea convicção de que o prazo de impugnação seria sempre de três meses, independentemente do meio de reacção que pretendesse accionar.
Nesta circunstância, e em ordem aos princípios da protecção da confiança e da boa fé, o prazo a considerar terá de ser de três meses por ser esse o indicado na notificação.
Dispondo o artigo 279.º, alínea c), do Código Civil que “o prazo fixado em semanas, meses ou anos, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data”, é tempestivo o pedido arbitral apresentado em 29 de Julho de 2020 quando a notificação ocorreu 29 de Abril desse ano.
A Autoridade Tributária invoca ainda a ilegitimidade activa, por considerar que, respeitando a questão controvertida à liquidação de IRS resultante da declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente e o cônjuge, verifica-se uma situação de litisconsórcio necessário, tornando-se exigível a intervenção de ambos os interessados, nos termos do disposto no artigo 34.º do CPC.
No entanto, por requerimento apresentado em 16 de Novembro de 2020, o cônjuge do Requerente veio solicitar a intervenção principal no processo, aderindo ao articulado por este apresentado, a qual foi admitida por despacho arbitral de 9 de Dezembro seguinte.
E, desse modo, independentemente de quaisquer outras considerações, encontra-se sanada, por intervenção dos litisconsortes, o motivo de ilegitimidade que eventualmente resultasse da existência de litisconsórcio necessário.
II - Fundamentação
Matéria de facto
5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) Em 11-05-2018, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos de IRS referente ao exercício de 2017, fazendo constar do quadro 4 do Anexo G a alienação de um prédio urbano, sito em Lisboa, pelo preço de € 1.340.000,00, o respectivo valor de aquisição e o montante das despesas e encargos incorridos para a execução de obras de reabilitação;
B) O prédio vendido correspondia à fracção A de um imóvel, anteriormente adquirido pelo Requerente, sito na Rua ..., n.ºs ... a ..., em Lisboa, que, depois de reabilitado, foi dividido em duas fracções (A e B), através de escritura de constituição de propriedade horizontal, correspondendo à fracção A uma permilagem de 542/1000;
C) A Autoridade Tributária instaurou um procedimento de divergências relativamente aos valores inscritos no Anexo G, cujo relatório foi notificado ao Requerente por ofício datado de 08/10/2018, tendo por base a desconsideração de despesas e encargos, para efeitos de cálculo da mais-valia imobiliária, por “falta do número de identificação fiscal”, no montante global de € 686.15, e por “falta de identificação do local nas facturas”, no montante global de € 30.979,89, conforme do documento n.º 1 anexo ao pedido que aqui se dá como reproduzido;
D) No mesmo documento, a Autoridade Tributária mencionou como valor de aquisição da fracção A o montante de € 271.000,00, correspondente à permilagem de 542/1000 relativamente ao valor de aquisição da totalidade do prédio, no montante de € 500.000,00, e aceitou despesas, relativamente à mesma fracção, no montante global de € 282.124,14;
E) Em 09/10/2018, o Requerente entregou uma declaração de rendimentos de IRS de substituição, em que inscreveu o valor de aquisição de € 271.000,00 e despesas e encargos de € 282.124,14;
F) Na sequência, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRS nº 2018..., referente ao ano de 2017, na qual apurou um rendimento global de € 336.600,94;
G) Em 30/10/2018, o Requerente apresentou no serviço local de finanças um requerimento - que constitui o documento n.º 4 junto ao pedido e que aqui se dá como reproduzido - em que solicita a reapreciação dos valores das despesas e encargos a considerar para efeitos de cálculo das mais valias a que se refere a antecedente alínea C);
H) O requerimento foi oficiosamente convolado em reclamação graciosa, em aplicação do disposto no artigo 52º do CPPT;
I) Através de ofício datado de 10/02/2020, o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia, no âmbito do processo de reclamação graciosa, em relação a informação dos serviços que propõe o indeferimento do pedido;
J) Por ofício datado de 20/04/2020 e recebido em 29 de Abril seguinte, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa;
L) O Requerente discorda do entendimento da Autoridade Tributária no que respeita a despesas e encargos, no valor total de € 684.750,00, que foram desconsideradas pela Autoridade Tributária por falta de indicação do número de contribuinte do adquirente dos serviços, suportadas pelas facturas que em seguida se enumeram:
Factura Valor Acumulado
Data Número Valor
28-10-2009 F184 15.000,00 15.000,00
20-11-2009 F197 25.000,00 40.000,00
27-01-2010 F5 52.500,00 92.500,00
31-03-2010 F32 26.250,00 118.750,00
22-04-2010 F41 26.250,00 145.000,00
18-05-2010 F56 60.000,00 205.000,00
07-06-2010 F62 47.250,00 252.250,00
07-06-2010 F63 54.000,00 306.250,00
30-06-2010 F69 26.250,00 332.500,00
30-06-2010 F70 30.000,00 362.500,00
10-09-2010 F104 26.620,00 389.120,00
03-11-2010 F137 10.000,00 399.120,00
08-11-2010 F139 5.000,00 404.120,00
30-11-2010 F154 26.620,00 430.740,00
30-11-2010 F155 23.320,00 454.060,00
14-12-2010 F163 26.620,00 480.680,00
14-12-2010 F164 23.320,00 504.000,00
30-12-2010 F173 90.750,00 594.750,00
06-06-2011 F47 16.768,22 611.518,22
02-08-2011 F64 73.231,78 684.750,00
M) A entidade prestadora dos serviços, C..., Lda., emitiu recibos correspondentes a cada uma das facturas mencionadas na alínea antecedente.
N) O sócio gerente da empresa C..., Lda. emitiu uma declaração, datada de 7 de Setembro de 2018, na qual se consigna que as faturas discriminadas na antecedente alínea L) foram emitidas a favor de A..., contribuinte n.º..., com o domicilio fiscal na Rua ..., n.º ..., ... -...-... Lisboa, e referem-se a obras de reabilitação e fornecimento de materiais realizados no prédio sito na Rua ..., ...-..., Lisboa.
O) As facturas mencionadas na alínea L) identificam o adquirente dos serviços como sendo A..., com residência na Rua ..., n.º..., ... - ...-... Lisboa, mas não indicam o respectivo número de contribuinte.
P) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que se refere a alínea J) assenta numa informação dos serviços que, na parte relevante, refere o seguinte:
III — Análise e Parecer
Analisadas as informações prestadas na audição prévia e os elementos apresentados, há a referir o seguinte:
1) O reclamante junta o recibo no 76 da C..., Lda (cf. alineas a) e e) do ponto 1.2 acima), que não constava no processo (os restantes documentos dessa empresa agora apresentados já constavam, conforme indicado no mapa-resumo). O valor total das faturas sem recibo indicado no mapa-resumo vem, assim, reduzido no valor desse recibo, € 101.250,00.
2) São também juntos os extratos bancários mencionados acima na alínea b) do ponto 1.2. Mesmo considerando que estes extratos relativos ao reclamante (assinalados pagamentos) e os extratos relativos ao empreiteiro (cf. al. e) do ponto 1.2; assinalados recebimentos) cobrem períodos só em parte coincidentes, tentou-se verificar uma correspondência entre os pagamentos numa conta, os recebimentos na outra e os recibos da C... de que foi junta cópia ou os que constam na listagem de faturas e recibos dessa empresa, mas não é aparente essa correspondência. A única correspondência detetada é do pagamento de € 50.000,00 no extrato do D... em 16-11-2010 e no recebimento pelo empreiteiro no mesmo valor no extracto do E... em 17-11-2010. No entanto, conforme referido abaixo na alínea 6, o recebimento pelo empreiteiro é anterior à data da emissão das faturas a que alegadamente se refere, e que só aproximadamente somam aquele valor.
3) Quanto ao facto de apresentar duplicados da maior parte das faturas e dos recibos (cf. mapa-resumo elaborado para efeitos do projeto de decisão), informa que os originais foram destruídos em Trípoli, onde se encontrava em 2010 e 2011, e de onde teve que fugir por se ter iniciado a guerra na Líbia. Consultado o Registo de Contribuintes, o reclamante consta como residente na Líbia entre 09-09-2010 e 08-07-2011 (cf. prints). Quanto à presença dos documentos em Trípoli, é apenas de referir que os mesmos estão endereçados a uma morada em Lisboa, que é ainda a morada atual do reclamante.
4) No ponto IV.2 do projeto de decisão foram, por nosso lapso, trocadas as permilagens. das frações: a permilagem da fração A é 542/1000 e a da fração B é 458/1000 (constam no Sistema Informático da AT, na informação da matriz predial).
5) Quanto à alegada destruição dos registos informáticos da contabilidade da C..., Lda foi junta cópia de uma declaração dessa empresa listando as faturas e recibos emitidos para o ora reclamante (já constava no processo e é de novo junta no anexo "Va01. Nessa declaração é feita menção à destruição dos registos informáticos.
6) Em relação ao referido na alínea anterior, o reclamante junta agora extratos bancários, mencionados acima na alínea e) do ponto 1.2, com a seguinte informação: consegui que o Empreiteiro obtivesse junto do banco E... os extratos onde constam os fluxos de dinheiro provindos das facturas (às vezes cruza, mas com desfasamento, pois as faturas podiam ser com pagamento fraccionado).
Analisados os extratos, verifica-se que os movimentos assinalados pelo reclamante referem depósitos, em cheque ou "múltiplos". O único movimento com o nome do reclamante, uma transferência no montante de € 50.000,00 datada de 17-11-2010, não corresponde ao valor de qualquer recibo ou soma de recibos; o valor dos recibos nos 139 e 140 assinalados no extrato, somam um valor apenas aproximado, mas a data da transferência é anterior à data de emissão das faturas a que se referem esses recibos.
7) Junta o recibo n.o 332 da F..., mencionado acima na alínea c) do ponto 1.2 (não fazia parte do processo), referindo que o recibo contém o número de identificação fiscal do cliente, ao contrário da fatura.
8) Conforme retificação feita na reclamação, foi, por lapso, indicada no mapa-resumo anexo ao projeto de decisão a data 07-08-2010 da fatura n.o 62 da C..., quando a data que consta fatura é 07-06-2010 (igual à da fatura n.o 63).
9) Na referência "Linha 25" da audição prévia, relativa à fatura no A2257 da G..., não se compreende a afirmação de que foi pago mais de € 76.000,00 e que os recibos estão conforme a lei exige, visto que a referida fatura é de € 3.170, 16 e não há recibo, conforme reconhecido pelo reclamante.
Conclusão
Dado que as informações e documentos apresentados na audição prévia não são de molde a alterar a decisão no projecto de decisão, e dado que se mantêm válidos os fundamentos constantes do projecto de decisão, no sentido do indeferimento, propõe-se que o mesmo seja convolado em definitivo.
Q) O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado ao interessado nos seguintes termos:
Fica por este meio notificado de que no procedimento supra identificado, em 24-04-2020 foi proferido despacho de indeferimento, pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças, ao abrigo de subdelegação de competências.
Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 68.º do CPPT ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do artigo 97.º e do artigo 102.º, ambos do CPPT.
A contagem dos prazos referidos inicia-se no dia útil seguinte àquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.
Nos termos do artigo 77.º da LGT, em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada.
R) O pedido arbitral foi apresentado em 29 de Julho de 2020.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
Delimitação do objecto do processo
6. Preliminarmente, interessa começar por delimitar o objecto do litígio.
Como resulta da matéria de facto dada como assente, o Requerente submeteu a declaração de rendimentos de IRS referente ao exercício de 2017, fazendo constar do Anexo G a alienação de um prédio urbano. A Autoridade Tributária suscitou divergências relativamente aos valores inscritos, desconsiderando certas despesas e encargos por “falta do número de identificação fiscal”, e outras por “falta de identificação do local nas facturas”, e fixou como valor de aquisição o montante de € 271.000,00 e como despesas aceites o montante global de € 282.124,14.
Na sequência, o Requerente entregou uma declaração de rendimentos de IRS de substituição, em que inscreveu, a título de valor de aquisição e despesas e encargos, os montantes indicados pela Administração, o que originou a emissão de liquidação de IRS nº 2018..., que constitui o acto tributário impugnado no presente pedido arbitral.
Posteriormente à entrega da declaração de rendimentos de substituição, o Requerente apresentou um requerimento no serviço local de finanças em que solicitou a reapreciação dos valores das despesas e encargos não aceites constantes do procedimento de divergências.
O requerimento foi convolado oficiosamente em reclamação graciosa, em aplicação do disposto no artigo 52º do CPPT. O Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia, no âmbito do processo de reclamação graciosa, em relação a informação dos serviços que propunha o indeferimento do pedido e, analisadas as informações prestadas e os elementos apresentados no exercício do direito de audição, foi exarado despacho de indeferimento.
No pedido arbitral, o Requerente apenas discute a desconsideração de despesas e encargos, no valor total de € 684.750,00, por falta de indicação nas respectivas facturas do número de contribuinte do adquirente dos serviços. E sendo embora certo que o interessado formulou perante os serviços, ainda numa fase procedimental, um pedido de reapreciação dos valores de despesas e encargos, que foi convolado em reclamação graciosa e que veio a ser indeferida, o objecto do processo não deixa de ser o acto tributário de liquidação de imposto.
Com efeito, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, na arbitragem tributária, é definido por referência à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte ou pagamento por conta ou à declaração de legalidade de actos de fixação da matéria tributável que não dê origem a liquidação (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT). Pelo que, tendo sido deduzido um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, o objecto do processo é esse próprio acto tributário (neste sentido, o acórdão do STA de 18 de Maio de 2011, Processo n.º 0156/11, e, na doutrina, cfr. SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol II, Coimbra, 2017, pág. 434).
A reclamação graciosa precedentemente deduzida, nos termos do artigo 70.º do CPPT, constituindo uma garantia procedimental do contribuinte, corresponde a um procedimento de segundo grau, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial. E nesse sentido, o efeito útil e relevante do indeferimento da reclamação graciosa traduz-se na manutenção na ordem jurídica do acto tributário de liquidação.
Acresce que, no caso, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa limitou-se a confirmar o acto de liquidação, mantendo o valor das despesas que havia sido fixado no procedimento de divergências, e desconsiderando as informações e documentos que foram apresentados em audiência prévia que se entendeu não serem de molde a alterar o acto tributário precedente.
E os considerandos complementares formulados na informação dos serviços que serviu de base à decisão de indeferimento constituem fundamentação a posteriori a que o tribunal não tem de atender.
Sendo assim, o que se impõe discutir é o acto de liquidação na parte em que desconsiderou um conjunto de facturas por falta de indicação do número de contribuinte, por ser nesses termos que o Requerente delimitou o pedido, não sendo possível analisar os argumentos adicionais invocados pela Autoridade Tributária na sua resposta, como os que constam dos artigos 35.º e seguintes, que não se relacionam com essa questão, nem a desconsideração de despesas “por falta de identificação do local nas facturas”, com que o Requerente se conformou.
Questão de fundo
7. A questão central em debate reconduz-se a saber se a omissão nas facturas da indicação do número de contribuinte do adquirente dos serviços ou do fornecimento dos bens implica desconsideração das despesas para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária decorrente da alienação de prédio urbano.
Prima facie, as normas relevantes são as dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), e 51.º do Código do IRS. A primeira estipula, na parte que mais interessa considerar, que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”. A segunda, sob a epígrafe de “Despesas e encargos”, prescreve, na sua alínea a), que para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem “os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”.
No caso, estão em causa encargos suportados com a valorização dos bens, que, segundo o entendimento corrente, não se restringem às valorizações materiais ou físicas dos bens, mas abrangem também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente (cfr. acórdão do STA de 21 de Março de 2012, Processo n.º 0587/11).
Importa ainda reter que o artigo 32.º do Código do IRS, para efeito da determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, e com excepções que não são aplicáveis ao caso, manda aplicar as regras estabelecidas no Código do IRC.
Exigindo a citado artigo 51.º do Código do IRS que os encargos a considerar para o apuramento de mais-valias são os comprovadamente realizados, é de admitir que seja aplicável, por efeito da norma remissiva, os requisitos de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais em IRC, e, em especial o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC.
Aí se diz que os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito” (n.º 3). E no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; c) quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) valor da contraprestação, designadamente o preço; e) data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados”.
Tratando-se, no caso, de aquisição de bens ou serviços, a documentação exigível seria a constante do n.º 4, que, na redacção resultante da reforma de IRC de 2014, consagrou o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência no sentido de considerar como bastantes, para a dedutibilidade do gasto, os elementos que identifiquem a operação realizada (sujeitos, objecto, data e preço). E que afasta, por conseguinte, os requisitos mais exigentes do artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA quanto às formalidades das facturas para efeito do direito de dedução do imposto (cfr. GUSTAVO LOPES COURINHA, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 2019, Coimbra, págs. 105-106).
Este último preceito transpõe para o direito interno o artigo 226.º da Directiva 2006/112/CE, e relaciona-se directamente com o que consta do artigo 168.º da mesma Directiva quanto aos requisitos materiais do direito à dedução, em que se explicita que, sendo os bens e serviços utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir o IVA devido ou pago em relação aos bens que lhe tenham sido entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido prestados por outro sujeito passivo.
As especiais exigências quanto ao conteúdo das facturas em sede de IVA encontram-se assim justificadas pelo facto de o documento funcionar como um título de crédito que permite deduzir ao IVA a entregar ao Estado o imposto incorrido a montante, compreendendo-se que esse mesmo grau de exigência se não verifique em relação aos documentos comprovativos dos gastos a deduzir para a determinação do lucro tributável, caso em que bastarão os elementos que identifiquem os principais características da operação (cfr. GUSTAVO LOPES COURINHA, ob. cit., pág. 105).
Ainda assim, a jurisprudência do TJUE produzida em desenvolvimento dos princípios decorrentes dos artigos 168.º e 226.º da Directiva IVA, em especial o acórdão Barlis (Processo n.º C-516/14), tem observado que o “princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais”. Por conseguinte, “quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito” (§ 42).
A esse respeito, como também é afirmado, a “Administração Fiscal não deve limitar se ao exame da própria factura”, mas deve igualmente ter em conta “informações complementares prestadas pelo sujeito passivo”, constatação essa que é confirmada pelo artigo 219.o da Diretiva 2006/112 “que equipara a factura qualquer documento ou mensagem que altere a factura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca” (§ 44).
Esses mesmos critérios têm sido seguidos em diversos outros arestos, nomeadamente nos acórdãos tirados nos Processos n.ºs C-95/07 e C-96/07 (§§ 64, 66 e 67), no Processo n.º C-368/09 (§§ 39, 40 e 41) e no Processo n.º C-271/12 (§28).
Em resumo, conforme conclui SÉRGIO VASQUES, podemos dizer que o TJUE tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução do IVA e a função que nisso cabe às facturas. O tribunal admite que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos Estados-membros, e na limitada medida em que a Directiva IVA permite a sua introdução. E o tribunal admite mesmo que a substância das operações prevaleça sobre os vícios das facturas relativos a elementos tipificados na Directiva IVA, posto que não se crie com isso risco de fraude.
7. Revertendo à situação do caso, constata-se que as facturas emitidas pela empresa C..., Lda., discriminadas na alínea L) da matéria de facto, embora omitam o número de identificação fiscal, identificam o adquirente dos serviços ou do fornecimento dos bens pelo seu nome e morada, mencionam a data do documento e o valor liquidado, bem como designação genérica dos serviços prestados ou os bens fornecidos por referência à obra da Rua ... . Os documentos são igualmente acompanhados dos recibos e o sócio gerente da empresa emitiu uma declaração em que consigna que as faturas foram emitidas a favor de A..., contribuinte n.º..., com o domicilio fiscal na Rua ..., n.º..., ... -...-... Lisboa, e referem-se a obras de reabilitação e fornecimento de materiais realizados no prédio sito na Rua ..., ...-..., Lisboa.
E cabe recordar que o relatório elaborado pela Autoridade Tributária no âmbito do procedimento de divergências e que originou o acto de liquidação impugnado, limita-se a mencionar, no que se respeita às referidas facturas, que as despesas não são consideradas “por falta de identificação do número de identificação fiscal”.
Neste contexto, a simples omissão do número de identificação fiscal do adquirente nos documentos comprovativos das despesas, dissociada de quaisquer outros elementos que permitam concluir que as despesas documentadas não se relacionam com as obras de valorização do prédio alienado ou não respeitam a esse prédio, não é suficiente para desconsiderar esses encargos para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária.
E essa é a ilação que se impõe retirar em decorrência do princípio da justiça, a que a Administração Tributária se encontra igualmente vinculada (artigo 58.º da LGT), já que não parece razoável que os encargos sejam desconsiderados com base na mera omissão de um elemento identificativo que devia constar da factura - assim se agravando a situação fiscal do contribuinte -, quando os serviços não apontam quaisquer outras razões que permitam pôr em causa a genuinidade dos documentos, nem realizaram quaisquer diligências complementares em benefício da verdade material que permitissem adequar a tributação à efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo.
Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação de IRS nº 2018..., referente ao ano de 2017, aqui impugnado, e, consequentemente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzido.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 92.783,63, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Nina Aguiar
O Árbitro vogal
Rita Guerra Alves