SUMÁRIO:
I- A norma do artigo 45.º, n.º 3 do Código de IRC, na redacção vigente em 2010, não pode ser entendida como abrangendo as perdas por imparidade relativas a partes de capital constituídas ao abrigo de normas obrigatórias emanadas pelo Banco de Portugal, caso em que a vontade do sujeito passivo não releva, e nenhuma razão subsiste para a penalização desses gastos para efeitos fiscais.
II- O facto tributário relevante para efeitos da tributação autónoma instituída pelo artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril ocorre no momento em que o gasto ou encargo é reconhecido contabilisticamente, influenciando o cômputo da matéria tributável, independentemente do momento do pagamento e/ou do seu reconhecimento para efeitos fiscais.
III- Na determinação do lucro tributável, o valor da tributação autónoma não é, em si mesmo, tido como custo fiscal para efeitos de determinação de lucro tributável, não sendo tido, para efeitos fiscais, como gasto suportado pela empresa, indispensável à realização dos proveitos ou à manutenção da sua fonte produtora.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 15 de Novembro de 2019, BANCO A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Porto, na qualidade de incorporante da sociedade Banco D..., S.A., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2013..., da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013... e da demonstração de acerto de contas n.º 2013..., referentes ao ano de 2010, no valor de €169.393,73, assim como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2013... que teve como objecto a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa que apreciou os referidos actos de liquidação.
2. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, o seguinte:
i. a restrição à dedutibilidade das variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital que decorre do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, não é aplicável às perdas por imparidade para títulos e participações financeiras em virtude de, por um lado, não ser esse o objectivo daquele preceito e, por outro lado, pelo facto de o n.º 2 do artigo 35.º e o artigo 37.º do Código do IRC instituírem um regime especial de dedutibilidade de gastos para as instituições financeiras;
ii. as remunerações registadas nas contas contabilísticas, correspondendo a meras estimativas das remunerações variáveis a atribuir ao abrigo do Programa de Remuneração Variável em Acções vigente no Grupo C..., não se podem considerar “apuradas” no ano de 2010, para efeitos da aplicação do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
3. No dia 18-11-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 09-01-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-02-2020.
7. No dia 16-03-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- O Requerente é uma instituição de crédito do Grupo C..., que exerce a actividade bancária em Portugal, incluindo todas as obrigações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidas por lei, dispondo de uma oferta completa de serviços e produtos financeiros para clientes empresariais, institucionais e particulares.
2- Em 31-07-2019, o Requerente incorporou por fusão, o Banco D..., S.A., pessoa colectiva n.º..., transferindo os activos e passivos afectos às actividades de banca comercial.
3- O Requerente encontra-se, e encontrava-se no ano de 2010, registado para o exercício da actividade bancária, estando sujeito ao regime geral de tributação em sede de IRC.
4- O Requerente é detentor de uma carteira de títulos qualificados como “Activos financeiros disponíveis para venda” e registados na conta “18 – Activos financeiros disponíveis para venda”.
5- O Requerente procedeu, no exercício de 2010, ao reforço de uma imparidade para depreciação de títulos e participações financeiras, no montante de €134.700,00, referente a partes de capital.
6- Na determinação do lucro tributável, o Requerente considerou dedutível a totalidade da imparidade constituída, de acordo com o disposto no Aviso n.º 3/95 e na Instrução n.º 7/2005 do Banco de Portugal e do disposto no n.º 2 do artigo 35.º e no artigo 37.º do CIRC.
7- A remuneração dos membros da Comissão Executiva do Requerente comporta uma componente fixa e outra variável.
8- Nos termos do Programa de Remuneração Variável em Acções vigente no Grupo B..., a atribuição de remunerações variáveis aos administradores executivos e aos colaboradores do Grupo B..., não é obrigatória, dependendo, no caso dos membros do Conselho de Administração do Banco D..., da decisão da Comissão de Remunerações do Banco A..., tendo por base uma proposta do Presidente da Comissão Executiva do Banco A... e o parecer do Presidente do Conselho de Administração do Banco A... .
9- No âmbito da decisão da Comissão de Remunerações, foram fixados os critérios de atribuição de remunerações variáveis aos colaboradores de cada sociedade, as condições a que ficará sujeita tal atribuição bem como o número máximo de acções e opções a atribuir em cada ano.
10- No balancete analítico global, reportado a 31-12-2010 foram registados gastos com remunerações variáveis dos Órgãos de Gestão e Fiscalização, relativos ao exercício de 2010, nomeadamente nas contas “70098200 – OGF- VASRIAV – CASH – CUSTO DO ANO” e “70098211 – ORG GEST FISCALIZ-RVA”, as quais se apresentavam com saldos devedores de €594.249,99 e €18.677,53, respectivamente.
11- Estes saldos tinham como contrapartida as contas “528598 – CUST PAG-CUST PESSOAL – REMUN EXTRAORDINAR” e “5780001 – ÓRGÃO GESTÃO E FISCALIZAÇÃO – RVA2010”.
12- Em 25-03-2011, a Comissão de Remunerações reuniu, decidiu e definiu a atribuição de remunerações variáveis relativas ao exercício de 2010, aprovando o valor a atribuir a cada um dos membros do Conselho de Administração do Requerente, reduzindo o valor inicialmente estimado pelo Requerente, de €612.927,54, para €284.977,55.
13- Do Relatório e Contas do ano de 2010, consta que os montantes totais de remunerações variáveis atribuídas, no ano de 2010, a cada um dos membros da Comissão Executiva, foram os seguintes:
• E...- €132.300,00;
• F...- €133.260,00;
• G...- €100.000,00€;
• H...- €115.150,00€
• I...- €34.000,00€.
14- Na sequência da referida deliberação da Comissão de Remunerações, e dado que os montantes deliberados se revelavam inferiores aos montantes inicialmente estimados, em 31-03-2011, o Requerente procedeu à regularização contabilística no montante de €460.249,99, por contrapartida da conta 70098201 – OGF – VARIAV – CASH – ANOS ANTERIORES.
15- O Requerente registou na contabilidade as seguintes remunerações variáveis atribuídas em numerário aos seus administradores:
• E...– 66.150,00€
• F...– 0,00€;
• G...– 100.000,00€;
• H...– 0,00€;
• I...- €34.000,00.
16- Com referência ao exercício de 2010, o Requerente procedeu à entrega, dentro do prazo legal, da declaração de rendimentos modelo 22, na qual apurou lucro tributável no valor de €8.157.532,03.
17- O Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, de âmbito geral, ao ano de 2010, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2012... .
18- Em 04-12-2012, através do Ofício n.º... de 04-12-2012, o Requerente foi notificado do projecto de relatório de inspecção tributária e para, querendo, exercer direito de audição.
19- No projecto de relatório de inspecção propunham-se as seguintes correcções:
• Correcção à matéria colectável no valor de €67.350,00 correspondente a 50% do reforço da imparidade para títulos e participações financeiras, nos termos do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC;
• Imposto em falta no montante de €306.463,7, relativo a tributações autónomas sobre as remunerações variáveis de administradores, nos termos do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril;
20- Em 14-12-2012, o Requerente exerceu direito de audição.
21- A AT acolheu, em parte, a argumentação da Requerente em sede de direito de audição ao projecto de relatório de inspecção, quanto à tributação autónoma das remunerações variáveis dos administradores, subsistindo imposto no valor de €266.693,76.
22- Em 28-12-2012, o Requerente foi notificado do relatório de inspecção tributária.
23- Do relatório de inspecção tributária consta, além do mais, o seguinte:
24- Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção tributária, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRC n.º 2013..., da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013... e da demonstração de acerto de contas n.º 2013..., das quais resultou imposto a pagar no montante de €304.010,44.
25- Em 26-04-2013, o Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto os referidos actos de liquidação, à qual foi atribuído o n.º ...2013... .
26- Em 20-08-2013, através do Ofício n.º..., o Requerente foi notificado do projecto de deferimento parcial da reclamação graciosa.
27- Em 05-09-2013, o Requerente exerceu o correspondente direito de audição.
28- Em 26-09-2019, o Requerente foi notificado da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, tendo a AT anulado parte da correcção relativa a tributações autónomas, no montante de €124.205,00, mantendo-se a correcção relativa a imparidades para títulos e participações financeiras, no montante de €67.350,00, e a correcção relativa a tributações autónomas, na parte correspondente a €142.488,78.
29- Em 17-10-2013, o Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, ao qual foi atribuído o n.º ...2013... .
30- Em 06-11-2013, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2013... que concretizou a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa.
31- Em 30-06-2019, o Requerente foi notificado do projecto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
32- Em 15-08-2019, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
33- Em 10-05-2013, o Requerente apresentou garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2013... instaurado para cobrança coerciva das liquidações impugnadas.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
a.
A primeira questão que vem colocada nos presentes autos prende-se com a dedutibilidade como gasto fiscal das perdas por imparidade para títulos e participações financeiras.
Como resulta dos factos provados, o Requerente é uma instituição de crédito que exerce a actividade bancária em Portugal, encontrando-se, portanto, sujeito à supervisão do Banco de Portugal, tendo registado, no ano de 2010, na sua contabilidade, uma imparidade para depreciação de títulos e participações financeiras, no montante de €134.700,00. Confirmou a Requerida que o Requerente procedeu ao reconhecimento da referida imparidade atendendo aos critérios da IAS 39 e da Instrução n.º 7/2005, por força da alínea b) do n.º 1 do Aviso 3/95 do Banco de Portugal.
Não obstante, procedeu à correcção positiva ao lucro tributável, por integrar as perdas por imparidade ora em causa na expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital” contida no n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC.
Considera o Requerente que a perda por imparidade para títulos e participações financeiras é dedutível na sua totalidade, uma vez que, em seu entender, a limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC não é aplicável à imparidade em apreço em virtude de, por um lado, não ser esse o objectivo daquele preceito e, por outro lado, pelo facto de as normas constantes do n.º 2 do artigo 35.º e do artigo 37.º, n.º 4 do Código do IRC instituírem um regime especial de dedutibilidade de gastos para as instituições financeiras, que prevalece sobre o regime geral previsto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC .
Trazendo à colação os elementos da interpretação das normas jurídicas, sustenta o Requerente que, atendendo ao elemento histórico, não pode ter sido intenção do legislador incluir no âmbito das “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” as perdas por imparidade quando à data da introdução da norma (Orçamento de Estado 2003), este conceito era estranho à terminologia do Código do IRC .
Mais sustenta o Requerente – fazendo apelo ao elemento teleológico - que, visando aquela norma reprimir comportamentos evasivos e de erosão da base tributável, e sendo as perdas por imparidade em causa constituídas ao abrigo de normas obrigatórias do Banco de Portugal, não tem razão de ser a aplicação da limitação do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC à situação sub judice.
Por sua vez, sustenta a Requerida que as perdas por imparidade para títulos e participações financeiras, apenas são dedutíveis em 50% do seu valor em aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, com a redacção em vigor à data dos factos, por considerar que sendo uma norma de carácter geral, se aplica à generalidade dos sujeitos passivos de IRC, na medida em que o legislador não deu um tratamento fiscal diferente ao sector bancário e segurador e que as “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital” se referem também às perdas por imparidade verificadas nas participações financeiras detidas pelo sector bancário.
O dissídio entre as partes radica, portanto, na aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC às perdas por imparidade para títulos e participações financeiras constituídas ao abrigo de normas obrigatórias do Banco de Portugal.
Determinava o artigo 45.º, n.º 3 do CIRC, com a redacção em vigor à data dos factos, o seguinte:
“Artigo 45.º
3 — A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
O artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC integra a Subsecção V, da Secção II, do Capítulo III do CIRC, sobre a epígrafe “Regime de outros encargos”.
Na Subsecção precedente (Subsecção IV, da Secção II, do Capítulo III do CIRC), que
tem a epígrafe Imparidades e Provisões, o artigo 35.º do CIRC aplicável, que se refere a perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis, dispunha que:
“Artigo 35.º
1- (...)
2- Podem também ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade e outras correcções de valor contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, quando constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal, de carácter genérico e abstracto, pelas entidades sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia, destinadas à cobertura de risco específico de crédito e de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações.”
Na mesma Subsecção, o artigo 37.º do CIRC aplicável, que se reporta a empresas do sector bancário, referia que:
“Artigo 37.º
1- (...)
2- (...)
3- (...)
4- Os montantes anuais acumulados das perdas por imparidade e outras correcções de valor, referidas no n.º 2 do artigo 35.º, não devem ultrapassar os valores mínimos que resultem da aplicação das normas emanadas da entidade de supervisão.”
Neste contexto, e como sustenta o Requerente, dever-se-á concluir que o regime dos artigos 35.º, n.º 2 e 37.º, n.º 4 do CIRC aplicável, é especial em relação ao regime do artigo 45.º, n.º 3 do mesmo Código.
Desde logo, a tal conclusão conduz o elemento sistemático, que aponta no sentido de o regime da Subsecção V, da Secção II, do Capítulo III do CIRC aplicável ser residual em relação aos encargos abrangidos pelas Subsecções antecedentes.
Por outro lado, a aplicação cumulativa dos artigos 35.º, n.º 2, 37.º, n.º 4 e 45.º, n.º 3 do CIRC, seria susceptível de gerar situações de penalização agravada para as entidades bancárias, na medida em que as respectivas perdas por imparidade relativas a títulos e participações financeiras seriam objecto de uma dupla limitação fiscal na sua dedutibilidade, sendo, por um lado, reduzidas nos termos do artigo 37.º, n.º 4, ou seja, aos valores mínimos que resultem da aplicação das normas emanadas da entidade de supervisão, e, por outro lado, consideradas em apenas metade do seu valor, nos termos do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC.
Ora, nada indicia que tenha sido intenção do legislador penalizar duplamente as entidades do sector bancário nesta matéria.
Pelo contrário, analisando o contexto histórico em que a norma foi criada e considerando a ratio legis da mesma, como veremos de seguida, tais elementos convergem para que se considere que a limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC não é aplicável às imparidades para títulos e participações financeiras.
Senão vejamos :
Em 2002, com a entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002), passou a excluir-se da tributação metade das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de partes de capital, sendo que o legislador não consagrou uma norma simétrica que evitasse o uso da realização de menos-valias com a alienação onerosa de partes de capital, como forma de diminuir o lucro tributável e o imposto a pagar, uma vez que a diferença negativa das mais-valias e das menos-valias era dedutível para efeitos fiscais pela totalidade do seu valor. Significa isto, que o saldo das mais-valias e das menos-valias obtidas com a alienação onerosa de partes de capital, quando positivo, era sujeito a tributação em metade do seu valor e, quando negativo, era dedutível na totalidade.
Perante a falta de simetria da lei, o legislador através da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2003) introduziu o artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, correspondendo então ao artigo 42.º, n.º 3, que continha a seguinte redacção: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” para, no que respeita à tributação das mais-valias e das menos-valias, a tornar simétrica e, por isso, mais justa e equitativa.
Assim, a partir da entrada em vigor daquela norma, os sujeitos passivos de IRC, que procedessem à transmissão onerosa de partes de capital, em determinadas condições, e que fizessem o reinvestimento dos valores de realização, seriam tributados sobre metade do valor do saldo positivo das mais-valias e das menos-valias geradas em cada ano. No caso de o saldo anual ser negativo, o valor apurado seria considerado dedutível em apenas metade, para efeitos de cálculo do lucro tributável.
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 enquadrou essa medida de “exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas” no âmbito das alterações em sede de IRC destinadas a implementar o “alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (pág. 53), o que se mostra em consonância com as prioridades que o legislador pretendeu estabelecer, no âmbito das receitas, e que são identificadas como consistindo “no combate à fraude e evasão fiscais e alargamento da base tributável” (pág. 34).
Entretanto, a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2006), alterou a redacção desse artigo 42.º (que foi depois renumerado como artigo 45.º), passando o seu n.º 3 a dispor do seguinte modo: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.
Deste modo, o legislador alargou quer a limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias realizadas mediante transmissões onerosas - passando a considerar, para esse efeito, não apenas as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, como também as que resultem da transmissão onerosa de “outras componentes do capital próprio”-, quer as operações que passaram a ser equiparadas a transmissões onerosas para efeitos das menos-valias, como é o caso das operações de remissão e amortização com redução de capital, já previstas anteriormente para o capital e agora alargadas a outras componentes do capital próprio.
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de 2006 continuou a justificar a alteração legislativa no quadro das medidas tendentes ao “combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental” (pág. 31), o que levou o acórdão do STA de 17 de Fevereiro de 2016, proferido no processo 01401/14, a concluir que a norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, no ponto em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.
E assim, conforme também se reconhece no acórdão do STA de 6 de junho de 2018, processo n.º 0582/17, a norma terá visado “de forma imediata combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar”.
Face ao exposto, tendo o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, desde a sua criação, como finalidade o combate à fraude e à evasão fiscais, visando reprimir comportamentos que estão na disponibilidade do sujeito passivo e, sendo as perdas por imparidade registadas pelo Requerente constituídas ao abrigo de normas obrigatórias emanadas pelo Banco de Portugal, não se poderá considerar aquelas perdas abrangidas por este normativo, uma vez que não está na disponibilidade do Requerente a adopção ao não de tal comportamento, resultando antes de uma imposição da entidade supervisora da sua actividade.
Acresce que, a parte do n.º 3 do artigo 45.º - à data artigo 42.º - que refere “…bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio…” foi acrescentada ao respectivo n.º 3 pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que apenas com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que promoveu a adaptação do Código do IRC ao Sistema de Normalização Contabilística, se passou a efectuar a distinção entre perdas por imparidade e provisões na determinação do lucro tributável, quando anteriormente tudo era genericamente reconduzido ao conceito de provisão. Assim, não se poderá sustentar que o legislador, com o aditamento feito em 2005, teria querido enquadrar na lei as perdas por imparidade - uma realidade que só viria a nascer em 2009 -, muitos anos depois, dado que o conceito de “perdas por imparidade” não fazia parte dos normativos contabilísticos nem das leis fiscais.
Como tal, sendo o n.º 3 do artigo 42.º do CIRC uma norma aplicável, exclusivamente, ao saldo negativo das mais-valias e das menos-valias e de outras perdas geradas mediante transmissão onerosa de partes de capital ou de outras componentes do capital próprio, fica claro que tal norma não é aplicável às perdas por imparidade para títulos e participações financeiras, constituídas ao abrigo de normas obrigatórias do Banco de Portugal.
E não se diga que, aquando das alterações ao código do IRC para a adaptação ao SNC, o legislador não alterou o referido n.º 3 por considerar que as perdas por imparidade já nele estavam incluídas, devendo entender-se, antes, que o legislador não alterou o n.º 3 porque sabendo que essas perdas lá não estavam, não poderia excluir uma realidade que lá não estava incluída.
Assim, entendemos que não é de acolher a posição da Requerida, segundo a qual “resulta da letra da lei que estas perdas por imparidade estão incluídas “nas outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital”, até porque a intenção do legislador foi a de limitar todas as perdas ou variações patrimoniais relativas a partes de capital”. A interpretação da Requerida, assenta, unicamente no elemento literal, sendo que, na interpretação das normas jurídicas deverão ser considerados outros elementos (cf. artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), conforme supra se expôs.
Tendo por base todos estes considerandos, torna-se possível concluir que a norma do artigo 45º, n.º 3 do Código de IRC, interpretada de acordo com o fim visado pelo legislador e tendo presente a conjuntura que determinou a decisão legislativa, não pode ser entendida como abrangendo as perdas por imparidade relativas a partes de capital constituídas ao abrigo de normas obrigatórias emanadas pelo Banco de Portugal, caso em que a vontade da Requerente não releva, e nenhuma razão subsiste para a penalização desses gastos para efeitos fiscais.
Deste modo, dever-se-á concluir que as perdas por imparidade para títulos e participações financeiras, abrangidas pelos artigos 35.º, n.º 2 e 37.º, n.º 4 do CIRC aplicável não são abrangidas pela previsão legal do artigo 45.º, n.º 3 do mesmo Código, pelo que, ao entender de outra maneira, enferma a correcção ora em apreço de erro nos pressupostos de direito, devendo como tal ser anulada, procedendo, na mesma medida, o pedido arbitral.
b.
Insurge-se, ainda, o Requerente quanto às correcções operadas pela AT em sede de tributação autónoma das remunerações variáveis de administradores, no ano de 2010, com base no disposto no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento de Estado para 2010), da qual resultou imposto no valor de €142.488,78.
Em sede de projecto de relatório de inspecção, a AT propôs uma correcção de imposto no montante de €306.463,73, resultante da aplicação da tributação autónoma de 50% aos saldos existentes nas contas “7009800 – REM OGF – REM VARIÁVEL – CASH – CUSTO DO ANO” e “70098200 – REM OGF – REM VARIÁVEL – RVA OGF – OPÇÕES”, registados no Balancete analítico global reportado a 31-12-2010, no valor de €594.249,99 e de €18.677,53, respectivamente. Porém, no âmbito do relatório final de inspecção tributária, atendendo à argumentação carreada pelo Requerente em sede de direito de audição, a AT considerou que a tributação autónoma das remunerações variáveis atribuídas a administradores deveria ter em conta o montante efectivamente pago, com referência ao exercício de 2010, pelo que anulou imposto no montante de €39.769.99, subsistindo o montante de €266.693,78.
Tendo sido notificada das liquidações que traduzem as correcções efectuadas em sede inspectiva, o Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo, nessa sede, a AT anulado imposto no valor de €124.205,00, relativo a remunerações variáveis pagas em 2010, mas referentes ao exercício de 2009, subsistindo imposto por anular no montante de €142.488,78.
É neste montante de imposto, que traduz a tributação autónoma à taxa de 50% das remunerações variáveis de administradores, que reside o litígio entre as partes.
Entende o Requerente que as remunerações registadas contabilisticamente “correspondendo a meras estimativas das remunerações variáveis a atribuir ao abrigo do Programa de Remuneração Variável em Acções vigente no Grupo B..., não se podem considerar “apuradas” para efeitos de aplicação do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril” .
Sustenta, ainda, o Requerente que apenas em 25 de Março de 2011, a Comissão de Remunerações reuniu, decidiu e definiu a atribuição de remunerações variáveis, relativas ao exercício de 2010, pelo que os montantes relativos a remunerações variáveis pagos aos administradores apenas se podem considerar apurados em 25 de março de 2011 e, portanto, ficam fora do âmbito de incidência da norma em apreço .
Mais refere o Requerente que “admitir, como pretende a AT, que o mero registo contabilístico será suficiente para determinar o nascimento da obrigação tributária respeitante à tributação autónoma redunda numa grotesca interpretação inconstitucional por violação do princípio da tributação pelo rendimento real” .
Por sua vez, sustenta a Requerida a sujeição dos valores inscritos na contabilidade no ano de 2010, à tributação autónoma prevista no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, com base no argumento de que “a intenção do legislador, no que respeita ao sector financeiro, foi, sem dúvida, penalizá-lo sujeitando a tributação autónoma, à taxa única de 50%, gastos ou encargos, independentemente do período a que respeitem, desde que um de dois factos tenha ocorrido em 2010: apuramento ou pagamento” .
Residindo, a questão a decidir nesta sede, na aplicação da tributação autónoma prevista no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, consideremos o teor dessa norma:
“Ficam sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC à taxa única de 50 % os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis, pagas ou apuradas em 2010 por instituições de crédito e sociedades financeiras, a administradores ou gerentes, quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500.”.
Esta norma foi introduzida na Lei do Orçamento de Estado para 2010 que criou uma tributação autónoma excepcional do sector financeiro.
Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber: a Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: artigo 72.º do actual CIRS, e, crê-se, a prevista no actual n.º 11 do artigo 88.º do CIRC); a Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.º 7 do artigo 88.º do actual CIRC); a Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: números 1 e 2 do artigo 88.º do actual CIRC).
Sob um ponto de vista da funcionalidade/finalidade/fundamento das tributações autónomas sobre gastos (excluindo, portanto a tributação autónoma de rendimentos), têm, também sido surpreendidos vários tipos, como sejam: o desincentivar de determinados comportamentos do contribuinte tendentes a estar associados a situações de fraude ou evasão fiscal, como acontece, por exemplo, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas, ou pagamentos a entidades sujeitas a regimes fiscais privilegiados; o combate à erosão da base tributável, como acontece, em geral, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas dedutíveis; o desincentivar de determinados gastos de causação presumidamente não empresarial, como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação; a tributação de distribuição encapotada de rendimentos a terceiros, não tributados na esfera destes (fringe benefits), como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação; a penalização pela realização de determinadas despesas, que não afectam a base tributável, nem tem subjacente qualquer distribuição não tributada de rendimentos a terceiros, ou potencial fraudulento ou evasivo, mas que o legislador, porventura, terá considerado luxuosas ou sumptuárias, como acontece com as tributações autónomas sobre determinados pagamentos a gestores, administradores ou gerentes (actual artigo 88.º/13 do CIRC), bem como a tributação autónoma sobre encargos com viaturas na medida em que exceda a taxa normal IRC.
A tributação autónoma aqui em causa, foi criada num cenário de plena crise
económico-financeira, e visou assumidamente, em primeira linha, moralizar de alguma
forma a atribuição de bónus e outras remunerações variáveis aos administradores ou gerentes das instituições de crédito e sociedades financeiras, tidos por desproporcionados,
desincentivando o sector financeiro de incorrer naqueles gastos ou encargos.
Como esclarece o Governo no ponto I.4.1.8. do Relatório do Orçamento de Estado para 2010, “a Proposta de Lei do Orçamento do Estado (LOE) para 2010 vem reforçar a tributação do sector financeiro através de um conjunto de medidas que o Governo entende essenciais a uma distribuição mais justa dos encargos tributários e uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas. Essas medidas mostram-se especialmente justificadas no tocante ao sector financeiro, pelo papel que teve na criação do risco sistémico subjacente na presente crise económica”.
Daqui resulta evidente a intenção do legislador de penalizar o sector financeiro, sujeitando a tributação autónoma à taxa única de 50% os gastos ou encargos com bónus e outras remunerações variáveis aos administradores ou gerentes, pagas ou apuradas em 2010.
Não se colocando, nos presentes autos, dúvidas sobre os restantes requisitos de incidência desta norma, limitamos o objecto da nossa análise ao conceito de bónus e outras remunerações apuradas em 2010. Dito de outro modo, a questão em causa passa por determinar se em 2010, após a entrada em vigor do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, a 29 de Abril de 2010, ocorreu o apuramento de bónus/remunerações variáveis a pagar a administradores do Requerente conforme defende a AT.
Como se apontou já, a AT sustenta este entendimento reportando-se ao Balancete analítico global do Requerente reportado a 31-12-2010, onde se encontravam registados nas contas “7009800 – REM OGF – REM VARIÁVEL – CASH – CUSTO DO ANO” e “70098200 – REM OGF – REM VARIÁVEL – RVA OGF – OPÇÕES”, no valor de € €594.249,99 e de €18.677,53.
Partindo desses valores, em sede de relatório final de inspecção, a AT considerou apenas as remunerações variáveis a administradores efectivamente pagas, com referência ao exercício de 2010, considerando, para o efeito, os valores inscritos no relatório e contas do Requerente daquele ano.
Com efeito, e conforme resulta do ponto 13 dos factos provados, a AT considerou, para efeitos da aplicação da tributação autónoma prevista no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, os seguintes montantes a título de remunerações variáveis atribuídos aos administradores do Requerente:
• E...- €132.300,00;
• F...- €133.260,00;
• G...- €100.000,00€;
• H...- €115.150,00€
• I...- €34.000,00€.
Divergem as partes quanto à incidência de tributação autónoma sobre os valores das remunerações variáveis contabilizadas a favor dos administradores, tendo o Requerente, registado contabilisticamente, após a deliberação da Comissão de Remunerações, os seguintes valores:
Inicialmente a AT sujeitou à tributação autónoma ora em questão, os valores inscritos no Relatório e Contas do ano de 2010, onde consta que foram atribuídas as remunerações variáveis nos seguintes montantes, considerados pela AT: E..., €132.300,00; F..., €133.260,00; G..., €100.000,00€; H..., €115.150,00€; I..., €34.000,00€.
A estes valores foram, posteriormente, deduzidos, em sede de reclamação graciosa, os valores pagos em 2010, anteriormente à entrada em vigor do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
O valor em causa foi também, posteriormente, objecto de correcções, atendendo à deliberação da Comissão de Remunerações em 25 de Março de 2011, pelo que, actualmente, apenas se mantém e está em causa, a sujeição a tributação autónoma das remunerações fixadas por esta última.
Não estando em causa, deste modo, a determinação do quantum das remunerações pagas aos gestores do Requerente, o que este ainda contesta, é a sujeição de tais valores à tributação autónoma instituída pelo artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, por considerar que, tendo a deliberação da Comissão de Remunerações ocorrido em 25 de Março de 2011, não se poderá considerar que as remunerações ali determinadas tenham sido apuradas ou pagas em 2010, exercício a que se reporta a liquidação em crise.
Como ajuda à compreensão do estipulado no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, há que apelar, ao facto de que o momento do reconhecimento dos bónus ou outras remunerações variáveis a atribuir a administradores ou gerentes, deve ser aferido de acordo com o n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, que dispõe “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.
De resto, o próprio Requerente tem perfeita consciência disso, tendo contabilizado como gasto do período de 2010, e não de 2011, as remunerações sujeitas à tributação autónoma ora em litígio, conforme expressamente decorre do por si alegado no artigo 93.º do Requerimento Inicial, pelo que é, desde logo, contraditório o por si alegado, por exemplo, nos artigos 121.º e 126.º do mesmo Requerimento.
Nesta conformidade, o princípio da especialização dos exercícios aplicável ao IRC, também é relevante no âmbito da tributação autónoma, pelo que terá que ser o caminho a trilhar, com vista a concluir que o facto tributário ocorre no momento em que o gasto ou encargo é reconhecido contabilisticamente, influenciando o cômputo da matéria tributável, independentemente do momento do pagamento e/ou do seu reconhecimento para efeitos fiscais, sendo, obviamente, a quantificação daquele mesmo facto susceptível de correcção, que é o que ocorreu in casu.
Neste contexto, refere o Requerente no ponto 87 do seu pedido de pronúncia que “correspondendo a meras estimativas das remunerações variáveis a atribuir ao abrigo do Programa de Remuneração Variável em Ações vigente no Grupo B..., não se podem considerar “apuradas” para efeitos de aplicação do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril”. Assim, é de considerar que, regra geral, as remunerações variáveis são estimadas no respectivo exercício económico em curso, (no ano em que ocorre a actividade que lhe está na origem). Ou seja, os gastos são reconhecidos no correspondente exercício numa base de estimativa (isto é, apurados e relevados contabilisticamente), em cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, e confirmados, posteriormente, pela Comissão de Remunerações.
Tendo em conta, que, no ano em questão, era a primeira vez que o legislador introduzia a tributação autónoma em causa, parece claro que foi pretendido abranger não só as situações de pagamento que poderiam vir a ocorrer, como também as demais situações em que, desde logo, se apurem ou estimem os valores de bónus ou remunerações variáveis que serão objecto de atribuição aos administradores.
Assim, estando em causa remunerações variáveis efectivamente pagas aos administradores, relativamente ao trabalho prestado em 2010 e registadas na contabilidade nesse ano, ainda que objecto de posterior correcção, sempre se considerarão abrangidas pelo disposto no artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril.
Face ao exposto, não se verifica a ilegalidade da tributação autónoma quanto ao valor da remuneração dos administradores pelo exercício de funções e pelo seu desempenho no exercício de 2010, em resultado da acção inspectiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que improcede, nesta parte, o pedido do Requerente, não se verificando qualquer das inconstitucionalidades arguidas pelo Requerente, nomeadamente nos pontos 105.º e 135.º do Requerimento Inicial, conforme decidiu já em matéria análoga o Tribunal Constitucional, no seu acórdão 197/2016.
c.
Peticiona a Requerente, em sede de pedido de pronúncia arbitral, a título subsidiário, a dedução do custo com a tributação autónoma em referência.
A este propósito, sustenta a Requerida que “o pedido para ser reconhecida a dedutibilidade da tributação autónoma para efeitos do artigo 23.º do CIRC não foi deduzido em tempo, com a reclamação graciosa oportunamente apresentada, sendo por isso forçoso concluir que o Requerente aceitou o acto nessa parte” .
Vem o presente pedido de pronúncia arbitral deduzido contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que apreciou a legalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, que tinha como objecto a liquidação adicional de IRC do ano de 2010.
Nos casos em que o meio contencioso administrativo é expressamente indeferido, ou parcialmente indeferido, como é o caso, o objecto da impugnação judicial é, formal e diretamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação em crise, mas o objecto real da impugnação, é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação ou o recurso hierárquico, pelo que são os vícios daquela e não destes despachos que estão verdadeiramente em crise, pelo que não faz qualquer sentido que o âmbito da impugnação do acto que aprecia o recurso hierárquico esteja limitado pela própria decisão do recurso hierárquico, antes se impondo que esta impugnação judicial possa ter como fundamento qualquer ilegalidade de substância do acto tributário.
Assim, abrindo a decisão do recurso hierárquico e da reclamação graciosa a porta à discussão judicial do acto de liquidação e devendo-se considerar tal acto como ainda não estabilizado na ordem jurídica, não faria qualquer sentido que se limitasse o âmbito de conhecimento no processo de impugnação judicial às ilegalidades anteriormente suscitadas.
Deste modo, no pedido arbitral subsequente à decisão da AT que recaia sobre a apreciação das liquidações impugnadas, podem os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio (neste sentido, Acórdão do STA, de 03-06-2015, proferido no processo 0793/14).
Face ao exposto, está este Tribunal Arbitral em condições de se pronunciar quanto à questão da dedutibilidade dos gastos com as tributações autónomas, suscitada pela Requerente, nesta sede.
*
Essencialmente, trata-se de apurar in casu se as quantias suportadas pelo Requerente com as tributações autónomas, liquidadas do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2020, de 28 de Abril, são ou não excluídas da determinação do lucro tributável, taxado nos termos do CIRC.
Esta questão é hoje pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores, podendo ver-se, por todos, o Acórdão do STA de 06-04-2016, proferido no processo n.º 01613/15.
Em tal jurisprudência, tem sido entendido que tributação autónoma das despesas efectuadas visa atingir de forma indirecta o rendimento de que são indício e que o legislador admite não conseguir atingir de outro modo porque a capacidade para realizar despesas é sempre índice do rendimento que nelas (despesas) se consome. Cada despesa efectuada é uma manifestação de riqueza e, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, quer venha a ter, ou não, rendimento tributável em IRC no fim do exercício.
Assim, na determinação o lucro tributável tais despesas são, para a referida jurisprudência, tidas como custo fiscal, mas o valor da tributação autónoma que sobre essas mesmas despesas é determinado por lei não é, em si mesmo, tido como custo fiscal para efeitos de determinação de lucro tributável, sob pena de se anular a finalidade da tributação autónoma dessas despesas, porque a parte dessas despesas que presumivelmente excede as necessidades da empresa, asseguram necessidades pessoais dos seus administradores e colaboradores, não concorrem para a formação do lucro tributável da empresa contribuinte não sendo tidos para efeitos fiscais, como gastos suportados pela empresa, indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da sua fonte produtora.
A tributação autónoma visa, portanto e ainda de acordo com a mesma jurisprudência, que a empresa faça um ajuste entre os seus recursos financeiros e os seus objectivos negociais desmotivando-a de adoptar comportamentos que beneficiando pessoas diversas da empresa, aumentando seja o património seja o bem-estar ou a reputação social destas, conduza a uma diminuição da sua capacidade contributiva da empresa.
Não pode, pois, acolher-se o raciocínio formulado pelo Requerente de que as tributações autónomas são gastos de natureza fiscal.
Acresce que, não pode retirar-se da alteração ao Código do IRC, efectuada pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que as tributações autónomas não são custo fiscal (artigo 23.º-A, nº 1, a), o entendimento de que antes da entrada em vigor de tal dispositivo legal constituíam tais despesas um custo fiscal para determinação do lucro tributável.
Não se descortina qualquer propósito do legislador, de introduzir nesta regulamentação qualquer alteração revogatória de um regime anterior mas, ao invés, porventura uma clara definição da situação, para futuro.
Assim, não serão dedutíveis ao lucro tributável do Requerente as quantias suportadas por este com as tributações autónomas, liquidadas do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2020, de 28 de Abril, pelo que improcede, nesta parte, o pedido do Requerente.
***
O Requerente prestou garantia bancária para suspender os processos de execução instaurados para cobrança coerciva das quantias liquidadas e formula, a final, um pedido de indemnização por garantia indevida.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
Assim, procedendo parcialmente o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, na proporção do vencimento, nos termos daquele n.º 1.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT).
***
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no que concerne ao pedido de anulação do acto tributário relativamente à correcção de €67.350,00 referente a perdas por imparidade para títulos e participações financeiras;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que respeita ao pedido de anulação do acto tributário relativamente à tributação autónoma à taxa de 50% da qual resultou imposto a pagar no montante de €142.488,78;
c) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa à dedução ao lucro tributável das tributações autónomas;
d) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, nos termos acima indicados e no valor que entretanto venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença;
e) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, ficando o montante de € 2.937,00 a cargo do Requerente, e o montante de € 735,00 a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 169.393,73, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixada, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Óscar Barros)
O Árbitro Vogal
(Ana Teixeira de Sousa)