Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 620/2019-T
Data da decisão: 2022-01-31  IRS  
Valor do pedido: € 4.994,77
Tema: IRS - Rendimentos de Mais-Valias imobiliárias. Não Residente. Residente em EM da UE. CIRS. Liberdade de circulação de capitais. Decisão de reenvio prejudicial (anexa à decisão)
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

SUMÁRIO:

1) O art.º 43.º, n.º 2 do CIRS ao reduzir a metade o ganho de mais-valias para sujeição a tributação deve ser aplicado também aos Não Residentes e residentes em Estado-Membro (“EM”) da UE, mesmo que estes não tenham optado pela aplicação do regime de tributação em IRS, mais-valias imobiliárias, aplicável aos Residentes. 2) A liquidação que assim não se procedeu e se tributou o ganho de mais-valias pela totalidade é de anular nessa medida, da metade. 3) Em aplicação da Jurisprudência do TJUE que declarou os artigos 63.º e 65.º, n.º 1 do TFUE deverem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EM relativa a IRS que “(...) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada (...) às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes” – cfr. Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021, Porc. C-224/21 – e da Jurisprudência Uniformizada e consolidada pelo STA proferida com base na anterior Jurisprudência do TJUE e ora pelo mesmo reiterada.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A...., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal português n.º ...., residente em França, e com morada, quando em Portugal, na Rua ...., n.º ..., freguesia de ..., ..., concelho de Guimarães, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2016.

 

À Liquidação em crise, com o n.º 2018...., e data de 03.03.2018, que é respeitante ao Requerente e a B..., corresponde um valor total a pagar (imposto e juros compensatórios) de € 10.733,77, sendo que se encontra incluído neste valor um montante de € 9.989,55 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” (cfr. Certidão da Demonstração de Liquidação de IRS junta pelo SP com o PPA).

 

O Requerente apresentou Declaração Modelo 3, referente ao ano de 2016, na qual declarou rendimentos prediais que obteve em território português, não tendo contudo declarado o rendimento de Mais-Valias, que igualmente obteve, em decorrência de alienação onerosa de bem imóvel ocorrida nesse mesmo ano.

 

Na Liquidação de IRS do período em causa (2016) - que o Requerente ora coloca em crise (doravante também “a Liquidação”) – a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência de procedimento de correcções, veio incluir também o rendimento de Mais-Valias que o Requerente obteve em resultado de alienação onerosa de bem imóvel sito em Portugal.

 

O Requerente não se conforma, contudo, com a liquidação de IRS assim efectuada, na parte em que a mesma se reporta à tributação do referido rendimento de Mais-Valias imobiliárias.

 

Expõe que, apesar de ter submetido Declaração Modelo 3 em Portugal, residindo em França desde tenra idade, e desconhecendo o sistema fiscal português, não incluiu na mesma os ganhos de Mais-Valias.

 

Emitida que foi, depois, a Liquidação como supra, em relação à mesma, e em suma, discorda de lhe não ter sido aplicado o regime constante do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS (doravante também “CIRS”[1]). E de, assim, o apuramento do imposto em causa ter sido calculado por referência não a metade, mas sim à totalidade do ganho de mais-valias que obteve.

 

Mais apresentou Pedido de Revisão Oficiosa, em 06.03.2019, que tramita sob o n.º ...2019..., onde pugnou pela ilegalidade da Liquidação, e o qual não foi objecto de decisão. Considerando o consequente indeferimento tácito, vem interpor o Pedido de Pronúncia Arbitral na origem destes autos.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - alegada pelo Requerente, e refutada pela Requerida - ilegalidade do regime jurídico de tributação em IRS de Mais-Valias imobiliárias, do qual foi feita aplicação na Liquidação. A saber, o regime conforme vertido no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. Que o Requerente defende ser violador do Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE”) e, por essa via, encontrar-se a Liquidação ferida de ilegalidade.

 

Esclareça-se, no entender do Requerente o referido dispositivo legal é contrário ao Direito da UE “se aplicado no sentido de excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia”. Como foi o caso.

 

Não se conformando, assim, com a Liquidação, o Requerente vem peticionar a anulação da mesma, por ilegal, na medida em que se fundamenta em norma de Direito Interno incompatível com o Direito da UE, encontrando-se assim ferida de erro ao tributar a totalidade do ganho de mais-valias e não apenas 50% do mesmo.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 23.09.2019 e notificado à AT.

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 13.11.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13.12.2019.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica. Entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

Fazendo notar que a matéria em causa nos autos é exclusivamente de Direito, a Requerida refere que a mesma se reporta à questão da exclusão da incidência de imposto de Mais-Valias em 50% - como sucede em relação aos Residentes - quando obtidas por um Não Residente em Portugal (doravante também “NR”), e que o Requerente defende que o normativo em causa se aplica igualmente aos Não Residentes (doravante também “NRs”).

 

Apesar da Jurisprudência do TJUE no sentido de que a norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, e o regime jurídico aplicável aos NRs por essa via, contrariam o Direito da UE, e, bem assim, apesar da Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (doravante também “STA”) emanada na sequência daquela, o certo é que o nosso legislador, em momento ulterior, e em consequência da dita Jurisprudência do TJUE, já procedeu à alteração do regime jurídico aplicável aos NRs nesta matéria.  O que, no entender da Requerida, desde logo afasta um possível carácter vinculativo da mencionada Jurisprudência para o caso dos autos.

 

Acresce que também os Modelos das Declarações de rendimentos a preencher pelos contribuintes foram devidamente alterados, a reflectir tal alteração legislativa.

 

O Requerente preencheu a sua Declaração Modelo 3 assinalando, quanto à residência, nos campos próprios, (i) ser não residente e (ii) pretender a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes (campos 4 e 7).

 

Caso o Requerente pretendesse ser tributado pelas taxas do art.º 68.º do CIRS, ser pois tributado como Residente (doravante também “R”), deveria tê-lo ali assinalado/preenchido, nos campos próprios (a saber, nos campos 9 e 11), assim: (i) opção pelas taxas do art.º 68.º do CIRS e (ii)  total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Refere ainda que a norma em causa (art.º 43.º, n.º 2) se insere no Capítulo do CIRS respeitante à Determinação do rendimento colectável, diferentemente das normas que no mesmo Diploma se reportam à incidência em matéria de Mais-Valias (doravante também “MV”). Pelo que não será aquela aplicável ao caso.

 

Coloca à consideração deste Tribunal, solicitando-o subsidiariamente, proceder a Reenvio Prejudicial ao TJUE dada a alteração do quadro normativo aplicável ocorrida em momento posterior à Jurisprudência do mesmo TJUE invocada pelo Requerente. Com efeito, diferentemente do que à data da prolação daquela Jurisprudência sucedia, estão actualmente em vigor duas possibilidades alternativas de tributação para os Não Residentes. E o Requerente poderia ter optado pela tributação de acordo com a tabela do art.º 68.º como aplicável se os rendimentos fossem auferidos por Residentes, caso em que se aplicaria o regime previsto no art.º 43.º, n.º 2. O que não fez. Optou, na sua Declaração, pela aplicação da taxa autónoma de 28%, cfr. art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

 

Pelo exposto, segundo a Requerida, não estamos perante uma hipótese de “acto claro” e, a subsistirem dúvidas, deverá suspender-se a instância arbitral e consultar o TJUE.

 

Defende, por fim, dever ser proferida decisão no sentido da improcedência do Pedido por não provado.

 

Não tendo sido solicitada produção de prova adicional, por despacho de 28.01.2020 decidiu este Tribunal dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

 

Nenhuma das Partes apresentou alegações. 

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º/2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção. O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al. o) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º/1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º/1, al. d) do CPPT e art.º 57.º/1 e 5 da LGT).

 

A 4 de Setembro de 2020 (e contabilizada a suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio) o Tribunal, por motivos justificados, prorrogou, por dois meses, o prazo constante do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo legal. Novamente assim por despachos de 4 de Novembro 2020 e de 6 de Janeiro de 2021.

 

A 12 de Fevereiro de 2021, e após notificadas as Partes para exercício do contraditório quanto à projectada redacção das questões prejudiciais, foi proferida Decisão Arbitral de Reenvio Prejudicial[2], por se entender que - para a boa decisão da causa na apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia quanto à verificação ou não de violação da liberdade de circulação de capitais - as normas de Direito Interno em questão deverão ser apreendidas devidamente enquadradas no Ordenamento Jurídico-Tributário em que se integram. Revelando-se essencial essa interpretação Sistemática. E que na, existente à data, pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE” ou “TJ”) sobre a matéria - cfr. Acórdão de 11.10.2007, Acórdão Hollmann, Proc. C-443/06 - tanto não havia sucedido.

Determinou-se então, e por esse motivo, a Suspensão da Instância.

 

Por Despacho fundamentado de 13 de Dezembro de 2021, Proc. C-224/21, o TJUE veio decidir nos autos de Reenvio Prejudicial, reiterando aquela sua anterior pronúncia e, ainda, o que entretanto igualmente determinara no Acórdão MK, de 18.03.2021, Proc. C-388/19. Tomou como Quadro Jurídico o art.º 43.º e o art.º 72.º.  

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente é residente fiscal em França, e assim sucedia em 2016, nesse país residindo desde tenra idade;

 

b) O Requerente tem o número de contribuinte fiscal português .... e tem morada, quando em Portugal, na Rua ...., n.º ..., freguesia de ..., ..., Guimarães;

 

c) Em 2007 o Requerente adquiriu o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...-..., freguesia da ..., concelho de Guimarães (doravante “o Prédio”);

 

d) A aquisição do Prédio deu-se a título gratuito, por doação ao Requerente de seus pais, formalizada por Escritura de doação de 26.07.2007;

 

e) Até aos dois anos anteriores à doação isenta em c) supra o Prédio tinha um VPT[3] de € 40.443,02;

 

f) Em 2016, por Escrituras Públicas de 24.10.2016, de transmissão da nua Propriedade e do usufruto, o Requerente alienou o Prédio pelo valor de € 55.000,00;

 

g) À data da sua alienação em 2016 o VPT do Prédio era de € 80.164,29, valor que serviu de base à liquidação de IMT;

 

h) Com referência ao ano de 2016, o Requerente apresentou em Portugal Declaração de rendimentos Modelo 3, na qual declarou rendimentos prediais de imóveis sitos em Portugal e não declarou o rendimento de mais-valias que auferiu com a alienação do Prédio;

 

i) Na sua Declaração Modelo 3 o Requerente assinalou, no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 – “Não Residente”, e o Campo 7 – “Pretende a tributação pelo regime geral”;

 

j) A Requerida, após procedimento de divergências e cumpridas as devidas notificações, efectuou correcções à Declaração do Requerente mediante adição de Anexo G do qual fez constar a alienação do Prédio, com o valor de aquisição de € 40.443,02, corrigido para € 44.487,32 conforme correcção monetária, e o valor de realização de € 80.164,29 (v. 8 -11 do PPA e doc. 1 junto pelo SP,  e PA);

 

k) O ganho de mais-valias do Requerente com a alienação do Prédio foi apurado pela Requerida pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, cfr. j) supra, e sobre esse valor, de € 35.676,96, foi aplicada uma taxa de 28% (v. 12 do PPA e PA);

l) Da Liquidação, com o n.º 2018...., resulta um valor de imposto a pagar de € 10.733,77, no qual se contém um valor de € 9.989,55 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” (v., entre o mais, Certidão da Liquidação junta como doc. 2 junto pelo SP);

 

m) A 06.03.2019 o Requerente interpôs Pedido de Revisão Oficiosa tendo a Liquidação por objecto e pugnando pela sua ilegalidade;

 

n) O Pedido de Revisão Oficiosa, sob n.º ...2019..., não foi alvo de decisão;

 

o) A 23.09.2019 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.

Não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas Partes, apresentadas como factos, que traduzam afirmações estritamente conclusivas, cuja veracidade se haverá de aferir por referência à matéria de facto consolidada.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[4]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC[5]).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

   À tributação, em IRS, dos rendimentos de mais-valias na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sitos em Portugal e obtidos por um Não Residente, é ou não aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS quando na Declaração Modelo 3 o sujeito passivo opta pela tributação segundo o regime geral aplicável aos Não Residentes?

Dito de outro modo, é ou não ilegal a Liquidação ao não ter aplicado, no caso - em que o sujeito passivo para o efeito não escolheu ser tributado pelo regime geral aplicável aos Residentes -, o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente (ao invés do que sucederia fora este Residente)?

*

 

Começando por recapitular e enquadrar brevemente.

 

Entende o Requerente que lhe deveria ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, a tributação em causa nos autos ter incidido, apenas, sobre 50% do ganho de mais-valias que obteve. Ganho de mais-valias esse cujo montante total, conforme apurado pela Requerida na Liquidação, aceita.

 

O ganho (montante total) de mais-valias foi, pois, de € 35.676,96.

 

Sobre esse montante a Requerida, na Liquidação, aplicou uma taxa especial (“taxa autónoma”) de 28%, conforme disposto no art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

 

E, assim, apurou um montante de imposto a pagar, a este título, de € 9.989.55.

 

O Requerente defende que o disposto na norma em causa (art.º 43.º, n.º 2 do CIRS), que estipula um regime jurídico aplicável a Residentes, lhe deveria ser também aplicável. Pois que aquela norma, ao estipular um regime, mais vantajoso segundo o Requerente, e determinar que o mesmo é aplicável apenas a Residentes, viola o Direito da UE. Assim, a Requerida deveria, defende, ter feito aplicar o dito regime também a si Requerente. Consequentemente devendo a Liquidação ser anulada parcialmente. Pois que, assim, o imposto deveria incidir sobre metade do ganho de mais-valias. E não sobre a totalidade, como a Requerida fez.

 

Pede, assim, a anulação parcial da Liquidação em crise. A saber, a anulação da Liquidação no montante correspondente a metade do valor de imposto que na mesma foi apurado ser devido a título de “taxa autónoma” (a taxa especial do art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS). Taxa de 28%, que foi aplicada sobre a totalidade do ganho de mais-valias, assim: 28% x € 35.676,96 = € 9.989.55.

 

Pede, pois, a anulação da Liquidação no montante de € 4.994,77.

 

*

Vejamos, antes de mais, o quadro legal potencialmente aplicável[6].

 

I.      Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)[7]

No Preâmbulo, v.:

“(…) 3. A presente remodelação do regime da tributação do rendimento (…) decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…). / A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto (…) pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares. (…)

 

12. Outra categoria – a Categoria G – é constituída pelas mais-valias. (…) / Tratando-se de rendimentos excepcionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável. (…)”

 

No articulado (CIRS):[8] [9]

Capítulo I – Incidência

Secção I – Incidência real

Artigo 1.º – Base do imposto

1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - (…)

Categoria B - (…)

Categoria E - (…)

Categoria F - (…)

Categoria G – Incrementos patrimoniais; 

Categoria H - (...)

2. Os rendimentos (…) ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, (…).

 

Artigo 9.º – Rendimentos da Categoria G

1. Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)

 

Artigo 10.º – Mais-valias

1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais[10], de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

(…)

3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).

4. O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(…)

 

Secção II – Incidência pessoal

Artigo 13.º – Sujeito passivo

1. Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

(…)

8. A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite. /(…)

 

Artigo 15.º – Âmbito de sujeição

1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. /(…)

 

Artigo 18.º – Rendimentos obtidos em território português

1. Consideram-se obtidos em território português:

(…)

h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão; /(…)

 

Capítulo II – Determinação do rendimento colectável

Secção I – Regras gerais

Artigo 22.º – Englobamento

1. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

(…)

3. Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º; / (…)

 

Secção VI – Incrementos patrimoniais

Artigo 43.º – Mais-valias

1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.(…)

 

Artigo 44.º – Valor de realização

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.

2. Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. /(…)

 

Artigo 45.º – Valor de aquisição a título gratuito

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

(…)

2. No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta (…) considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.

 

Artigo 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)

 

Artigo 50.º – Correcção monetária

1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)

 

Artigo 51.º – Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens (…);

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).

 

Artigo 55.º – Dedução de perdas

1 – Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em cada categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…)

c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita; /(…)

 

Secção X – Processo de determinação do rendimento colectável

Artigo 57.º – Declaração de rendimentos

1. Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos (…), devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo. (…)

 

Artigo 58.º – Dispensa de apresentação de declaração

1. Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:

a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º (…); /(…)

 

 

Capítulo – III – Taxas

Artigo 68.º – Taxas gerais

1. As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:

 

(…)

 

Artigo 68.º-A – Taxa adicional de solidariedade

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º, ao quantitativo do rendimento coletável superior a (euro) 80 000 incidem as taxas adicionais de solidariedade constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 70.º – Mínimo de existência

1. Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a € 8.500. / (…)

 

Artigo 72.º – Taxas especiais

1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

9.[11] Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10.[12] Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (…)

 

Artigo 113.º – Declaração anual de informação contabilística e fiscal

1. Os sujeitos passivos de IRS devem entregar anualmente uma declaração de informação contabilística e fiscal, de modelo oficial, relativa ao ano anterior, quando (…) ou quando estejam obrigados à apresentação de qualquer dos anexos que dela fazem parte integrante. / (…)

 

 

II.     Lei Geral Tributária (“LGT”)

Art.º 4.º – Pressupostos dos tributos

1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. /(…)

 

Art.º 5.º – Fins da tributação

1. A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.

2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.

 

Art.º 6.º – Características da tributação e situação familiar

1. A tributação directa tem em conta:

a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna;

b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar;

(…)

3. A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem.

 

III.   Constituição da República Portuguesa (“CRP”)

 

Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais

Art.º 67.º – Família

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, (…).

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: / (…)

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; / (…)

Título IV – Sistema financeiro e fiscal

Art.º 103.º – Sistema fiscal

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. /(…)

Art.º 104.º – Impostos

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. /(…)

 

 

IV.    Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)

 

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)

 

 

*

Aqui chegados.

 

Como se referiu já, a 12.02.2021 o Tribunal procedeu a Reenvio Prejudicial, nos termos do Artigo 267.º do TFUE[13], solicitando ao TJ decisão sobre a interpretação dos Tratados, como supra (v. Relatório, in fine). E, por Despacho fundamentado de 13.12.2021, Processo C - 224/21, comunicado ao Tribunal Arbitral a 21.12.2021, veio o TJUE decidir.

 

O Alto Tribunal veio, assim o vemos, simplesmente reiterar a sua anterior pronúncia na matéria e a sua pronúncia, entretanto, no Acórdão MK. Porventura não terá entendido de relevar em toda a sua amplitude a interpretação do Ordenamento Jurídico Nacional - facultada pelo Tribunal Arbitral, o bloco de legalidade em que o art.º 43.º, n.º 2 se insere e este aí devidamente contextualizado - normativa e axiologicamente, e os fins com que o legislador consagrou esta norma. Tendo concluído que o regime jurídico-tributário Português “sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais valias realizadas por residentes”.

 

Por despacho de 22.12.2021 o Tribunal Arbitral determinou a notificação às Partes do levantamento da suspensão da Instância e para se pronunciarem, querendo, sobre a aplicação da Doutrina firmada no Despacho fundamentado do TJ. Nenhuma das Partes se pronunciou.

 

Concretamente em resposta às questões prejudiciais, veio o Alto Tribunal declarar assim:

“O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que, no que respeita às mais-valias resultantes da venda de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes.”

 

Junto o Despacho do TJ aos presentes autos,

Cabe decidir.

*

 

Como no início ficou percorrido, o Requerente coloca em crise a Liquidação com o fundamento único de - ao não ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS à sua situação - se ter incorrido em violação do Direito da UE. A interpretação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS no sentido de que o mesmo não é aplicável aos Não Residentes viola, defende, o Direito da UE, por resultar em discriminação injustificada entre Não Residentes (residentes num outro Estado-Membro) e Residentes, tributando os Não Residentes, “em igualdade de circunstâncias”, de forma mais gravosa do que os Residentes. “Torna objectivamente menos favorável [aos Não Residentes] o exercício dos seus direitos de livre circulação (…)”. Defende a ilegalidade da Liquidação “na medida em que se fundamenta em norma de direito interno incompatível com o Direito Comunitário”.

 

A Requerida, por seu lado, entende ter procedido como devido, ao ter aplicado ao caso o art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS, daí não derivando uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no Direito da UE. Na sua Declaração Modelo 3 o Requerente assinalou no quadro respectivo ser Não Residente e, mais, assinalou pretender a tributação pelo respectivo regime geral (i.e., a opção 07), e não a tributação pelo regime que seria aplicável aos Residentes (cfr. factos provados, supra). Podendo tê-lo feito.

 

Subjaz à questão fundamental a apreciar nos autos (supra, p. 10), para então se decidir quanto à peticionada anulação parcial, e como resultará de tudo o que antecede, a questão da conformidade ou não do regime jurídico Português de tributação em IRS de rendimentos de Mais-Valias na transmissão de bens imóveis (sitos em Portugal) com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as Liberdades Fundamentais. Em concreto com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estejam rendimentos (ganhos de mais-valias imobiliárias) obtidos por Não Residentes, residentes na UE. No confronto com o regime aplicável aos Residentes.

 

No caso dos Não Residentes vigoram actualmente, e já assim ao tempo dos factos (rendimentos obtidos em 2016)[14], dois regimes alternativos, a saber, o plasmado no n.º 1, al. a), do art.º 72.º e, por outro lado, o constante dos n.ºs 9 e 10 (cfr. numeração ao tempo dos factos, actualmente n.ºs 14 e 15) do mesmo art.º 72.º. O primeiro faz aplicar uma taxa especial, fixa, actualmente, e ao tempo dos factos, de 28%, ao total do ganho de mais-valias, enquanto que o segundo se traduz na aplicação do regime aplicável aos Residentes (em seguida sumariado), muito embora sem a consequência (que ocorre no caso dos Residentes) de a tributação dos demais rendimentos

obtidos pelo sujeito passivo no ano, independentemente da sua natureza e de qual seja a respectiva Categoria em IRS, resultar afectada (por força do englobamento obrigatório do ganho de mais-valias imobiliárias).

 

Já no caso dos Residentes é aplicável, com carácter de obrigatoriedade (sem possibilidade de opting out), o regime resultante do art.º 43.º, n.º 2, nos termos do qual, em conjugação com os demais artigos do CIRS, no essencial percorridos[15], à base tributável (o ganho de mais-valias imobiliárias[16]) é aplicada uma redução de 50% e, então, essa base tributável (o valor do ganho pela metade) acresce (por englobamento) aos demais rendimentos obtidos, mundialmente, pelo sujeito passivo no ano em causa. Depois então se aplicando a tabela geral de taxas do art.º 68.º ao montante global dos rendimentos – e não apenas aos rendimentos da respectiva Categoria, a G. Taxas essas progressivas, por escalões, e que vão até um valor de taxa marginal de 48%, à qual ainda poderá acrescer, no escalão máximo dos rendimentos, uma taxa adicional de, no máximo, 5% (cfr. art.º 68.º-A). Assim no quadro de um imposto único, de base alargada e de formação sucessiva, com progressividade, por escalões.

 

Por entender como já supra exposto, e por tal lhe ser permitido nos termos do Direito da UE, o Tribunal - tendo em conta a existência de Jurisprudência[17] (maxime Acórdão de 11.10.2007, do TJUE, no Caso Hollman, proc.º C-443/06) em que se determina que a liberdade de circulação de capitais consagrada nos Tratados se opõe a uma legislação nacional/a uma norma como a do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS que sujeita as mais-valias em causa “a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente”, tendo também em conta a alteração legislativa entretanto operada pelo legislador nacional - não havendo, à data, pronúncia do TJ neste contexto -, tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do Direito da UE, e tendo em conta, ainda, o considerável número de processos passíveis de suscitar questões análogas às que se colocam no presente – solicitou ao TJUE a sua pronúncia na matéria, tal como hoje a mesma vem configurada pelo nosso legislador.

 

O TJUE veio, referimos já, declarar que “O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro (…) que (…) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem (…).”

 

Pois bem.

 

Tendo em conta a nova pronúncia do TJ no Despacho fundamentado, em que manteve as anteriores suas pronúncias na matéria;

 

Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração - inclusive o Despacho fundamentado tendo sido proferido com origem nos presentes autos -, impondo-se ao Julgador decidir em sentido compatível;

 

Tendo em conta o nosso STA ter já proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – v. Acórdão do STA de 09.12.2020, Proc.º 075/20.6BALSB - na matéria, precisamente se baseando na anterior pronúncia do TJ (Acórdão Hollmann) que veio, agora, a ser por este Alto Tribunal reiterada;

 

Tendo em conta que a Jurisprudência Uniformizada se reveste de valor reforçado, emanando do Pleno das Secções e cabendo sempre recurso das Decisões judiciais que a não acatem;

 

Tendo presentes os valores fundamentais da Certeza e Segurança Jurídicas;

 

Mais que, seja no mesmo Acórdão (supra) em sede de interpretação Uniformizadora, seja na Jurisprudência mais recente do STA na matéria, entretanto também consolidada, se confirma, em situações como a dos presentes autos (i.e., em situações em que o acto em crise era igualmente uma liquidação a sujeitos passivos Não Residentes - IRS, mais valias imobiliárias -  tributando o ganho de mais valias na totalidade) ser de decidir pela anulação parcial dos actos de liquidação em crise;

V., aqui chegados, para além do Acórdão de Uniformização já referido - onde se lê, transcrevendo-se aqui com a devida Vénia: “Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.” (negritos nossos) -, e entre outros, o Acórdão do STA, também do Pleno da Secção, da mesma data de 09.12.2021, em que se decide pela improcedência do recurso de Decisão Arbitral em que se decidira pela anulação parcial do acto de liquidação;

 

Tendo ainda em conta que a mesma Jurisprudência é também já Jurisprudência consolidada – cfr. Acórdão do STA de 24.02.2021, Proc.º 058/20.6BALSB, onde assim se confirma (e bem assim, v. a Jurisprudência neste último Aresto referida);

 

Haverá que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE, agora reiterada, e como aplicada pelo STA na já referida Jurisprudência uniformizada e consolidada.

 

Assim,

Considerando que cfr. o mesmo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 09.12.2020 “o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS (…) ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TFUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional (...)”,

Em face do mais que vem de se expôr,

E retornando mais concretamente ao caso, em que o Requerente é NR, reside em França, Estado-Membro da UE, escolheu, na Modelo 3, ser tributado pelo regime geral dos NRs (cfr. supra factos provados al.s a) e i)). Ficando sujeito a tributação do ganho de mais-valias em questão (o que não contesta), desde logo nos termos conjugados dos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al. ), 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, al. h) (todos supra).

 

Na Liquidação em crise foi aplicado o art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS, a saber, a taxa especial de 28% sobre montante total do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente em resultado da venda do bem imóvel em causa (cfr. supra factos provados al. k)).

 

Verifica-se, assim, que ao caso não foi aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e - em aplicação, como devido, da Jurisprudência que vem de se percorrer - deveria, diferentemente, e como supra (p. 20 e ss), tê-lo sido, por, de contrário, se violar a liberdade de circulação de capitais.

 

A pretendida redução a metade para efeitos de tributação do ganho de mais-valias deve, nestes termos, proceder. E à questão a decidir (v. supra, p. 10) haverá, assim, que responder que sim, é ilegal a Liquidação ao não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias. E nessa medida. Tudo como antecede.

 

*

Não se alegou pagamento ou peticionou devolução de quaisquer quantias e/ou juros indemnizatórios. Nem anulação de acto de segundo grau (v., supra, Relatório).

 

A Liquidação em crise vem impugnada apenas na sua parte reportada à tributação de rendimentos de mais-valias, a que na mesma corresponde imposto devido no montante de € 9.989,55 – “Imposto relativo a tributações autónomas” (v. Relatório, e v. al. l) factos provados, supra).

 

*

4. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim:

Condenar a Requerida no pedido de anulação parcial da liquidação de IRS de 2016 melhor identificada nos autos (i.e., anular na medida correspondente a metade do daí constante reportado à tributação de mais-valias imobiliárias).

 

 

5. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 4.994,77, valor que foi indicado para o efeito pelo Requerente e que a Requerida não contestou, e que corresponde à proporção da liquidação a que se pretendia obstar.

 

6. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2022

 

O Árbitro,

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

A...., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal português n.º ...., residente em França, e com morada, quando em Portugal, na Rua ...., n.º ..., freguesia de ..., ..., concelho de Guimarães, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2016.

 

À Liquidação em crise, com o n.º 2018...., e data de 03.03.2018, que é respeitante ao Requerente e a B..., corresponde um valor total a pagar (imposto e juros compensatórios) de € 10.733,77, sendo que se encontra incluído neste valor um montante de € 9.989,55 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” (cfr. Certidão da Demonstração de Liquidação de IRS junta pelo SP com o PPA).

 

O Requerente apresentou Declaração Modelo 3, referente ao ano de 2016, na qual declarou rendimentos prediais que obteve em território português, não tendo contudo declarado o rendimento de Mais-Valias, que igualmente obteve, em decorrência de alienação onerosa de bem imóvel ocorrida nesse mesmo ano.

 

Na Liquidação de IRS do período em causa (2016) - que o Requerente ora coloca em crise (doravante também “a Liquidação”) – a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência de procedimento de correcções, veio incluir também o rendimento de Mais-Valias que o Requerente obteve em resultado de alienação onerosa de bem imóvel sito em Portugal.

 

O Requerente não se conforma, contudo, com a liquidação de IRS assim efectuada, na parte em que a mesma se reporta à tributação do referido rendimento de Mais-Valias imobiliárias.

 

Expõe que, apesar de ter submetido Declaração Modelo 3 em Portugal, reside em França desde tenra idade e desconhece o sistema fiscal português.

 

Emitida que foi, depois, a Liquidação como supra, em relação à mesma, e em suma, discorda de lhe não ter sido aplicado o regime constante do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS (doravante também “CIRS”[18]). E de, assim, o apuramento do imposto em causa ter sido calculado por referência não a metade, mas sim à totalidade do ganho de mais-valias que obteve.

 

Mais apresentou Pedido de Revisão Oficiosa, em 06.03.2019, que tramita sob o n.º ...2019..., onde pugnou pela ilegalidade da Liquidação, e o qual não foi ainda objecto de decisão. Considerando o consequente indeferimento tácito, vem interpor o Pedido de Pronúncia Arbitral na origem destes autos.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - alegada pelo Requerente, e refutada pela Requerida - ilegalidade do regime jurídico de tributação em IRS de Mais-Valias imobiliárias, do qual foi feita aplicação na Liquidação. A saber, o regime conforme vertido no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. Que o Requerente defende ser violador do Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE”) e, por essa via, encontrar-se a Liquidação ferida de ilegalidade.

 

Esclareça-se, no entender do Requerente o referido dispositivo legal é contrário ao Direito da UE “se aplicado no sentido de excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia”. Como foi o caso.

 

Não se conformando, assim, com a Liquidação, o Requerente vem peticionar a anulação da mesma, por ilegal, na medida em que se fundamenta em norma de direito interno incompatível com o Direito da UE, encontrando-se assim ferida de erro ao tributar a totalidade do ganho de mais-valias e não apenas 50% dos mesmos.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 23.09.2019 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo. A 13.11.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13.12.2019.

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

Fazendo notar que a matéria em causa nos autos é exclusivamente de Direito, a Requerida refere que a mesma se reporta à questão da exclusão em 50% da incidência de tributação de Mais-Valias - como sucede em relação aos residentes - quando obtidas por um não residente em Portugal (doravante também “NR”), seja este residente em Estado-Membro da União Europeia (doravante também “EM”), seja residente em Estado terceiro. E que o Requerente defende que o normativo em causa se aplica igualmente aos Não Residentes.

 

Apesar da Jurisprudência do TJUE no sentido de que a norma em causa – o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, e o regime jurídico aplicável aos NRs por essa via (cfr. também art.º 72.º, n.º 1, al. a)), contrariam o Direito da UE, e, bem assim, apesar da Jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo[19] emanada na sequência daquela primeira Jurisprudência, o certo é que o nosso legislador, em momento ulterior, e em consequência da dita Jurisprudência do TJUE, já procedeu à alteração do regime jurídico aplicável aos Não Residentes nesta matéria. 

 

O que, no entender da Requerida, desde logo afasta um possível carácter vinculativo da mencionada Jurisprudência para o caso dos autos.

 

Acresce que também os Modelos das Declarações de rendimentos a preencher pelos contribuintes foram devidamente alterados, a reflectir tal alteração legislativa.

 

O Requerente preencheu a sua Declaração Modelo 3 assinalando, quanto à residência, nos campos próprios, (i) ser não residente e (ii) pretender a tributação pelo regime geral aplicável aos Não Residentes (campos 4 e 7).

 

Caso o Requerente pretendesse ser tributado pelas taxas do art.º 68.º do CIRS, ser pois tributado como Residente (doravante também “R”), deveria tê-lo ali assinalado, nos campos próprios (a saber, nos campos 9 e 11), assim: (i) opção pelas taxas do art.º 68.º do CIRS e (ii)  total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Refere ainda que a norma em causa (art.º 43.º, n.º 2) se insere no Capítulo do CIRS respeitante à Determinação do rendimento colectável, diferentemente das normas que no mesmo Diploma se reportam à incidência em matéria de Mais-Valias (doravante também “MV”). Pelo que não será aquela aplicável ao caso.

 

Coloca à consideração deste Tribunal Arbitral, solicitando-o subsidiariamente, proceder a Reenvio Prejudicial ao TJUE, dada a alteração do quadro normativo aplicável ocorrida em momento posterior à Jurisprudência do mesmo TJUE invocada pelo Requerente.

 

Não tendo sido solicitada produção de prova adicional, por despacho de 28.01.2020 decidiu este Tribunal dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas. Sendo que nenhuma das Partes apresentou alegações.

 

A 4 de Setembro de 2020 (e contabilizada a suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio) o Tribunal, por motivos  justificados, prorrogou, por dois meses, o prazo constante do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo legal. Novamente assim por despachos de 4 de Novembro 2020 e de 6 de Janeiro de 2021.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção. O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al. o) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT e art.º 57.º, n.ºs 1 e 5 da LGT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente é residente fiscal em França, onde reside desde tenra idade;

 

b) O Requerente tem o número de contribuinte fiscal português .... e tem morada, quando em Portugal, na Rua ...., n.º ..., freguesia de ..., ..., Guimarães;

 

c) Em 2007 o Requerente adquiriu o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...-..., freguesia da ..., concelho de Guimarães (doravante “o Prédio”);

 

d) A aquisição do Prédio deu-se a título gratuito, por doação ao Requerente de seus pais, formalizada por Escritura de doação de 26.07.2007;

 

e) Até aos dois anos anteriores à doação isenta em c) supra o Prédio tinha um VPT[20] de € 40.443,02;

 

f) Em 2016, por Escrituras Públicas de 24.10.2016, de transmissão da nua Propriedade e do usufruto, o Requerente alienou o Prédio pelo valor de € 55.000,00;

 

g) À data da sua alienação em 2016 o VPT do Prédio era de € 80.164,29, valor que serviu de base à liquidação de IMT;

 

h) Com referência ao ano de 2016, o Requerente apresentou em Portugal Declaração de rendimentos Modelo 3, na qual declarou rendimentos prediais de imóveis sitos em Portugal e não declarou o rendimento de mais-valias que auferiu com a alienação do Prédio;

 

i) Na sua Declaração Modelo 3, em g) supra, o Requerente assinalou, no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 – “Não Residente”, e o Campo 7 – “Pretende a tributação pelo regime geral”;

 

j) A Requerida, após procedimento de divergências e cumpridas as devidas notificações, efectuou correcções à Declaração do Requerente mediante adição de Anexo G do qual fez constar a alienação do Prédio, com o valor de aquisição de € 40.443,02, corrigido para € 44.487,32, conforme correcção monetária, e o valor de realização de € 80.164,29 (v. 8 -11 do PPA e doc. 1 junto pelo SP, e  PA);

 

k) O ganho de mais-valias do Requerente com a alienação do Prédio foi apurado pela Requerida pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, cfr. j) supra, e sobre esse valor, de € 35.676,96, foi aplicada uma taxa de 28% (v. 12 do PPA e PA);

 

l) Da Liquidação, com o n.º 2018...., resulta um valor de imposto a pagar de € 10.733,77, no qual se contém um valor de € 9.989,55 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas”;

 

m) A 06.03.2019 o Requerente interpôs Pedido de Revisão Oficiosa tendo a Liquidação por objecto e pugnando pela sua ilegalidade;

 

n) O Pedido de Revisão Oficiosa, sob n.º ...2019..., não foi alvo de decisão;

 

o) A 23.09.2019 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.

Não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, que traduzam afirmações estritamente conclusivas, cuja veracidade se haverá de aferir por referência à matéria de facto consolidada.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[21]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[22]).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

 

À tributação, em IRS, dos rendimentos de mais-valias na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sitos em Portugal e obtidos (esses rendimentos) por um Não Residente, é ou não aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS quando na Declaração Modelo 3 o Sujeito Passivo opta pela tributação segundo o regime geral aplicável aos Não Residentes?

 

Dito de outro modo, é ou não ilegal a Liquidação ao não ter aplicado, no caso - em que o sujeito passivo para o efeito não escolheu ser tributado pelo regime geral aplicável aos Residentes -, o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente (ao invés do que sucederia fora este Residente)?

*

 

Começando por recapitular e enquadrar brevemente.

 

Entende o Requerente que lhe deveria ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, a tributação em causa nos autos ter incidido, apenas, sobre 50% do ganho de mais-valias que obteve. Ganho de mais-valias esse cujo montante total, conforme apurado pela Requerida na Liquidação, aceita.

 

O ganho (montante total) de mais-valias foi, pois, de € 35.676,96.

 

Sobre esse montante a Requerida, na Liquidação, aplicou uma taxa especial (“taxa autónoma”) de 28%, conforme disposto no art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

 

E, assim, apurou um montante de imposto a pagar, a este título, de € 9.989.55.

 

O Requerente defende que o disposto na norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, que estipula um regime jurídico aplicável a Residentes, lhe deveria ser também aplicável. Pois que aquela norma, ao estipular um regime, mais vantajoso segundo o Requerente, e determinar que o mesmo é aplicável apenas a Residentes, viola o Direito da UE. Assim, a Requerida deveria, defende, ter feito aplicar o dito regime também a si Requerente. Consequentemente devendo a Liquidação ser anulada parcialmente. Pois que, assim, o imposto deveria incidir sobre metade do ganho de mais-valias. E não sobre a totalidade, como a Requerida fez.

 

Pede, assim, a anulação parcial da Liquidação em crise. A saber, a anulação da Liquidação no montante correspondente a metade do valor de imposto que na mesma foi apurado ser devido a título de “taxa autónoma” (a taxa especial do art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS). Taxa de 28%, que na Liquidação foi aplicada sobre a totalidade do ganho de mais-valias, assim: 28% x € 35.676,96 = € 9.989.55.

 

Pede, pois, a anulação da Liquidação no montante de € 4.994,77.

 

*

Vejamos, antes de mais, o quadro legal potencialmente aplicável[23].

 

I.       Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)[24]

 

No Preâmbulo, v.:

“(…) 3. A presente remodelação do regime da tributação do rendimento (…) decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…). / A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto (…) pela fórmula da tributação unitáriaatingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares. (…)

 

(…) 12. Outra categoria – a Categoria G – é constituída pelas mais-valias. (…) / Tratando-se de rendimentos excepcionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável. (…)”

 

No articulado (CIRS), no que aos autos releva[25]:[26]

Capítulo I – Incidência

Secção I – Incidência real

Artigo 1.º – Base do imposto

1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - (…)

Categoria B - (…)

Categoria E - (…)

Categoria F - (…)

Categoria G – Incrementos patrimoniais; 

Categoria H - (...)

2. Os rendimentos (…) ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, (…).

 

 

Artigo 9.º – Rendimentos da Categoria G

1. Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)

 

Artigo 10.º – Mais-valias

1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais[27], de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

(…)

3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).

4. O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(...)

Secção II – Incidência pessoal

Artigo 13.º – Sujeito passivo

1. Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

(…)

8. A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite. /(…)

 

Artigo 15.º – Âmbito de sujeição

1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. /(…)

 

Artigo 18.º – Rendimentos obtidos em território português

1. Consideram-se obtidos em território português:

(…)

h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão; /(…)

 

Capítulo II – Determinação do rendimento colectável

Secção I – Regras gerais

Artigo 22.º – Englobamento

1. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

(…)

3. Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º; / (…)

 

Secção VI – Incrementos patrimoniais

Artigo 43.º – Mais-valias

1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.(…)

Artigo 44.º – Valor de realização

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.

2. Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. /(…)

 

Artigo 45.º – Valor de aquisição a título gratuito

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

(…)

2. No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta (…) considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.

 

Artigo 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)

 

Artigo 50.º – Correcção monetária

1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)

 

Artigo 51.º – Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens (…);

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).

 

Artigo 55.º – Dedução de perdas

1 – Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em cada categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…)

c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita; /(…)

 

Secção X – Processo de determinação do rendimento colectável

Artigo 57.º – Declaração de rendimentos

1. Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos (…), devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo. (…)

 

Artigo 58.º – Dispensa de apresentação de declaração

1. Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:

a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º (…); /(…)

 

Artigo 65.º – Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos

1. O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes (…), com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos impostos disponha. / (…)

 

Capítulo – III – Taxas

Artigo 68.º – Taxas gerais

1. As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 68.º-A – Taxa adicional de solidariedade

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º, ao quantitativo do rendimento coletável superior a (euro) 80 000 incidem as taxas adicionais de solidariedade constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 70.º – Mínimo de existência

1. Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a € 8.500. / (…)

 

Artigo 72.º – Taxas especiais

1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

9.[28] Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10.[29] Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (…)

 

Artigo 113.º – Declaração anual de informação contabilística e fiscal

1. Os sujeitos passivos de IRS devem entregar anualmente uma declaração de informação contabilística e fiscal, de modelo oficial, relativa ao ano anterior, quando (…) ou quando estejam obrigados à apresentação de qualquer dos anexos que dela fazem parte integrante. / (…)

 

Artigo 130.º – Representantes

1. Os não residentes que obtenham rendimentos sujeitos a IRS, bem como os que, embora residentes em território nacional, se ausentem deste por um período superior a seis meses devem, para efeitos tributários, designar uma pessoa (…) para os representar (…) e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais.

2. O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, (…). /(…) 

 

 

II.     Lei Geral Tributária (“LGT”)

 

Art.º 4.º – Pressupostos dos tributos

1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. /(…)

 

Art.º 5.º – Fins da tributação

1. A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.

2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.

 

Art.º 6.º – Características da tributação e situação familiar

1. A tributação directa tem em conta:

a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna;

b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar;

(…)

3. A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem.

 

 

III.   Constituição da República Portuguesa (“CRP”)

 

Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais

Art.º 67.º – Família

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, (…).

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: / (…)

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; / (…)

 

Título IV – Sistema financeiro e fiscal

Art.º 103.º – Sistema fiscal

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. /(…)

 

Art.º 104.º – Impostos

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. /(…)

 

 

IV.    Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)

 

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)

*

 

Reenvio

Aqui chegados.

Solicita a Requerida, subsidiariamente, o reenvio prejudicial ao TJUE. O Requerente entende que tal não se revela necessário. Nenhuma das Partes sugeriu redacção para eventuais questões prejudiciais.

 

1. Nos termos do art.º 8.º, n.º 4 da CRP, as disposições dos Tratados que regem a União Europeia (“UE”) “são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União”.

 

2. Prevê o Artigo 267.º do TFUE que o Tribunal de Justiça da UE (“TJUE” ou “TJ”) é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados, e estatui que sempre que uma questão de tal natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um Estado-Membro (“EM”), de duas, uma: (i) as decisões desse órgão jurisdicional são insusceptíveis de recurso nos termos do respectivo Direito Interno e, então, o reenvio prejudicial é obrigatório (v. terceiro parágrafo), ou (ii) esse órgão jurisdicional (ainda que não decida em última instância) pode proceder a reenvio prejudicial se considerar necessária ao julgamento da causa uma decisão sobre tal questão (v. segundo parágrafo). Devendo, ainda assim, o reenvio prejudicial fazer-se apenas passado que seja o filtro da Jurisprudência do TJUE vertida, desde logo, no Acórdão Cilfit[30] e, bem assim, sempre também, tendo em consideração, e enquadrando-se, nas “Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais” (doravante “as Recomendações aos OJN”)[31].

 

3. Quanto à natureza de órgãos jurisdicionais dos Tribunais Arbitrais Tributários a funcionar sob a égide do CAAD, também à luz do Direito da UE não se coloca qualquer questão - cfr., entre o mais, Acórdão Ascendi, proferido pelo TJUE no Proc. C-377/13, de 12.06.2014. Sendo, assim, pacífica a competência destes Tribunais para proceder a reenvio prejudicial – cfr., entre outros, o mesmo Acórdão Ascendi, ou o Acórdão Lisbogás[32].

 

4. No que se refere à obrigatoriedade, ou não, de proceder a reenvio prejudicial no caso, vejamos. Os Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD decidem em geral sem possibilidade de recurso. Ainda assim, é possível, em casos muito limitados definidos na lei, o recurso, a saber nos casos de (i) serem suscitadas questões de inconstitucionalidade e/ou (ii) verificar-se oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre Decisões jurisdicionais, seja entre Decisões dos Tribunais Arbitrais e Decisões dos Tribunais Superiores, seja, mais recentemente, entre Decisões dos Tribunais Arbitrais[33]. E não vêm suscitadas questões de inconstitucionalidade, no caso. Já no que se refere a recorribilidade com fundamento em oposição de julgados, há que considerar a possibilidade, em abstracto, de interposição de recurso excepcional. Com efeito, na sequência do Acórdão do TJUE no Caso Hollmann[34], e não obstante a posterior alteração legislativa operada pelo legislador nacional no sentido de dar cumprimento ao ali decidido pelo TJ, vem-se formando Jurisprudência nos Tribunais Nacionais no sentido de que a alteração legislativa operada não é de molde a afastar o vertido pelo Alto Tribunal da UE naquele Acórdão e, assim e entre o mais, no sentido de que subsiste no Ordenamento Jurídico Português um regime jurídico ao qual se opõe o Artigo 63.º do TFUE.

 

5. Subsiste, em todo o caso, a possibilidade de proceder a reenvio prejudicial, a título facultativo, nos termos do Artigo 267.º do TFUE, segundo parágrafo, se o órgão jurisdicional nacional (“OJN”) considerar necessário, para julgar a causa que lhe vem submetida, decidir sobre questão de interpretação dos Tratados. Com efeito, e  cfr. Jurisprudência do TJ firmada, em especial o Acórdão Cilfit[35], é de entender que não haverá obrigatoriedade de recorrer ao processo em causa se a questão suscitada já tiver sido objecto de reenvio prejudicial em caso idêntico ou análogo, ou quando já esteja resolvida por Jurisprudência assente do TJ, ou, ainda, quando a correcta interpretação do Direito da UE se imponha com tal evidência que não permita qualquer dúvida razoável. Quando se esteja, pois, perante “acto-claro”, não há que proceder a reenvio prejudicial. Não obstante, os órgãos jurisdicionais nacionais mantêm a possibilidade de proceder a reenvio, enquadrando-se a situação no Artigo 267.º, se o considerarem necessário e adequado, apenas devendo afastar essa possibilidade por força da doutrina do “acto claro” caso estejam convencidos de que não se suscita dúvida razoável seja para si, seja para os órgãos jurisdicionais dos demais Estados Membros, seja para o próprio TJUE.[36]

 

6. Sucede, desde logo, que sobre a questão de interpretação do Artigo 63.º do TFUE que se suscita nos presentes autos o TJUE ainda não se pronunciou. Face à introdução na Ordem Jurídica Portuguesa, na sequência do Acórdão Hollmann, de uma lei nova, o presente reenvio versa sobre circunstancialismos de facto e de Direito que são novos relativamente à questão prejudicial objecto daquele Acórdão.O Acórdão Hollmann versou, pois, sobre distintos pressupostos de facto e de Direito. Sendo que estamos perante um quadro jurídico inédito.

 

7. Mais, no entender deste Tribunal Arbitral não nos encontramos perante uma questão sobre a qual não se suscite dúvida razoável. Com efeito, a Jurisprudência do TJUE existente não fornece o necessário esclarecimento no quadro legal - novo - em que nos encontramos.

 

8. Sendo manifestamente relevante à interpretação correcta e aplicação uniforme do Direito da União Europeia a pronúncia do TJ sobre o novo regime fiscal vigente no Ordenamento Jurídico Português quanto ao ganho de mais-valias obtido por Não Residentes com a transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis localizados em Portugal. Regime introduzido pelo legislador nacional, no CIRS[37], após prolação do Acórdão Hollmann e a fim de dar cumprimento ao decidido no mesmo.

 

9. Posto isto, tendo em mente as Recomendações aos OJN, e considerando que é ao OJN que cabe apreciar, em face das particularidades do processo, da necessidade do pedido e da pertinência das questões a colocar, vejamos então as razões pelas quais este Tribunal entende necessário o reenvio, para por fim concluirmos com as questões prejudiciais.[38] Como segue.

 

10. É identificável um nexo entre a legislação nacional aplicável no litígio sub judice e normas do TFUE - Artigos 18.º[39], 63.º[40] e 65.º (antes 12.º, 56.º e 58.º CE) -, estamos perante um quadro jurídico inédito, que faz suscitar a dúvida real quanto à possibilidade de aplicação da Jurisprudência do TJUE potencialmente pertinente, e sendo que a demais Jurisprudência do TJUE existente não desfaz essa dúvida, não facultando o esclarecimento necessário.

 

11. É pois conhecida a Jurisprudência do TJUE referente à interpretação do Artigo 63.º do TFUE no confronto com o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. No Acórdão Hollmann[41], tendo sido questionado ao Alto Tribunal se o Artigo 63.º se opunha ao disposto naquela norma do Ordenamento Jurídico Português, a questão prejudicial foi respondida no sentido de a disposição em causa, então Artigo 56.º CE, dever ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional “como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro (…) efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria (…) sobre as mais-valias realizadas por um residente (…)”. Contudo, na sequência e em cumprimento do Acórdão Hollmann, o legislador nacional veio introduzir no CIRS a possibilidade de os Não Residentes - relativamente aos rendimentos em causa - escolherem o regime aplicável aos Residentes. O que o legislador fez mediante o aditamento de dois novos números ao art.º 72.º do CIRS (v. supra), nos termos dos quais o Não Residente que seja residente “noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal” (“Não Residente” ou “NR”[42]) pode escolher ser tributado sobre esses seus rendimentos (ganho de mais-valias imobiliárias) - nas mesmas condições aplicáveis aos Residentes - à taxa que, de acordo com a tabela do art.º 68.º, n.º 1 do CIRS, seria aplicável aos Residentes.

12. Sendo certo, como também já aflorado, que se tem vindo a formar Jurisprudência nos Tribunais Portugueses, na sequência do Acórdão Hollmann e já após a referida alteração legislativa, em que, por apelo ao Acórdão do TJUE proferido no Caso Gielen[43], se decide que não será pelo facto de o legislador nacional ter vindo criar a possibilidade de o sujeito passivo Não Residente optar pelo regime aplicável aos Residentes que fica afastada a desconformidade do regime vertido no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS ao Direito da UE cfr. determinada no Acórdão Hollmann. Pois que sempre se está a impor ao sujeito passivo Não Residente um ónus, de optar por um outro regime e, assim, a colocá-lo numa posição menos favorável relativamente aos Residentes, criando um ónus suplementar. O regime facultativo introduzido não afasta, assim, a discriminação. Mais sendo que, nos casos em que o sujeito passivo não faça uso dessa possibilidade, será, à mesma, aplicável o regime do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. E, tendo este sido já considerado desconforme ao Direito da UE cfr. Acórdão Hollmann, deve entender-se que a legislação nacional continua a ser violadora da liberdade de circulação de capitais cfr. Artigo 63.º do TFUE. Na sequência do que se determina a aplicação aos Não Residentes, nos casos aí sub judice, do regime constante do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS[44] mesmo não tendo o sujeito passivo escolhido ser tributado pelo regime aplicável aos Residentes - como o poderia ter feito exercendo a opção introduzida pelo legislador no art.º 72.º. Vem-se, em rigor, e aqui a nota é já deste Tribunal Arbitral, aplicando o regime do art.º 43.º, n.º 2 tão só no que à base tributável (Tax base) respeita, sem o mais próprio do regime em causa. Como veremos.

Refira-se ainda que o Supremo Tribunal Administrativo recentemente se pronunciou sobre a questão em sede de recurso por oposição de julgados entre duas Decisões de Tribunais Arbitrais, decidindo no mesmo sentido supra.[45] E, ainda, por Acórdão da mesma data, no mesmo sentido, para uniformização de Jurisprudência[46].

 

13. Ficando esse Alto Tribunal condicionado, no seu iter decisório de resposta às questões prejudiciais, pelo quadro factual e jurídico do litígio no processo principal tal como este lhe for transmitido pelo OJN, entende muito respeitosamente este Tribunal - no quadro da exposição das razões pelas quais procede ao reenvio - ser conveniente percorrer, e assim facultar nesta sede, com um mínimo desenvolvimento, o enquadramento legal da norma nova (art.º 72.º, n.ºs  14 e 15[47], CIRS). E, ainda, conexamente, da norma constante do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, posto que esta ora passou a aplicar-se também na decorrência da aplicação daquela, e tendo ainda em mente o possível argumento (seguido por Jurisprudência Nacional com apelo ao Acórdão Gielen) de que, ao o novo regime jurídico manter em vigor uma norma antes declarada desconforme ao Artigo 63.º (TFUE) não se resolve a discriminação que no Acórdão Hollmann (no quadro do anterior regime jurídico) se considerou existir.

 

14. Antes de passarmos a percorrer os elementos de Direito considerados de relevo ponderar para uma cabal compreensão do regime jurídico-fiscal em questão, no diálogo que é próprio do processo de reenvio e com vista a melhor dotar esse Alto Tribunal de todos os elementos úteis à decisão sobre a possível desconformidade em face do Artigo 63.º do TFUE, note-se ainda, com o muito devido respeito, que poderão não ter sido facultados - aquando do reenvio no quadro do regime jurídico anterior e que culminou no Acórdão Hollmann - todos os elementos de Direito potencialmente pertinentes. Como adiante melhor se verá. E, num paralelo possível com a sequência dos Acórdãos desse Alto Tribunal nos Casos Taricco e M.A.S.[48], sempre será de reconhecer que a consideração de elementos anteriormente não ponderados e/ou de questões que não haviam sido trazidas ao conhecimento do TJ poderá revelar-se determinante, e assim merecedora de reapreciação a questão num tal quadro[49]. Sobretudo se, como também no presente caso, estivermos perante questão que releva - como se procurará deixar percorrido - do próprio Sistema Jurídico Interno, cuja unidade/coerência há-de, em alguma medida, ser ponderada. Subjaz uma questão de interpretação do Direito Nacional.

 

15. Antes de entrarmos mais concretamente nos elementos de Direito, dê-se brevemente nota de que, no que a factos se refere, - e além de, neste novo quadro jurídico, assumir pertinência, como se verá, o facto de o Não Residente fazer ou não uso da opção que lhe foi conferida pela lei nova – no processo sub judice os factos (v. supra) se reportam a bem imóvel adquirido pelo sujeito passivo Não Residente a título gratuito. Porém sem que tal se revista de reflexos na questão fundamental de Direito em apreço. Com efeito, tal apenas releva para a forma de apuramento do quantum do ganho de mais-valias (a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, e nomeadamente para o apuramento deste último valor). Por outro lado, deixe-se também nota de que, seja no caso das aquisições a título gratuito, seja no das aquisições a título oneroso, de imóveis cuja posterior transmissão onerosa vem a gerar ganho de mais-valias, também as demais regras de apuramento do quantum do ganho – correcção monetária, e consideração de despesas, se for o caso – são aplicáveis indistintamente a sujeitos passivos Residentes e Não Residentes.

 

16. No Ordenamento Jurídico-Fiscal Português a tributação sobre o rendimento das pessoas singulares é feita através de um imposto único e progressivo, conforme pré-determinado pela Lei Fundamental[50], e depois concretizado, seja na LGT[51], seja, específica e desenvolvidamente, no CIRS. Na estruturação desta tributação, directa, o legislador nacional teve sobremaneira em consideração o Princípio da Igualdade, traduzido em concreto pelo sub Princípio da tributação em função da Capacidade Contributiva. E é assim, tendo tal fim em vista – a tributação em função da capacidade contributiva - que o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) foi construído como um imposto de base alargada, e de formação sucessiva (que não instantânea), ao longo do ano. Imposto no qual se tributa o rendimento na base de uma concepção “rendimento-acréscimo”. Concepção por natureza mais adequada à tributação em função da capacidade contributiva dos sujeitos passivos do que seria uma concepção “rendimento-produto”.

 

17. Para alcançar/apurar a efectiva capacidade contributiva dos sujeitos passivos, o IRS foi estruturado e o seu funcionamento configurado com toda uma série de regras que visam precisamente operar essa tributação tendo em conta a real capacidade contributiva em causa. A qual será, aliás, não propriamente a capacidade contributiva individual e isolada do sujeito passivo de per si mas, antes, a capacidade contributiva do respectivo agregado familiar. Pretende-se que sejam tidas em consideração as necessidades razoáveis do agregado familiar e, em função dos respectivos rendimentos, globais, então tributar de acordo com a capacidade contributiva revelada. Têm-se em conta, ao tributar em IRS, “as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, no quadro de um Sistema Fiscal que visa “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, como disposto na Constituição da República Portuguesa.[52] Têm-se em conta, através do parâmetro e critério da capacidade contributiva, não só elementos objectivos (capacidade económica) como, também, elementos subjectivos (aspectos pessoais, familiares, e características do sujeito passivo).

 

18. No IRS, como imposto sobre o rendimento que é, o legislador fiscal pretende tributar o rendimento líquido. Tratando-se aqui do rendimento pessoal, ele é, por sua vez, apurado tendo em consideração – a abater/deduzir – seja despesas necessárias à obtenção dos rendimentos, seja despesas pessoais e/ou familiares – tendo também em vista o já percorrido supra. Revela-se, assim, um carácter personalizante na tributação em IRS: tem-se em consideração a situação pessoal e familiar do sujeito passivo, as suas condições e características pessoais.

 

19. Com tal fito em vista (tributação em função da efectiva capacidade contributiva revelada como supra), o legislador nacional determinou, pela Reforma de 1989, e dando também cumprimento ao previsto na Constituição, que a tributação das pessoas singulares passasse a fazer-se através de um único imposto, de base alargada, que congrega em si a tributação da multiplicidade dos rendimentos de diferentes origens e natureza obtidos pelo sujeito passivo, que são distribuídos por diferentes Categorias, mas todas elas integradas no dito imposto, único, o IRS. Cada uma dessas Categorias tendo regras próprias, desde logo quanto ao apuramento da respectiva base tributável (Tax base), reporte de perdas, e outros. Mas rendimentos esses que são, depois e a final, tratados (mediante o “englobamento”[53]) num bolo comum[54], que será o rendimento total (matéria colectável total – Tax base) no ano, ao qual será então aplicada a tabela do art.º 68.º, composta por uma sucessão de taxas – as “taxas gerais” - progressivas, por escalões. Taxas que aumentam, pois, por escalões. A acompanhar o aumento do montante dos rendimentos auferidos, mundialmente - world wide income (totais do ano, englobados). O escalão máximo dos referidos rendimentos é actualmente tributado a uma taxa - cfr. tabela do art.º 68.º do CIRS - de 48%. Sobre esses mesmos rendimentos, no escalão mais elevado, aos quais é aplicada a taxa de 48%, acresce, depois, uma outra taxa  - “taxa adicional de solidariedade” (cfr. art.º 68.º–A do CIRS) – que sobre rendimentos até determinado montante é de 2,5%, e sobre rendimentos acima desse mesmo último montante é de 5% (48% + 5%). Numa das Categorias de rendimentos, os profissionais ou empresariais, podem ainda acrescer, reunidas certas condições, taxas de tributação autónoma, devidas com o IRS (art.º 73.º do CIRS).

 

20. A opção do legislador pela consagração de taxas progressivas, por escalões, neste contexto, tem justificação, também, em objectivos próprios do Estado Social, objectivos de protecção social e redistribuição da riqueza – cfr. art.º 103.º, n.º 1 da Lei Fundamental Portuguesa.[55] O que se apreende também se tivermos em conta que nas taxas progressivas (diferentemente do que sucede nas taxas proporcionais) à medida que aumenta o rendimento colectável há um aumento mais que proporcional do imposto, dada a subida da própria taxa de imposto. O legislador teve por objectivo, ao estruturar o IRS como um imposto único com progressividade, abranger a totalidade dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo e fazer com que os mesmos sejam tendencialmente sujeitos à mesma tabela escalonada de taxas progressivas. Tal desiderato é concretizado através do art.º 68.º do CIRS. A progressividade perderia sentido quando não reportada à globalidade dos rendimentos. É pela reunião das características da progressividade e da unicidade que o legislador alcança (visa alcançar) os ditos objectivos também de Estado Social, onde se inclui o da pretendida redistribuição da riqueza (cfr. art.º 103.º, n,º 1 da CRP supra).

 

21. Na tributação em IRS, porque tributação baseada numa concepção rendimento-acréscimo - que visa o apuramento da real capacidade contributiva dos contribuintes - incluem-se também os rendimentos de carácter ocasional/excepcional. Como são as mais-valias, desde logo as imobiliárias.

 

22. A concepção de rendimento-acréscimo, porém, a ser consagrada na sua plenitude, sobretudo no caso de certo tipo de rendimentos (como seria tipicamente o caso das mais valias imobiliárias) - e tendo em conta a tributação da globalidade dos rendimentos do sujeito passivo do ano, auferidos universalmente, pela aplicação de taxas progressivas por escalões - acarretaria consequências potencialmente gravosas. E é tendo tal em consideração que, desde logo na tributação das mais-valias em IRS, a concepção “rendimento-acréscimo” é atenuada pelo princípio da realização. Os rendimentos que se tributam são os efectivamente realizados, e não os meramente latentes ou potenciais. Foi esta a opção do legislador, dadas as dificuldades que distinta opção implicaria. Com efeito, estamos em regra perante bens que vão valorizando ao longo do tempo, frequentemente por anos, no caso das mais-valias imobiliárias. A tributação na esfera jurídica dos respectivos titulares ao longo desses anos, por os bens terem acrescido de valor, seria, no mínimo, delicada. Daí que apenas no momento em que são transmitidos se tribute. O imposto recai sobre esses ganhos quando realizados, i.e., tão só e apenas no momento em que efectivamente se materializam, se traduzem num efectivo ingresso monetário na esfera do sujeito passivo[56]. Ora, o facto de serem então tributados, esses rendimentos (mais-valias imobiliárias, Categoria G do IRS), de uma só vez, a saber, no IRS do ano em que a venda tem lugar, implica que – e uma vez que os mesmos rendimentos são de englobamento obrigatório – a globalidade dos rendimentos do ano do sujeito passivo vai, nesse ano, potencialmente ser afectada (agravada) em termos de carga fiscal sobre ela incidente. O risco de agravamento das taxas incidentes sobre os demais rendimentos do sujeito passivo, englobados, é evidente. E pense-se nas taxas particularmente elevadas dos escalões superiores. Como os próprios rendimentos de mais-valias imobiliárias, também eles, vão potencialmente resultar agravadamente tributados ao serem obrigatoriamente amalgamados (via englobamento) à totalidade dos rendimentos do ano (e não isoladamente considerados e tributados) para, então, ser determinada a taxa (cfr. art.º 68.º) que será aplicada ao todo dos rendimentos (aqueles também incluídos). Tenha-se em mente, sempre, a progressividade de taxas, por escalões.

 

23. No enquadramento que antecede, já se vê, o legislador nacional tem em vista o imposto sobre o rendimento pessoal dos Residentes. Que são, como é princípio generalizadamente aceite e assente seja em Direito Internacional Fiscal, seja - pensamos na tributação directa - no próprio Direito da UE, tributados numa base diferente daquela em que são tributados os Não Residentes. Aqueles pelos seus rendimentos universais, estes apenas pelos rendimentos obtidos no território do Estado em causa. Assim também no Ordenamento Jurídico-Fiscal Português[57]. Como aplicável no caso sub judice, em que estão em causa rendimentos de mais-valias gerados pela transmissão de imóvel localizado no território português e, daí, a tributação[58].

 

24. Residentes e Não Residentes não se encontram, pois, como decorrerá do que vem de se expôr, em situações objectivamente comparáveis, também no que à tributação sobre o rendimento de mais-valias imobiliárias respeita. Assim, diferentemente de tudo o que ficou exposto mais acima, ao o legislador português tributar um Não Residente por um ganho de mais-valias imobiliárias não estará, bem se vê, a procurar aferir da sua capacidade contributiva real em função da sua situação pessoal e familiar e/ou características pessoais ou, sequer[59], a pretender, ao tributar esse sujeito passivo, que o mesmo fique abrangido pelas taxas progressivas por escalões[60], com as quais se visou, desde logo, utilizar a tributação como um meio ao serviço também dos fins próprios do Estado Social - ao se tributar mais gravosamente quanto mais altos os escalões de rendimento dos sujeitos passivos. Assim, não estará o legislador português senão em relação aos Residentes, sim, a pretender que, de entre estes, os que alcançam rendimentos mais elevados contribuam de forma proporcionalmente maior para as despesas do Estado.

 

25. O legislador português, como também o Comunitário, procurou tratar de forma igual aquilo que é igual, e na medida dessa igualdade. Não já, porém, tratar de forma igual aquilo que é diferente.

 

26. Assim também, em Direito da UE a obrigação de não discriminação, em cumprimento das Liberdades Fundamentais, traduz desde logo um dever de respeito pelo Princípio da Igualdade, uma enunciação, mesmo que pela negativa, do princípio geral da igualdade. A exigir que situações objectivamente comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, e que situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, salvo existindo justificação aceitável.

 

27. Assim contextualizado, como o deverá ser, se alcança o principal objectivo visado pela norma do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. O legislador cuida aqui de uma situação, a dos Residentes, que não encontra paralelo na situação de sujeitos passivos Não Residentes. Foi tendo em atenção a particular gravosidade que a tributação de rendimentos ocasionais feita num único momento no tempo (cfr. princípio da realização), - no seio de um imposto pessoal único, incidente sobre a totalidade dos rendimentos anuais, mundiais, com taxas progressivas por escalões e englobamento obrigatório -, pode implicar para o sujeito passivo e seu agregado familiar, que o legislador nacional procurou amenizar tal impacto negativo potencialmente gravoso para tributação da globalidade dos rendimentos do ano. Foi este o objectivo visado através da consideração do ganho - matéria colectável (Tax base) da Categoria G - em apenas metade do seu valor. Como desde logo explicitado pelo legislador no próprio Preâmbulo do CIRS.[61]

Assim se tendo ali em vista também, no art.º 43.º, n.º 2, afinal - e tendo subjacente o referido objectivo de amenizar o impacto negativo na tributação do global dos rendimentos – mesmo que mediatamente, a determinação do rendimento colectável total (e não tanto, ou não isoladamente, a determinação da base tributável do ganho de mais-valias)[62].

 

28. E é também por se tratar de situações não comparáveis - a do Residente e a do Não Residente - que enquanto que no caso dos Residentes em geral vigoram taxas como as que vimos, já no caso dos Não Residentes vigoram em regra taxas proporcionais, consideravelmente inferiores às taxas que podem atingir-se na progressividade por escalões. Tributação, nos primeiros, ponderadas todas as considerações supra, versus tributação numa base essencialmente real, facto tributário isoladamente considerado e revelador de uma determinada capacidade económica imediata, sem outras considerações, como seriam quaisquer considerações personalizantes, nos segundos. Mesmo porque será o Estado da Residência destes últimos aquele que estará em melhores condições para tal ponderar ao tributar.

 

29. Assim também enquadrados, relembre-se que estamos no âmbito de tributação directa, competência legislativa, pois, dos Estados-Membros. Não em matéria de tributação harmonizada. E não existindo Directiva aplicável. Também assim verificamos que esse Alto Tribunal reconhece, na sua base, a situação dos sujeitos passivos Residentes e a dos Não Residentes como não sendo, regra geral, comparável. Tendo em conta, desde logo, que enquanto que os primeiros têm uma obrigação tributária ilimitada perante o Estado da sua Residência, os segundos, por ali não serem residentes, têm uma obrigação limitada. Tendo em conta, igualmente, a distinta posição de uns e de outros na sua relação com esse Estado no que à tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar/aferição de capacidade contributiva respeita.

 

30. Sendo daí, dessa base, que se parte para a apreciação das situações. E nessa apreciação se podendo depois identificar casos em que as circunstâncias revelam uma situação afinal objectivamente comparável. Assim também no Acórdão Gielen, onde se concluiu tratar-se de questão (a diferenciar a tributação) que não interceptava com o apuramento da capacidade contributiva/situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos. Diferentemente, como vimos, do que aqui sucede.

 

31. Ora, o que antecede vem reflectido no regime jurídico-fiscal em vigor no Ordenamento Português - seja após a alteração legislativa operada pelo legislador nacional uma vez proferido o Acórdão Hollmann, seja antes - e deverá ser ponderado na apreciação do mesmo. Vejamos.

 

32. Com a alteração legislativa[63] pós Acórdão Hollmann o sujeito passivo Não Residente passou a ter a possibilidade de escolher entre o regime geral de Não Residentes, que já antes lhe era aplicável[64], e o regime que é aplicado no caso dos Residentes. Regime este que, como terá ficado claro, resulta da conjugação de uma série de normas consagradas no CIRS, uma delas o art.º 43.º, n.º 2. Artigo este que não pode pois ser apreendido, ou sequer aplicado, isoladamente. Ele é aplicado conjugadamente, desde logo, com o art.º 22.º (englobamento, obrigatório) e com o art.º 68.º (tabela geral das taxas, progressivas).[65]

 

33. Temos pois que vigoram actualmente dois regimes, distintos e alternativos, para a tributação de mais-valias imobiliárias obtidas por Não Residentes em Portugal. Um primeiro regime, que era aquele que já vigorava antes do Acórdão Hollmann, nos termos do qual sobre o montante do ganho de mais-valias (calculado cfr. regras gerais aplicáveis também aos Residentes) se aplica uma taxa especial fixa de (actualmente) 28%. E um outro regime, nos termos do qual ao montante do ganho de mais-valias, calculado da mesma forma, se deduz 50% e se aplica a tabela do art.º 68.º do CIRS, tendo para o efeito o Não Residente que, como o Residente, informar o Estado Português quanto a todos os rendimentos por si auferidos mundialmente no ano em causa.[66]

 

34. Para o sujeito passivo Não Residente escolher ser-lhe aplicado o regime que é aplicado aos Residentes deve, na sua Declaração de rendimentos a apresentar ao Estado Português[67], no Quadro referente à Residência Fiscal, ao invés de assinalar a opção 07 “Pretende a tributação pelo regime geral”, assinalar a opção 08 “opta por um dos regimes abaixo indicados”, e, abaixo, assinalá-lo: o regime das taxas gerais aplicável aos Residentes, quanto aos rendimentos do art.º 72.º, n.º 14[68]. E devendo, neste último caso, aí também indicar o total dos rendimentos obtidos no estrangeiro (cfr. art.º 72.º, n.º 15[69]).

 

35. Note-se que o sujeito passivo terá que assinalar (optar por) uma de entre aquelas duas possibilidades (07 / 08) – V., em anexo, o Modelo da Declaração de rendimentos a ser preenchido (v.  p. 1, parte final, Quadro 8 – Residência Fiscal). Sendo que a obrigação declarativa já existia, sempre existiu[70], apenas tendo, no local próprio, sido introduzida a possibilidade de opção entre dois regimes alternativos, como supra. Não foi criada, pois, uma nova obrigação declarativa, mas sim aberta mais uma possibilidade no seio da mesma obrigação declarativa.

 

36. Deve neste ponto notar-se que o CIRS é todo ele pautado por situações em que ao sujeito passivo é solicitado escolher entre opções possíveis. O IRS contém um regime em boa medida optativo, que faculta ao contribuinte diferentes opções de tributação. Dá-se ao sujeito passivo a possibilidade de optar, de entre alternativas possíveis, pela que lhe seja mais favorável, que corresponderá àquela que há-de permitir-lhe uma maior poupança fiscal. São assim consagradas opções de tributação, sendo que a escolha pelo regime fiscalmente menos gravoso/mais favorável dependerá das circunstâncias de cada caso.

 

37. Para dizer que, desde logo, o facto de se conceder aos Não Residentes uma opção de tributação, como a que foi consagrada pela introdução dos n.ºs 14 e 15 no art.º 72.º do CIRS, não deixa de estar em harmonia com o sistema do CIRS conforme desenhado pelo legislador e, assim, com o que neste aspecto – opções de tributação a exercer pelos contribuintes nas suas obrigações declarativas – se exige dos Residentes. Quanto a estes últimos, já se vê, com uma extensão não comparável, por patentemente mais vasta, que quanto àqueles. Não se constatando pois, também por aqui, um tratamento menos favorável comparativamente ao tratamento concedido aos Residentes.

 

38. Por outro lado, e também, para constatar que não estaremos perante um ónus, mas sim perante uma faculdade. Senão vejamos. Mediante a possibilidade de opção que é concedida ao contribuinte – no caso, o Não Residente – torna-se possível escolher ele próprio entre dois regimes de tributação e, assim, escolher aquele que no caso lhe for mais vantajoso. Se lhe quisermos denominar de “ónus” sempre será um ónus tendo em vista o alcançar de uma vantagem, assim tornada possível.

 

39. Dê-se ainda nota de que a obrigação que recaía sobre os Não Residentes de indicarem um Representante Fiscal, que seria responsável pelas suas obrigações declarativas, deixou de constar do CIRS, na sequência de esse Alto Tribunal a ter considerado excessiva face aos fins a que se destinava e violadora da liberdade de circulação de capitais[71].[72] Não será pois de considerar estar o Não Residente, ao não dispor, se for o caso, de um Representante Fiscal, desfavorecido, ou em situação menos favorável que o Residente, também no que a este particular respeita.

 

40. Mais se dê nota (ao que a própria natureza da possibilidade de opção também nos conduz pois que estas possibilidades existem, precisamente, com vista a permitir aos contribuintes aferirem, na sua situação, a solução que de entre as possíveis lhes é mais favorável) - e por aqui também ora regressando nós ao art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e às questões que vimos colocar em Reenvio - que não é possível, em abstracto, de antemão, saber qual o efeito da tributação em questão (cfr. art.º 43.º, n.º 2) sobre o bolo dos rendimentos, no ano em causa, do sujeito passivo Residente. O montante do ganho de mais-valias sujeito a imposto (mesmo que considerado em apenas metade) é obrigatoriamente englobado no total dos rendimentos, i.e., no total dos rendimentos de todas e quaisquer Categorias (seja rendimentos do trabalho dependente, seja rendimentos de trabalho independente e/ou empresarial, seja rendimentos de capitais - e as mais valias imobiliárias de que se cuida não se confundem, no Ordenamento Jurídico-Fiscal Português com rendimentos de capital - seja rendimentos de pensões, seja rendimentos prediais) obtidos no ano pelo sujeito passivo. Incluídos os rendimentos auferidos fora do território Português. E a taxa que vai ser aplicada a esse valor do ganho de mais-valias (a metade do ganho, a Tax base cfr. art.º 43.º, n.º 2) não é, assim, aferível isoladamente, não é aferível por referência apenas a esse ganho. A taxa vai ser apurada – cfr. art.º 68.º do CIRS - em função do bolo total dos rendimentos auferidos mundialmente pelo sujeito passivo nesse ano. Pois que só mediante a soma de todos os rendimentos se consegue calcular e apurar a taxa aplicável.

 

41. Mais, o ganho de mais-valias (metade do ganho) vai – ao acrescer aos demais rendimentos – contribuir para a elevação da taxa que será aplicada aos rendimentos (à totalidade dos rendimentos do ano) do sujeito passivo. E, outra face da mesma moeda, o próprio ganho de mais-valias vai potencialmente ser agravado na sua tributação por lhe ser aplicável uma taxa que é apurada tendo por referência não esse ganho isoladamente, mas sim a totalidade dos rendimentos auferidos mundialmente pelo sujeito passivo no ano. Pela aplicação de uma tabela de taxas que aumentam por escalões com progressividade, recorde-se (cfr. art.º 68.º).

 

42. É o que passa a suceder com o Não Residente - desde que foi introduzida a possibilidade de opção no nosso Ordenamento Jurídico - quando escolha ser tributado da mesma forma que os Residentes. Porém vindo-lhe a ser aplicada a taxa que assim se apurar (após consideração da totalidade dos rendimentos mundiais do ano e por aplicação da tabela do art.º 68.º do CIRS) tão só e apenas sobre o ganho de mais-valias, e apenas considerado na metade. Não já sobre os seus demais rendimentos, que aqui não serão, como se sabe, tributados. Que, portanto, diferentemente do que sucede no caso dos Residentes, não sofrerão uma tributação potencialmente agravada em consequência do ganho de mais-valias lhes ser adicionado. Mais uma vez, situações diferentes, não comparáveis.

 

43. Taxa essa – e carga tributária, pois - que, como resultará claro, não se conseguirá antecipar sem mais. Não é possível concluir que o Regime geral aplicável aos Não Residentes (aquele único que existia até à alteração legislativa, e pelo qual se aplica uma taxa fixa sobre o montante do ganho, sem redução deste a metade) se traduz, para estes, numa maior carga fiscal do que se traduziria a aplicação, aos mesmos, do regime geral aplicável aos Residentes. Primeiro porque só em concreto, ponderadas as circunstâncias do caso, se torna possível aferir qual a taxa que será aplicada (face à totalidade dos rendimentos do ano) e, assim, qual dos dois regimes se revela mais favorável ao Não Residente; depois porque os regimes gerais do Não Residente e do Residente não poderão, em bom rigor, sequer ser comparados: desde logo, como se viu, o Não Residente (e porque Não Residente) não vai ver a sua carga tributária sobre os seus demais rendimentos do ano afectada pelo ganho de mais-valias (contrariamente ao que sucede com o Residente). Mais uma vez, na raíz, situações diferentes, não comparáveis.

 

44. Sem prejuízo do que acaba de se dizer, em qualquer caso e ainda no exercício de uma tentada comparação, sempre se diga que não se afigurará pouco frequente que seja efectivamente o regime geral dos Não Residentes o que mais favorável se revelará na prática. Para tal se tenderá, com efeito, nas situações em que os níveis de rendimento mundiais dos sujeitos passivos Não Residentes sejam mais elevados. Já não assim, admita-se, se os níveis de rendimento forem efectivamente baixos. Ainda assim, e neste contexto, não deixará de se notar que estamos a tratar da realização de ganhos na venda de bens imóveis que não a habitação permanente dos sujeitos passivos, antes habitação secundária e/ou de investimento, e, assim, à partida não estaremos em contexto de contribuintes com rendimentos mais baixos.

 

45. Como quer que seja, a opção entre os dois regimes de tributação que se encontram hoje disponíveis para utilização pelo Não Residente é, assim, uma possibilidade, uma faculdade consagrada em favor dos contribuintes Não Residentes. Sendo que não é seguro que estes fiquem sujeitos, por força da não aplicação do art.º 43.º, n.º 2 à sua situação, como visto, a uma carga fiscal mais gravosa que aquela a que ficam sujeitos os Residentes. Não só não será possível aferir em abstracto se os Não Residentes ficam sujeitos a uma carga tributária mais gravosa caso lhes seja aplicado o regime do art.º 72.º, n.º 1 do que se lhes for aplicado o regime dos Residentes como lhes passou a estar acessível. Como, e sobretudo, não será possível afirmar-se com certeza que os Não Residentes ficam sujeitos a uma carga tributária mais gravosa quando lhes seja aplicado o regime do art.º 72.º, n.º 1 comparativamente àquela a que ficam sujeitos os Residentes.

 

46. Dito isto, e a acrescer a tudo quanto antecede, sempre se refira que o regime geral dos Residentes se afigurará aos Não Residentes menos favorável em termos de previsibilidade, quando comparado com o regime geral dos Não Residentes. Ao neste - contrariamente ao que sucede naquele - se conseguir (ser possível) calcular antecipadamente o montante de imposto que vai ser devido (aplicação de uma taxa fixa ao valo do ganho). O que sempre será de notar, tendo em consideração que através da consagração da liberdade de circulação de capitais se pretende obstar a que um Não Residente resulte desincentivado, dissuadido, de investir no Estado em causa. E pense-se na relevância que, nesse contexto, assumirá a previsibilidade versus a maior imprevisibilidade do imposto a pagar (no regime geral dos Residentes, por força da tabela do art.º 68.º do CIRS, a taxa a aplicar reveste-se, comparativamente, de incerteza).

 

47. Sem preocupações de exaustividade, poderão ainda referir-se outros pontos em que o regime geral dos Residentes (cfr. art.º 43.º, n.º 2 do CIRS) se não revela mais favorável quando comparado com o regime geral dos Não Residentes (cfr. art.º 72.º, n.º 1 CIRS). Desde logo, o ganho de mais-valias é ali considerado pela metade mas, igualmente, as menos-valias que o sujeito passivo incorra no ano, se for o caso, também elas são consideradas pela metade. O IRS é um imposto de formação sucessiva, ao longo de um ano, as mais-valias do Residente são as apuradas ao longo do ano, aquilo que – art.º 43.º, n.º 2 – se tributa pela metade é, aliás, o saldo de mais-valias (a diferença pois entre mais-valias e menos-valias do ano, ambas por metade). E mais uma vez, também por aqui, as situações são diferentes. No caso dos Não Residentes a tributação das mais-valias não traduz um imposto de formação sucessiva mas sim um imposto instantâneo. Não há um saldo entre mais e menos-valias a apurar no ano, que então será tributado, como é o caso dos Residentes, mas sim uma tributação real – a aplicação de uma taxa fixa sobre um montante determinado, e nada mais. Mais, aos Residentes não é dada a possibilidade de não englobar o rendimento de mais-valias imobiliárias com os demais rendimentos do ano. Sendo que, mais, no reporte de perdas (menos-valias) que lhes é permitido fazer dentro desta Categoria para os anos seguintes, essas perdas, a existirem, vão ser consideradas em apenas metade do seu valor[73].

 

48. Por tudo, e salvo melhor entendimento, as situações em causa não são comparáveis, recaindo-se no âmbito do n.º 1 do Artigo 65.º do TFUE. E sem que se verifique preenchido o n.º 3 deste mesmo Artigo, como também resulta de tudo quanto antecede. Com efeito, desde logo não havendo situações comparáveis inexiste discriminação. Mas mais. Ainda que se seguisse distinto entendimento (se se seguisse entendimento no sentido de estarmos perante situações objectivamente comparáveis), ou dúvidas restassem, sempre haveria de reconhecer-se que decorre da própria coerência do Ordenamento Jurídico Interno, como supra, a consagração dos dois regimes em causa, diferentes, para Residentes e para Não Residentes. Por tudo o que vimos, e tendo em conta desde logo que o Estado Português tributa os seus Residentes (e não assim os Não Residentes) pelos seus rendimentos numa base mundial. Com preocupações personalizantes e, também, de Estado Social.

 

49. Não se deixando ainda de notar que uma eventual vantagem que se considerasse existir para os Residentes decorrente do regime do art.º 43.º, n.º 2 (na hipótese, menos correcta, de se ver este artigo isolado do contexto) sempre haveria de considerar-se a mesma “compensada” não só, desde logo, pelas decorrências desse regime de tributação unitária com proporcionalidade por escalões e assim pela agravada tributação do todo dos rendimentos, com o risco de as taxas dos escalões superiores alastrarem aos demais rendimentos, como também pela maior carga tributária a que os Residentes ficam sujeitos no Estado da sua Residência – tributação de base mundial, poder tributário mais alargado do Estado.

 

50. Por fim, e nos termos do ponto 18 das Recomendações aos OJN, com a devida vénia diremos ainda o que segue.

 

51. É visando a tributação em função da capacidade contributiva que no caso dos Residentes o Estado Português leva em linha de conta, na respectiva tributação, a situação pessoal/familiar, com deduções à colecta, dedutibilidade de encargos e outros. Diferentemente, no caso dos Não Residentes a tributação é operada numa perspectiva não personalizante e apenas real. Tributando-se apenas os rendimentos obtidos em Portugal. Na tributação dos Não Residentes não se têm em conta características de natureza pessoal ou familiar do sujeito passivo. Tributa-se independentemente da capacidade contributiva efectiva do Não Residente.

 

52. Neste contexto, foi a potencialidade de assim se agravar de forma sobremaneira pesada a carga de imposto sobre a totalidade dos rendimentos do sujeito passivo Residente no ano em causa (da venda do imóvel) e, assim também, o rendimento disponível seu e do seu agregado familiar, que levou o legislador a considerar esse ganho, para efeitos de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares, pela metade - tendo em vista aquela que seria a consequente tributação a taxas potencialmente bastante elevadas (obrigatoriamente englobados que são estes rendimentos) e que se contagiam à globalidade dos rendimentos (universais) do sujeito passivo. É neste contexto que se deve apreender - no seio do Ordenamento Jurídico-Fiscal Portugês - a tributação sobre o rendimento do ganho de mais-valias na transmissão de direitos reais sobre bens imóveis pelos Residentes em IRS e o objectivo aí visado pelo legislador. As situações não são, quanto a nós, objectivamente comparáveis. Residentes e Não Residentes não se encontram em situações idênticas nem comparáveis.

 

53. Mais sendo que não é correcto (porque não é possível) afirmar em abstracto que a tributação dos Não Residentes pelo regime geral destes (consideração do ganho na totalidade e aplicação de uma taxa fixa especial sobre o mesmo - ao invés de consideração de apenas metade do ganho e englobamento do mesmo com o total dos rendimentos anuais mundiais aos quais então se aplica uma tabela de taxas progressivas em função de escalões de rendimento) resulta para si numa carga fiscal mais gravosa do que a tributação que lhes seria aplicável  pelo regime geral dos Residentes.

 

54. Acresce, e não de somenos tendo em vista a liberdade de circulação de capitais, a imprevisibilidade contida no regime dos Residentes (decorrente desde logo da necessidade de saber qual será o montante total de rendimentos mundiais no ano da venda, e consequente indefinição antecipada quanto à taxa aplicável) em comparação com o que sucede no regime geral dos Não Residentes.

 

55. Tudo visto e ponderado, percorrida que fica a legislação nacional pertinente e sua interpretação, como supra, é entendimento deste OJN:

(i)     Que não se dissuade o investimento por parte de Não Residentes em Portugal quando para os mesmos se consagre, na matéria em apreço, (apenas) um regime que não o mesmo dos Residentes, tal como sucedia até ao final de 2007; violaria sim a liberdade de circulação de capitais o legislador ter consagrado o regime geral dos Residentes para os Não Residentes, sem mais, pois que estariam, então, a tratar-se situações diferentes de forma igual;

(ii)    Que a possibilidade concedida aos Não Residentes, em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, de estes escolherem entre lhes ser aplicado o regime geral dos Não Residentes ou o regime dos Residentes - e que vigora sem que para o respectivo exercício se lhes imponha um encargo excessivo ou desproporcionado - faculta ao Não Residente a escolha do regime que em concreto se vier a revelar mais favorável, entre os dois, e não viabiliza, com isso, a aplicação de um regime desconforme ao Direito da União Europeia, pois que o regime cfr. art.º 43.º, n.º 2 do CIRS o não é, tudo como supra;

(iii)   Que o legislador nacional prosseguiu, através do regime que consagrou para os Residentes, objectivos legítimos e dignos de ponderação (supra explicados), no seio da coerência e funcionamento equilibrado do seu Sistema Fiscal. A diferença de tratamento baseada na residência é, no caso, autorizada e não recai, seja como for, nas discriminações proibidas pelo art.º 65.º, n.º 3 do TFUE;

(iv)   Que com a sua legislação, nesta matéria, o legislador português não deixou de se conter no âmbito da compatibilidade com o Direito da UE.

 

55. Atento ainda o disposto no ponto 27, segunda parte, das Recomendações aos OJN, dê-se conta de que se encontram pendentes em Tribunais Arbitrais junto do CAAD diversos processos cujo desfecho dependerá da resposta que esse Alto Tribunal vier a dar às questões ora submetidas em reenvio prejudicial.

 

Refira-se ainda que notificadas as Partes para exercerem, querendo, o contraditório quanto à projectada redacção das questões infra, o Requerente se veio pronunciar pela sua desnecessidade e a Requerida veio declarar nada ter a opôr.

 

Assim, com vista à interpretação uniforme do Direito da UE, e tendo em conta, também, o considerável número de processos passíveis de suscitar questões análogas às que se colocam no presente, vem este Tribunal Arbitral muito respeitosamente colocar a V. Exas., em reenvio prejudicial, as seguintes questões:

 

1.  O Artigo 63.º do TFUE, e tendo em consideração o disposto no Artigo 65.º, n.º 1 do mesmo Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime fiscal de um Estado-Membro, em tributação directa, sobre os rendimentos pessoais, no qual coexistem, para o caso dos sujeitos passivos Não Residentes, e relativamente ao rendimento de mais-valias imobiliárias na venda de bens imóveis sitos nesse Estado-Membro, dois regimes jurídicos em que um - (i) - se traduz na aplicação de uma taxa especial fixa, proporcional, de 28%, sobre o total do ganho de mais-valias (Tax base) apurado segundo as regras gerais de apuramento (quantificação, quantum) desse ganho e, outro (ii) – se traduz na aplicação do regime dos Residentes, em que, uma vez apurado o ganho de mais-valias pelas mesmas regras gerais, se considera esse ganho (Tax base) apenas pela metade (50%) e se procede - obrigatoriamente - ao englobamento (pelo acréscimo, soma) do mesmo (esses 50% do ganho de mais-valias) com os demais rendimentos obtidos nesse ano, mundialmente, pelo sujeito passivo, para assim se apurar a taxa aplicável à totalidade dos rendimentos nos termos da tabela geral aplicável aos Residentes (em que as taxas, progressivas por escalões, vão de 14,50% a 48%, ainda podendo acrescer uma taxa de no máximo 5% se o montante total de rendimentos superar determinados valores), a qual será aplicada, no caso do Não Residente, apenas a esse rendimento – ao rendimento de mais-valias imobiliárias, considerado em apenas metade (ao passo que no caso do Residente a taxa assim apurada será aplicada a esse e aos demais rendimentos do ano)?

Deve referir-se que a escolha entre um ou outro dos dois regimes possíveis é feita pelo sujeito passivo Não Residente na Declaração de Rendimentos que lhe é devido apresentar no Estado-Membro, Portugal, obrigação que lhe incumbe em qualquer das situações, i.e., quer escolha ser tributado pelo regime geral dos Não Residentes (ref. em (isupra), quer escolha ser tributado pelo regime dos Residentes (ref. em (iisupra), nessa Declaração devendo assinalar uma de entre essas duas opções. Sendo que a obrigação declarativa dos Não Residentes  (apresentação de Declaração de rendimentos, Modelo 3) já existia mesmo antes da alteração legislativa que veio acrescentar, no Modelo oficial dessa Declaração, a possibilidade de escolher o regime dos Residentes.

E deve referir-se que, ao escolher ser tributado pelo regime dos Residentes, o Não Residente tem que informar (na mesma Declaração) o montante global dos seus rendimentos do ano a nível mundial. 

 

 

 

2.  O Artigo 63.º do TFUE, e tendo em consideração o disposto no Artigo 65.º, n.º 1 do mesmo Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime fiscal de um Estado-Membro, em tributação directa, sobre os rendimentos pessoais, em que enquanto que no caso dos (a) Residentes a tributação se faz englobando obrigatoriamente o ganho de mais-valias, reduzido a 50%[74] (Tax base), com os demais rendimentos mundialmente obtidos no mesmo ano pelo sujeito passivo (sem possibilidade de opting out), apurando-se assim o rendimento global anual do Residente, ao qual se aplicam as taxas progressivas por escalões constantes da tabela geral (e, após, deduções/encargos personalizantes), no caso dos (b) Não Residentes a tributação do rendimento de mais-valias imobiliárias se faz mediante a aplicação de uma taxa especial fixa sobre o ganho total de mais-valias (Tax base) (após apuramento do valor desse ganho pelas mesmas regras aplicáveis aos Residentes)?

 

Deve referir-se que - em (a) as taxas progressivas se compreendem entre 14,50% e 48%, podendo acrescer à taxa marginal máxima uma taxa de, no máximo, 5%, se o montante total dos rendimentos superar determinados valores, enquanto que – em (b) - a taxa, especial, é de 28%.

 

 

*

 

Termos em que se decide suspender a instância até à pronúncia do TJUE sobre as questões  prejudiciais, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria do CAAD à daquele, com Pedido de Decisão Prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente Decisão, do Pedido de Pronúncia Arbitral, da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia do Processo Administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais, e do Modelo Oficial da Declaração Modelo 3 (folha de rosto e Anexo G) (i) em vigor em 2008 (ref. a rendimentos de 2007 e/ou anteriores), (ii) em vigor em 2017 (ref. a rendimentos à data dos factos, i.e., obtidos em 2016), e (iii) em vigor à data de hoje.

 

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2021

 

O Árbitro,

 

(Sofia Ricardo Borges)

 



[1]Sempre que na presente Decisão se indicar(em) artigo(s) sem menção do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.

[2]Disponível em www.caad.org.pt

[3]Valor Patrimonial Tributário

[4]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[5] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT – cfr. anterior.

[6]Quaisquer sublinhados e/ou negritos na Decisão, sempre que não indicado em contrário, serão nossos;

[7]Aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1989;

[8]Cfr. redacção em vigor à data dos factos (2016), e que se mantém no que ao tema dos autos releva (sem prejuízo de a numeração no art.º 72.º, na parte relevante para os autos, ter sofrido alteração, como adiante se notará; mas sem que o respectivo conteúdo tenha sido alterado).

[9]No caso em especial das transcrições em itálico as normas do CIRS são apenas referidas por potencialmente úteis à compreensão do todo do regime jurídico.

[10] Note-se, por aqui, que o mesmo tipo de rendimentos tratados no artigo art.º 43.º, n.º 2, que vem reduzir a matéria colectável para metade no caso dos Residentes, já não terá aplicação se a transmissão em causa se fizer pelo sujeito passivo Residente, para o seu património particular, no âmbito de sua actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais. Nesse caso não estaremos no âmbito da Categoria G.

 

[11] Cfr. numeração à data dos factos; os n.ºs 9 e 10 (como supra) então em vigor (2016), que correspondem aos actuais n.ºs 14 e 15 (2021), foram inicialmente introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, então como n.ºs 7 e 8, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008, na sequência do Acórdão Hollmann (que data de 11 de Dezembro de 2007).

[12] V. Nota anterior.

[13]Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[14] Cfr. Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro

[15]V. supra, legislação potencialmente aplicável-CIRS.

[16]Em rigor, o saldo anual entre mais e menos-valias.

[17] A Jurisprudência que se refere ao longo da Decisão, bem como a aí indicada, estará disponível, consoante o caso, em: https://curia.europa.euwww.dgsi.pt, e em www.caad.org.pt

 

 

[18]Sempre que na presente Decisão se indicar(em) artigo(s) sem menção do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.

[19]Doravante “STA”

[20]Valor Patrimonial Tributário

[21]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[22] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT – cfr. Nota 4.

[23]Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente Decisão, sempre que não indicado em contrário, serão nossos.

[24]Aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1989.

[25]Cfr. redacção em vigor à data dos factos (2016), e que se mantém no que ao tema dos autos releva (sem prejuízo, note-se, de a numeração no art.º 72.º, na parte relevante para estes autos, ter sofrido alteração, como mais adiante se notará; mas sem que o respectivo conteúdo tenha sido alterado).

[26]Sempre que a transcrição se fizer em itálico tal deve-se tratar-se de norma que, apesar de não de aplicar no caso sub judice, ainda assim poder ser útil à compreensão do todo do regime jurídico.

[27] Note-se, por aqui, que o mesmo tipo de rendimentos tratados no artigo art.º 43.º, n.º 2, que vem reduzir a matéria colectável para metade no caso dos Residentes, já não terá aplicação se a transmissão em causa se fizer pelo sujeito passivo Residente, para o seu património particular, no âmbito de sua actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais. Nesse caso não estaremos no âmbito da Categoria G.

 

[28] Cfr. numeração à data dos factos; os n.ºs 9 e 10 (como supra) então em vigor (2016), que correspondem aos actuais n.ºs 14 e 15 (2021), foram inicialmente introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, então como n.ºs 7 e 8, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008, na sequência do Acórdão Hollmann (que data de 11 de Dezembro de 2007).

[29] V. Nota anterior.

[30] de 06.10.1982, Proc. 283/81

[31] JOUE (2019/C 380/01), 08.11.2019, disponível em https://eur-lex.europa.eu

[32] Acórdão de 11.06.2015, Proc. C-256/14

[33] Cfr. art.º 25.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT

[34] Acórdão de 11.10.2007, Proc. C-443/06

[35] Acórdão de 06.10.1982, Proc. 283/81

[36]V. pontos 15 e 16, Acórdão Cilfit

[37] Pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (v. supra)

[38] V.  3., 5. e 15. das Recomendações aos OJN

[39] Não iremos ao longo da decisão de reenvio reportar-nos expressamente ao Artigo 18.º, pois que conforme Jurisprudência assente do TJ este Artigo só deve ser aplicado autonomamente nas situações para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação. Sendo que estamos a reportar-nos à liberdade de circulação de capitais, que vem tratada no Artigo 63.º e ss. do TFUE.

[40]Ponto que não iremos abordar, por também já assente na Jurisprudência do TJ, inclusive no Acórdão Hollmann, é que cabe no conceito Comunitário de “movimentos de capitais”, também, a liquidação de investimentos imobiliários.

[41] Acórdão de 11.10.2007, Proc. C-443/06

[42] Ao utilizarmos a abreviatura NR, como também quando por extenso “Não Residente”, estaremos já a referir-nos aos Não Residentes que o legislador aqui abrangeu - cfr. redacção da norma (v. parte ora transcrita).

[43] Acórdão de 18.03.2010, Proc. C-440/08

[44] Regime expressamente consagrado pelo legislador nacional para os Residentes, note-se, e regime este que (só após a alteração normativa, pós Acórdão Hollmann, com o aditamento dos dois números no art.º 72.º) passou também a ser passível de ser aplicado ao NR mediante escolha pelo próprio.

[45]No douto Acórdão do STA, de 09.12.2020, proferido no proc.º 064/20.0BALSB, disponível em www.dgsi.pt, que contém uma declaração voto na questão fundamental de direito, e um voto de vencido quanto à admissibilidade de recurso, pode ver-se, nas pp. 10-14, referência à Jurisprudência dos Tribunais Arbitrais (disponível em www.caad.pt) que vem sendo proferida na matéria. Como também referência a Jurisprudência do STA na matéria, nas pp. 9-10.

[46]Cfr. douto Acórdão do STA, de 09.12.2020, proferido no proc.º 075/20.6BALSB, disponível em www.dgsi.pt,  igualmente contendo uma declaração voto na questão fundamental de direito, no qual também se encontram as referências à Jurisprudência Nacional pertinente, em especial a dos Tribunais Superiores.

[47]Na numeração actual; v. supra nota 9;

[48]Acórdão de 08 de Setembro de 2015, Proc. C-105/14 e Acórdão de 05 de Dezembro de 2017, Proc. C-42/17, respectivamente;

[49]Como também sucedeu, a título de exemplo, no referido “Caso Taricco”.

[50](v. supra, CRP)

[51](v. supra)

[52] (v. supra, CRP)

[53] V. art.º 22.º do CIRS supra

[54] Embora existam excepções, alguns tipos de rendimento que não são obrigatoriamente englobados, mas sendo a regra a do englobamento obrigatório. E não sendo o caso das mais-valias imobiliárias excepção à regra.

[55]V. supra

[56]Cfr. art.ºs 9.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) CIRS, supra.

[57]V. supra art.ºs 13.º, n.º 1 e 15.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.

[58]Cfr. art.ºs 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, al. h) do CIRS, supra.

[59] (sem prejuízo da alteração legislativa que veio a ser introduzida na sequência do Acórdão Hollmann)

[60] As taxas do art.º 68.º do CIRS.

[61]V. supra Preâmbulo do CIRS, ponto 12.

[62]Como, aliás, a inserção sistemática da norma no Código o revela também (no Capítulo precisamente da Determinação do rendimento colectável, anual, do sujeito passivo).

[63]V. supra art.º 72.º do CIRS - n.ºs 9 e 10 (na numeração ao tempo do caso sub judice)

[64]O único que antes lhe era aplicável.

[65] V. supra estes artigos.

[66]Neste último regime possível o ganho de mais-valias é considerado em apenas 50% como sucede aquando da determinação do rendimento colectável dos Residentes – cfr. disposições conjugadas dos n.ºs 14 e 15 (numeração actual) do art.º 72.º do CIRS. Entendemos ser esta a única interpretação possível da conjugação das normas pertinentes. Faz-se esta nota apenas porque em alguma da Jurisprudência nacional aflorada acima tal não resulta assente. No mesmo sentido, e que, quanto a nós, não levanta dúvidas, pode ver-se Decisão Arbitral no Proc. n.º 45/2012-T, a pp. 12., nota 14, disponível em www.caad.pt.

[67]Declaração Modelo 3;

[68] (numeração actual)

[69] (numeração actual)

[70] Não se incluindo nas situações de dispensa de apresentação, cfr. art.º 58.º do CIRS, v. supra

[71] Acórdão Comissão – República Portuguesa, de 5 de Maio de 2011, Proc. C-267/09.

[72] Retirou-se da norma, em consequência, o carácter de obrigatoriedade – v. supra art.º 130.º, n.º 2

[73]V. art.º 43.º, n.ºs 1 e 2 e art.º 55.º, n.º 1, al. c), supra.

[74]Em rigor, trata-se de tributar o saldo anual de mais/menos valias, pela metade (sendo consideradas pela metade quer as mais valias, quer as menos valias).

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 620/2019-T

Tema: IRS – Tributação de mais-valias; Regime geral dos não residentes e residentes - Reenvio Prejudicial

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

A...., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal português n.º ...., residente em França, e com morada, quando em Portugal, na Rua ...., n.º ..., freguesia de ..., ..., concelho de Guimarães, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2016.

 

À Liquidação em crise, com o n.º 2018...., e data de 03.03.2018, que é respeitante ao Requerente e a B..., corresponde um valor total a pagar (imposto e juros compensatórios) de € 10.733,77, sendo que se encontra incluído neste valor um montante de € 9.989,55 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” (cfr. Certidão da Demonstração de Liquidação de IRS junta pelo SP com o PPA).

 

O Requerente apresentou Declaração Modelo 3, referente ao ano de 2016, na qual declarou rendimentos prediais que obteve em território português, não tendo contudo declarado o rendimento de Mais-Valias, que igualmente obteve, em decorrência de alienação onerosa de bem imóvel ocorrida nesse mesmo ano.

 

Na Liquidação de IRS do período em causa (2016) - que o Requerente ora coloca em crise (doravante também “a Liquidação”) – a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência de procedimento de correcções, veio incluir também o rendimento de Mais-Valias que o Requerente obteve em resultado de alienação onerosa de bem imóvel sito em Portugal.

 

O Requerente não se conforma, contudo, com a liquidação de IRS assim efectuada, na parte em que a mesma se reporta à tributação do referido rendimento de Mais-Valias imobiliárias.

 

Expõe que, apesar de ter submetido Declaração Modelo 3 em Portugal, reside em França desde tenra idade e desconhece o sistema fiscal português.

 

Emitida que foi, depois, a Liquidação como supra, em relação à mesma, e em suma, discorda de lhe não ter sido aplicado o regime constante do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS (doravante também “CIRS”[18]). E de, assim, o apuramento do imposto em causa ter sido calculado por referência não a metade, mas sim à totalidade do ganho de mais-valias que obteve.

 

Mais apresentou Pedido de Revisão Oficiosa, em 06.03.2019, que tramita sob o n.º ...2019..., onde pugnou pela ilegalidade da Liquidação, e o qual não foi ainda objecto de decisão. Considerando o consequente indeferimento tácito, vem interpor o Pedido de Pronúncia Arbitral na origem destes autos.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - alegada pelo Requerente, e refutada pela Requerida - ilegalidade do regime jurídico de tributação em IRS de Mais-Valias imobiliárias, do qual foi feita aplicação na Liquidação. A saber, o regime conforme vertido no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. Que o Requerente defende ser violador do Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE”) e, por essa via, encontrar-se a Liquidação ferida de ilegalidade.

 

Esclareça-se, no entender do Requerente o referido dispositivo legal é contrário ao Direito da UE “se aplicado no sentido de excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia”. Como foi o caso.

 

Não se conformando, assim, com a Liquidação, o Requerente vem peticionar a anulação da mesma, por ilegal, na medida em que se fundamenta em norma de direito interno incompatível com o Direito da UE, encontrando-se assim ferida de erro ao tributar a totalidade do ganho de mais-valias e não apenas 50% dos mesmos.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 23.09.2019 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo. A 13.11.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13.12.2019.

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

Fazendo notar que a matéria em causa nos autos é exclusivamente de Direito, a Requerida refere que a mesma se reporta à questão da exclusão em 50% da incidência de tributação de Mais-Valias - como sucede em relação aos residentes - quando obtidas por um não residente em Portugal (doravante também “NR”), seja este residente em Estado-Membro da União Europeia (doravante também “EM”), seja residente em Estado terceiro. E que o Requerente defende que o normativo em causa se aplica igualmente aos Não Residentes.

 

Apesar da Jurisprudência do TJUE no sentido de que a norma em causa – o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, e o regime jurídico aplicável aos NRs por essa via (cfr. também art.º 72.º, n.º 1, al. a)), contrariam o Direito da UE, e, bem assim, apesar da Jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo[19] emanada na sequência daquela primeira Jurisprudência, o certo é que o nosso legislador, em momento ulterior, e em consequência da dita Jurisprudência do TJUE, já procedeu à alteração do regime jurídico aplicável aos Não Residentes nesta matéria. 

 

O que, no entender da Requerida, desde logo afasta um possível carácter vinculativo da mencionada Jurisprudência para o caso dos autos.

 

Acresce que também os Modelos das Declarações de rendimentos a preencher pelos contribuintes foram devidamente alterados, a reflectir tal alteração legislativa.

 

O Requerente preencheu a sua Declaração Modelo 3 assinalando, quanto à residência, nos campos próprios, (i) ser não residente e (ii) pretender a tributação pelo regime geral aplicável aos Não Residentes (campos 4 e 7).

 

Caso o Requerente pretendesse ser tributado pelas taxas do art.º 68.º do CIRS, ser pois tributado como Residente (doravante também “R”), deveria tê-lo ali assinalado, nos campos próprios (a saber, nos campos 9 e 11), assim: (i) opção pelas taxas do art.º 68.º do CIRS e (ii)  total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Refere ainda que a norma em causa (art.º 43.º, n.º 2) se insere no Capítulo do CIRS respeitante à Determinação do rendimento colectável, diferentemente das normas que no mesmo Diploma se reportam à incidência em matéria de Mais-Valias (doravante também “MV”). Pelo que não será aquela aplicável ao caso.

 

Coloca à consideração deste Tribunal Arbitral, solicitando-o subsidiariamente, proceder a Reenvio Prejudicial ao TJUE, dada a alteração do quadro normativo aplicável ocorrida em momento posterior à Jurisprudência do mesmo TJUE invocada pelo Requerente.

 

Não tendo sido solicitada produção de prova adicional, por despacho de 28.01.2020 decidiu este Tribunal dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas. Sendo que nenhuma das Partes apresentou alegações.

 

A 4 de Setembro de 2020 (e contabilizada a suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio) o Tribunal, por motivos  justificados, prorrogou, por dois meses, o prazo constante do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo legal. Novamente assim por despachos de 4 de Novembro 2020 e de 6 de Janeiro de 2021.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção. O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al. o) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT e art.º 57.º, n.ºs 1 e 5 da LGT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente é residente fiscal em França, onde reside desde tenra idade;

 

b) O Requerente tem o número de contribuinte fiscal português .... e tem morada, quando em Portugal, na Rua ...., n.º ..., freguesia de ..., ..., Guimarães;

 

c) Em 2007 o Requerente adquiriu o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...-..., freguesia da ..., concelho de Guimarães (doravante “o Prédio”);

 

d) A aquisição do Prédio deu-se a título gratuito, por doação ao Requerente de seus pais, formalizada por Escritura de doação de 26.07.2007;

 

e) Até aos dois anos anteriores à doação isenta em c) supra o Prédio tinha um VPT[20] de € 40.443,02;

 

f) Em 2016, por Escrituras Públicas de 24.10.2016, de transmissão da nua Propriedade e do usufruto, o Requerente alienou o Prédio pelo valor de € 55.000,00;

 

g) À data da sua alienação em 2016 o VPT do Prédio era de € 80.164,29, valor que serviu de base à liquidação de IMT;

 

h) Com referência ao ano de 2016, o Requerente apresentou em Portugal Declaração de rendimentos Modelo 3, na qual declarou rendimentos prediais de imóveis sitos em Portugal e não declarou o rendimento de mais-valias que auferiu com a alienação do Prédio;

 

i) Na sua Declaração Modelo 3, em g) supra, o Requerente assinalou, no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 – “Não Residente”, e o Campo 7 – “Pretende a tributação pelo regime geral”;

 

j) A Requerida, após procedimento de divergências e cumpridas as devidas notificações, efectuou correcções à Declaração do Requerente mediante adição de Anexo G do qual fez constar a alienação do Prédio, com o valor de aquisição de € 40.443,02, corrigido para € 44.487,32, conforme correcção monetária, e o valor de realização de € 80.164,29 (v. 8 -11 do PPA e doc. 1 junto pelo SP, e  PA);

 

k) O ganho de mais-valias do Requerente com a alienação do Prédio foi apurado pela Requerida pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, cfr. j) supra, e sobre esse valor, de € 35.676,96, foi aplicada uma taxa de 28% (v. 12 do PPA e PA);

 

l) Da Liquidação, com o n.º 2018...., resulta um valor de imposto a pagar de € 10.733,77, no qual se contém um valor de € 9.989,55 a título de “Imposto relativo a tributações autónomas”;

 

m) A 06.03.2019 o Requerente interpôs Pedido de Revisão Oficiosa tendo a Liquidação por objecto e pugnando pela sua ilegalidade;

 

n) O Pedido de Revisão Oficiosa, sob n.º ...2019..., não foi alvo de decisão;

 

o) A 23.09.2019 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.

Não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, que traduzam afirmações estritamente conclusivas, cuja veracidade se haverá de aferir por referência à matéria de facto consolidada.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[21]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[22]).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

 

À tributação, em IRS, dos rendimentos de mais-valias na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sitos em Portugal e obtidos (esses rendimentos) por um Não Residente, é ou não aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS quando na Declaração Modelo 3 o Sujeito Passivo opta pela tributação segundo o regime geral aplicável aos Não Residentes?

 

Dito de outro modo, é ou não ilegal a Liquidação ao não ter aplicado, no caso - em que o sujeito passivo para o efeito não escolheu ser tributado pelo regime geral aplicável aos Residentes -, o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% do ganho de mais-valias obtido pelo Requerente (ao invés do que sucederia fora este Residente)?

*

 

Começando por recapitular e enquadrar brevemente.

 

Entende o Requerente que lhe deveria ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, a tributação em causa nos autos ter incidido, apenas, sobre 50% do ganho de mais-valias que obteve. Ganho de mais-valias esse cujo montante total, conforme apurado pela Requerida na Liquidação, aceita.

 

O ganho (montante total) de mais-valias foi, pois, de € 35.676,96.

 

Sobre esse montante a Requerida, na Liquidação, aplicou uma taxa especial (“taxa autónoma”) de 28%, conforme disposto no art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

 

E, assim, apurou um montante de imposto a pagar, a este título, de € 9.989.55.

 

O Requerente defende que o disposto na norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, que estipula um regime jurídico aplicável a Residentes, lhe deveria ser também aplicável. Pois que aquela norma, ao estipular um regime, mais vantajoso segundo o Requerente, e determinar que o mesmo é aplicável apenas a Residentes, viola o Direito da UE. Assim, a Requerida deveria, defende, ter feito aplicar o dito regime também a si Requerente. Consequentemente devendo a Liquidação ser anulada parcialmente. Pois que, assim, o imposto deveria incidir sobre metade do ganho de mais-valias. E não sobre a totalidade, como a Requerida fez.

 

Pede, assim, a anulação parcial da Liquidação em crise. A saber, a anulação da Liquidação no montante correspondente a metade do valor de imposto que na mesma foi apurado ser devido a título de “taxa autónoma” (a taxa especial do art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS). Taxa de 28%, que na Liquidação foi aplicada sobre a totalidade do ganho de mais-valias, assim: 28% x € 35.676,96 = € 9.989.55.

 

Pede, pois, a anulação da Liquidação no montante de € 4.994,77.

 

*

Vejamos, antes de mais, o quadro legal potencialmente aplicável[23].

 

I.       Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)[24]

 

No Preâmbulo, v.:

“(…) 3. A presente remodelação do regime da tributação do rendimento (…) decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…). / A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto (…) pela fórmula da tributação unitáriaatingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares. (…)

 

(…) 12. Outra categoria – a Categoria G – é constituída pelas mais-valias. (…) / Tratando-se de rendimentos excepcionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável. (…)”

 

No articulado (CIRS), no que aos autos releva[25]:[26]

Capítulo I – Incidência

Secção I – Incidência real

Artigo 1.º – Base do imposto

1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - (…)

Categoria B - (…)

Categoria E - (…)

Categoria F - (…)

Categoria G – Incrementos patrimoniais; 

Categoria H - (...)

2. Os rendimentos (…) ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, (…).

 

 

Artigo 9.º – Rendimentos da Categoria G

1. Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)

 

Artigo 10.º – Mais-valias

1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais[27], de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);

(…)

3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).

4. O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(...)

Secção II – Incidência pessoal

Artigo 13.º – Sujeito passivo

1. Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

(…)

8. A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite. /(…)

 

Artigo 15.º – Âmbito de sujeição

1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. /(…)

 

Artigo 18.º – Rendimentos obtidos em território português

1. Consideram-se obtidos em território português:

(…)

h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão; /(…)

 

Capítulo II – Determinação do rendimento colectável

Secção I – Regras gerais

Artigo 22.º – Englobamento

1. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

(…)

3. Não são englobados para efeitos da sua tributação:

a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º; / (…)

 

Secção VI – Incrementos patrimoniais

Artigo 43.º – Mais-valias

1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.(…)

Artigo 44.º – Valor de realização

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.

2. Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. /(…)

 

Artigo 45.º – Valor de aquisição a título gratuito

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

(…)

2. No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta (…) considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.

 

Artigo 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)

 

Artigo 50.º – Correcção monetária

1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)

 

Artigo 51.º – Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens (…);

b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).

 

Artigo 55.º – Dedução de perdas

1 – Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em cada categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…)

c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita; /(…)

 

Secção X – Processo de determinação do rendimento colectável

Artigo 57.º – Declaração de rendimentos

1. Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos (…), devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo. (…)

 

Artigo 58.º – Dispensa de apresentação de declaração

1. Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:

a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º (…); /(…)

 

Artigo 65.º – Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos

1. O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes (…), com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos impostos disponha. / (…)

 

Capítulo – III – Taxas

Artigo 68.º – Taxas gerais

1. As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 68.º-A – Taxa adicional de solidariedade

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º, ao quantitativo do rendimento coletável superior a (euro) 80 000 incidem as taxas adicionais de solidariedade constantes da tabela seguinte: / (…)

 

Artigo 70.º – Mínimo de existência

1. Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a € 8.500. / (…)

 

Artigo 72.º – Taxas especiais

1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

(…)

9.[28] Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10.[29] Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (…)

 

Artigo 113.º – Declaração anual de informação contabilística e fiscal

1. Os sujeitos passivos de IRS devem entregar anualmente uma declaração de informação contabilística e fiscal, de modelo oficial, relativa ao ano anterior, quando (…) ou quando estejam obrigados à apresentação de qualquer dos anexos que dela fazem parte integrante. / (…)

 

Artigo 130.º – Representantes

1. Os não residentes que obtenham rendimentos sujeitos a IRS, bem como os que, embora residentes em território nacional, se ausentem deste por um período superior a seis meses devem, para efeitos tributários, designar uma pessoa (…) para os representar (…) e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais.

2. O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, (…). /(…) 

 

 

II.     Lei Geral Tributária (“LGT”)

 

Art.º 4.º – Pressupostos dos tributos

1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. /(…)

 

Art.º 5.º – Fins da tributação

1. A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.

2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.

 

Art.º 6.º – Características da tributação e situação familiar

1. A tributação directa tem em conta:

a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna;

b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar;

(…)

3. A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem.

 

 

III.   Constituição da República Portuguesa (“CRP”)

 

Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais

Art.º 67.º – Família

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, (…).

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: / (…)

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; / (…)

 

Título IV – Sistema financeiro e fiscal

Art.º 103.º – Sistema fiscal

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. /(…)

 

Art.º 104.º – Impostos

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. /(…)

 

 

IV.    Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)

 

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)

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Reenvio

Aqui chegados.

Solicita a Requerida, subsidiariamente, o reenvio prejudicial ao TJUE. O Requerente entende que tal não se revela necessário. Nenhuma das Partes sugeriu redacção para eventuais questões prejudiciais.

 

1. Nos termos do art.º 8.º, n.º 4 da CRP, as disposições dos Tratados que regem a União Europeia (“UE”) “são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União”.

 

2. Prevê o Artigo 267.º do TFUE que o Tribunal de Justiça da UE (“TJUE” ou “TJ”) é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados, e estatui que sempre que uma questão de tal natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um Estado-Membro (“EM”), de duas, uma: (i) as decisões desse órgão jurisdicional são insusceptíveis de recurso nos termos do respectivo Direito Interno e, então, o reenvio prejudicial é obrigatório (v. terceiro parágrafo), ou (ii) esse órgão jurisdicional (ainda que não decida em última instância) pode proceder a reenvio prejudicial se considerar necessária ao julgamento da causa uma decisão sobre tal questão (v. segundo parágrafo). Devendo, ainda assim, o reenvio prejudicial fazer-se apenas passado que seja o filtro da Jurisprudência do TJUE vertida, desde logo, no Acórdão Cilfit[30] e, bem assim, sempre também, tendo em consideração, e enquadrando-se, nas “Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais” (doravante “as Recomendações aos OJN”)[31].

 

3. Quanto à natureza de órgãos jurisdicionais dos Tribunais Arbitrais Tributários a funcionar sob a égide do CAAD, também à luz do Direito da UE não se coloca qualquer questão - cfr., entre o mais, Acórdão Ascendi, proferido pelo TJUE no Proc. C-377/13, de 12.06.2014. Sendo, assim, pacífica a competência destes Tribunais para proceder a reenvio prejudicial – cfr., entre outros, o mesmo Acórdão Ascendi, ou o Acórdão Lisbogás[32].

 

4. No que se refere à obrigatoriedade, ou não, de proceder a reenvio prejudicial no caso, vejamos. Os Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD decidem em geral sem possibilidade de recurso. Ainda assim, é possível, em casos muito limitados definidos na lei, o recurso, a saber nos casos de (i) serem suscitadas questões de inconstitucionalidade e/ou (ii) verificar-se oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre Decisões jurisdicionais, seja entre Decisões dos Tribunais Arbitrais e Decisões dos Tribunais Superiores, seja, mais recentemente, entre Decisões dos Tribunais Arbitrais[33]. E não vêm suscitadas questões de inconstitucionalidade, no caso. Já no que se refere a recorribilidade com fundamento em oposição de julgados, há que considerar a possibilidade, em abstracto, de interposição de recurso excepcional. Com efeito, na sequência do Acórdão do TJUE no Caso Hollmann[34], e não obstante a posterior alteração legislativa operada pelo legislador nacional no sentido de dar cumprimento ao ali decidido pelo TJ, vem-se formando Jurisprudência nos Tribunais Nacionais no sentido de que a alteração legislativa operada não é de molde a afastar o vertido pelo Alto Tribunal da UE naquele Acórdão e, assim e entre o mais, no sentido de que subsiste no Ordenamento Jurídico Português um regime jurídico ao qual se opõe o Artigo 63.º do TFUE.

 

5. Subsiste, em todo o caso, a possibilidade de proceder a reenvio prejudicial, a título facultativo, nos termos do Artigo 267.º do TFUE, segundo parágrafo, se o órgão jurisdicional nacional (“OJN”) considerar necessário, para julgar a causa que lhe vem submetida, decidir sobre questão de interpretação dos Tratados. Com efeito, e  cfr. Jurisprudência do TJ firmada, em especial o Acórdão Cilfit[35], é de entender que não haverá obrigatoriedade de recorrer ao processo em causa se a questão suscitada já tiver sido objecto de reenvio prejudicial em caso idêntico ou análogo, ou quando já esteja resolvida por Jurisprudência assente do TJ, ou, ainda, quando a correcta interpretação do Direito da UE se imponha com tal evidência que não permita qualquer dúvida razoável. Quando se esteja, pois, perante “acto-claro”, não há que proceder a reenvio prejudicial. Não obstante, os órgãos jurisdicionais nacionais mantêm a possibilidade de proceder a reenvio, enquadrando-se a situação no Artigo 267.º, se o considerarem necessário e adequado, apenas devendo afastar essa possibilidade por força da doutrina do “acto claro” caso estejam convencidos de que não se suscita dúvida razoável seja para si, seja para os órgãos jurisdicionais dos demais Estados Membros, seja para o próprio TJUE.[36]

 

6. Sucede, desde logo, que sobre a questão de interpretação do Artigo 63.º do TFUE que se suscita nos presentes autos o TJUE ainda não se pronunciou. Face à introdução na Ordem Jurídica Portuguesa, na sequência do Acórdão Hollmann, de uma lei nova, o presente reenvio versa sobre circunstancialismos de facto e de Direito que são novos relativamente à questão prejudicial objecto daquele Acórdão.O Acórdão Hollmann versou, pois, sobre distintos pressupostos de facto e de Direito. Sendo que estamos perante um quadro jurídico inédito.

 

7. Mais, no entender deste Tribunal Arbitral não nos encontramos perante uma questão sobre a qual não se suscite dúvida razoável. Com efeito, a Jurisprudência do TJUE existente não fornece o necessário esclarecimento no quadro legal - novo - em que nos encontramos.

 

8. Sendo manifestamente relevante à interpretação correcta e aplicação uniforme do Direito da União Europeia a pronúncia do TJ sobre o novo regime fiscal vigente no Ordenamento Jurídico Português quanto ao ganho de mais-valias obtido por Não Residentes com a transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis localizados em Portugal. Regime introduzido pelo legislador nacional, no CIRS[37], após prolação do Acórdão Hollmann e a fim de dar cumprimento ao decidido no mesmo.

 

9. Posto isto, tendo em mente as Recomendações aos OJN, e considerando que é ao OJN que cabe apreciar, em face das particularidades do processo, da necessidade do pedido e da pertinência das questões a colocar, vejamos então as razões pelas quais este Tribunal entende necessário o reenvio, para por fim concluirmos com as questões prejudiciais.[38] Como segue.

 

10. É identificável um nexo entre a legislação nacional aplicável no litígio sub judice e normas do TFUE - Artigos 18.º[39], 63.º[40] e 65.º (antes 12.º, 56.º e 58.º CE) -, estamos perante um quadro jurídico inédito, que faz suscitar a dúvida real quanto à possibilidade de aplicação da Jurisprudência do TJUE potencialmente pertinente, e sendo que a demais Jurisprudência do TJUE existente não desfaz essa dúvida, não facultando o esclarecimento necessário.

 

11. É pois conhecida a Jurisprudência do TJUE referente à interpretação do Artigo 63.º do TFUE no confronto com o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. No Acórdão Hollmann[41], tendo sido questionado ao Alto Tribunal se o Artigo 63.º se opunha ao disposto naquela norma do Ordenamento Jurídico Português, a questão prejudicial foi respondida no sentido de a disposição em causa, então Artigo 56.º CE, dever ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional “como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro (…) efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria (…) sobre as mais-valias realizadas por um residente (…)”. Contudo, na sequência e em cumprimento do Acórdão Hollmann, o legislador nacional veio introduzir no CIRS a possibilidade de os Não Residentes - relativamente aos rendimentos em causa - escolherem o regime aplicável aos Residentes. O que o legislador fez mediante o aditamento de dois novos números ao art.º 72.º do CIRS (v. supra), nos termos dos quais o Não Residente que seja residente “noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal” (“Não Residente” ou “NR”[42]) pode escolher ser tributado sobre esses seus rendimentos (ganho de mais-valias imobiliárias) - nas mesmas condições aplicáveis aos Residentes - à taxa que, de acordo com a tabela do art.º 68.º, n.º 1 do CIRS, seria aplicável aos Residentes.

12. Sendo certo, como também já aflorado, que se tem vindo a formar Jurisprudência nos Tribunais Portugueses, na sequência do Acórdão Hollmann e já após a referida alteração legislativa, em que, por apelo ao Acórdão do TJUE proferido no Caso Gielen[43], se decide que não será pelo facto de o legislador nacional ter vindo criar a possibilidade de o sujeito passivo Não Residente optar pelo regime aplicável aos Residentes que fica afastada a desconformidade do regime vertido no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS ao Direito da UE cfr. determinada no Acórdão Hollmann. Pois que sempre se está a impor ao sujeito passivo Não Residente um ónus, de optar por um outro regime e, assim, a colocá-lo numa posição menos favorável relativamente aos Residentes, criando um ónus suplementar. O regime facultativo introduzido não afasta, assim, a discriminação. Mais sendo que, nos casos em que o sujeito passivo não faça uso dessa possibilidade, será, à mesma, aplicável o regime do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. E, tendo este sido já considerado desconforme ao Direito da UE cfr. Acórdão Hollmann, deve entender-se que a legislação nacional continua a ser violadora da liberdade de circulação de capitais cfr. Artigo 63.º do TFUE. Na sequência do que se determina a aplicação aos Não Residentes, nos casos aí sub judice, do regime constante do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS[44] mesmo não tendo o sujeito passivo escolhido ser tributado pelo regime aplicável aos Residentes - como o poderia ter feito exercendo a opção introduzida pelo legislador no art.º 72.º. Vem-se, em rigor, e aqui a nota é já deste Tribunal Arbitral, aplicando o regime do art.º 43.º, n.º 2 tão só no que à base tributável (Tax base) respeita, sem o mais próprio do regime em causa. Como veremos.

Refira-se ainda que o Supremo Tribunal Administrativo recentemente se pronunciou sobre a questão em sede de recurso por oposição de julgados entre duas Decisões de Tribunais Arbitrais, decidindo no mesmo sentido supra.[45] E, ainda, por Acórdão da mesma data, no mesmo sentido, para uniformização de Jurisprudência[46].

 

13. Ficando esse Alto Tribunal condicionado, no seu iter decisório de resposta às questões prejudiciais, pelo quadro factual e jurídico do litígio no processo principal tal como este lhe for transmitido pelo OJN, entende muito respeitosamente este Tribunal - no quadro da exposição das razões pelas quais procede ao reenvio - ser conveniente percorrer, e assim facultar nesta sede, com um mínimo desenvolvimento, o enquadramento legal da norma nova (art.º 72.º, n.ºs  14 e 15[47], CIRS). E, ainda, conexamente, da norma constante do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, posto que esta ora passou a aplicar-se também na decorrência da aplicação daquela, e tendo ainda em mente o possível argumento (seguido por Jurisprudência Nacional com apelo ao Acórdão Gielen) de que, ao o novo regime jurídico manter em vigor uma norma antes declarada desconforme ao Artigo 63.º (TFUE) não se resolve a discriminação que no Acórdão Hollmann (no quadro do anterior regime jurídico) se considerou existir.

 

14. Antes de passarmos a percorrer os elementos de Direito considerados de relevo ponderar para uma cabal compreensão do regime jurídico-fiscal em questão, no diálogo que é próprio do processo de reenvio e com vista a melhor dotar esse Alto Tribunal de todos os elementos úteis à decisão sobre a possível desconformidade em face do Artigo 63.º do TFUE, note-se ainda, com o muito devido respeito, que poderão não ter sido facultados - aquando do reenvio no quadro do regime jurídico anterior e que culminou no Acórdão Hollmann - todos os elementos de Direito potencialmente pertinentes. Como adiante melhor se verá. E, num paralelo possível com a sequência dos Acórdãos desse Alto Tribunal nos Casos Taricco e M.A.S.[48], sempre será de reconhecer que a consideração de elementos anteriormente não ponderados e/ou de questões que não haviam sido trazidas ao conhecimento do TJ poderá revelar-se determinante, e assim merecedora de reapreciação a questão num tal quadro[49]. Sobretudo se, como também no presente caso, estivermos perante questão que releva - como se procurará deixar percorrido - do próprio Sistema Jurídico Interno, cuja unidade/coerência há-de, em alguma medida, ser ponderada. Subjaz uma questão de interpretação do Direito Nacional.

 

15. Antes de entrarmos mais concretamente nos elementos de Direito, dê-se brevemente nota de que, no que a factos se refere, - e além de, neste novo quadro jurídico, assumir pertinência, como se verá, o facto de o Não Residente fazer ou não uso da opção que lhe foi conferida pela lei nova – no processo sub judice os factos (v. supra) se reportam a bem imóvel adquirido pelo sujeito passivo Não Residente a título gratuito. Porém sem que tal se revista de reflexos na questão fundamental de Direito em apreço. Com efeito, tal apenas releva para a forma de apuramento do quantum do ganho de mais-valias (a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, e nomeadamente para o apuramento deste último valor). Por outro lado, deixe-se também nota de que, seja no caso das aquisições a título gratuito, seja no das aquisições a título oneroso, de imóveis cuja posterior transmissão onerosa vem a gerar ganho de mais-valias, também as demais regras de apuramento do quantum do ganho – correcção monetária, e consideração de despesas, se for o caso – são aplicáveis indistintamente a sujeitos passivos Residentes e Não Residentes.

 

16. No Ordenamento Jurídico-Fiscal Português a tributação sobre o rendimento das pessoas singulares é feita através de um imposto único e progressivo, conforme pré-determinado pela Lei Fundamental[50], e depois concretizado, seja na LGT[51], seja, específica e desenvolvidamente, no CIRS. Na estruturação desta tributação, directa, o legislador nacional teve sobremaneira em consideração o Princípio da Igualdade, traduzido em concreto pelo sub Princípio da tributação em função da Capacidade Contributiva. E é assim, tendo tal fim em vista – a tributação em função da capacidade contributiva - que o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) foi construído como um imposto de base alargada, e de formação sucessiva (que não instantânea), ao longo do ano. Imposto no qual se tributa o rendimento na base de uma concepção “rendimento-acréscimo”. Concepção por natureza mais adequada à tributação em função da capacidade contributiva dos sujeitos passivos do que seria uma concepção “rendimento-produto”.

 

17. Para alcançar/apurar a efectiva capacidade contributiva dos sujeitos passivos, o IRS foi estruturado e o seu funcionamento configurado com toda uma série de regras que visam precisamente operar essa tributação tendo em conta a real capacidade contributiva em causa. A qual será, aliás, não propriamente a capacidade contributiva individual e isolada do sujeito passivo de per si mas, antes, a capacidade contributiva do respectivo agregado familiar. Pretende-se que sejam tidas em consideração as necessidades razoáveis do agregado familiar e, em função dos respectivos rendimentos, globais, então tributar de acordo com a capacidade contributiva revelada. Têm-se em conta, ao tributar em IRS, “as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, no quadro de um Sistema Fiscal que visa “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, como disposto na Constituição da República Portuguesa.[52] Têm-se em conta, através do parâmetro e critério da capacidade contributiva, não só elementos objectivos (capacidade económica) como, também, elementos subjectivos (aspectos pessoais, familiares, e características do sujeito passivo).

 

18. No IRS, como imposto sobre o rendimento que é, o legislador fiscal pretende tributar o rendimento líquido. Tratando-se aqui do rendimento pessoal, ele é, por sua vez, apurado tendo em consideração – a abater/deduzir – seja despesas necessárias à obtenção dos rendimentos, seja despesas pessoais e/ou familiares – tendo também em vista o já percorrido supra. Revela-se, assim, um carácter personalizante na tributação em IRS: tem-se em consideração a situação pessoal e familiar do sujeito passivo, as suas condições e características pessoais.

 

19. Com tal fito em vista (tributação em função da efectiva capacidade contributiva revelada como supra), o legislador nacional determinou, pela Reforma de 1989, e dando também cumprimento ao previsto na Constituição, que a tributação das pessoas singulares passasse a fazer-se através de um único imposto, de base alargada, que congrega em si a tributação da multiplicidade dos rendimentos de diferentes origens e natureza obtidos pelo sujeito passivo, que são distribuídos por diferentes Categorias, mas todas elas integradas no dito imposto, único, o IRS. Cada uma dessas Categorias tendo regras próprias, desde logo quanto ao apuramento da respectiva base tributável (Tax base), reporte de perdas, e outros. Mas rendimentos esses que são, depois e a final, tratados (mediante o “englobamento”[53]) num bolo comum[54], que será o rendimento total (matéria colectável total – Tax base) no ano, ao qual será então aplicada a tabela do art.º 68.º, composta por uma sucessão de taxas – as “taxas gerais” - progressivas, por escalões. Taxas que aumentam, pois, por escalões. A acompanhar o aumento do montante dos rendimentos auferidos, mundialmente - world wide income (totais do ano, englobados). O escalão máximo dos referidos rendimentos é actualmente tributado a uma taxa - cfr. tabela do art.º 68.º do CIRS - de 48%. Sobre esses mesmos rendimentos, no escalão mais elevado, aos quais é aplicada a taxa de 48%, acresce, depois, uma outra taxa  - “taxa adicional de solidariedade” (cfr. art.º 68.º–A do CIRS) – que sobre rendimentos até determinado montante é de 2,5%, e sobre rendimentos acima desse mesmo último montante é de 5% (48% + 5%). Numa das Categorias de rendimentos, os profissionais ou empresariais, podem ainda acrescer, reunidas certas condições, taxas de tributação autónoma, devidas com o IRS (art.º 73.º do CIRS).

 

20. A opção do legislador pela consagração de taxas progressivas, por escalões, neste contexto, tem justificação, também, em objectivos próprios do Estado Social, objectivos de protecção social e redistribuição da riqueza – cfr. art.º 103.º, n.º 1 da Lei Fundamental Portuguesa.[55] O que se apreende também se tivermos em conta que nas taxas progressivas (diferentemente do que sucede nas taxas proporcionais) à medida que aumenta o rendimento colectável há um aumento mais que proporcional do imposto, dada a subida da própria taxa de imposto. O legislador teve por objectivo, ao estruturar o IRS como um imposto único com progressividade, abranger a totalidade dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo e fazer com que os mesmos sejam tendencialmente sujeitos à mesma tabela escalonada de taxas progressivas. Tal desiderato é concretizado através do art.º 68.º do CIRS. A progressividade perderia sentido quando não reportada à globalidade dos rendimentos. É pela reunião das características da progressividade e da unicidade que o legislador alcança (visa alcançar) os ditos objectivos também de Estado Social, onde se inclui o da pretendida redistribuição da riqueza (cfr. art.º 103.º, n,º 1 da CRP supra).

 

21. Na tributação em IRS, porque tributação baseada numa concepção rendimento-acréscimo - que visa o apuramento da real capacidade contributiva dos contribuintes - incluem-se também os rendimentos de carácter ocasional/excepcional. Como são as mais-valias, desde logo as imobiliárias.

 

22. A concepção de rendimento-acréscimo, porém, a ser consagrada na sua plenitude, sobretudo no caso de certo tipo de rendimentos (como seria tipicamente o caso das mais valias imobiliárias) - e tendo em conta a tributação da globalidade dos rendimentos do sujeito passivo do ano, auferidos universalmente, pela aplicação de taxas progressivas por escalões - acarretaria consequências potencialmente gravosas. E é tendo tal em consideração que, desde logo na tributação das mais-valias em IRS, a concepção “rendimento-acréscimo” é atenuada pelo princípio da realização. Os rendimentos que se tributam são os efectivamente realizados, e não os meramente latentes ou potenciais. Foi esta a opção do legislador, dadas as dificuldades que distinta opção implicaria. Com efeito, estamos em regra perante bens que vão valorizando ao longo do tempo, frequentemente por anos, no caso das mais-valias imobiliárias. A tributação na esfera jurídica dos respectivos titulares ao longo desses anos, por os bens terem acrescido de valor, seria, no mínimo, delicada. Daí que apenas no momento em que são transmitidos se tribute. O imposto recai sobre esses ganhos quando realizados, i.e., tão só e apenas no momento em que efectivamente se materializam, se traduzem num efectivo ingresso monetário na esfera do sujeito passivo[56]. Ora, o facto de serem então tributados, esses rendimentos (mais-valias imobiliárias, Categoria G do IRS), de uma só vez, a saber, no IRS do ano em que a venda tem lugar, implica que – e uma vez que os mesmos rendimentos são de englobamento obrigatório – a globalidade dos rendimentos do ano do sujeito passivo vai, nesse ano, potencialmente ser afectada (agravada) em termos de carga fiscal sobre ela incidente. O risco de agravamento das taxas incidentes sobre os demais rendimentos do sujeito passivo, englobados, é evidente. E pense-se nas taxas particularmente elevadas dos escalões superiores. Como os próprios rendimentos de mais-valias imobiliárias, também eles, vão potencialmente resultar agravadamente tributados ao serem obrigatoriamente amalgamados (via englobamento) à totalidade dos rendimentos do ano (e não isoladamente considerados e tributados) para, então, ser determinada a taxa (cfr. art.º 68.º) que será aplicada ao todo dos rendimentos (aqueles também incluídos). Tenha-se em mente, sempre, a progressividade de taxas, por escalões.

 

23. No enquadramento que antecede, já se vê, o legislador nacional tem em vista o imposto sobre o rendimento pessoal dos Residentes. Que são, como é princípio generalizadamente aceite e assente seja em Direito Internacional Fiscal, seja - pensamos na tributação directa - no próprio Direito da UE, tributados numa base diferente daquela em que são tributados os Não Residentes. Aqueles pelos seus rendimentos universais, estes apenas pelos rendimentos obtidos no território do Estado em causa. Assim também no Ordenamento Jurídico-Fiscal Português[57]. Como aplicável no caso sub judice, em que estão em causa rendimentos de mais-valias gerados pela transmissão de imóvel localizado no território português e, daí, a tributação[58].

 

24. Residentes e Não Residentes não se encontram, pois, como decorrerá do que vem de se expôr, em situações objectivamente comparáveis, também no que à tributação sobre o rendimento de mais-valias imobiliárias respeita. Assim, diferentemente de tudo o que ficou exposto mais acima, ao o legislador português tributar um Não Residente por um ganho de mais-valias imobiliárias não estará, bem se vê, a procurar aferir da sua capacidade contributiva real em função da sua situação pessoal e familiar e/ou características pessoais ou, sequer[59], a pretender, ao tributar esse sujeito passivo, que o mesmo fique abrangido pelas taxas progressivas por escalões[60], com as quais se visou, desde logo, utilizar a tributação como um meio ao serviço também dos fins próprios do Estado Social - ao se tributar mais gravosamente quanto mais altos os escalões de rendimento dos sujeitos passivos. Assim, não estará o legislador português senão em relação aos Residentes, sim, a pretender que, de entre estes, os que alcançam rendimentos mais elevados contribuam de forma proporcionalmente maior para as despesas do Estado.

 

25. O legislador português, como também o Comunitário, procurou tratar de forma igual aquilo que é igual, e na medida dessa igualdade. Não já, porém, tratar de forma igual aquilo que é diferente.

 

26. Assim também, em Direito da UE a obrigação de não discriminação, em cumprimento das Liberdades Fundamentais, traduz desde logo um dever de respeito pelo Princípio da Igualdade, uma enunciação, mesmo que pela negativa, do princípio geral da igualdade. A exigir que situações objectivamente comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, e que situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, salvo existindo justificação aceitável.

 

27. Assim contextualizado, como o deverá ser, se alcança o principal objectivo visado pela norma do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. O legislador cuida aqui de uma situação, a dos Residentes, que não encontra paralelo na situação de sujeitos passivos Não Residentes. Foi tendo em atenção a particular gravosidade que a tributação de rendimentos ocasionais feita num único momento no tempo (cfr. princípio da realização), - no seio de um imposto pessoal único, incidente sobre a totalidade dos rendimentos anuais, mundiais, com taxas progressivas por escalões e englobamento obrigatório -, pode implicar para o sujeito passivo e seu agregado familiar, que o legislador nacional procurou amenizar tal impacto negativo potencialmente gravoso para tributação da globalidade dos rendimentos do ano. Foi este o objectivo visado através da consideração do ganho - matéria colectável (Tax base) da Categoria G - em apenas metade do seu valor. Como desde logo explicitado pelo legislador no próprio Preâmbulo do CIRS.[61]

Assim se tendo ali em vista também, no art.º 43.º, n.º 2, afinal - e tendo subjacente o referido objectivo de amenizar o impacto negativo na tributação do global dos rendimentos – mesmo que mediatamente, a determinação do rendimento colectável total (e não tanto, ou não isoladamente, a determinação da base tributável do ganho de mais-valias)[62].

 

28. E é também por se tratar de situações não comparáveis - a do Residente e a do Não Residente - que enquanto que no caso dos Residentes em geral vigoram taxas como as que vimos, já no caso dos Não Residentes vigoram em regra taxas proporcionais, consideravelmente inferiores às taxas que podem atingir-se na progressividade por escalões. Tributação, nos primeiros, ponderadas todas as considerações supra, versus tributação numa base essencialmente real, facto tributário isoladamente considerado e revelador de uma determinada capacidade económica imediata, sem outras considerações, como seriam quaisquer considerações personalizantes, nos segundos. Mesmo porque será o Estado da Residência destes últimos aquele que estará em melhores condições para tal ponderar ao tributar.

 

29. Assim também enquadrados, relembre-se que estamos no âmbito de tributação directa, competência legislativa, pois, dos Estados-Membros. Não em matéria de tributação harmonizada. E não existindo Directiva aplicável. Também assim verificamos que esse Alto Tribunal reconhece, na sua base, a situação dos sujeitos passivos Residentes e a dos Não Residentes como não sendo, regra geral, comparável. Tendo em conta, desde logo, que enquanto que os primeiros têm uma obrigação tributária ilimitada perante o Estado da sua Residência, os segundos, por ali não serem residentes, têm uma obrigação limitada. Tendo em conta, igualmente, a distinta posição de uns e de outros na sua relação com esse Estado no que à tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar/aferição de capacidade contributiva respeita.

 

30. Sendo daí, dessa base, que se parte para a apreciação das situações. E nessa apreciação se podendo depois identificar casos em que as circunstâncias revelam uma situação afinal objectivamente comparável. Assim também no Acórdão Gielen, onde se concluiu tratar-se de questão (a diferenciar a tributação) que não interceptava com o apuramento da capacidade contributiva/situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos. Diferentemente, como vimos, do que aqui sucede.

 

31. Ora, o que antecede vem reflectido no regime jurídico-fiscal em vigor no Ordenamento Português - seja após a alteração legislativa operada pelo legislador nacional uma vez proferido o Acórdão Hollmann, seja antes - e deverá ser ponderado na apreciação do mesmo. Vejamos.

 

32. Com a alteração legislativa[63] pós Acórdão Hollmann o sujeito passivo Não Residente passou a ter a possibilidade de escolher entre o regime geral de Não Residentes, que já antes lhe era aplicável[64], e o regime que é aplicado no caso dos Residentes. Regime este que, como terá ficado claro, resulta da conjugação de uma série de normas consagradas no CIRS, uma delas o art.º 43.º, n.º 2. Artigo este que não pode pois ser apreendido, ou sequer aplicado, isoladamente. Ele é aplicado conjugadamente, desde logo, com o art.º 22.º (englobamento, obrigatório) e com o art.º 68.º (tabela geral das taxas, progressivas).[65]

 

33. Temos pois que vigoram actualmente dois regimes, distintos e alternativos, para a tributação de mais-valias imobiliárias obtidas por Não Residentes em Portugal. Um primeiro regime, que era aquele que já vigorava antes do Acórdão Hollmann, nos termos do qual sobre o montante do ganho de mais-valias (calculado cfr. regras gerais aplicáveis também aos Residentes) se aplica uma taxa especial fixa de (actualmente) 28%. E um outro regime, nos termos do qual ao montante do ganho de mais-valias, calculado da mesma forma, se deduz 50% e se aplica a tabela do art.º 68.º do CIRS, tendo para o efeito o Não Residente que, como o Residente, informar o Estado Português quanto a todos os rendimentos por si auferidos mundialmente no ano em causa.[66]

 

34. Para o sujeito passivo Não Residente escolher ser-lhe aplicado o regime que é aplicado aos Residentes deve, na sua Declaração de rendimentos a apresentar ao Estado Português[67], no Quadro referente à Residência Fiscal, ao invés de assinalar a opção 07 “Pretende a tributação pelo regime geral”, assinalar a opção 08 “opta por um dos regimes abaixo indicados”, e, abaixo, assinalá-lo: o regime das taxas gerais aplicável aos Residentes, quanto aos rendimentos do art.º 72.º, n.º 14[68]. E devendo, neste último caso, aí também indicar o total dos rendimentos obtidos no estrangeiro (cfr. art.º 72.º, n.º 15[69]).

 

35. Note-se que o sujeito passivo terá que assinalar (optar por) uma de entre aquelas duas possibilidades (07 / 08) – V., em anexo, o Modelo da Declaração de rendimentos a ser preenchido (v.  p. 1, parte final, Quadro 8 – Residência Fiscal). Sendo que a obrigação declarativa já existia, sempre existiu[70], apenas tendo, no local próprio, sido introduzida a possibilidade de opção entre dois regimes alternativos, como supra. Não foi criada, pois, uma nova obrigação declarativa, mas sim aberta mais uma possibilidade no seio da mesma obrigação declarativa.

 

36. Deve neste ponto notar-se que o CIRS é todo ele pautado por situações em que ao sujeito passivo é solicitado escolher entre opções possíveis. O IRS contém um regime em boa medida optativo, que faculta ao contribuinte diferentes opções de tributação. Dá-se ao sujeito passivo a possibilidade de optar, de entre alternativas possíveis, pela que lhe seja mais favorável, que corresponderá àquela que há-de permitir-lhe uma maior poupança fiscal. São assim consagradas opções de tributação, sendo que a escolha pelo regime fiscalmente menos gravoso/mais favorável dependerá das circunstâncias de cada caso.

 

37. Para dizer que, desde logo, o facto de se conceder aos Não Residentes uma opção de tributação, como a que foi consagrada pela introdução dos n.ºs 14 e 15 no art.º 72.º do CIRS, não deixa de estar em harmonia com o sistema do CIRS conforme desenhado pelo legislador e, assim, com o que neste aspecto – opções de tributação a exercer pelos contribuintes nas suas obrigações declarativas – se exige dos Residentes. Quanto a estes últimos, já se vê, com uma extensão não comparável, por patentemente mais vasta, que quanto àqueles. Não se constatando pois, também por aqui, um tratamento menos favorável comparativamente ao tratamento concedido aos Residentes.

 

38. Por outro lado, e também, para constatar que não estaremos perante um ónus, mas sim perante uma faculdade. Senão vejamos. Mediante a possibilidade de opção que é concedida ao contribuinte – no caso, o Não Residente – torna-se possível escolher ele próprio entre dois regimes de tributação e, assim, escolher aquele que no caso lhe for mais vantajoso. Se lhe quisermos denominar de “ónus” sempre será um ónus tendo em vista o alcançar de uma vantagem, assim tornada possível.

 

39. Dê-se ainda nota de que a obrigação que recaía sobre os Não Residentes de indicarem um Representante Fiscal, que seria responsável pelas suas obrigações declarativas, deixou de constar do CIRS, na sequência de esse Alto Tribunal a ter considerado excessiva face aos fins a que se destinava e violadora da liberdade de circulação de capitais[71].[72] Não será pois de considerar estar o Não Residente, ao não dispor, se for o caso, de um Representante Fiscal, desfavorecido, ou em situação menos favorável que o Residente, também no que a este particular respeita.

 

40. Mais se dê nota (ao que a própria natureza da possibilidade de opção também nos conduz pois que estas possibilidades existem, precisamente, com vista a permitir aos contribuintes aferirem, na sua situação, a solução que de entre as possíveis lhes é mais favorável) - e por aqui também ora regressando nós ao art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e às questões que vimos colocar em Reenvio - que não é possível, em abstracto, de antemão, saber qual o efeito da tributação em questão (cfr. art.º 43.º, n.º 2) sobre o bolo dos rendimentos, no ano em causa, do sujeito passivo Residente. O montante do ganho de mais-valias sujeito a imposto (mesmo que considerado em apenas metade) é obrigatoriamente englobado no total dos rendimentos, i.e., no total dos rendimentos de todas e quaisquer Categorias (seja rendimentos do trabalho dependente, seja rendimentos de trabalho independente e/ou empresarial, seja rendimentos de capitais - e as mais valias imobiliárias de que se cuida não se confundem, no Ordenamento Jurídico-Fiscal Português com rendimentos de capital - seja rendimentos de pensões, seja rendimentos prediais) obtidos no ano pelo sujeito passivo. Incluídos os rendimentos auferidos fora do território Português. E a taxa que vai ser aplicada a esse valor do ganho de mais-valias (a metade do ganho, a Tax base cfr. art.º 43.º, n.º 2) não é, assim, aferível isoladamente, não é aferível por referência apenas a esse ganho. A taxa vai ser apurada – cfr. art.º 68.º do CIRS - em função do bolo total dos rendimentos auferidos mundialmente pelo sujeito passivo nesse ano. Pois que só mediante a soma de todos os rendimentos se consegue calcular e apurar a taxa aplicável.

 

41. Mais, o ganho de mais-valias (metade do ganho) vai – ao acrescer aos demais rendimentos – contribuir para a elevação da taxa que será aplicada aos rendimentos (à totalidade dos rendimentos do ano) do sujeito passivo. E, outra face da mesma moeda, o próprio ganho de mais-valias vai potencialmente ser agravado na sua tributação por lhe ser aplicável uma taxa que é apurada tendo por referência não esse ganho isoladamente, mas sim a totalidade dos rendimentos auferidos mundialmente pelo sujeito passivo no ano. Pela aplicação de uma tabela de taxas que aumentam por escalões com progressividade, recorde-se (cfr. art.º 68.º).

 

42. É o que passa a suceder com o Não Residente - desde que foi introduzida a possibilidade de opção no nosso Ordenamento Jurídico - quando escolha ser tributado da mesma forma que os Residentes. Porém vindo-lhe a ser aplicada a taxa que assim se apurar (após consideração da totalidade dos rendimentos mundiais do ano e por aplicação da tabela do art.º 68.º do CIRS) tão só e apenas sobre o ganho de mais-valias, e apenas considerado na metade. Não já sobre os seus demais rendimentos, que aqui não serão, como se sabe, tributados. Que, portanto, diferentemente do que sucede no caso dos Residentes, não sofrerão uma tributação potencialmente agravada em consequência do ganho de mais-valias lhes ser adicionado. Mais uma vez, situações diferentes, não comparáveis.

 

43. Taxa essa – e carga tributária, pois - que, como resultará claro, não se conseguirá antecipar sem mais. Não é possível concluir que o Regime geral aplicável aos Não Residentes (aquele único que existia até à alteração legislativa, e pelo qual se aplica uma taxa fixa sobre o montante do ganho, sem redução deste a metade) se traduz, para estes, numa maior carga fiscal do que se traduziria a aplicação, aos mesmos, do regime geral aplicável aos Residentes. Primeiro porque só em concreto, ponderadas as circunstâncias do caso, se torna possível aferir qual a taxa que será aplicada (face à totalidade dos rendimentos do ano) e, assim, qual dos dois regimes se revela mais favorável ao Não Residente; depois porque os regimes gerais do Não Residente e do Residente não poderão, em bom rigor, sequer ser comparados: desde logo, como se viu, o Não Residente (e porque Não Residente) não vai ver a sua carga tributária sobre os seus demais rendimentos do ano afectada pelo ganho de mais-valias (contrariamente ao que sucede com o Residente). Mais uma vez, na raíz, situações diferentes, não comparáveis.

 

44. Sem prejuízo do que acaba de se dizer, em qualquer caso e ainda no exercício de uma tentada comparação, sempre se diga que não se afigurará pouco frequente que seja efectivamente o regime geral dos Não Residentes o que mais favorável se revelará na prática. Para tal se tenderá, com efeito, nas situações em que os níveis de rendimento mundiais dos sujeitos passivos Não Residentes sejam mais elevados. Já não assim, admita-se, se os níveis de rendimento forem efectivamente baixos. Ainda assim, e neste contexto, não deixará de se notar que estamos a tratar da realização de ganhos na venda de bens imóveis que não a habitação permanente dos sujeitos passivos, antes habitação secundária e/ou de investimento, e, assim, à partida não estaremos em contexto de contribuintes com rendimentos mais baixos.

 

45. Como quer que seja, a opção entre os dois regimes de tributação que se encontram hoje disponíveis para utilização pelo Não Residente é, assim, uma possibilidade, uma faculdade consagrada em favor dos contribuintes Não Residentes. Sendo que não é seguro que estes fiquem sujeitos, por força da não aplicação do art.º 43.º, n.º 2 à sua situação, como visto, a uma carga fiscal mais gravosa que aquela a que ficam sujeitos os Residentes. Não só não será possível aferir em abstracto se os Não Residentes ficam sujeitos a uma carga tributária mais gravosa caso lhes seja aplicado o regime do art.º 72.º, n.º 1 do que se lhes for aplicado o regime dos Residentes como lhes passou a estar acessível. Como, e sobretudo, não será possível afirmar-se com certeza que os Não Residentes ficam sujeitos a uma carga tributária mais gravosa quando lhes seja aplicado o regime do art.º 72.º, n.º 1 comparativamente àquela a que ficam sujeitos os Residentes.

 

46. Dito isto, e a acrescer a tudo quanto antecede, sempre se refira que o regime geral dos Residentes se afigurará aos Não Residentes menos favorável em termos de previsibilidade, quando comparado com o regime geral dos Não Residentes. Ao neste - contrariamente ao que sucede naquele - se conseguir (ser possível) calcular antecipadamente o montante de imposto que vai ser devido (aplicação de uma taxa fixa ao valo do ganho). O que sempre será de notar, tendo em consideração que através da consagração da liberdade de circulação de capitais se pretende obstar a que um Não Residente resulte desincentivado, dissuadido, de investir no Estado em causa. E pense-se na relevância que, nesse contexto, assumirá a previsibilidade versus a maior imprevisibilidade do imposto a pagar (no regime geral dos Residentes, por força da tabela do art.º 68.º do CIRS, a taxa a aplicar reveste-se, comparativamente, de incerteza).

 

47. Sem preocupações de exaustividade, poderão ainda referir-se outros pontos em que o regime geral dos Residentes (cfr. art.º 43.º, n.º 2 do CIRS) se não revela mais favorável quando comparado com o regime geral dos Não Residentes (cfr. art.º 72.º, n.º 1 CIRS). Desde logo, o ganho de mais-valias é ali considerado pela metade mas, igualmente, as menos-valias que o sujeito passivo incorra no ano, se for o caso, também elas são consideradas pela metade. O IRS é um imposto de formação sucessiva, ao longo de um ano, as mais-valias do Residente são as apuradas ao longo do ano, aquilo que – art.º 43.º, n.º 2 – se tributa pela metade é, aliás, o saldo de mais-valias (a diferença pois entre mais-valias e menos-valias do ano, ambas por metade). E mais uma vez, também por aqui, as situações são diferentes. No caso dos Não Residentes a tributação das mais-valias não traduz um imposto de formação sucessiva mas sim um imposto instantâneo. Não há um saldo entre mais e menos-valias a apurar no ano, que então será tributado, como é o caso dos Residentes, mas sim uma tributação real – a aplicação de uma taxa fixa sobre um montante determinado, e nada mais. Mais, aos Residentes não é dada a possibilidade de não englobar o rendimento de mais-valias imobiliárias com os demais rendimentos do ano. Sendo que, mais, no reporte de perdas (menos-valias) que lhes é permitido fazer dentro desta Categoria para os anos seguintes, essas perdas, a existirem, vão ser consideradas em apenas metade do seu valor[73].

 

48. Por tudo, e salvo melhor entendimento, as situações em causa não são comparáveis, recaindo-se no âmbito do n.º 1 do Artigo 65.º do TFUE. E sem que se verifique preenchido o n.º 3 deste mesmo Artigo, como também resulta de tudo quanto antecede. Com efeito, desde logo não havendo situações comparáveis inexiste discriminação. Mas mais. Ainda que se seguisse distinto entendimento (se se seguisse entendimento no sentido de estarmos perante situações objectivamente comparáveis), ou dúvidas restassem, sempre haveria de reconhecer-se que decorre da própria coerência do Ordenamento Jurídico Interno, como supra, a consagração dos dois regimes em causa, diferentes, para Residentes e para Não Residentes. Por tudo o que vimos, e tendo em conta desde logo que o Estado Português tributa os seus Residentes (e não assim os Não Residentes) pelos seus rendimentos numa base mundial. Com preocupações personalizantes e, também, de Estado Social.

 

49. Não se deixando ainda de notar que uma eventual vantagem que se considerasse existir para os Residentes decorrente do regime do art.º 43.º, n.º 2 (na hipótese, menos correcta, de se ver este artigo isolado do contexto) sempre haveria de considerar-se a mesma “compensada” não só, desde logo, pelas decorrências desse regime de tributação unitária com proporcionalidade por escalões e assim pela agravada tributação do todo dos rendimentos, com o risco de as taxas dos escalões superiores alastrarem aos demais rendimentos, como também pela maior carga tributária a que os Residentes ficam sujeitos no Estado da sua Residência – tributação de base mundial, poder tributário mais alargado do Estado.

 

50. Por fim, e nos termos do ponto 18 das Recomendações aos OJN, com a devida vénia diremos ainda o que segue.

 

51. É visando a tributação em função da capacidade contributiva que no caso dos Residentes o Estado Português leva em linha de conta, na respectiva tributação, a situação pessoal/familiar, com deduções à colecta, dedutibilidade de encargos e outros. Diferentemente, no caso dos Não Residentes a tributação é operada numa perspectiva não personalizante e apenas real. Tributando-se apenas os rendimentos obtidos em Portugal. Na tributação dos Não Residentes não se têm em conta características de natureza pessoal ou familiar do sujeito passivo. Tributa-se independentemente da capacidade contributiva efectiva do Não Residente.

 

52. Neste contexto, foi a potencialidade de assim se agravar de forma sobremaneira pesada a carga de imposto sobre a totalidade dos rendimentos do sujeito passivo Residente no ano em causa (da venda do imóvel) e, assim também, o rendimento disponível seu e do seu agregado familiar, que levou o legislador a considerar esse ganho, para efeitos de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares, pela metade - tendo em vista aquela que seria a consequente tributação a taxas potencialmente bastante elevadas (obrigatoriamente englobados que são estes rendimentos) e que se contagiam à globalidade dos rendimentos (universais) do sujeito passivo. É neste contexto que se deve apreender - no seio do Ordenamento Jurídico-Fiscal Portugês - a tributação sobre o rendimento do ganho de mais-valias na transmissão de direitos reais sobre bens imóveis pelos Residentes em IRS e o objectivo aí visado pelo legislador. As situações não são, quanto a nós, objectivamente comparáveis. Residentes e Não Residentes não se encontram em situações idênticas nem comparáveis.

 

53. Mais sendo que não é correcto (porque não é possível) afirmar em abstracto que a tributação dos Não Residentes pelo regime geral destes (consideração do ganho na totalidade e aplicação de uma taxa fixa especial sobre o mesmo - ao invés de consideração de apenas metade do ganho e englobamento do mesmo com o total dos rendimentos anuais mundiais aos quais então se aplica uma tabela de taxas progressivas em função de escalões de rendimento) resulta para si numa carga fiscal mais gravosa do que a tributação que lhes seria aplicável  pelo regime geral dos Residentes.

 

54. Acresce, e não de somenos tendo em vista a liberdade de circulação de capitais, a imprevisibilidade contida no regime dos Residentes (decorrente desde logo da necessidade de saber qual será o montante total de rendimentos mundiais no ano da venda, e consequente indefinição antecipada quanto à taxa aplicável) em comparação com o que sucede no regime geral dos Não Residentes.

 

55. Tudo visto e ponderado, percorrida que fica a legislação nacional pertinente e sua interpretação, como supra, é entendimento deste OJN:

(i)     Que não se dissuade o investimento por parte de Não Residentes em Portugal quando para os mesmos se consagre, na matéria em apreço, (apenas) um regime que não o mesmo dos Residentes, tal como sucedia até ao final de 2007; violaria sim a liberdade de circulação de capitais o legislador ter consagrado o regime geral dos Residentes para os Não Residentes, sem mais, pois que estariam, então, a tratar-se situações diferentes de forma igual;

(ii)    Que a possibilidade concedida aos Não Residentes, em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, de estes escolherem entre lhes ser aplicado o regime geral dos Não Residentes ou o regime dos Residentes - e que vigora sem que para o respectivo exercício se lhes imponha um encargo excessivo ou desproporcionado - faculta ao Não Residente a escolha do regime que em concreto se vier a revelar mais favorável, entre os dois, e não viabiliza, com isso, a aplicação de um regime desconforme ao Direito da União Europeia, pois que o regime cfr. art.º 43.º, n.º 2 do CIRS o não é, tudo como supra;

(iii)   Que o legislador nacional prosseguiu, através do regime que consagrou para os Residentes, objectivos legítimos e dignos de ponderação (supra explicados), no seio da coerência e funcionamento equilibrado do seu Sistema Fiscal. A diferença de tratamento baseada na residência é, no caso, autorizada e não recai, seja como for, nas discriminações proibidas pelo art.º 65.º, n.º 3 do TFUE;

(iv)   Que com a sua legislação, nesta matéria, o legislador português não deixou de se conter no âmbito da compatibilidade com o Direito da UE.

 

55. Atento ainda o disposto no ponto 27, segunda parte, das Recomendações aos OJN, dê-se conta de que se encontram pendentes em Tribunais Arbitrais junto do CAAD diversos processos cujo desfecho dependerá da resposta que esse Alto Tribunal vier a dar às questões ora submetidas em reenvio prejudicial.

 

Refira-se ainda que notificadas as Partes para exercerem, querendo, o contraditório quanto à projectada redacção das questões infra, o Requerente se veio pronunciar pela sua desnecessidade e a Requerida veio declarar nada ter a opôr.

 

Assim, com vista à interpretação uniforme do Direito da UE, e tendo em conta, também, o considerável número de processos passíveis de suscitar questões análogas às que se colocam no presente, vem este Tribunal Arbitral muito respeitosamente colocar a V. Exas., em reenvio prejudicial, as seguintes questões:

 

1.  O Artigo 63.º do TFUE, e tendo em consideração o disposto no Artigo 65.º, n.º 1 do mesmo Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime fiscal de um Estado-Membro, em tributação directa, sobre os rendimentos pessoais, no qual coexistem, para o caso dos sujeitos passivos Não Residentes, e relativamente ao rendimento de mais-valias imobiliárias na venda de bens imóveis sitos nesse Estado-Membro, dois regimes jurídicos em que um - (i) - se traduz na aplicação de uma taxa especial fixa, proporcional, de 28%, sobre o total do ganho de mais-valias (Tax base) apurado segundo as regras gerais de apuramento (quantificação, quantum) desse ganho e, outro (ii) – se traduz na aplicação do regime dos Residentes, em que, uma vez apurado o ganho de mais-valias pelas mesmas regras gerais, se considera esse ganho (Tax base) apenas pela metade (50%) e se procede - obrigatoriamente - ao englobamento (pelo acréscimo, soma) do mesmo (esses 50% do ganho de mais-valias) com os demais rendimentos obtidos nesse ano, mundialmente, pelo sujeito passivo, para assim se apurar a taxa aplicável à totalidade dos rendimentos nos termos da tabela geral aplicável aos Residentes (em que as taxas, progressivas por escalões, vão de 14,50% a 48%, ainda podendo acrescer uma taxa de no máximo 5% se o montante total de rendimentos superar determinados valores), a qual será aplicada, no caso do Não Residente, apenas a esse rendimento – ao rendimento de mais-valias imobiliárias, considerado em apenas metade (ao passo que no caso do Residente a taxa assim apurada será aplicada a esse e aos demais rendimentos do ano)?

Deve referir-se que a escolha entre um ou outro dos dois regimes possíveis é feita pelo sujeito passivo Não Residente na Declaração de Rendimentos que lhe é devido apresentar no Estado-Membro, Portugal, obrigação que lhe incumbe em qualquer das situações, i.e., quer escolha ser tributado pelo regime geral dos Não Residentes (ref. em (isupra), quer escolha ser tributado pelo regime dos Residentes (ref. em (iisupra), nessa Declaração devendo assinalar uma de entre essas duas opções. Sendo que a obrigação declarativa dos Não Residentes  (apresentação de Declaração de rendimentos, Modelo 3) já existia mesmo antes da alteração legislativa que veio acrescentar, no Modelo oficial dessa Declaração, a possibilidade de escolher o regime dos Residentes.

E deve referir-se que, ao escolher ser tributado pelo regime dos Residentes, o Não Residente tem que informar (na mesma Declaração) o montante global dos seus rendimentos do ano a nível mundial. 

 

 

 

2.  O Artigo 63.º do TFUE, e tendo em consideração o disposto no Artigo 65.º, n.º 1 do mesmo Tratado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime fiscal de um Estado-Membro, em tributação directa, sobre os rendimentos pessoais, em que enquanto que no caso dos (a) Residentes a tributação se faz englobando obrigatoriamente o ganho de mais-valias, reduzido a 50%[74] (Tax base), com os demais rendimentos mundialmente obtidos no mesmo ano pelo sujeito passivo (sem possibilidade de opting out), apurando-se assim o rendimento global anual do Residente, ao qual se aplicam as taxas progressivas por escalões constantes da tabela geral (e, após, deduções/encargos personalizantes), no caso dos (b) Não Residentes a tributação do rendimento de mais-valias imobiliárias se faz mediante a aplicação de uma taxa especial fixa sobre o ganho total de mais-valias (Tax base) (após apuramento do valor desse ganho pelas mesmas regras aplicáveis aos Residentes)?

 

Deve referir-se que - em (a) as taxas progressivas se compreendem entre 14,50% e 48%, podendo acrescer à taxa marginal máxima uma taxa de, no máximo, 5%, se o montante total dos rendimentos superar determinados valores, enquanto que – em (b) - a taxa, especial, é de 28%.

 

 

*

 

Termos em que se decide suspender a instância até à pronúncia do TJUE sobre as questões  prejudiciais, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria do CAAD à daquele, com Pedido de Decisão Prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente Decisão, do Pedido de Pronúncia Arbitral, da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia do Processo Administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais, e do Modelo Oficial da Declaração Modelo 3 (folha de rosto e Anexo G) (i) em vigor em 2008 (ref. a rendimentos de 2007 e/ou anteriores), (ii) em vigor em 2017 (ref. a rendimentos à data dos factos, i.e., obtidos em 2016), e (iii) em vigor à data de hoje.

 

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2021

 

O Árbitro,

 

(Sofia Ricardo Borges)

 



[1]Sempre que na presente Decisão se indicar(em) artigo(s) sem menção do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.

[2]Disponível em www.caad.org.pt

[3]Valor Patrimonial Tributário

[4]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[5] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT – cfr. anterior.

[6]Quaisquer sublinhados e/ou negritos na Decisão, sempre que não indicado em contrário, serão nossos;

[7]Aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1989;

[8]Cfr. redacção em vigor à data dos factos (2016), e que se mantém no que ao tema dos autos releva (sem prejuízo de a numeração no art.º 72.º, na parte relevante para os autos, ter sofrido alteração, como adiante se notará; mas sem que o respectivo conteúdo tenha sido alterado).

[9]No caso em especial das transcrições em itálico as normas do CIRS são apenas referidas por potencialmente úteis à compreensão do todo do regime jurídico.

[10] Note-se, por aqui, que o mesmo tipo de rendimentos tratados no artigo art.º 43.º, n.º 2, que vem reduzir a matéria colectável para metade no caso dos Residentes, já não terá aplicação se a transmissão em causa se fizer pelo sujeito passivo Residente, para o seu património particular, no âmbito de sua actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais. Nesse caso não estaremos no âmbito da Categoria G.

 

[11] Cfr. numeração à data dos factos; os n.ºs 9 e 10 (como supra) então em vigor (2016), que correspondem aos actuais n.ºs 14 e 15 (2021), foram inicialmente introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, então como n.ºs 7 e 8, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008, na sequência do Acórdão Hollmann (que data de 11 de Dezembro de 2007).

[12] V. Nota anterior.

[13]Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[14] Cfr. Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro

[15]V. supra, legislação potencialmente aplicável-CIRS.

[16]Em rigor, o saldo anual entre mais e menos-valias.

[17] A Jurisprudência que se refere ao longo da Decisão, bem como a aí indicada, estará disponível, consoante o caso, em: https://curia.europa.euwww.dgsi.pt, e em www.caad.org.pt

 

 

[18]Sempre que na presente Decisão se indicar(em) artigo(s) sem menção do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.

[19]Doravante “STA”

[20]Valor Patrimonial Tributário

[21]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[22] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT – cfr. Nota 4.

[23]Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente Decisão, sempre que não indicado em contrário, serão nossos.

[24]Aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1989.

[25]Cfr. redacção em vigor à data dos factos (2016), e que se mantém no que ao tema dos autos releva (sem prejuízo, note-se, de a numeração no art.º 72.º, na parte relevante para estes autos, ter sofrido alteração, como mais adiante se notará; mas sem que o respectivo conteúdo tenha sido alterado).

[26]Sempre que a transcrição se fizer em itálico tal deve-se tratar-se de norma que, apesar de não de aplicar no caso sub judice, ainda assim poder ser útil à compreensão do todo do regime jurídico.

[27] Note-se, por aqui, que o mesmo tipo de rendimentos tratados no artigo art.º 43.º, n.º 2, que vem reduzir a matéria colectável para metade no caso dos Residentes, já não terá aplicação se a transmissão em causa se fizer pelo sujeito passivo Residente, para o seu património particular, no âmbito de sua actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais. Nesse caso não estaremos no âmbito da Categoria G.

 

[28] Cfr. numeração à data dos factos; os n.ºs 9 e 10 (como supra) então em vigor (2016), que correspondem aos actuais n.ºs 14 e 15 (2021), foram inicialmente introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, então como n.ºs 7 e 8, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008, na sequência do Acórdão Hollmann (que data de 11 de Dezembro de 2007).

[29] V. Nota anterior.

[30] de 06.10.1982, Proc. 283/81

[31] JOUE (2019/C 380/01), 08.11.2019, disponível em https://eur-lex.europa.eu

[32] Acórdão de 11.06.2015, Proc. C-256/14

[33] Cfr. art.º 25.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT

[34] Acórdão de 11.10.2007, Proc. C-443/06

[35] Acórdão de 06.10.1982, Proc. 283/81

[36]V. pontos 15 e 16, Acórdão Cilfit

[37] Pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (v. supra)

[38] V.  3., 5. e 15. das Recomendações aos OJN

[39] Não iremos ao longo da decisão de reenvio reportar-nos expressamente ao Artigo 18.º, pois que conforme Jurisprudência assente do TJ este Artigo só deve ser aplicado autonomamente nas situações para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação. Sendo que estamos a reportar-nos à liberdade de circulação de capitais, que vem tratada no Artigo 63.º e ss. do TFUE.

[40]Ponto que não iremos abordar, por também já assente na Jurisprudência do TJ, inclusive no Acórdão Hollmann, é que cabe no conceito Comunitário de “movimentos de capitais”, também, a liquidação de investimentos imobiliários.

[41] Acórdão de 11.10.2007, Proc. C-443/06

[42] Ao utilizarmos a abreviatura NR, como também quando por extenso “Não Residente”, estaremos já a referir-nos aos Não Residentes que o legislador aqui abrangeu - cfr. redacção da norma (v. parte ora transcrita).

[43] Acórdão de 18.03.2010, Proc. C-440/08

[44] Regime expressamente consagrado pelo legislador nacional para os Residentes, note-se, e regime este que (só após a alteração normativa, pós Acórdão Hollmann, com o aditamento dos dois números no art.º 72.º) passou também a ser passível de ser aplicado ao NR mediante escolha pelo próprio.

[45]No douto Acórdão do STA, de 09.12.2020, proferido no proc.º 064/20.0BALSB, disponível em www.dgsi.pt, que contém uma declaração voto na questão fundamental de direito, e um voto de vencido quanto à admissibilidade de recurso, pode ver-se, nas pp. 10-14, referência à Jurisprudência dos Tribunais Arbitrais (disponível em www.caad.pt) que vem sendo proferida na matéria. Como também referência a Jurisprudência do STA na matéria, nas pp. 9-10.

[46]Cfr. douto Acórdão do STA, de 09.12.2020, proferido no proc.º 075/20.6BALSB, disponível em www.dgsi.pt,  igualmente contendo uma declaração voto na questão fundamental de direito, no qual também se encontram as referências à Jurisprudência Nacional pertinente, em especial a dos Tribunais Superiores.

[47]Na numeração actual; v. supra nota 9;

[48]Acórdão de 08 de Setembro de 2015, Proc. C-105/14 e Acórdão de 05 de Dezembro de 2017, Proc. C-42/17, respectivamente;

[49]Como também sucedeu, a título de exemplo, no referido “Caso Taricco”.

[50](v. supra, CRP)

[51](v. supra)

[52] (v. supra, CRP)

[53] V. art.º 22.º do CIRS supra

[54] Embora existam excepções, alguns tipos de rendimento que não são obrigatoriamente englobados, mas sendo a regra a do englobamento obrigatório. E não sendo o caso das mais-valias imobiliárias excepção à regra.

[55]V. supra

[56]Cfr. art.ºs 9.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) CIRS, supra.

[57]V. supra art.ºs 13.º, n.º 1 e 15.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.

[58]Cfr. art.ºs 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, al. h) do CIRS, supra.

[59] (sem prejuízo da alteração legislativa que veio a ser introduzida na sequência do Acórdão Hollmann)

[60] As taxas do art.º 68.º do CIRS.

[61]V. supra Preâmbulo do CIRS, ponto 12.

[62]Como, aliás, a inserção sistemática da norma no Código o revela também (no Capítulo precisamente da Determinação do rendimento colectável, anual, do sujeito passivo).

[63]V. supra art.º 72.º do CIRS - n.ºs 9 e 10 (na numeração ao tempo do caso sub judice)

[64]O único que antes lhe era aplicável.

[65] V. supra estes artigos.

[66]Neste último regime possível o ganho de mais-valias é considerado em apenas 50% como sucede aquando da determinação do rendimento colectável dos Residentes – cfr. disposições conjugadas dos n.ºs 14 e 15 (numeração actual) do art.º 72.º do CIRS. Entendemos ser esta a única interpretação possível da conjugação das normas pertinentes. Faz-se esta nota apenas porque em alguma da Jurisprudência nacional aflorada acima tal não resulta assente. No mesmo sentido, e que, quanto a nós, não levanta dúvidas, pode ver-se Decisão Arbitral no Proc. n.º 45/2012-T, a pp. 12., nota 14, disponível em www.caad.pt.

[67]Declaração Modelo 3;

[68] (numeração actual)

[69] (numeração actual)

[70] Não se incluindo nas situações de dispensa de apresentação, cfr. art.º 58.º do CIRS, v. supra

[71] Acórdão Comissão – República Portuguesa, de 5 de Maio de 2011, Proc. C-267/09.

[72] Retirou-se da norma, em consequência, o carácter de obrigatoriedade – v. supra art.º 130.º, n.º 2

[73]V. art.º 43.º, n.ºs 1 e 2 e art.º 55.º, n.º 1, al. c), supra.

[74]Em rigor, trata-se de tributar o saldo anual de mais/menos valias, pela metade (sendo consideradas pela metade quer as mais valias, quer as menos valias).