Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 259/2013-T
Data da decisão: 2014-06-12  Selo  
Valor do pedido: € 17.553,50
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Terreno para construção
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Processo Arbitral n.º 259/2013-T                    

Requerente: A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”)

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

       O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 22 de Janeiro de 2014, acorda no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A A, com o número de identificação fiscal …, representada pelo seu Cabeça de Casal, Sr. B, doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo datado de 07 de Novembro de 2012, referente ao ano 2012, no valor total de € 17.553,50, com base no disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, a qual veio a aditar a verba 28 à Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (“TGIS”), acto tributário de 1.º grau subjacente ao documento de cobrança junto com o pedido de pronúncia arbitral (prestação única), e, bem assim, do indeferimento (tácito) do Recurso Hierárquico (acto tributário de 2.º grau) visando a anulação do mesmo acto de liquidação. 

Adicionalmente a Requerente peticiona o pagamento de uma indemnização no valor de € 878,23, devida pelos prejuízos resultantes da prestação indevida de uma garantia tendente à suspensão de um processo de execução fiscal instaurado pela AT.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:

 

a)    Erro nos pressupostos, em virtude de:

 

i)          Não se encontrarem reunidas as condições de tributação previstas na verba 28.1 da TGIS, pois a liquidação diz respeito a um terreno para construção e não a prédios edificados;

ii)        Terá de concluir-se, sempre e em qualquer circunstância, que terreno para construção e prédio habitacional são de espécie absolutamente distinta;

iii)      Os prédios habitacionais correspondem aos edifícios ou construções, o mesmo é dizer-se que tenham uma efectiva utilização (o que pressupõe a sua existência física) habitacional;

iv)      Em sede de interpretação da norma, também o elemento histórico é claro em evidenciar que o que está em causa são as “casas” de luxo e não os terrenos de construção;

v)        Não está na discricionariedade da Administração Tributária “preencher” em matéria de incidência objectiva a categoria de prédio, em violação clara dos princípios da capacidade contributiva, praticabilidade e igualdade;

vi)      É manifestamente abusivo e ilegal considerar que do objecto da norma em análise faz parte os terrenos para construção, pelo que sempre terá de ser declarar a anulabilidade, por ilegal, do acto de liquidação em causa nos autos;

vii)    Ocorre uma clara e inequívoca violação dos princípios que conformam o regime fiscal, nomeadamente o da capacidade tributária, praticabilidade e igualdade, com a consequente violação do princípio constitucional da proporcionalidade;

viii)  Ocorre uma duplicação de colecta pois, para o mesmo período, foram exigidas duas liquidações respeitantes à verba 28.1 da TGIS, reportada a dois factos tributários, ambos em 2012, o primeiro em 31 de Outubro e o segundo em 31 de Dezembro.

 

 

b)   Quanto à falta de fundamentação:

 

i)          Peticiona pela anulação do acto de liquidação, porquanto a notificação para pagamento do Imposto do Selo não contém a indicação de elementos essenciais, designadamente sobre a fundamentação do acto de liquidação correspondente, verificando-se ausência de fundamentação legal.

 

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu no sentido de que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, pugnando pela inexistência de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, e concluindo pela manutenção do acto de liquidação e improcedência do pedido.

 

1.5. Em 31 de Março de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT. Não foram identificadas excepções, prescindiu-se da produção de prova testemunhal e da apresentação de alegações, tendo sido fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

 

2.    QUESTÃO A DECIDIR

 

       Discute-se nos presentes autos a questão (estritamente) jurídica de saber se um terreno para construção pode ser qualificado como “prédio com afectação habitacional” e, em caso afirmativo, enquadrável no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo artigo 4.° da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A)   A Requerente, representada pelo seu Cabeça de Casal, corresponde à herança ilíquida indivisa aberta por óbito de Ccf. Documento n.º 1 apresentado pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral;

 

B)   A Requerente é proprietária de um prédio urbano correspondente a um terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana no artigo ..., da freguesia de ..., com o valor patrimonial de € 3.510.700,00 (três milhões quinhentos e dez mil e setecentos euros) – cf. a correspondente caderneta predial urbana junta como Documento n.º 3 ao pedido de pronúncia arbitral.

 

C)   O identificado prédio urbano, classificado como um terreno para construção, não têm qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo e, à data dos factos (2012), o respectivo valor patrimonial tributário era superior a € 1.000.000,00, cifrando-se, mais concretamente, em:

 

Identificação do prédio

Valor Patrimonial (€)

...  U-0...

3.510.700,00

cf. o correspondente acto de liquidação e a caderneta predial urbana junta ao pedido de pronúncia arbitral como Documentos n.ºs 4 e 3, respectivamente.

                         

D)   A Autoridade Tributária e Aduaneira, considerando o Valor Patrimonial Tributário atribuído ao terreno para construção supra identificado, entendeu estarem verificados os pressupostos objectivos para a liquidação do Imposto do Selo, decorrentes do aditamento à TGIS da verba n.º 28 previsto na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro – Vide, neste sentido, artigo 30.º e 39.º da sua resposta.

 

E)   Neste âmbito, em Novembro de 2012, a Requerente foi notificada do documento para pagamento de Imposto do Selo seguidamente elencado, relativos à prestação única do imposto do ano 2012, com menção da data de liquidação – “2012-11-07” – e data limite de pagamento em 20 de Dezembro de 2012, nos termos do quadro seguinte:

 


Identificação do prédio

Verba da TGIS

Valor Patrimonial (€)

Taxa (%)

Colecta (€)

Identificação do documento

Valor a pagar

...  U-0...

28.1

3.510.700,00

0,50

17.553,50

2012

€ 17.553,50

 

 

 

 

 

Total

€ 17.553,50

cf. documento de notificação para pagamento junto como Documento n.º 4 ao pedido de pronúncia arbitral.

 

F) A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto liquidado e em 27 de Dezembro de 2012 manifestou, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 169º do CPPT, a sua intenção de reclamar contra tal acto de liquidação e, bem assim, o seu propósito de prestar garantia por via da constituição de hipoteca sobre a fracção designada pelas letras “BF”, inscrita na matriz predial urbana no artigo …, da freguesia de ..., com o Valor patrimonial tributário fixado de € 68 710,00 – Cf. Documento n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral.

G) Tal garantia foi oferecida pela Requerente e aceite pela Requerida – Cf. Documentos n.º 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

H) A Requerente apresentou, em 06 de Março de 2013, Reclamação Graciosa contra o acto de liquidação em crise nos autos - cf. Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo junto pela AT.

I) Em 02 de Abril de 2013 foi a Requerente notificada da intenção da AT de indeferir a Reclamação – cf. documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo junto pela AT e convidada a exercer o direito de audição relativamente ao projecto de decisão notificado, o que foi feito pela Requerente – cf. Documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo junto pela AT.

J) Em 05 de Junho de 2013 foi a Requerente notificada da decisão final de indeferimento daquela Reclamação – cf. Documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral e processo administrativo junto pela AT.

K) A Requerente optou por interpor Recurso Hierárquico, dirigido ao Sr. Ministro das Finanças, o que fez no dia 27 de Junho de 2013 – Cf. Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

L) A AT não se pronunciou no prazo legalmente fixado de 60 dias, previsto no n.º 5 do artigo 66.º do CPPT – tendo-se formado, no dia 26 de Agosto de 2013, a presunção do indeferimento tácito do mesmo – n.º 5 do artigo 57º da LGT.

 

M) No dia 19 de Novembro de 2013, a Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

N) A Requerente junta como Documento n.º 13 ao pedido de pronúncia arbitral uma factura/recibo que diz corresponder aos custos havidos com a constituição e registo da hipoteca tendente à suspensão do processo de execução fiscal n.º ....

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

       Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

 

6.    DO DIREITO

 

6.1.      Vícios formais – Falta de fundamentação

 

       A Requerente invoca como causa de invalidade do acto de liquidação na origem do documento para pagamento de Imposto do Selo, mencionado no ponto E da matéria de facto, a circunstância de a notificação deste documento não conter a indicação de elementos essenciais, como seja a respectiva fundamentação legal.

 

       É irrefutável que os actos de liquidação de impostos configuram actos impositivos que afectam os direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, razão pela qual apenas produzem efeitos na sua esfera quando lhes sejam validamente notificados (cf. artigo 36.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT” – e artigo 77.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária – “LGT”). Constitui, neste âmbito, requisito de validade das notificações que o seu conteúdo compreenda “a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado” (cf. artigo 36.º, n.º 1 do CPPT).

 

       A Lei Geral Tributária também consagra o dever de fundamentação dos actos tributários[1], mesmo que realizado de forma sumária “por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”. A fundamentação terá de conter “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (cf. artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, em concretização do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa – “CRP”).

 

       No caso concreto, face aos parâmetros acabados de enunciar, o documento para pagamento de Imposto do Selo enviado à Requerente contém efectivamente lacunas relevantes, pois, em matéria de fundamentação, limita-se a fazer menção “a liquidação efectuada observa o disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55A/2012, de 29 de Outubro”, tendo de reconhecer-se a insuficiência dos elementos constantes da notificação e exteriorizados pela AT.

      

       Porém, o vício de fundamentação invocado não se confunde com o dever de comunicação dos fundamentos. Ao passo que a falta de fundamentação constitui um vício susceptível de determinar a anulação do acto que dela padeça, o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos, ou seja, a invalidade da notificação, não se podem reflectir na validade do acto comunicando.

 

       Perante uma notificação insuficiente, como sucede neste caso, cabia à Requerente fazer uso do mecanismo previsto no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT, segundo o qual: “pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”. Completando o n.º 2 do mesmo artigo que “Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida”.

 

       As eventuais deficiências que a notificação apresente apenas atingem a eficácia do acto notificando e não a sua perfeição ou validade, pois, como claramente resulta do artigo 132.º do CPA e do n.º 6 do artigo 77.º da LGT, a comunicação do acto constitutivo de deveres e encargos é apenas uma condição da sua eficácia. 

 

       Na verdade, sem detrimento do juízo de censura que tal actuação omissiva da AT mereça [e em nosso entender merece[2]], não tendo a Requerente solicitado a passagem de certidão relativa aos elementos (essenciais) omitidos na notificação, designadamente o acto de liquidação em questão e os fundamentos “mais detalhados”[3] dos mesmos, nem sequer ficou a saber se efectivamente esses elementos inexistem, pois apenas pode ter por seguro que os mesmos não lhe foram comunicados.

 

       Eventuais problemas existentes quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos actos tributários e dos seus fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando – cf. Acórdão do STA, de 15 de Fevereiro de 2012, processo n.º 872/11. No mesmo sentido, à luz do Código de Procedimento Tributário (“CPT”) que nesta matéria continha idêntico regime ao do CPPT, vejam-se os Acórdãos do STA, de 6 de Outubro de 2005, processo n.º 221/05, e de 24 de Abril de 2002, processo n.º 26636.

 

       Aliás, quer na Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico apresentados, quer na própria petição arbitral, a Requerente demonstrou um perfeito conhecimento da questão de mérito em causa nestes autos, argumentando exaustivamente na defesa da sua posição.

 

       À face do que antecede não procede o alegado vício formal invocado pela Requerente de falta de fundamentação.

 

6.2.      Do erro nos pressupostos: âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS

 

       A liquidação que constitui o objecto desta acção arbitral tem a sua origem no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i) da mesma Lei (regime transitório), tendo como pressuposto essencial estar-se perante imóveis que sejam enquadráveis no conceito de “prédios com afectação habitacional”.

 

 

       Uma vez que na situação sob escrutínio o imóvel em causa é exclusivamente um terreno para construção, desprovido de qualquer edificação, importa determinar o sentido da expressão “prédios com afectação habitacional” de modo a concluir se abrange, ou não, os terrenos para construção.

 

       A matéria em análise foi já objecto de extensa jurisprudência arbitral tributária. Referimo-nos designadamente, sem preocupações de exaustividade, às decisões proferidas nos processos seguintes: 42/2013-T, de 18-10-2013; 48/2013-T, de 09-10-2013; 49/2013-T, de 18-09-2013; 53/2013-T, de 02-10-2013; 75/2013-T, de 01-11-2013; 144/2013-T, de 12-12-2013 e 158/2013-T, de 10-02-2014.

 

       Tendo os Tribunais Judiciais igualmente se pronunciado sobre esta mesma questão. Referimo-nos às recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) nos processos seguintes: 048/14, de 09-04-2014 e 0270/14, de 23-04-2014.

 

       Quer a jurisprudência arbitral citada, como a jurisprudência judicial citada, que acompanhamos, considera que os terrenos para construção estão fora do âmbito da previsão da verba 28.1 da TGIS, na redacção em vigor à data dos factos, nos termos que seguidamente se explicitam, começando por se analisar o contexto legislativo no qual ocorreu o aditamento da verba 28 à TGIS. 

 

A.   Contexto da aprovação da verba 28.1 da TGIS e respectivo regime

 

       Na discussão no Parlamento da Proposta de Lei n.º 96/XII (2.ª), que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, que aditou a verba 28 à TGIS, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou que:

 

     “(...) Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional (...).

     Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais.

     Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013” (realçado nosso) – cf. Diário da Assembleia da República, I série, n.º 9/XXII-2, de 11 de Outubro de 2012, pp. 31-32.

 

        Quer as casas, quer os prédios urbanos habitacionais aqui referidos não se reconduzem a terrenos para construção. Nota-se que os prédios urbanos habitacionais são um dos conceitos classificatórios constantes do artigo 6.º do Código do IMI claramente distinto dos terrenos para construção. Com efeito, dispõe o citado n.º 1 do artigo 6.º que:

 

       “1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a)      Habitacionais;

b)      Comerciais, industriais ou para serviços;

c)      Terrenos para construção;

d)     Outros.” (realçado nosso)

 

       Assim, prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção são, para efeitos de IMI (cuja aplicabilidade, por remissão, ao Imposto do Selo é, como adiante se verá, de convocar), duas categorias distintas, com classificações e definições legais próprias constantes do mencionado artigo 6.º do Código do IMI[4].

 

       À face do exposto e como salienta a decisão arbitral no processo n.º 75/2013-T, de 1 de Novembro de 2013, afigura-se claro que “no espírito da Proposta da Lei que originou a Lei n.º 55-A/2012 não estava a tributação dos terrenos para construção, não existindo, por outro lado, qualquer evidência em sentido diferente proveniente dos Deputados que aprovaram a lei”.

 

       Fixado o contexto, cabe referir que o regime em causa veio a ser aprovado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e, de entre várias alterações que promoveu ao Código do Imposto do Selo, aditou a verba 28 à TGIS, com a seguinte redacção:

 

     “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

     28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

     28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %”. (realçado nosso)

 

       O artigo 6.º da mencionada Lei n.º 55-A/2012 estabeleceu, a título de “Disposições transitórias”, um conjunto de regras relativas à liquidação do imposto previsto na verba 28 da  TGIS[5], esclarecendo o artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo introduzido pela referida Lei que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.

 

B.   O conceito de “prédio com afectação habitacional

 

       Importa, assim, interpretar o disposto na verba 28.1 da TGIS e determinar o seu sentido e alcance, atenta a ausência de uma definição legal do conceito de prédio com afectação habitacional (noção fundamental ao recorte da incidência objectiva), seja no próprio Código do Imposto do Selo seja em qualquer outro diploma, incluindo o Código do IMI aplicável por remissão. 

 

       Com efeito, como salientado no Acórdão Arbitral relativo ao processo n.º 53/2013-T, de 2 de Outubro de 2013, o conceito de “prédio com afectação habitacional” não é empregue pela demais legislação tributária, em particular, no que ao caso releva, no Código do Imposto do Selo e no Código do IMI, este último, de aplicação subsidiária no âmbito da verba 28 da TGIS, conforme previsto nos artigos 2.º, n.º 4; 3.º, n.º 3, alínea u); 5.º, alínea u); 23.º, n.º 7; 46.º, n.º 5 e 67.º, n.º 2, todos do Código do Imposto do Selo.

 

       No mesmo sentido, refere a decisão Arbitral no processo n.º 144/2013-T, de 12 de Dezembro de 2013, que este conceito usado pela verba 28.1 (de prédio com afectação habitacional) “não só não surge definido em qualquer disposição do Código do Imposto do Selo, como tão-pouco é usado no Código do IMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.”

 

       As normas fiscais devem ser interpretadas como quaisquer outras, estando ultrapassada a concepção de que lhes assistiria o carácter excepcional que outrora lhes foi assinalado.

 

      

       De notar a este respeito que o artigo 9.º do Código Civil marca a prevalência do espírito sobre a letra da lei, embora tenha colocado expressamente a letra como limite à busca do sentido[6]. O artigo 9.º do Código Civil representa a emanação de um princípio geral hermenêutico, assistindo-lhe, por essa razão, validade intrínseca. Dispõe este preceito que:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

       A LGT, no seu artigo 11.º, veio, no campo específico das leis tributárias, consagrar um conjunto de regras de interpretação nos seguintes moldes:

 

 1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

 

       Afigura-se que o texto da LGT nada acrescenta, remetendo para as regras e princípios gerais, para além de incorporar princípios distintos de difícil compatibilização. 

 

       Como se viu acima, o Código do IMI utiliza (no seu artigo 6.º, n.º 1) a noção de prédios urbanos habitacionais, que consagra como uma categoria autónoma e distinta da dos terrenos para construção, mas não prevê o conceito de “prédio com afectação habitacional”, cuja interpretação agora se impõe.

 

       Neste ponto, recorremos, de novo, à jurisprudência arbitral e ao Acórdão proferido no processo n.º 53/2013-T, acima referenciado, que aqui se sufraga e de que se transcreve o seguinte excerto:

 

  “3.2.5. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como reportando-se aos prédios habitacionais

 

  O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

 

  A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com [a] de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

 

  Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.

 

  No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

3.2.6. Conceito de «prédio com afectação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»

 

  A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso»1.

 

  «Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento»2.

 

  A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

 

  A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional. (…)

 

  Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

  À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido.

 

  À face do teor literal da verba n.º 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção de algumas Requerentes que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não tem utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba n.º 28.1 se reporta a prédios cuja afectação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

 

  Mas, isto não basta para esclarecer a situação daqueles terrenos para construção que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino determinado, designadamente, na licença de loteamento (…).

 

  Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.

 

  Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.

 

  Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional.

 

  Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

 

  Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

 

  Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante4.

 

  De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.

 

  No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.

 

  A correcção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efectivamente afectos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis perceptível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afectação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos5.

 

  Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afectação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afectação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afectos à actividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica.

 

  Tendo em mente esta situação e sendo consabido e público que a reanimação da actividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a actividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afecta a competitividade em termos internacionais.

 

  Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas6.”

 

       Neste âmbito, pelas razões acabadas de expor, não pode proceder o entendimento preconizado pela AT de que a noção de afectação (habitacional) de um prédio urbano se deve ir buscar ao regime de avaliação dos imóveis constante do artigo 45.º do Código do IMI (que tem em consideração o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do mesmo Código).

 

       De facto, como bem refere a decisão do processo arbitral n.º 144/2013-T, “Se o sentido primacial de “afectação”, como deixámos dito, sugere um destino efectivo, directo, dado a um determinado bem, não vemos como possa este entendimento ser infirmado pela constatação de que o legislador, no âmbito da avaliação de terrenos para construção, autoriza (a admitir que autoriza) o uso do coeficiente de afectação, tendo em vista o que nele pode vir a ser construído.

 

       C. O caso Sub Judice

 

       De acordo com a matéria de facto, que resulta consensual, o imóvel subjacente à liquidação de Imposto do Selo efectuada, aqui impugnada, consubstancia um terreno para construção, desprovido de qualquer edificação.

 

       Tomando como correcto e válido (como tomamos) o entendimento segundo o qual a verba 28.1 da TGIS postula a necessidade de uma efectiva afectação habitacional de um prédio urbano e não meramente potencial, um terreno para construção não pode considerar-se incluído naquela verba, pois não permite, pela sua própria natureza, ter uma afectação habitacional efectiva e actual.

 

            Assim, na situação vertente não estamos perante um prédio com afectação habitacional actual, pelo que não pode incidir sobre o mesmo o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, padecendo a liquidação controvertida de erro nos pressupostos, consubstanciado na violação da referida verba 28.1, devendo a mesma ser anulada (cf. artigo 135.º do CPA, de aplicação subsidiária ex vi artigos 2.º alínea d) do CPPT e 29.º, n.º 1, alíneas a) e d) do RJAT). 

 

       No que se refere aos alegados vícios de duplicação de colecta e de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, invocados pela Requerente, o conhecimento de tais questões encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo vertente, por vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.

 

       Como refere o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em anotação ao artigo 95.º desse diploma, p. 483 (aplicável por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT) “Se o tribunal julgou procedente o pedido principal, fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adoptada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspectos da causa que com ela se correlacionem.”

 

       Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputado ao acto de liquidação.

 

 

6.3       Indemnização pela prestação de garantia indevida

 

       A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, ao abrigo do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT, pelo valor dos custos incorridos com a constituição e registo de uma hipoteca voluntária tendente à suspensão do processo de execução fiscal n.º ...cf. Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

       Tendo deduzido a quantia de € 100, correspondente aos honorários pela outorga da procuração feita nesse acto por uma das herdeiras.

 

       Na sua resposta, a AT nada disse sobre este pedido da Requerente.

 

       Vejamos

       O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

“Artigo 53º

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”.

 

       Deste normativo legal resulta, para o que aqui releva, que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n.º 1 do artigo supra citado (pois, in casu, o erro é imputável à AT), depende da verificação, dos seguintes pressupostos:

       a) a prestação da garantia bancária ou equivalente (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objecto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada);

       b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia e;

       c) o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços.

 

       Por seu turno, o artigo 171.º do CPPT vem dispor:

“1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”.

 

       Embora não seja totalmente claro para este Tribunal se o documento oferecido pela Requerente – cf. Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral - se refere, efectivamente, a despesas incorridas com a prestação de uma hipoteca voluntária tendente à suspensão do processo de execução fiscal acima mencionado, o certo é que a Requerida em momento algum contesta este facto.

 

       A garantia prestada pela Requerente para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da liquidação em crise nos autos assumiu a forma de uma hipoteca voluntária.

 

       Ora, resulta da letra do artigo 53.º da LGT e do artigo 171.º do CPPT que as garantias que podem gerar um direito indemnizatório ao abrigo desses preceitos são apenas a garantia bancária e as garantias equivalentes e não toda e qualquer garantia que seja idónea para suspender a execução fiscal.

 

       Uma garantia equivalente à garantia bancária será aquela que implica para o interessado uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida (neste sentido, vide Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011, página 242).

 

       Uma hipoteca voluntária, que apenas tem custos de constituição inicial, não se afigura como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do disposto no artigo 171.º do CPPT e no artigo 53.º da LGT.

 

       Neste mesmo sentido, que se acompanha, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 528/12, de 24-10-2012, onde se considerou que este tipo de garantia não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária.

 

       Face ao exposto, concluí-se que a Requerente não tem direito à indemnização prevista no artigo 171.º do CPPT e artigo 53.º da LGT, sem prejuízo de, atento o princípio constitucional da responsabilidade da Administração constante do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), poder sempre recorrer aos meios indemnizatórios gerais para ser ressarcida desse encargo.

 

       Termos em que improcede, nesta parte, o pedido da Requerente.

 

 

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

            - Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo em causa nos autos, e a consequente anulação do indeferimento (tácito) do Recurso Hierárquico apresentado, com as legais consequências.

- Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida nos termos peticionados.

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 17.553,50, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 1.224,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Notifique-se.

 

            Lisboa, 12 de Junho de 2014

 

 

 

O Árbitro,

 

 

                                               Dr. Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com versos em branco e revisto.

 

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 



[1] Dever este a que se encontram sujeitos, em geral, todos os actos administrativos impositivos de deveres e encargos, nos termos previstos nos artigos 124.º e 125.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).

[2] E que é de alguma forma “sancionada” com a ineficácia do acto notificando, de molde a não prejudicar ou comprometer os direitos de defesa do sujeito passivo que, a qualquer momento, pode requerer a certidão dos elementos omitidos ao abrigo do direito à informação que lhe assiste.

[3] Importa não esquecer que existe uma fundamentação mínima ou sumária, pois a notificação para pagamento contém a referência, ainda que indirecta, à verba 28.1 da TGIS.

[4] Os n.ºs 2 a 4 do artigo 6.º do Código do IMI definem os conceitos em apreço:

“2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

  3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território,

estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

[5] Dispõe o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012:

1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”

[6] Veja-se Oliveira Ascensão, Interpretação de leis. Integração de lacunas. Aplicação do princípio da analogia”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57 – III, Lisboa, Dezembro 1997, pp. 913-941.