Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 56/2020-T
Data da decisão: 2021-01-05  Selo  
Valor do pedido: € 116.269,89
Tema: IMT - Imposto do Selo; IMI; Regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH).
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SUMÁRIO:

I. O reconhecimento automático de um benefício fiscal não consiste num acto de liquidação (prévia ou inicial), daí que a liquidação promovida pela AT na ausência do cumprimento da iniciativa para a liquidação que incumbe ao sujeito passivo traduza uma liquidação oficiosa;

II. Não ocorre violação do dever de fundamentação se o sujeito passivo demonstra uma compreensão do quadro fáctico e legal no âmbito do qual os actos de liquidação emergiram, de tal forma que àquele continuou a ser possível efectuar um controlo sobre a sua legalidade e sobre a validade dos motivos subjacentes à tomada de decisão pela AT;

III. Não ocorre o vício de duplicação de colecta se os actos de liquidação não incidirem sobre os mesmos factos e, em consequência, os montantes de colecta forem diversos;

IV. Não ocorre violação do princípio da tipicidade pelo facto de a AT recorrer na fundamentação do procedimento a regulamentos que conformam certo regime jurídico, sendo que aquele vício se reporta a actos legislativos ou regulamentares que se enquadrem no conceito de actos normativos e já não a meros actos administrativos do procedimento;

V. Os benefícios fiscais, enquanto normas que derrogam os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, devem ser interpretados e aplicados tendo em conta a finalidade extra-fiscal para a qual foram criados;

VI. O regime jurídico dos FIIAH concede isenções de pagamento de IMT, IS e IMI que caducam na eventualidade de os fundos alienarem os imóveis que beneficiaram daquelas isenções sem que tenham sido efectivamente destinados a arrendamento para habitação permanente nos termos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., LDA. Pessoa Colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por “RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

             Declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosas de Imóveis (“IMT”) e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 2012 e 2013 no montante total de € 114.661,64, melhor identificados infra;

             Declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 2012 e 2013 no montante total de € 46.095,30, melhor identificados infra;

             Declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), n.º 2013..., no montante total a pagar de € 1.109,33, e n.º 2013..., no montante total a pagar de 498,92, ambos referentes ao exercício de 2013;

             Condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 30 de Janeiro de 2020 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16 de Março de 2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 6 de Julho de 2020.

 

                5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

                Compete ao sujeito passivo a iniciativa para a liquidação dos impostos impugnados no presente processo, cabendo à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) a competência para a liquidação, que será efectuada com base na declaração do sujeito passivo e que ocorrerá, em regra, antes do acto ou facto translativo dos bens, nos termos dos artigos 19.º a 22.º, do Código do IMT e do artigo 23.º do Código do IS. No caso de os interessados não tomarem a iniciativa para a realização da liquidação ou no caso de haver lugar a qualquer liquidação adicional, esta é promovida oficiosamente pela AT nos termos do artigo 19.º, n.º 2, do Código do IMT, do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IS e, em idêntico sentido, do artigo 113.º, n.º 5, do Código do IMI. A Requerente promoveu a iniciativa para a liquidação antes do acto translativo dos imóveis, perante o qual a AT decidiu não promover a liquidação de IMT e IS por aplicação de isenção, emitindo certidão nesse sentido que foi utilizada para viabilizar a escritura notarial, tendo-se igualmente verificado a isenção da liquidação de IMI.

                Assim sendo, e apesar de não ter sido apurado qualquer imposto a pagar, nem por isso as liquidações impugnadas nos autos deixariam de ser liquidações oficiosas adicionais/extraordinárias nos termos dos artigos 19.º, n.º 2 e 31.º, n.º 2, do Código do IMT, do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IS e do artigo 113.º, n.ºs 4 e 5, do Código do IMI. Isto na medida em que a distinção entre a liquidação inicialmente emitida e a liquidação adicional não se baseia na mera circunstância de existir ou não uma adição de imposto em termos quantitativos mas sim no facto de existir, ou não, uma alteração a uma prévia definição da situação tributária por parte da AT relativamente a certo facto tributário. E no presente caso a AT teria efectuado os actos de liquidação em crise por forma a corrigir uma prévia definição da situação tributária –

a aplicação de uma isenção ao abrigo do regime jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“FIIAH”) – por erro de Direito, sem que tivesse ocorrido qualquer facto superveniente.

                Por conseguinte, tendo em conta que a AT tinha conhecimento, ab initio, da alegada falta de preenchimento das condições para benefício das isenções em sede de IMT, IS e IMI, seria aplicável às liquidações adicionais emitidas o prazo de caducidade de quatro anos para liquidar imposto e não o prazo alargado de 8 anos aplicável aos casos em que a insuficiência é devida à omissão declarativa total ou de bens ou valores do sujeito passivo, tal como dispõe o artigo 31.º, n.º 3, do Código do IMT, o artigo 39.º, n.º 1, do Código do IS e o artigo 116.º, n.º 1, última parte, do Código do IMI. Se, pelo contrário, fosse sempre aplicável o prazo de caducidade de 8 anos aos casos de isenção, seria destituído de sentido o artigo 31.º, n.º 2 do Código do IMT, na redacção dada pelo artigo 97.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na parte em que refere que o órgão competente para a liquidação adicional é o chefe do serviço de finanças onde tenha sido entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º daquele código.

                Em suma, os actos de liquidação emitidos pela AT em 2019 seriam ilegais por se ter verificado a caducidade do direito à liquidação, razão pela qual deveriam ser anulados.

                Por outro lado, no que respeita às liquidações de IMI, a AT não cumpriu com o dever de fundamentação que lhe é exigido visto que apenas menciona o código do município a que respeitam os imóveis não identificando os imóveis em questão, assim como não identifica o valor patrimonial, a taxa ou qualquer outro tipo de informação, salvo em casos pontuais e excepcionais, que permita ao sujeito passivo avaliar a liquidação e a forma de cálculo. Por outro lado, não é igualmente possível identificar nas liquidações de IMI impugnadas o código da freguesia ou os municípios, existindo apenas uma menção “aos prédios não listados”, ao valor patrimonial tributário total, ao valor total isento e ao valor total da colecta, o que impossibilita de todo a avaliação da legalidade da liquidação. As liquidações de IMI seriam ainda claramente insuficientes quanto à necessária fundamentação, de facto, por não permitirem conhecer na íntegra a relação entre a incidência adicional do IMI e os imóveis em causa ou os seus valores patrimoniais tributários e taxas aplicáveis. E tal dever de fundamentação não se poderia considerar cumprido pela indicação no próprio acto de liquidação de que a relação completa dos imóveis seguia em documento separado, dado que as informações relativas à quantificação do IMI para cada prédio deverão ser expressas no próprio acto, dele devendo ser contemporâneas.

                Por tudo isto, a AT não teria cumprido com o dever de fundamentação dos actos por si praticados exigido nos termos do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e artigo 77.º, da LGT, razão pela qual os actos tributários em crise estariam inquinados de vício de forma, pelo que deveriam ser anulados nos termos do artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”).

                Ainda quanto aos actos de liquidação de IMI emitidos por referência ao exercício de 2013, a AT teria efectuado uma primeira liquidação em Agosto de 2019 no valor de € 1.109,33 e uma segunda liquidação em Dezembro de 2019 no valor de € 498,92, em que concretizou uma duplicação de colecta, dado que se teria verificado a existência das três identidades quanto aos prédios sitos nos municípios de Braga, Albufeira, Oeiras, Montijo, Moimenta da Beira, e os prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ...-A e ... A sitos em Braga. Isto, na medida em que a Requerente teria pagado na totalidade os montantes de imposto liquidado, cujos valores de colecta eram em certos casos idênticos, respeitavam ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, tendo concorrido para a quantificação do imposto alegadamente em falta em ambas as liquidações efectuadas.

                Para além de tais vicissitudes, também seriam ilegais as correcções propostas pelos serviços da AT com base no facto de que o Fundo B... teria adquirido os imóveis a uma única entidade, e que tal compra seria contrária aos pressupostos primordiais da lei, dado que a aquisição dos imóveis não estaria a ser efectuada a famílias oneradas com prestações de empréstimos à habitação. No entanto, do regime jurídico daqueles fundos, em concreto, do seu artigo 8.º, não resultava tal obrigação. Pelo contrário, do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, apenas se exigia para a concessão da isenção nas operações e actos associados à aquisição de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos que, por um lado, quanto ao IMT e ao IS, os mesmos fossem exclusivamente destinados a arrendamento para habitação permanente e fossem adquiridos por um FIIAH e, por outro, quanto ao IMI, que aqueles prédios urbanos integrassem o património dos fundos e fossem destinados ao arrendamento para habitação permanente, vigorando a isenção enquanto se mantivessem na carteira do FIIAH. E tal conclusão não seria posta em causa pelo facto de os contratos de arrendamento conterem uma cláusula segundo a qual não seria aplicável a opção de compra a favor dos arrendatários prevista no artigo 5.º, do regime jurídico dos FIIAH. Isto sem contar com o facto de que parte dos imóveis comprados e rentabilizados pelo Fundo B... ao Banco D... haviam sido por este anteriormente adquiridos a pessoas singulares que não conseguiram efectuar o pagamento das prestações de empréstimos habitacionais a diversas instituições de crédito.

                Desta forma, aquela imposição pela AT seria inadmissível e inconstitucional, porquanto violadora do princípio da tipicidade, constante dos artigos 103.º, n.º 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea a), da CRP, e do princípio da confiança jurídica, ínsito no artigo 2.º, da CRP, na medida em que a AT estaria a restringir o aproveitamento de isenções previstas na lei, cujos requisitos legais estão estritamente tipificados nos termos do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH.

                Acresce que os serviços de inspecção tributária teriam ainda efectuado uma errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH ao terem fundamentado, com base na decisão do Tribunal Arbitral de 14 de Julho de 2016, proferida no processo n.º 734/2015-T, que a mera intenção de destinar os prédios a arrendamento, sem a sua efectivação, não era suficiente para manter em vigor a isenção de IMT, IS e IMI. Desde logo porque quanto a alguns dos imóveis destinados à habitação permanente teria ocorrido, efectivamente, a celebração de contratos de arrendamento, tal como os próprios serviços de inspecção tributária teriam apurado e referido no respectivo relatório de inspecção. Mas mesmo nos restantes casos, em que não foi possível ao Fundo B... arrendar os imóveis, não se poderia considerar caducada a isenção de pagamento daqueles impostos, já que do regime jurídico dos FIIAH não é possível extrair uma interpretação que exija uma efectiva afectação ao arrendamento dos imóveis destinados a arrendamento para habitação própria e permanente. Para o efeito bastaria contrapor o artigo 8.º, n.ºs 6 a 8, daquele regime, com o disposto nos artigos 9.º e 11.º, n.º 7, do Código do IMT, para compreender que “destinar” não equivale a “afectar” um prédio exclusivamente a habitação, caso contrário, o legislador deveria ter estabelecido um prazo para tal afectação sob pena de perda da isenção, como sucede no caso do disposto no artigo 11.º, n.º 7, do Código do IMT, sendo certo que o legislador reconheceu que a mudança de destino não implicaria a perda da isenção, já que não estabeleceu qualquer prazo dentro do qual tal mudança provocaria aquela perda. Tal entendimento foi certificado pelo acórdão do Tribunal Arbitral de 18 de Janeiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 275/2016-T, no âmbito do que se referiu que a expressão “destinar” expressa a intenção do sujeito passivo no momento do facto tributário, intenção essa que uma vez declarada perante a AT se presume verdadeira nos termos do artigo 75.º, da LGT, sendo que no caso ora em questão a Requerida não teria ilidido a presunção tendo, pelo contrário, admitido a aplicação das isenções sem qualquer pedido prévio. Por outro lado o regime jurídico dos FIIAH nada referia quanto à necessidade de celebração efectiva de contratos de arrendamento em determinado prazo, já que o legislador teria querido incentivar a aquisição de imóveis para arrendamento por aqueles fundos tendo em vista a sua colocação no mercado sem, contudo, colocar sobre aqueles o risco de perda do benefício da isenção naquelas aquisições na eventualidade de os FIIAH não conseguirem arrendar os referidos imóveis. Este entendimento seria certificado, desta feita, pelo acórdão do Tribunal Constitucional de 18 de Janeiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 275/2016-T, no qual se entendeu que fazer caducar os benefícios fiscais concedidos pelo facto de os imóveis adquiridos, apesar de disponibilizados para arrendamento habitacional, não virem a ser arrendados por razões não imputáveis aos FIIAH, ou virem a ser alienados para minorar o prejuízo daqueles fundos, seria transferir para os mesmos o risco inerente ao funcionamento do mercado, lesando a confiança digna de tutela dos fundos formada na constância do regime fiscal em que determinaram as suas opções de investimento. Assim, ao não conseguir celebrar contratos de arrendamento quanto aos imóveis adquiridos, não seria censurável que o Fundo B... tivesse alienado imóveis nos anos de 2014 e 2015 por forma a recuperar o investimento que havia realizado. No fundo, o entendimento sufragado pela AT quanto à caducidade dos benefícios em causa violaria, uma vez mais, o princípio da legalidade na vertente de tipicidade, mas também violaria os princípios da autonomia privada, da liberdade de gestão, da propriedade e iniciativa privada, previstos nos artigos 61.º, 62.º e 86.º, da CRP, prejudicando uma eventual gestão deficitária do contribuinte ou a alienação dos imóveis na ausência de qualquer alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção.

                Assim sendo não se poderiam considerar caducados os benefícios de isenção de IMT, IS e IMI tal como propugnado pela AT, não se podendo igualmente fundar aquela caducidade no artigo 14.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, designadamente por ter sido dado aos imóveis outro destino sem a autorização do Ministro das Finanças, já que aqueles benefícios não estavam dependentes de tal autorização, não sendo a ausência da mesma alegada pelos serviços de inspecção tributária nem fundamento do acto tributário.

                Por último, mesmo que não fosse aplicável a isenção de IMT, ao abrigo do regime jurídico do FIIAH, o Fundo B... sempre beneficiaria da isenção de IMT por aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, que isenta quaisquer operações de aquisição de bens imóveis para integrar em Fundos de investimento imobiliário no geral. Apesar de o artigo 1.º daquele Decreto-Lei ter sido expressamente revogado pelo artigo 319.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, a Instrução de Serviço n.º ..., de 9 de Setembro, subscrita pela Subdirectora-Geral da área dos impostos sobre o património já teria referido que aquela revogação não tinha efeitos retroactivos, pelo que as aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário, pela respectiva sociedade gestora, tal como sucedida no presente caso, sempre estariam isentas de IMT até 31 de Dezembro de 2018.

                Por tudo isto, não se poderia considerar que houvesse retardamento de IMT, IS e IMI por facto culposo imputável ao sujeito passivo, sendo ilegais as liquidações de juros compensatórios referentes à liquidação daqueles tributos.

               

                6. Mediante Requerimento datado de 1 de Setembro de 2020 veio a Requerente juntar aos autos a parte complementar dos documentos n.º 8 e n.º 9, correspondente às guias e comprovativos de pagamento de IMT e IS, referente aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais imóveis ...-BG, ...-BH, ...- BJ, ...- BK, ...-BL e ...-BM, que havia protestado juntar no pedido de pronúncia arbitral.

 

                7. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 24 de Setembro de 2020, que foi devidamente notificada à Requerente, tendo ainda junto ao processo o respectivo procedimento administrativo (“PA”).

                No âmbito da sua resposta, veio a Requerida defender-se por impugnação, tendo concluído pela improcedência da presente acção e consequente absolvição do pedido quanto ao peticionado pela Requerente com base, sumariamente, nos seguintes argumentos:

Ao contrário do sufragado pela Requerente, não foi promovida pela AT qualquer liquidação antes da celebração das escrituras, não existindo igualmente qualquer acto de reconhecimento de isenção daqueles tributos, mas antes a emissão de um documento que consiste num efeito automático do benefício, decorrente da declaração do sujeito passivo. Ao apresentar a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CMIT, o benefício é concedido de forma automática e condicional, pelo que só posteriormente é que a AT promove a fiscalização e analisa a verificação dos pressupostos de isenção, tal como decorre do artigo 7.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”). Nestes termos, as liquidações impugnadas constituem o exercício originário de uma liquidação e não actos de liquidação adicional tal como propugnado pela Requerente. Ao ter ocorrido posteriormente a cessação dos benefícios fiscais em relação aos quais aquele benefício havia sido concedido, o prazo de caducidade do direito à liquidação e respectiva notificação seria de oito anos a contar da data em que ocorreu a transmissão dos imóveis, conforme disposto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, no artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT, no artigo 39.º, do Código do IS e nos artigos 113.º e 116.º, do Código do IMI.

Quanto à alegada falta de fundamentação, seria desde logo necessário ter em consideração que as liquidações, demonstrações de liquidação e demonstrações de acerto de contas foram emitidas em consequência de um procedimento inspectivo no âmbito do qual, em cumprimento dos ditames legais, foi a Requerente notificada para exercício do direito de audição. Acresce que a fundamentação dos actos pode ser efectuada de forma sucinta, desde que seja clara, concreta, congruente e contextual, conferindo a um destinatário normal a possibilidade de descobrir qual o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. Desta forma, e tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo efectuado no pedido de pronúncia arbitral, não pode deixar de se concluir que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance das liquidações impugnadas, já que a motivação contextual permitiu que aquela ficasse a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo. Mas ainda que o acto padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador, tais deficiências degradar-se-iam sempre em irregularidades não essenciais uma vez que a Requerente, por via do pedido de pronúncia arbitral e em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, demonstrou ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, procurando rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação. Desta forma, ao ter a fundamentação do acto permitido o cabal esclarecimento da Requerente, não se teria por verificado o vício de forma por esta alegado.

Quanto à invocada duplicação da colecta, teria sido a própria Requerente a afirmar que o valor das colectas dos imóveis sitos no município de Mafra, dos prédios não listados e do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ... sito em Braga constantes da segunda liquidação de IMI seriam diferentes dos valores apurados na primeira liquidação daquele imposto, emitida e notificada à Requerente. Desta forma, tendo em conta as diferenças de valores, não se poderia afirmar a verificação dos pressupostos para a existência de duplicação de colecta, dado que o valor do imposto a pagar na liquidação cuja anulação a Requerente pretende teve uma redução. Assim, as liquidações de IMI em crise não padecem dos vícios invocados, devendo as mesmas manter-se como tal, com as devidas consequências legais.

No que respeita à interpretação e aplicação do regime jurídico dos FIIAH, ao contrário do alegado pela Requerente, encontravam-se reunidos os pressupostos de caducidade da isenção de IMT, IS e IMI. De acordo com aquele regime jurídico, de natureza especial, autónoma e transitória, ficavam isentas dos referidos impostos as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos que fossem exclusivamente destinados a habitação própria e permanente. Por via da alteração legislativa operada pelos artigos 235.º e 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o legislador concretizou o destino a dar aos prédios, o prazo em que os fundos deveriam comprovar esse destino e quais os prédios abrangidos pelas normas aditadas. Desta forma, a partir de 1 de Janeiro de 2014, a isenção de IMT dos imóveis integrados no fundo tendo em vista o arrendamento foi alargada até 2015, ainda que para efeitos do cumprimento do pressuposto de arrendamento para habitação permanente se tenha passado a exigir prova da existência de contrato de arrendamento. Não obstante, a lei não teria estabelecido nenhum novo requisito, tendo apenas fixado um prazo para o seu cumprimento que, por via do regime transitório estabelecido, sempre seria aferido a partir de 1 de Janeiro de 2014, quer os prédios tivessem sido adquiridos anteriormente quer tivessem sido adquiridos posteriormente a tal data.

No presente caso os imóveis adquiridos pelo Fundo B... não teriam sido objecto de contrato de arrendamento nas condições exigidas pelo artigo 8.º, n.º 14, do regime jurídico dos FIIAH, razão pela qual a AT considerou caducada a isenção do pagamento dos referidos impostos, já que estes não teriam sido afectos à finalidade para a qual foram concedidas as isenções, isto é, destinar os imóveis ao arrendamento habitacional.

Neste medida, e tal como havia considerado a decisão arbitral de 31 de Julho de 2017, proferida no âmbito do processo n.º 694/2016-T, ao ocorrer uma afectação a finalidade diferente, tal determina a caducidade da isenção concedida, por violação da ratio legis da norma de isenção fiscal, por força da aplicação do disposto no artigo 14.º, n.º 3, do EBF. Assim sendo, a interpretação sufragada pela Requerente não teria qualquer correspondência com a letra da lei, nem teria em consideração as regras e princípios gerais de interpretação constantes do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, designadamente, os elementos sistemático, histórico e teleológico das normas de IMT a que se refere o artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8, do regime jurídico dos FIIAH. Se se entendesse que os benefícios concedidos por aquele regime não estavam condicionados à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem tão pouco sujeitos a qualquer regime de caducidade, isso significava que no âmbito do regime jurídico dos FIIAH, podiam ser efectuadas alienações de bens com destino ao arrendamento isentas de impostos sobre o património num dia e, no dia seguinte, esses mesmos bens poderiam ser vendidos para outro fim que não o arrendamento pelo fundo, sem qualquer encargo em termos daqueles mesmos impostos, o que corresponderia à materialização de uma diferenciação fiscal injustificada. Com efeito, tendo em conta o regime especial dos FIIAH, a caducidade das isenções ocorreria por via da aplicação do artigo 14.º, n.º 3, do EBF, não se colocando sequer a questão da retroactividade ou não da norma prevista no artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro. Tudo isto, sem esquecer que no presente caso estava em causa a discussão de uma norma de isenção fiscal que, por consistir numa medida extraordinária que tem subjacente um conjunto de interesses públicos extrafiscais relevantes que permitem afastar a tributação-regra do imposto, sempre exige que se identifique esse conjunto de interesses, bem como as situações factuais que devem ser tidas em conta na prossecução de tais objectivos, os quais se encontravam definidos na previsão da norma de isenção contida no artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8, do regime jurídico dos FIIAH. Em suma, as liquidações impugnadas nos autos correspondiam a uma correcta interpretação e aplicação da lei aplicável aos FIIAH, pelo que as mesmas deveriam manter-se na ordem jurídica.

Na improcedência dos argumentos invocados pela Requerente a respeito do regime jurídico dos FIIAH, entendeu a Requerida que seria igualmente improcedente a aplicação subsidiária do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, que isenta as operações de aquisição de bens imóveis para integrar em fundos de investimento imobiliário. Isto na medida em que o regime jurídico dos FIIAH consiste num regime jurídico autónomo, transitório e especial, sendo que a remissão operada pelo artigo 104.º, n.º 1, da Lei n.º 64 A/2008, de 31 de Dezembro, para o regime geral dos fundos de investimento imobiliário apenas abrange as regras relativas à constituição, ao funcionamento e à comercialização dos FIIAH e já não as normas que regulam o regime fiscal destes fundos, pelo que as mesmas não seriam aplicáveis aos FIIAH. Tanto assim é que o legislador ao definir no artigo 8.º um regime tributário especial e privativo dos FIIAH, excluiu inequivocamente este tipo de fundos do regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário. Desta forma, ao contrário do alegado pela Requerente, do artigo 7.º, alínea a) e do artigo 8.º, n.º 7, ambos do regime jurídico do FIIAH, não constava qualquer elemento que permitisse inferir qualquer remissão para o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário ou para o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro. Com efeito, se este último fosse aplicável ao presente caso, então o regime de isenção de IMT previsto pelo legislador no artigo 8.º, n.º 7, do regime jurídico do FIIAH, não só seria desnecessário, como seria mesmo despiciendo.

Em face do exposto, não seria possível transpor para os presentes autos a análise efectuada na decisão administrativa tirada de outro procedimento relativamente à isenção dos artigos 46.º e 49.º, ambos do EBF, e do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, visto que aquela decisão apenas tinha validade para o procedimento em que foi proferida, já que não era uma informação vinculativa, uma orientação genérica, ou uma circular administrativa. Por seu turno, não é possível aplicar indiferentemente as isenções de IMT concedidas pelo regime jurídico dos FIIAH e pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, pelo que aos FIIAH é unicamente aplicável a isenção de IMT prevista no artigo 8.º, n.º 7, do regime jurídico do FIIAH, que consiste num regime especial, na medida em que o legislador afastou expressamente a aplicação aos FIIAH do regime geral de isenção de IMT dos fundos de investimento imobiliário a que se refere aquele Decreto-Lei.

Também em face do exposto, seriam igualmente válidas as liquidações de IMT impugnadas pela Requerente, devendo as mesmas manter-se na ordem jurídica.

Por último, tendo em conta o retardamento na entrega de imposto e uma responsabilidade do sujeito passivo a título de negligência, encontravam-se preenchidos os pressupostos de que dependia a liquidação de juros compensatórios, pelos que os mesmos seriam devidos.

 

8. Por despacho proferido em 15 de Outubro de 2020, foram as partes notificadas de que não seria necessária a realização de outras diligências instrutórias, sendo dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, bem como a apresentação de alegações, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais, nos termos dos artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT. Isto, pelo facto de o processo não se revelar especialmente complexo no plano da tramitação processual, pelo facto de não ter sido suscitada matéria de excepção de que cumprisse conhecer preliminarmente nem irregularidades que houvessem de ser supridas, por um lado, e pelo facto de estar em causa a apreciação de questões de direito cuja matéria de facto relevante para a decisão da causa poderia ser fixada com base na prova documental junta pelas partes aos autos.

Por último, indicou-se o dia 6 de Dezembro de 2020 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

II. SANEAMENTO

               

                9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Os actos de liquidação impugnados no presente processo foram emitidos ao sujeito passivo B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional (“Fundo B...”), que foi dissolvido e liquidado em 6 de Abril de 2017. Nesse seguimento, foi acordada a transferência global do património do Fundo B... a favor da ora Requerente que figurava, à data, como única participante do Fundo. Por conseguinte, a Requerente sucedeu, por transmissão global do património, nos direitos e obrigações do Fundo B..., razão pela qual é parte legítima na presente acção, assim como o é a Requerida.

Tendo em conta o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, ainda que os pedidos de declaração de ilegalidade respeitem a diferentes actos de liquidação emitidos por referência aos exercícios de 2012 e 2013, designadamente actos de liquidação de IMT, IMI e IS, a cumulação de pedidos é admissível na medida em que a sua procedência depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

10. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)            O Fundo B... era um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional, de subscrição particular, que foi constituído em 6 de Junho de 2012;

b)           A Requerente era a única participante do fundo, sendo a representação e gestão do mesmo assegurada pela sociedade C..., S.A. (cfr. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos);

c)            No âmbito da sua actividade a sociedade a C..., S.A. adquiriu, em 2012 e 2013, diversos prédios urbanos ou fracções autónomas com vista a integrá-los no património do aludido fundo;

d)           Na aquisição desses prédios urbanos ou fracções autónomas o Fundo B... beneficiou de isenção de IMT, IS e IMI ao abrigo do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aprovado e consagrado nos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 A/2008, de 31 de Dezembro, e publicado em Diário da República, Série I, n.º 252, que isenta daqueles tributos a aquisição de prédios urbanos ou fracções autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente;

e)           Entre 2012 e 2016 o Fundo B... alienou diversos imóveis que havia adquirido, sendo que muitos dos imóveis alienados nunca foram arrendados (cfr. PA junto pela Requerida aos autos);

f)            O Fundo B... foi dissolvido e liquidado por escritura pública em 6 de Abril de 2017, tendo a Requerente sucedido na universalidade dos direitos e obrigações daquele (cfr. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos);

g)            Por via da dissolução foi acordada a transferência global do património do Fundo B... a favor da Requerente, mencionando-se que os imóveis transmitidos seriam destinados pela Requerente a revenda (cfr. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos);

h)           Em 12 de Fevereiro de 2018 o Fundo B... foi objecto de inspecção tributária interna, de âmbito parcial, em cumprimento das ordens de serviço com os n.ºs 012018... e 012018..., e em 14 de Fevereiro de 2018 em cumprimento das ordens de serviço com os n.ºs 012018..., 012018... e 012018...;

i)             Posteriormente a Requerente, em representação do Fundo B..., foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária no qual foram projectadas as correcções em sede de IMT, IS e IMI e, bem assim, para, querendo, exercer o direito de audição (cfr. documento n.º 6 junto pela Requerente aos autos);

j)             Em 7 de Janeiro de 2019 a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária (cfr. documento n.º 7 junto pela Requerente e PA junto pela Requerida aos autos);

k)            Entre Outubro de 2019 e Janeiro de 2020, a Requerente, na qualidade de representante do Fundo, foi notificada dos actos de liquidação de IMT, IS, IMI, e respectivos juros compensatórios, referentes aos prédios urbanos ou fracções autónomas adquiridos entre os exercícios de 2012 e 2013;

l)             Em concreto, a Requerente foi alvo dos seguintes actos de liquidação de IMT e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 114.661,64 (cfr. tabela A junta pela Requerente como documento n.º 1 que foi igualmente reproduzida pela Requerida na sua resposta e cfr. documento n.º 3 junto pela Requerente aos autos):

m)          Em concreto, a Requerente foi alvo dos seguintes actos de liquidação de IS e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 46.095,30 (cfr. tabela B junta pela Requerente como documento n.º 2 que foi igualmente reproduzida pela Requerida na sua resposta e cfr. documento n.º 3 junto pela Requerente aos autos):

n)           Em concreto, a Requerente foi alvo dos actos de liquidação de IMI n.º 2013 ..., de 21 de Agosto de 2019, referente ao ano de 2013, no montante total a pagar de € 1.109,33, referente aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ...-A, ...-B, ...-F, ...-F a ...-H e ...-A sitos em Braga, e prédios urbanos sitos nos Municípios de Braga, Albufeira, Tavira, Vila Real de Santo António, Oeiras, Montijo, Moimenta da Beira e outros prédios não listados e, bem assim, dos actos de liquidação de IMI n.º 2013..., de 02 de Dezembro de 2019, referente ao ano de 2013, no montante total a pagar de € 498,92, referente aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ...-A, ...-B, ...-F a ...-H, ...-A e ...  sitos em Braga, e prédios urbanos sitos nos Municípios de Braga, Albufeira, Mafra, Oeiras, Montijo, Moimenta da Beira e outros prédios não listados (cfr. documento n.º 4 junto pela Requerente aos autos);

o)           A Requerente procedeu ao pagamento voluntário dos referidos impostos (cfr. documentos n.ºs 8, 9 e 10 juntos pela Requerente aos autos).

 

III.1.2. Factos não provados

 

11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Atendendo às posições assumidas pelas partes, ao disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, à prova documental e ao PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Delimitação das questões a decidir

 

                13. No que respeita à ordem do conhecimento dos vícios dos actos que a Requerente pretende ver sindicados, determina o artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, que o tribunal apreciará em primeiro lugar os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados e, posteriormente, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Quanto aos primeiros a ordem de apreciação dos vícios deverá ser efectuada, segundo o prudente critério do julgador, em função daqueles cuja procedência determine uma tutela mais estável e eficaz dos interesses dos ofendidos, tal como decorre do artigo 124.º, n.º 2, alínea a), do CPPT. Quanto aos segundos,

a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, conforme dispõe o artigo o 124.º, n.º 2, alínea b), do CPPT.

                No seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou que “a interpretação da administração tributária assente no Relatório de Inspeção Tributária, e que justifica os atos tributários em apreço, é violadora dos princípios da legalidade, na vertente da tipicidade, ínsito nos artigos 103.º, n.º 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea a) da CRP, assim como é violadora do princípio da confiança jurídica ínsito no artigo 2.º da CRP, na medida em que vem restringir o aproveitamento de isenções previstas na lei, cujos requisitos legais estão estritamente tipificados nos termos do artigo 8.º do aludido regime jurídico” e que a “interpretação das normas constantes no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, no sentido de que as isenções aplicáveis têm de ter em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios referentes à liberdade de gestão, propriedade e iniciativa privada, previstos nos artigos 61.º, 62.º e 86.º, da CRP)”.

                A alegada inconstitucionalidade da interpretação efectuada pela AT consiste num vício que, a ser julgado procedente, determina a anulabilidade dos actos de liquidação emitidos e já não a sua nulidade, tal como se refere, por exemplo, na decisão do TCA Norte de 26 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º 00354/08.0BEPRT, tendo em conta que no caso ora em questão não se atentava, como se verá, contra o conteúdo essencial de nenhum direito fundamental. A conclusão de que uma eventual violação dos princípios da legalidade tributária, da segurança jurídica ou da propriedade privada não inquinam o acto tributário de um vício conducente à sua nulidade, porquanto não atentam contra o conteúdo essencial de um direito fundamental, é igualmente acolhida pela doutrina. A título de exemplo, refere JORGE LOPES DE SOUSA, em Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 5.ª ed., Vol. I, Áreas Editores, 2006, págs. 881 e ss., que “[u]ma ofensa deste tipo [conducente à nulidade do acto por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental] só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários”.

                Dito isto, e tendo em conta que todos os vícios imputados aos actos de liquidação impugnados são vícios conducentes à anulabilidade do acto, o seu conhecimento será efectuado pela ordem estabelecida pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, de tal modo que começar-se-á pela apreciação da alegada caducidade do direito à liquidação, para de seguida se conhecer da alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IMI, seguindo-se a apreciação da duplicação de colecta quanto a estes últimos actos de liquidação de IMI para, por fim, ser apreciado o vício imputado a título subsidiário quanto à ilegalidade das correcções ao IMT, IS e IMI propostas pelos serviços de inspecção tributária, por errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH, no âmbito da qual é suscitada a inconstitucionalidade material daquela interpretação por violação dos princípios da tipicidade, segurança jurídica, liberdade de gestão, propriedade e iniciativa privada.

 

III.2.2. Caducidade do direito à liquidação

 

                14. A este respeito a Requerente entendeu que os actos de liquidação de IMT, IS e IMI emitidos pela AT configuravam actos de liquidação adicional, pelo que os mesmos teriam sido emitidos e notificados após o prazo de 4 anos previsto para o efeito. Pelo contrário, entendeu a Requerida que os actos de liquidação daqueles impostos configuravam actos de liquidação oficiosa, aos quais era aplicável o prazo de caducidade de 8 anos, razão pela qual os actos de liquidação haviam sido emitidos e validamente notificados à Requerente dentro do prazo previsto para o efeito.

                Enquanto ponto de partida cumpre fixar a base legal aplicável aos diversos actos de liquidação em questão. Quanto ao IMT, dispõe-se no artigo 19.º do respectivo código que a iniciativa para a liquidação do imposto compete ao sujeito passivo, sendo a liquidação promovida oficiosamente pelos serviços de finanças competentes sempre que os interessados não tomem aquela iniciativa dentro dos prazos legais, bem como quando houver lugar a qualquer liquidação adicional. Por sua vez, refere-se no artigo 22.º, do Código do IMT, que é da competência da AT a liquidação do imposto, que será efectuada com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, em regra, antes do acto ou facto translativo dos bens, conforme decorre do artigo 22.º, do Código do IMT. Se estiver em causa uma liquidação adicional, o direito à liquidação por parte da AT caduca num prazo de 4 anos contados da data da liquidação a corrigir, conforme dispõe o artigo 31.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código do IMT. Se estiver em causa uma liquidação oficiosa, o direito à liquidação de imposto caduca no prazo de 8 anos contados da data da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito, tal como decorre do artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT.

                Quanto ao IS dispõe-se no artigo 23.º, n.º 4, do respectivo código que à liquidação do imposto sobre as transmissões onerosas do direito de propriedade sobre imóveis se aplicam, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMT. Já no que respeita à caducidade do direito à liquidação estabelece o artigo 39.º, do Código do IS que, em regra, o imposto só pode ser liquidado nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º, ambos da LGT. Contudo, dispõe aquele mesmo artigo que estando em causa aquisições de bens tributadas pela verba 1.1 da Tabela Geral, isto é, estando em causa transmissões onerosas do direito de propriedade sobre imóveis, o direito à liquidação de imposto caduca no prazo de 8 anos contados da data da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

                Por fim, quanto ao IMI, estabelece-se no artigo 113.º, n.º 1, daquele Código que o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita. Em todo o caso, estabelece o n.º 4 daquele mesmo artigo que as restantes liquidações, designadamente as liquidações adicionais e as resultantes de revisões oficiosas, podem ser efectuadas a todo o tempo, desde que emitidas dentro do prazo de caducidade. Estabelece ainda o artigo 113.º, n.º 5, daquele Código, que nos casos em que deixem de se verificar os pressupostos da isenção daquele imposto e os sujeitos passivos não dêem cumprimento ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea g), do Código do IMI, a AT procede à liquidação extraordinária do imposto desde o ano, inclusive, ao da caducidade da isenção. No que respeito à caducidade do direito à liquidação, dispõe-se no artigo 116.º, n.º 1, do Código do IMI, que as liquidações do imposto, ainda que adicionais, são em regra efectuadas nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º, ambos da LGT, com excepção dos casos em que se deixem de verificar os pressupostos da isenção do imposto em que a liquidação é efectuada relativamente a todos os anos em que o sujeito passivo gozou indevidamente dos benefícios, com o limite de oito anos seguintes àquele em que os pressupostos da isenção deixaram de se verificar.

               

                15. Fixado que está o enquadramento jurídico aplicável, cumpre então aferir se os actos de liquidação promovidos pela AT em virtude da caducidade da isenção de IMT, IS e IMI, que havia sido conferida nos termos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, consistem em actos de liquidação oficiosa ou de liquidação adicional.

                A resposta a tal questão está dependente da qualificação do acto através do qual foi reconhecida a isenção daqueles impostos, isto é, está dependente de aquele ser, ou não, um verdadeiro acto tributário de liquidação. Ora, tal como referiu a Requerida, a emissão de certidão pela AT por forma a viabilizar a escritura notarial da aquisição dos imóveis pelo Fundo B..., consiste num efeito automático do benefício fiscal concedido nos termos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH. Quer isto dizer que ao estar em causa um benefício fiscal automático, concedido aos fundos de investimento mencionados no regime jurídico dos FIIAH sob a condição de estes destinarem os imóveis adquiridos, de forma exclusiva, ao arrendamento para habitação permanente, o benefício fiscal é previamente concedido aos sujeitos passivos e só num momento posterior é aferido pela AT, por via de fiscalização, o cumprimento dos respectivos pressupostos de concessão, tal como decorre do artigo 7.º, do EBF. Desta forma, só após a realização da referida fiscalização, no âmbito da qual a AT aferiu que o Fundo B... havia gozado dos benefícios concedidos pelo regime jurídico dos FIIAH sem, contudo, preencher os pressupostos de que dependia a sua concessão, é que aquela emitiu, a título originário, os actos de liquidação de IMT, IS e IMI ora impugnados, não se vislumbrando a emissão de actos de liquidação que visassem corrigir actos de liquidação que houvessem sido emitidos antes da celebração das escrituras pelo sujeito passivo. De resto, esta situação é reconhecida pela própria Requerente quando afirma que “É certo que, em 2012 e 2013, não foi apurado qualquer imposto a pagar e por isso, em termos puramente quantitativos, a liquidação ora em crise não soma imposto a um montante anteriormente liquidado”.

                Tal conclusão é confirmada pelas considerações tecidas pelo STA no acórdão de 14 de Setembro de 2011, proferidas no âmbito do processo n.º 0294/11, no qual também se discutia, embora com contornos diversos ainda que transponíveis para o presente caso, a qualificação do acto tributário de liquidação emitido pela AT em virtude da caducidade da isenção de IMT. Referiu-se naquele acórdão, ao que importa, que “a liquidação que deu origem à dívida exequenda não foi efectuada em ordem a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Desde logo porque, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, a transmissão do imóvel que constitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação do imposto porque, atento o valor e o destino declarados, dele estava isento. Esse acto constitui, isso sim, uma primeira liquidação, efectuada na sequência da caducidade da isenção que obstara à liquidação previamente à transmissão, caducidade essa resultante do valor que foi atribuído ao prédio em sede de avaliação”.

                Em face do exposto, concluiu-se que o reconhecimento automático do benefício fiscal constante do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, não consiste num acto de liquidação (prévia ou inicial), razão pela qual os actos de liquidação emitidos pela AT entre Outubro de 2019 e Janeiro de 2020 consubstanciam actos de liquidação oficiosa e não actos de liquidação adicional. Tendo em conta que nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT, do artigo 39.º, n.º 1, segunda parte, do Código do IS, o direito à liquidação do imposto apenas caducava no prazo de 8 anos a contar da data da verificação do facto tributário, e que as escrituras dos imóveis foram outorgadas entre 14 de Novembro de 2012 e 23 de Dezembro de 2013, verifica se que os actos de liquidação foram emitidos e validamente notificados à Requerente dentro do prazo de caducidade previsto para o efeito. No que respeita ao IMI, refere o artigo 116.º, n.º 1, do respectivo código, que o prazo de caducidade de 8 anos se conta a partir do ano em que os pressupostos da isenção deixaram de se verificar. A aplicação do prazo de 8 anos ao invés do prazo de 4 anos está assim dependente da resolução sobre a questão de fundo quanto à verificação ou não dos pressupostos de que depende a aplicação da isenção.

                Nestes termos, julga-se improcedente o vício de caducidade do direito à liquidação invocado pela Requerente quanto aos actos de liquidação de IMT e IS, ficando a resolução da caducidade do direito à liquidação de IMI dependente da resolução da questão de fundo.

 

III.2.3. Falta de fundamentação por falta de identificação dos imóveis

 

                16. Peticionou também a Requerente a anulação dos actos de liquidação de IMI n.º 2013..., de 21 de Agosto de 2019 e n.º 2013..., de 02 de Dezembro de 2019, de acordo com o artigo 163.º, do CPA, pelo facto de os mesmos estarem inquinados de vício de forma por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP e no artigo 77.º, da LGT. Isto pelo facto de os actos de liquidação serem claramente insuficientes quanto à necessária fundamentação já que, salvo casos pontuais e excepcionais, não identificavam os imóveis em causa, o respectivo valor patrimonial, a taxa ou qualquer outro tipo de informação que permitisse avaliar liquidação e a forma de cálculo. Pelo contrário, entendeu a Requerida que as liquidações, demonstrações de liquidações e demonstrações de acerto de contas emitidas no seguimento e como consequência de um procedimento inspectivo do qual a Requerente havia sido notificada para exercer o seu direito de audição, permitiram a apreensão do itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à tomada da decisão, tendo a Requerente demonstrado ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da AT, procurando rebater no pedido arbitral, ponto por ponto, toda a sua actuação.

               

                17. O cumprimento do dever de fundamentação dos actos tributários a que a AT se encontra vinculada visa permitir aos sujeitos passivos a aferição da legalidade desses mesmos actos, de forma a que estes consigam decidir-se entre a sua aceitação ou a sua impugnação pela via administrativa ou judicial, conforme referem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, em Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 2012, Encontro da Escrita, pp. 675 e seguintes.

                O cumprimento do dever de fundamentação pela AT e a análise dos requisitos mínimos que o devem conformar tem sido concretizado pela jurisprudência referindo-se, por exemplo, no acórdão do STA de 12 de Março de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01674/1, que:

“(…) como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do acto. E, por isso, a insuficiência, a obscuridade e a contradição da motivação equivalem a falta de fundamentação (art. 125º nº 2 do CPA), por impedirem uma cabal apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticar o acto com o sentido decisório que lhe conferiu.

No que se refere à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram”.

                Quanto as desvalor jurídico associado aos eventuais vícios de forma gerados pelo incumprimento daqueles requisitos de fundamentação, referem DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, em Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3.ª ed., Vislis, 2003, pp. 381-382, que “[d]everá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. O STA tem vindo a entender uniformemente, no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com a sua imposição”.

                Atendendo agora ao caso em juízo, com base nas referidas considerações, cumpre desde logo realçar que os actos de liquidação foram emitidos na sequência de um procedimento inspectivo, tendo a Requerente sido notificada para exercer o seu direito de audição quanto ao projecto de correcções resultantes da acção de inspecção, indicando-se expressamente no acto de notificação das correcções resultantes da acção de inspecção que “[a] breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”. Desta forma, o cumprimento do dever de fundamentação sempre terá de ter em consideração o contexto no qual os actos foram praticados, cabendo efectuar a devida articulação entre os actos de liquidação de IMI e o relatório de inspecção tributária do qual consta uma análise detalhada do quadro fáctico e legal que subjaz às correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável pela AT e que estão na base da emissão daqueles actos. Ora, do relatório de inspecção tributária consta o anexo 4 referente ao apuramento do IMI em falta, no qual se menciona para cada um dos imóveis a freguesia, o respectivo artigo, o valor patrimonial tributário, o valor isento, a taxa aplicável, a colecta já calculada e a colecta a efectuar. Assim sendo, ainda que em alguns dos casos apenas conste o código do município a que respeitam os imóveis, nem por isso ficou a Requerente impossibilitada de compreender quais os imóveis em questão, nem tão pouco o valor da colecta subjacente, dado que a relação e descrição completa dos imóveis que integravam cada município constava do relatório de inspecção tributária que já era do seu conhecimento.

                Não se pode assim considerar que os actos de liquidação de IMI sejam “claramente insuficientes quanto à necessária fundamentação”, tendo a Requerente demonstrado no pedido arbitral, pelo contrário, uma compreensão do quadro fáctico e legal no âmbito do qual aqueles emergiram, de tal forma que continuou a ser possível efectuar um controlo sobre a legalidade daqueles actos de liquidação e sobre a validade dos motivos subjacentes à tomada de decisão pela AT. Por conseguinte, entende o Tribunal que o objectivo visado com a imposição do dever de fundamentação foi atingido, não tendo sido prejudicado o exercício do direito de defesa pela Requerente, de tal forma que não se verifica a preterição de formalidades legais essenciais que inquinem os actos de liquidação de IMI de vícios de forma conducentes à sua anulabilidade, sendo assim improcedente o pedido da Requerente em relação a estes concretos fundamentos.

 

III.2.4. Duplicação da colecta

 

                18. Quanto aos actos de liquidação de IMI, entendeu ainda a Requerente que o acto de liquidação n.º 2013..., de 2 de Dezembro de 2019, era ilegal por consumar uma duplicação de colecta em face do acto de liquidação n.º 2013..., de 21 de Agosto de 2019, assumindo para o efeito que os valores de colecta de alguns imóveis contribuíram para a quantificação do imposto devido em ambas as liquidações. Ao ter pago por inteiro o montante liquidado por cada um daqueles actos, entendeu a Requerente que o acto de liquidação n.º 2013..., de 2 de Dezembro de 2019, deveria ser anulado, nos termos dos artigos 205.º e 99.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT. Pelo contrário, entendeu a Requerida que não se encontravam verificados os pressupostos para a existência de duplicação de colecta, visto que os valores de alguns dos imóveis constantes do acto de liquidação n.º 2013..., de 2 de Dezembro de 2019, eram diferentes dos constantes do acto de liquidação n.º 2013..., de 21 de Agosto de 2019, tendo ocorrido uma redução do montante de imposto a pagar. Desta forma, os actos de liquidação de IMI em questão não padeciam dos vícios invocados pela Requerente, pelo que se deveriam manter na ordem jurídica com as devidas consequências legais.

                Apesar de a duplicação de colecta se encontrar consagrada no artigo 205.º, n.º 1, do CPPT, e enquadrada nos fundamentos de oposição à execução, é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a mesma constitui fundamento de impugnação judicial – conforme refere JORGE LOPES DE SOUSA, em Código De Procedimento e do Processo Tributário, Vol. II, 5.ª ed., 2007, pp. 396, e conforme se refere no acórdão do TCA Norte de 8 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 01128/05.6BEPRT – e, nessa medida, é também fundamento de interposição de pedido de constituição de tribunal arbitral.

                Nos termos do artigo 205.º, n.º 1, do CPPT, “haverá duplicação de colecta (…) quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”. Tal como se referiu no acórdão do TCA Norte de 8 de Novembro de 2012 já citado, os “requisitos da duplicação de colecta [constantes do artigo 205.º, n.º 1, do CPPT] são, cumulativamente, os seguintes:

1 – unicidade dos factos tributários;

2 – identidade da natureza entre a contribuição ou imposto e o que de novo se exige;

3 – coincidência temporal do imposto pago e o que de novo se pretende cobrar”.

                Ora, conforme decorre do confronto dos actos de liquidação de IMI em questão, verifica-se que não estão verificados os três requisitos ou três identidades para que se verifique uma duplicação de colecta tal como propugnado pela Requerente. De facto, apesar de os actos de liquidação se referirem ambos ao IMI devido quanto ao período de tributação de 2013, a verdade é que a colecta de imposto do acto de liquidação de IMI n.º 2013..., de 2 de Dezembro de 2019, difere da colecta de imposto do acto de liquidação n.º 2013..., de 21 de Agosto de 2019, verificando se que a AT pretende com o acto tributário emitido em Dezembro proceder à liquidação do IMI relativo aos imóveis que não haviam sido incluídos e contabilizados para efeito de imposto no acto tributário emitido em Agosto de 2019, em concreto, dos imóveis sitos no Município de Mafra, dos prédios não listados e do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ... sito em Braga, razão pela qual não se consideram verificados os requisitos do instituto da duplicação da colecta, julgando-se assim improcedente o vício imputado pela Requerente ao acto de liquidação de IMI n.º 2013..., de 2 de Dezembro de 2019.

 

III.2.5. Ilegalidade das correcções ao IMT, IS e IMI propostas pelos serviços de inspecção tributária

               

                19. Relativamente à análise da legalidade dos actos de liquidação impugnados a Requerente abordou no seu pedido de pronúncia arbitral, em primeiro lugar, a errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH e a violação do princípio da tipicidade operado pela AT e, num segundo momento, a errónea interpretação e aplicação daquele regime no que em concreto respeita à mera intenção de arrendamento dos imóveis. A apreciação dos vícios imputados aos actos de liquidação será assim efectuada pela ordem estabelecida pela Requerente.

 

III.2.5.1. Errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH e a violação do princípio da tipicidade

 

                20. Alegou a este respeito a Requerente que os serviços de inspecção tributária haviam efectuado, sem qualquer suporte legal, uma interpretação restritiva do regime jurídico dos FIIAH, tendo sido essa interpretação que esteve na base dos actos de liquidação de IMT, IS e IMI que vieram a ser emitidos pela AT. Em concreto, os serviços de inspecção tributária teriam entendido, com base no Relatório do Orçamento do Estado de 2009, na Portaria n.º 1553 A/2008, de 31 de Dezembro e no artigo 5.º, do regime jurídico dos FIIAH, que as isenções daqueles impostos haviam caducado em virtude de os imóveis terem sido todos adquiridos pelo Fundo B... ao Banco D..., o que demonstraria que o sujeito passivo não teria cumprido com os pressupostos primordiais da lei, nomeadamente a aquisição dos imóveis às famílias oneradas com prestações dos empréstimos à habitação. Por outro lado, ao contrário do entendimento sufragado pelos serviços de inspecção tributária, não seria censurável o facto de os contratos de arrendamento para habitação celebrados entre o Fundo B... e os arrendatários conterem um cláusula segundo a qual não seria aplicável a opção de compra do imóvel por estes últimos, uma vez que do artigo 5.º, do regime jurídico dos FIIAH, não decorria qualquer obrigatoriedade para o fundo de permitir a opção de compra nas condições estabelecidas no n.º 3 daquele mesmo artigo. Tudo isto sem esquecer que os serviços de inspecção tributária não teriam tido em conta que apesar de os imóveis terem sido adquiridos ao Banco D..., os mesmos seriam originários de prévias aquisições por aquele banco a pessoas singulares que figuravam como executadas em processos de execução movidos pelas respectivas entidades financeiras credoras, de tal forma que o objectivo legislativo de desagravamento dos encargos das famílias subjacente ao regime jurídico dos FIIAH sempre teria sido cumprido.

                Em suma, segundo a Requerente, o entendimento dos serviços de inspecção tributária “ultrapassa a mera interpretação da lei, sendo uma formulação ad hoc que estabelece uma norma com natureza de benefício fiscal sem qualquer arrimo na letra ou no espírito da lei, sendo que o aplicador da lei – neste caso, a administração tributária – não pode substituir-se ao legislador e tipificar qual a norma de incidência dos impostos, sob pena de se violar, de forma grosseira, a lei e a CRP”, de tal forma que aquela interpretação “é violadora dos princípios da legalidade, na vertente da tipicidade, ínsito nos artigos 103.º, n.º 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea a) da CRP, assim como é violadora do princípio da confiança jurídica ínsito no artigo 2.º da CRP, na medida em que vem restringir o aproveitamento de isenções previstas na lei, cujos requisitos legais estão estritamente tipificados nos termos do artigo 8.º do aludido regime jurídico”, pelo que as correcções de IMT, IS e IMI seriam ilegais, por violação daqueles princípios e “por errónea qualificação da situação fiscal em causa, pelo que os atos de liquidação baseados nestas correções são ilegais, devendo ser anulados em conformidade”.

 

                21. A aferição dos vícios imputados pela Requerente à interpretação do regime jurídico dos FIIAH propugnado pela AT está intrinsecamente dependente da análise da fundamentação dos actos de liquidação de IMT, IS e IMI emitidos e, bem assim, da fundamentação constante do relatório de inspecção tributária que serviu de base àquelas liquidações.

                Dos actos de liquidação oficiosa juntos aos autos consta que “relativamente às aquisições dos prédios abaixo identificados, efetuada com base na comunicação n.º ... da Direção de Finanças de Lisboa, referente ao Relatório de Inspeção Tributária no âmbito da Ordem de Serviço: OI2018.../... /.../.../..., no qual se verificou que [o Fundo B...] usufruiu da isenção de IMT e de Imposto do Selo (verba 1.1 da Tabela Geral), nos termos do artigo 8.º do artigo 104.º da Lei 64-A/2008 de 31/12, contudo não tendo os prédios sido objeto de arrendamento para habitação própria e permanente, mas alienados, verificou-se a sua caducidade quando da alienação dos prédios, não tendo solicitado a liquidação do IMT e do IS”.

                Por sua vez, do relatório de inspecção tributária consta que “apenas 151 imóveis destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente foram efetivamente arrendados pelo Fundo, para o fim em causa. Assim, para além destes imóveis identificados como tendo sido arrendados, o sujeito passivo não arrendou os seus outros imóveis, para os quais não se verificou um requisito primordial da isenção, no período compreendido entre os anos de 2012 a 2017, ano em que vendeu os últimos imóveis que ainda estavam na sua posse”.                Daquele relatório consta igualmente que “[v]erificou-se que todos os imóveis adquiridos pelo FUNDO B... (FIIAH) foram alienados por uma única sociedade, o BANCO D... S A (…)

Este facto revela que existiu a consciência e a vontade própria de as aquisições estarem a ser efetuadas não a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO D... S A (…)

Assim não se cumpre um pressuposto primordial da lei, o pressuposto de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros nos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras, auxílio previsto no Relatório OE2009 (Orçamento do Estado para 2009), que esta na génese do Regime Especial aplicável aos FIIAH e na Portaria n.º 1553 A/2008, de 31 de Dezembro.

Nestes termos propõe-se que seja liquidado o IMT, o IS e o IMI relativamente a todos os imóveis que viram a sua isenção caducar, face ao disposto no Regime Especial aplicado aos FIIAH.”

                Os serviços de inspecção tributária prosseguem a fundamentação das correcções propostas referindo que no relatório do Orçamento do Estado para 2009, elaborado e publicado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, consta a previsão de medidas de “[p]rotecção do patromónio imobiliário das famílias, pela aprovação de um regime especial, aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, que institui a possibilidade das famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à sua habitação própria e permanente, alienar o respectivo imóvel ao fundo ou à sociedade, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel que arrendam.

Verifica-se também que em todos os contratos de arrendamento para habitação permanente efetuados pelo Fundo e por nós analisados, consta a consideração de que em relação ao arrendatário (ou inquilino):

“O(s) segundo(s) contraente(s) não procedeu à alienação do imóvel objecto do presente contrato, pelo que não são aplicáveis ao presente contrato as disposições específicas previstas no art.º 5.º do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), constante dos artigos 102.º e seguintes da Lei n.º 64 A/2008, de 31 de Dezembro, bem como da Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro.” (sublinhado nosso)”. [sic]

                Continuam os serviços de inspecção tributária a sua argumentação transcrevendo parte do texto da Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro, por forma a salientar que o regime jurídico dos FIIAH visa contribuir para o desagravamento dos encargos das famílias, criando igualmente um estímulo adicional ao mercado de arrendamento em Portugal, permitindo às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação fazer face a situações transitórias de dificuldades com garantia de todos os seus direitos adquiridos, de entre os quais consta a opção de compra sobre os imóveis que tenham alienado e tomado de arrendamento a fundos constituídos sob o regime jurídico dos FIIAH, cujo exercício se encontra regulado naquela Portaria.

Cita-se ainda no relatório de inspecção tributária um acórdão arbitral de 14 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 734/2015-T, no qual se concretiza o conceito de destinar os imóveis ao arrendamento para habitação permanente, e no qual se refere que “não é dado ao bem o efectivo destino do arrendamento para habitação permanente quando o proprietário o afecta a finalidade destinta – por exemplo, um arrendamento comercial – ou quando deixa de poder dar-lhe o almejado destino de arrendamento habitacional (porque aliena o bem, por exemplo)”.

                Conforme se compreende da leitura dos fundamentos invocados nos actos de liquidação e no relatório de inspecção tributária, não procede o argumento sufragado pela Requerente de que “a administração tributária expande a letra da lei para nela fazer caber situações que não estavam expressamente previstas, tal equivale a criar uma norma onde esta não existia, e, portanto, em última análise, a exercer poder legislativo em matéria constitucionalmente vedada – violando, assim, o princípio da legalidade fiscal e da reserva material da lei formal”. Ora, de uma leitura conjugada dos diversos fundamentos sufragados pela AT, não se verifica que esta tenha formulado qualquer norma ad hoc com vista a justificar a caducidade das isenções que haviam sido concedidas ao abrigo do regime jurídico dos FIIAH. Pelo contrário, verifica-se que a AT, seja nos actos de liquidação seja no relatório de inspecção tributária, fundamenta a caducidade das referidas isenções com base no não cumprimento dos requisitos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, em concreto, com a alienação dos imóveis que implicou a frustração do objectivo das isenções de IMT, IS e IMI, isto é, com a não destinação dos imóveis para arrendamento para habitação própria e permanente. Desta forma, o recurso pelos serviços de inspecção tributária às considerações expostas no relatório do Orçamento do Estado para 2009; à exposição de motivos subjacentes à aprovação do regime jurídico dos FIIAH; à exposição de motivos subjacentes à aprovação da Portaria n.º 1553 A/2008, de 31 de Dezembro, que regula o preço de aquisição do imóvel, o valor da renda, o coeficiente de actualização e o exercício da opção de compra pelos arrendatários; bem como às circunstâncias em que os imóveis foram adquiridos e aos contratos de arrendamento efectivamente celebrados pelo Fundo B..., mais não traduz do que o cumprimento pela AT do dever de fundamentação do procedimento a que está obrigada nos termos do artigo 77.º, da LGT. Quer isto dizer que ao recorrer a todos aqueles elementos a AT procura consolidar as razões de facto e de direito que motivaram as correcções propostas, isto é, procura firmar o incumprimento dos requisitos estabelecidos no regime jurídico dos FIIAH para a concessão dos benefícios fiscais nele constantes, designadamente a afectação dos imóveis a outro destino que não o arrendamento para habitação própria e permanente, com a consequente frustração do intuito de desagravamento dos encargos das famílias com as prestações dos empréstimos à habitação o que, obviamente, não implica qualquer violação do princípio da tipicidade e do princípio da reserva material de lei formal.

                Tal como referiu a Requerente, o princípio da tipicidade visa garantir que os elementos essenciais dos impostos se encontram definidos por Lei ou Decreto-Lei autorizado, verificando se que os requisitos legais de que depende o aproveitamento das isenções previstas no regime jurídico dos FIIAH – e cujo incumprimento esteve na base dos actos de liquidação de IMT, IS e IMI – encontram-se estritamente tipificados nos termos do artigo 8.º, do aludido regime. Por conseguinte, a AT não formulou quaisquer requisitos adicionais que tenham fundamentado e frustrado a aplicação daquele regime jurídico ao Fundo B... tendo, tão só, interpretado os requisitos constantes do regime jurídico dos FIIAH com base na factualidade subjacente ao caso concreto e com base nos demais elementos normativos que regulam a aquisição de imóveis naquele âmbito.

                De resto, ainda que a interpretação sufragada pela AT extravasasse os critérios da hermenêutica jurídica, sempre se diria que o vício de inconstitucionalidade por violação daqueles princípios consiste num vício que é imputável a actos legislativos ou regulamentares que se enquadrem no conceito de actos normativos, e que não contenham os elementos exigidos nos termos dos artigos 103.º, n.º 2 e 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), ambos da CRP, não podendo considerar-se como tais meros actos administrativos do procedimento, que se destinam a produzir efeitos numa situação individual e concreta, como o são o relatório de inspecção tributária, nem tão pouco a interpretação jurídica que neles é sufragada por parte da AT.

Interpretação essa que em nada subverte a definição daqueles elementos essenciais por lei, não se vislumbrando que a AT estivesse a actuar “no âmbito do exercício do poder discricionário” por forma a estabelecer os requisitos de que depende a aplicabilidade do regime jurídico dos FIIAH, tal como pretende sustentar a Requerente. E tal consideração vale igualmente para a alegada inconstitucionalidade da interpretação da AT por suposta violação do princípio da confiança jurídica ínsito no artigo 2.º, da CRP. Por um lado porque não se verifica que a AT tenha propugnado uma interpretação do regime jurídico dos FIIAH, “no âmbito do exercício do seu poder discricionário”, por forma a restringir o espectro de aplicação dos benefícios concedidos por aquele regime. Por outro lado porque aquele princípio se reporta essencialmente a actos legislativos e não ao resultado da interpretação jurídica expressa num mero acto administrativo do procedimento – embora possa justificar o princípio da inalterabilidade do caso julgado, relativamente a actos jurisdicionais, ou a estabilidade dos casos decididos, relativamente a actos administrativos constitutivos de direitos –, não se vislumbrando igualmente qualquer lesão de expectativas jurídicas que fossem alvo de tutela pela dimensão subjectiva do princípio da segurança jurídica – o princípio da protecção da confiança – e que, de resto, não foram sequer invocadas e concretizadas pela Requerente.

                Em face do exposto, consideram-se improcedentes os referidos vícios imputados pela Requerente aos actos de liquidação em questão, não merecendo censura a interpretação sufragada pela AT no que a este concreto ponto diz respeito.

 

III.2.5.2. Errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH no que em concreto respeita à mera intenção de arrendamento dos imóveis

 

                22. A questão controvertida que cumpre agora sindicar respeita à interpretação sufragada pelos serviços de inspecção tributária de que a mera intenção de destinar os imóveis adquiridos pelo fundo a arrendamento para habitação própria e permanente, sem a sua efectivação, implicava a caducidade das isenções de IMT, IS e IMI, porquanto se havia frustrado o fim para o qual foram concedidas. Tendo em conta que os argumentos das partes se encontram expostos com a devida profundidade no relatório da presente decisão arbitral, não se revela necessário efectuar a sua reprodução, porquanto seria uma repetição desnecessária e traduziria a prática de actos inúteis no processo vedada pelo artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

                Assim sendo, enquanto ponto de partida, cumpre fixar o enquadramento jurídico aplicável às isenções de que o Fundo B... beneficiou aquando da aquisição dos imóveis ao Banco D... . À data dos factos, e ao que importa à presente decisão, dispunha o regime jurídico dos FIIAH, aprovado pelo artigo 104.º, da Lei n.º 64 A/2008, de 31 de Dezembro, que:

 

“Artigo 8.º

Regime tributário

(…)

6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”.

 

                Posteriormente à aquisição dos imóveis o regime jurídico dos FIIAH sofreu alterações, por via do artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, através do qual foram aditados ao artigo 8.º os n.ºs 14 a 16, aos quais foi dada a seguinte redacção:

 

“Artigo 8.º

Regime tributário

(…)

14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

               

                Em função deste aditamento, consagrou-se no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, uma norma transitória sobre o âmbito de aplicação das alterações que haviam sido efectuadas ao artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, à qual foi dada a seguinte redacção:

 

“Artigo 236.º

Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”.

 

                23. O n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, foi já alvo de apreciação pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 175/2018, de 5 de Abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 175/2017 e 246/2017; no acórdão n.º 489/2018, de 9 de Outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1014/16; e no acórdão n.º 622/2019, de 23 de Outubro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 915/2018. Em todos eles se julgou inconstitucional a referida norma, em conjugação com o artigo 8.º, n.º 16, do regime jurídico dos FIIAH, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas no n.º 7, alínea a), e n.º 8, daquele artigo 8.º, caducam se o imóvel adquirido antes da entrada em vigor daquela norma for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de Janeiro de 2014. Isto pelo facto de aquela norma, ao determinar um prazo limite de 3 anos para a celebração do contrato de arrendamento para habitação própria e permanente, concretizar uma aplicação retroactiva imprópria da lei fiscal em violação do princípio da protecção da confiança, decorrente do artigo 2.º, da CRP, já que se estariam a frustrar as legítimas expectativas dos contribuintes, que adoptaram certo comportamento em função do regime jurídico dos FIIAH, e que viram os benefícios dele decorrentes caducar com base num fundamento que não estaria inicialmente previsto naquele regime e com o qual não puderam contar, sem que existissem quaisquer fins de interesse público prevalecentes à frustração dessas expectativas jurídicas.

                No âmbito da resposta ao pedido arbitral a AT argumenta que os imóveis adquiridos pelo Fundo B... não foram objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente, o que implicou a caducidade das isenções de IMT, IS e IMI que haviam sido concedidas, nos termos das alterações introduzidas pelos artigos 235.º e 236.º da Lei n.º 83 C/2013, de 31 de Dezembro, ao regime jurídico dos FIIAH, em concreto, por incumprimento do disposto no artigo 8.º, n.º 14, daquele regime jurídico. Referiu a Requerida que aquelas alterações não estabeleceram nenhum novo requisito, tendo apenas fixado um prazo de 3 anos para a prova da existência de um contrato de arrendamento, isto é, para o cumprimento de um requisito que já estava anteriormente previsto no regime jurídico dos FIIAH. Em todo o caso, refere igualmente a AT que a Requerente efectua uma interpretação das normas de isenção constantes do artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8, do regime jurídico dos FIIAH, que não tem correspondência com a letra da lei nem com os elementos sistemático, histórico e teleológico, desconsiderando igualmente a Requerente que estaria em causa a interpretação de uma isenção fiscal que consiste numa medida extraordinária que tem subjacente um conjunto de interesses públicos extrafiscais que permitem afastar a tributação-regra do imposto e que, por conseguinte, têm de ser tidos em conta na interpretação daquelas normas. Desta forma, a afectação dos imóveis a uma finalidade diferente da prevista naquelas normas implicou uma violação da sua ratio legis, o que determinou a caducidade das isenções que haviam sido concedidas por aplicação do disposto no artigo 14.º, n.º 3, do EBF, pelo que nem sequer se colocaria a questão da retroactividade ou não da norma prevista no artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro. Na fundamentação dos actos de liquidação também não se verifica qualquer alusão ao regime que foi introduzido por ocasião da aprovação do Orçamento do Estado para 2014 que foi julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Pelo contrário, apenas se menciona que os actos de liquidação têm por base o relatório de inspecção tributária no âmbito do qual se verificou a caducidade da isenção de IMT, IS e IMI, decorrente da alienação dos prédios em questão sem que os mesmos tenham sido objecto de arrendamento para habitação própria e permanente. Desta feita, no âmbito do relatório de inspecção tributária, também não se verifica que a fundamentação das correcções propostas àqueles impostos assente nas normas que foram julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. Pelo contrário, após citar um excerto do acórdão arbitral de 14 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 734/2015, no qual se menciona, por um lado, que a afectação dos bens a finalidade distinta daquela que se encontra prevista no regime jurídico dos FIIAH tem por consequência a caducidade das isenções que houvessem sido concedidas ao seu abrigo e, por outro, que a questão não podia ser colocada do ponto de vista do risco da incapacidade de arrendamento dos imóveis, pelo facto de os FIIAH serem verdadeiros agentes económicos que têm de ponderar os riscos da sua própria actividade, o que incluía o dever de ponderação das decorrências da não afectação de determinado bem a certo destino, os serviços de inspecção tributária efectuam um enquadramento da legislação aplicável, na qual incluem as alterações efectuadas em 2014, concluindo que “Este n.º 2 do artigo 236.º foi julgado inconstitucional pela 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 175/2018, de 29 de maio, o que em nada afeta a presente proposta de correções. Assim, após a não verificação dos requisitos necessários à isenção de IMT, do IS e do IMI, o Fundo deveria ter solicitado as liquidações de IMT, do IS e do IMI”. Acresce a tais considerações que a Requerente, apesar de fazer alusão no pedido arbitral aos referidos acórdãos do Tribunal Constitucional, não menciona em ponto algum a ilegalidade dos actos de liquidação por estes se basearem numa aplicação retroactiva da lei fiscal, apenas mencionando aqueles acórdãos para fundamentar o sentido subjacente ao artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8, do regime jurídico dos FIIAH, e ao objecto que o legislador teria pretendido prosseguir aquando da sua criação.

                Aqui chegados, facilmente se compreende que a resposta ao peticionado pela Requerente não poderá ser extraída, sem mais, das considerações tecidas pelo Tribunal Constitucional no que em concreto respeita à aplicação retroactiva do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o artigo 8.º, n.º 16, do regime jurídico dos FIIAH, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas no n.º 7, alínea a), e n.º 8, daquele artigo 8.º, caducavam se o imóvel adquirido antes da entrada em vigor daquela norma fosse alienado no prazo de três anos, contados de 1 de Janeiro de 2014, porquanto a fundamentação dos actos de liquidação impugnados não teve por base tal regime. Dito de outro modo, a resposta ao caso ora em litígio não passa pela aferição, ou não, da aplicação retroactiva do regime jurídico que foi já declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, na medida em que tais normas não foram aplicadas nem foram sequer contestadas nos presentes autos.

 

                24. Cumpre então aferir se, em face do artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8, do regime jurídico dos FIIAH, a mera intenção de destinar os prédios a arrendamento, sem a sua efectivação, e com a posterior alienação, era ou não fundamento de caducidade das isenções de IMT, IS e IMI que haviam sido concedidas ao abrigo daquele regime aquando da aquisição dos imóveis pelo Fundo B... . Para o efeito, revela-se necessário determinar os pressupostos de que dependia a concessão daqueles benefícios fiscais, tendo em consideração o fim visado com a instituição daquele regime jurídico. Tal análise foi efectuada de forma extensa e detalhada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 175/2018, de 5 de Abril de 2018, proferido no âmbito do processos n.º 175/2017 e 246/2017 – tendo sido a mesma citada nos outros dois acórdãos em que aquele Tribunal se pronunciou sobre o assunto – daí que, ao não se vislumbrarem motivos para afastar a qualificação ali efectuada dos referidos benefícios fiscais, se adere àquelas considerações, cabendo então referi-las na medida em que sejam transponíveis para os presentes autos.

                A respeito da qualificação jurídica dos benefícios fiscais consagrados no artigo 8.º, n.º 7, alínea a), e n.º 8, do regime jurídico dos FIIAH – cujas considerações são aplicáveis mutatis mutandis ao n.º 6 daquele artigo 8.º –, considerou o Tribunal Constitucional naquele acórdão que:

“(…) os benefícios fiscais podem ser puros ou condicionados. Benefícios puros (ou absolutos) são aqueles cujo efeito não se encontra dependente da verificação de qualquer pressuposto acessório; inversamente, os benefícios condicionados veem a sua eficácia dependente da verificação de certos «pressupostos futuros e incertos, acessórios, secundários» (cf. Nuno Sá Gomes, Teoria Geral, cit., p. 147), que integram a sua conditio juris, e cuja função é a de subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos respetivos beneficiários (neste sentido, a propósito das isenções condicionais, Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, V.I, Lisboa, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 291).

No que diz respeito aos benefícios condicionados, a condição aposta pode, por seu turno, vez, revestir uma de duas formas: suspensiva ou resolutiva.

Diz-se que a condição aposta é suspensiva nas situações em que o direito ao benefício fica dependente do preenchimento dos pressupostos da condição, só ocorrendo após a respetiva verificação; inversamente, diz-se que a condição é resolutiva quando o benefício é concedido, mas a sua eficácia fica dependente da verificação dos pressupostos, positivos ou negativos, que integram a respetiva condição: neste caso, os efeitos do facto tributário suspendem-se por força da verificação dos pressupostos do benefício, que caducará, contudo, pela verificação dos pressupostos que integram a condição a que se acha subordinado, renascendo então a obrigação tributária (Nuno Sá Gomes, Teoria Geral, cit., pp. 147-148 ss).

Ainda do ponto de vista classificatório, uma última distinção pode contribuir ainda para uma melhor compreensão da solução impugnada.

Trata-se daquela que contrapõe benefícios fiscais estáticos a benefícios fiscais dinâmicos com base no seguinte critério: enquanto os primeiros se dirigem, «em termos estáticos, a situações que, ou porque já se verificaram (), ou porque, ainda que não se tenham verificado ou verificado totalmente, não visam, ao menos diretamente, incentivar ou estimular mas tão-só beneficiar, por superiores razões de natureza política geral de defesa, económica, religiosa, social, cultural, etc.» , os segundos «visam incentivar ou estimular determinadas atividades, estabelecendo, para o efeito, uma relação entre as vantagens atribuídas e as atividades estimuladas em termos de causa-efeito». Assim, enquanto «naqueles a causa do benefício é a situação ou a atividade em si mesma, nestes a causa é a adoção (futura) do comportamento beneficiado ou o exercício (futuro) da atividade fomentada» (cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 8ª ed., Coimbra: Almedina, 2015, p. 391)”.

                De seguida, após referir a posição do tribunal a quo que havia considerado que as normas que conferem as isenções de IMT, IS e IMI na eventualidade de os imóveis adquiridos serem destinados a arrendamento para habitação permanente, consistiam em benefícios fiscais de natureza instantânea “no sentido em que [aquela destinação] se esgotava na declaração da correspondente intenção por parte do sujeito passivo, feita no momento do facto tributário relevante, isto é, da aquisição do imóvel”, referiu o Tribunal Constitucional que:

“(…) se dúvidas não existem de que nos encontramos perante um benefício condicional a sua concessão está necessariamente dependente da verificação de uma condição, é já questionável que a condição aposta ao benefício e, consequentemente, o próprio evento tributário possam qualificar-se nos exatos termos para que remete a construção sufragada pelo Tribunal a quo.

11. Em face dos enunciados constantes da alínea a) do n.º 7 e do n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão resultante da Lei n.º 64-A/2008, a questão que se coloca é a seguinte: sendo o IMT e o Imposto de Selo, a que se referem as isenções ali previstas, impostos de obrigação única, bastar-se-á a condição legal a que tais isenções se encontram sujeitas destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente com a manifestação, por parte do sujeito passivo, da intenção de afetar o prédio adquirido a esse fim, de tal modo que, uma vez declarada essa intenção, se pode dizer que aquela condição se cumpriu e o evento tributário se completou?

     Logo do ponto de vista da letra da lei (elemento literal), é possível sustentar-se a conclusão inversa: ao dispor que ficam isentas de IMT e IMI as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos, quando realizadas pelos fundos, desde que destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, o legislador terá sujeitado a atribuição do benefício fiscal à efetiva disponibilização do imóvel adquirido para esse exclusivo fim e, como tal, a uma condição resolutiva cujo pressuposto se projeta necessariamente para além no momento em que tem lugar o facto tributário. É esse o sentido para que aponta o emprego do verbo destinar, que significa determinar antecipadamente o fim a dar a algo. Comportando uma dupla dimensão subjetiva e objetiva, a destinação implicada na condição aposta ao benefício tenderá a supor, a par da manifestação de uma vontade de correspondente sentido, a adoção de um comportamento revelador da vinculação do imóvel adquirido ao fim legalmente prescrito.

Tal conclusão parece sair reforçada ao encararmos o enunciado pela negativa, isto é, a partir das situações em que o mesmo se poderá dizer desatendido ou inobservado: linguisticamente, a obrigação de destinar exclusivamente um imóvel para arrendamento habitacional não poderia deixar de ter-se por prima facie violada caso o imóvel, em ato consecutivo ao da sua aquisição, fosse, por exemplo, alienado ou dado de arrendamento comercial; neste caso, estar se ia a dar ao prédio adquirido um destino diverso daquele que é imposto legalmente e fora declarado ao imóvel.

                Mais decisivo do que elemento linguístico é, porém, o elemento racional ou teleológico isto é, aquele que, na determinação do sentido do enunciado legal, manda atender à finalidade prosseguida pela norma interpretanda, isto é, à sua razão de ser (ratio legis).

                Sabendo-se que a clarificação do espírito da lei que institui determinado regime não passa sem a identificação das situações a que a mesma procurou dar resposta (cf. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 366 ss), é altura de retomar aqui o que ficou já dito a propósito das razões subjacentes à criação do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, em especial no âmbito tributário: tratou-se da consagração de um conjunto de benefícios fiscais destinados a incentivar investidores privados a, mediante a criação de fundos imobiliários, adquirir, para ulterior colocação no mercado de arrendamento, imóveis particulares cuja compra fora financiada através do recurso ao crédito à habitação, de forma a dar resposta à situação de um amplo conjunto de famílias que, no contexto da crise económico financeira iniciada em 2008, haviam deixado de conseguir suportar o pagamento das correspondentes prestações, proporcionando-lhes, assim, a possibilidade de alienar as respetivas frações ao fundo, mantendo, ao mesmo tempo, a disponibilidade sobre o imóvel mediante a celebração, por renda de valor inferior ao daquelas prestações, de contratos de arrendamento com os fundos adquirentes.

                Aqui residindo o ponto de referência do regime tributário instituído no artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, duas conclusões parecem-se impor-se desde já, com evidência, pelo menos, suficiente para afastar a possibilidade de ter por certa a caracterização como um facto instantâneo e, por isso, integralmente pretérito do evento tributário em causa nos presentes autos.

                A primeira é a de que os benefícios fiscais consagrados naquele artigo 8.º são, não estáticos, mas dinâmicos, no sentido em que visam incentivar a prática do sucessivo conjunto de atos que integram o iter necessário à colocação no mercado de arrendamento habitacional de frações adquiridas pelos fundos imobiliários para esse fim, através do estabelecimento entre as vantagens fiscais em cada momento atribuídas e a atividade em concreto estimulada de uma relação de causa-efeito.

                A segunda é a de que, no que toca aos benefícios consagrados na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64 A/2008, de 31 de dezembro isenções de IMT e Imposto de selo, a causa do benefício só pode residir na efetiva disponibilização do imóvel adquirido para arrendamento habitacional.

                A atividade fomentada isto é, a atividade cuja realização aquelas isenções se propõem incentivar não é a mera aquisição do imóvel, ainda que acompanhada da declaração do propósito de o afetar ao arrendamento habitacional; é sim a colocação no mercado de arrendamento habitacional do imóvel adquirido, sendo essa, em definitivo, a atividade cujo exercício se pretendeu estimular através da concessão dos referidos benefícios. À luz da ratio subjacente ao regime tributário previsto para os FIIAH na própria Lei n.º 64-A/2008, dificilmente se compreenderia que o pressuposto das isenções concedidas em sede de IMT e de Imposto de Selo pudesse residir exclusivamente no animus do ato de aquisição do imóvel   isto é, pudesse bastar-se com a mera intenção, ainda que verídica e séria, expressa pelo fundo no ato de aquisição, de destinar ao arrendamento habitacional o imóvel adquirido, independentemente de qual viesse a ser o destino efetivamente fixado ao prédio.

                Pode, por isso, legitimamente duvidar-se de que, antes mesmo das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, a mera declaração de vontade expressa no ato de aquisição pelo fundo, ainda que conforme à respetiva vontade real, constituísse, tal como entendeu o Tribunal a quo, o único pressuposto da condição nesse caso necessariamente suspensiva aposta aos benefícios concedidos na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH.

                Existe, pelo contrário, um conjunto suficientemente convincente de elementos que apontam para a ideia de que as isenções fiscais previstas naquelas disposições se encontravam sujeitas já a uma condição resolutiva, cujo pressuposto se projetava para além do facto tributário: a não disponibilização do imóvel para arrendamento habitacional do imóvel adquirido pelo fundo em momento ulterior ao da respetiva aquisição determinava a caducidade do benefício, com consequente renascimento da correspondente obrigação tributária.

                12. Para sustentar a solução interpretativa extraída do artigo 8.º, n.º 7, alínea a), e n.º 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008 acolhida, de resto, em diversos outros acórdãos do Tribunal Arbitral (cf., a título ilustrativo, a decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do Processo n.º 684/2015-T), são essencialmente dois argumentos apresentados na sentença recorrida.

                Apelando ao elemento sistemático da interpretação, o primeiro argumento emerge do confronto entre os conceitos legais de destinação e afetação: que, para o legislador, «destinar um prédio exclusivamente a habitação» não equivale a afetá-lo a esse fim é conclusão para a qual, de acordo com o Tribunal recorrido, aponta o n.º 7 do artigo 11.º do Código do IMT, em cuja alínea b) se prescreve, como causa de caducidade de certas das isenções previstas naquele Código, o facto de os imóveis não serem «afetos à habitação própria e permanente no prazo de seis meses a contar da data de aquisição».

                O lugar paralelo invocado na sentença recorrida para demonstrar que, no complexo normativo em que se integra a norma interpretanda, destinar e afetar constituem conceitos utilizados pelo legislador de modo particularizado, para traduzir ou exprimir realidades diversas, perde grande parte da sua impressividade ao recuperarmos a versão do Código do IMT à data da criação do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH.

                Com efeito, aquando da aprovação do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH criado pela Lei n.º 64-A/2008, o n.º 7 do artigo 11.º do Código do IMT tinha uma redação, não apenas distinta daquela que lhe veio a ser dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, como, no segmento que aqui releva, em larga medida coincidente com aquela que viria a ser adotada no âmbito do artigo 8.º, n.º 7, alínea a), e n.º 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH.

                Tratava-se da redação conferida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, cujo teor era o seguinte: [d]eixam de beneficiar igualmente de isenção e de redução de taxas previstas no artigo 9.º e nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 17.º, quando aos bens for dado destino diferente daquele em que assentou o benefício, no prazo de seis anos a contar da data da aquisição, salvo no caso de venda.

                Quer isto significar que, mesmo para lá das conhecidas dificuldades de reconstituição da vontade do legislador, a convocação do n.º 7 do artigo 11.º do Código do IMT é insuficiente para sustentar, enquanto elemento sistemático da interpretação, a conclusão de que, ao empregar o termo destinar nas formulações insertas na Lei n.º 64-A/2008, o legislador teria pretendido excluir o sentido que adviria de uma eventual replicação do conceito de afetar, constante já daquela disposição. Ou, mais explicitamente ainda, de que, no pensamento unitário do legislador fiscal, contemporâneo da publicação da Lei n.º 64-A/2008, destinar e afetar correspondessem a conceitos de conteúdo diverso nos termos em que essa diversidade lhes foi apontada pelo Tribunal a quo.

                O segundo argumento invocado na sentença recorrida prende-se com o sentido das alterações levadas a cabo pela Lei n.º 83-C/2013: ao impor, nos novos n.ºs 15 e 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, um «prazo dentro do qual a mudança de destinação do imóvel implica também a perda da isenção», o legislador terá reconhecido que, «na ausência de tal prazo, a mudança de destinação não implicaria a perda da isenção».

                Ora, da imposição a posteriori de um prazo dentro do qual a alteração do destino legalmente fixado para o imóvel implica a caducidade do benefício não pode inferir-se, a contrario, que, na ausência de tal prazo, a não afetação pura e simples do imóvel àquele fim não implicasse a perda da isenção. Trata-se aqui de um non sequitur, já que uma coisa não decorre necessariamente da outra.

                O estabelecimento de um prazo dentro do qual o imóvel adquirido terá de ser efetivamente arrendado sob pena de caducidade das isenções é o que decorre dos n.ºs 14 e 15, aditados pela Lei n.º 83-C/2013 ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH não significa que, no âmbito da Lei n.º 64-A/2008, a disponibilização do imóvel para aquele fim não integrasse já a condição aposta ao benefício; significa sim que, em todos os casos em que o contrato de arrendamento não venha a ser efetivamente celebrado dentro daquele prazo, ainda que por causa não imputável ao fundo, o benefício caduca, renascendo a correspondente obrigação tributária.

                Do mesmo modo, também o estabelecimento de um prazo dentro do qual o imóvel adquirido pelo fundo não pode ser alienado sob pena de caducidade das isenções é o que estabelece o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013 , não significa que a efetiva colocação do prédio no mercado de arrendamento habitacional não fosse já legalmente exigida; significa sim que, mesmo que o imóvel haja sido efetivamente disponibilizado para arrendamento habitacional, o fundo é obrigado a conservar a propriedade do imóvel durante aquele prazo, ainda que a celebração efetiva do contrato de arrendamento se haja frustrado por razões atinentes à retração do próprio mercado e, portanto, por causas que lhe não sejam imputáveis.

                Em suma: mesmo atentando nos argumentos invocados na sentença recorrida, encontramo nos longe de poder afirmar com segurança que o pressuposto de aplicação da norma excecional isentiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente tinha, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008, a mesma natureza instantânea que o ato de aquisição do imóvel; o conjunto de elementos acima considerados aponta, ao invés, para a conclusão de que se tratava, já então, de um facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completava com a efetiva disponibilização do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício.”. (sublinhados nossos)

                Posteriormente, já a respeito da análise da retroactividade das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, referiu ainda o Tribunal Constitucional que os benefícios fiscais constantes do regime jurídico dos FIIAH tinham:

“(…) já no âmbito da Lei n.º 64-A/2008, não apenas natureza resolutiva, como carácter prospetivo: se, em momento subsequente à respetiva aquisição pelo fundo, o imóvel adquirido não viesse a ser disponibilizado para arrendamento habitacional, o benefício caducaria, ressurgindo a obrigação tributária.

(…)

                Ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção – destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente – os novos pressupostos resultantes do aditamento ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n.ºs 14 a 16 – a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo [3 anos a contados a partir de 1 de Janeiro de 2014] –, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83 C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao benefício, que vinha do passado, originando, com isso, um caso de retroatividade inautêntica.”.

 

                25. Da leitura das considerações efectuadas pelo Tribunal Constitucional não restam dúvidas de que apesar de as isenções estabelecidas no artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, na redacção inicialmente conferida pela Lei n.º 64 A/2008, de 31 de Dezembro, não referirem expressamente a necessidade de efectivação de arrendamento para habitação própria e permanente dos imóveis adquiridos pelos FIIAH, é essa a ratio legis subjacente à previsão daquelas isenções. Dito de outro modo, não restam dúvidas de que a concessão das isenções de IMT, IS e IMI em virtude de os imóveis adquiridos pelos FIIAH serem “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” materializa a concessão de um benefício fiscal de forma automática, embora sujeita a um condição resolutiva, que se consubstancia na efectiva celebração de contratos de arrendamento para habitação própria e permanente. É neste mesmo sentido que se referiu na decisão arbitral de 31 de Julho de 2017, proferida no âmbito do processo n.º 694/2016-T, que “[o] facto tributário “aquisição de um prédio urbano destinado exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” não se completa com a simples aquisição do prédio, mas exige que se acrescente a essa aquisição uma certa utilização económica, que é o arrendamento para habitação permanente, e que essa utilização económica se verifique com exclusão de qualquer outra. Portanto, estamos perante um facto tributário que necessariamente se forma ao longo do tempo.”.

                E tal como reconheceu o Tribunal Constitucional, o facto de o regime jurídico dos FIIAH não ter estabelecido, ab initio, um prazo limite para a celebração efectiva daqueles contratos de arrendamento, em nada obsta à conclusão de que a falta da sua verificação implicava o incumprimento dos pressupostos em que assentou a concessão das isenções, isto é, de que a destinação dos imóveis a um fim que não o arrendamento para habitação permanente determinava a caducidade das isenções. Veja-se que esta posição já havia sido sufragada ainda antes da decisão do Tribunal Constitucional, designadamente na decisão arbitral de 9 de Julho de 2016, proferida no âmbito do processo n.º 707/2015-T, no qual se referiu que “(…) as regras em vigor em 2013, ano em que o Prédio foi adquirido pelo FUNDO B... com a isenção de IMT e de IS, não se estabelecia, em termos temporalmente rígidos, a necessidade de ser efectivamente celebrado um contrato de arrendamento para habitação permanente. Contudo, segundo cremos, o benefício da isenção de IMT e de IS – no quadro da política económica de que é instrumento – assenta na necessidade de lhe ser dado esse efectivo destino (independentemente de saber – essa é outra questão – o prazo de que dispõe o FIIAH para lhe ser dado esse efectivo destino). Ora, não é dado ao bem o efectivo destino do arrendamento para habitação permanente quando o proprietário o afecta a finalidade distinta – por exemplo, um arrendamento comercial – ou quando deixa de poder dar-lhe o almejado destino de arrendamento habitacional (porque aliena o bem, por exemplo).”.

                Desta forma, não assiste razão à Requerente quando afirma que a “consequência da não afetação do imóvel detido pelo Fundo não pode ter como efeito nefasto a tributação do Fundo em sede do IMT, IS e IMI, quando o próprio legislador, aquando da criação do regime, nada determinou em situações análogas à presente situação” e que a “interpretação [sufragada pela AT] das normas constantes no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, no sentido de que as isenções aplicáveis têm de ter em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica [no qual se insere a impossibilidade de concretização de arrendamentos para habitação permanente], é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios referentes à liberdade de gestão, propriedade e iniciativa privada, previstos nos artigos 61.°, 62.° e 86.°, da CRP).”. E não assiste razão à Requerente pelo facto de esta efectuar uma interpretação errónea dos pressupostos de concessão das isenções daqueles impostos, uma vez que a condição resolutiva que lhes está subjacente foi fixada pelo legislador aquando da criação do regime jurídico dos FIIAH tendo por base uma concreta finalidade extra-fiscal: a promoção do arrendamento para habitação permanente enquanto forma de auxílio às famílias que estivessem oneradas com empréstimos à habitação. Se assim é, não se vislumbra como poderia ser afectada a liberdade de gestão, a propriedade e a iniciativa privada do Fundo B..., dado que não se verifica qualquer penalização derivada da “gestão deficitária” do Fundo, mas tão só a caducidade das isenções de IMT, IS e IMI provocadas pela alienação dos imóveis adquiridos com isenção de imposto que não foram destinados a arrendamento para habitação permanente, isto é, provocadas pela impossibilidade definitiva de cumprimento do fim extra-fiscal em virtude do qual foram concedidos aqueles benefícios.

                A este respeito cumpre salientar que as normas de isenção daqueles impostos, enquanto benefícios fiscais, consistem em normas excepcionais no sistema fiscal, dado que implicam uma derrogação ao princípio da igualdade tributária, inferido do artigo 13.º, da CRP, bem como uma derrogação da tributação das empresas segundo o seu rendimento real, tal como impõe o artigo 104.º, n.º 2, da CRP. Este aspecto, que se afigura determinante na interpretação e aplicação daquelas normas, é precisado com particular acuidade por SALDANHA SANCHES, em Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pp. 457-463, quando refere que “[a]s isenções carecem de uma especial legitimação, por são normas anti-sistémicas por definição, já que se encontram numa permanente relação de tensão com o princípio da capacidade contributiva. Essa legitimação advém de razões como a obtenção de um certo objectivo económico de especial importância, a realização, por entidade privadas, de certos objectivos culturais ou sociais que o Estado atinge de forma menos eficiente (mecenato cultural ou social) ou outra razão de igual importância.”. Assim, “[a]o contrário das normas que têm por objectivo obter receitas ou proceder a uma justa distribuição dos encargos tributários, as normas de direcção só podem ser justificadas pela obtenção de um fim especial, cuja determinação cabe dentro da esfera de decisão política. Trata-se de saber se o fim justifica a isenção, ou se temos a atribuição de regalias fiscais (…) por razões que são, económica ou socialmente, ilegítimas. Um benefício atribuído com uma justificação débil ou inexistente não é um benefício fiscal: é um privilégio, na medida em que lhe falta a justificação para o tratamento excepcional que este ou aquele sujeito, este ou aquele rendimento obterão.”. Por conseguinte, “[u]ma vez que o benefício fiscal está incorporado numa norma de Direito Económico destinada a obter um concreto efeito de direcção da Economia, deverá ser aplicado levando em conta a política económica que corporiza naquele caso concreto. Ou seja, o elemento teleológico e as singularidades de cada caso devem ser determinantes no processo de interpretação-aplicação de benefícios fiscais. Note-se que o interesse público que justifica a isenção – o de estimular um certo comportamento do sujeito passivo – se sobrepõe, neste caso, ao da correcta distribuição dos encargos tributários segundo a capacidade contributiva. As regras de interpretação a utilizar são, por este motivo, as que podem contribuir para atingir uma tal finalidade. Estamos, então, perante um caos particularmente intenso de interpretação teleológica, que leva em linha de conta a política pública expressa pela norma que concede o benefício fiscal, como modo de proceder à sua aplicação correcta e evitar que as suas finalidades sejam frustradas pelas eventuais incorrecções do texto normativo.”.

                Tendo em conta estas considerações, e atenta a natureza e a razão de ser das isenções de IMT, IS e IMI já extensamente identificadas e analisadas, admitir a possibilidade de alienação dos imóveis que os FIIAH – nos quais se insere o Fundo B...– haviam adquirido com isenção do pagamento daqueles impostos, sem a consequente caducidade daquelas isenções, seria admitir que o legislador ao estabelecer aqueles benefícios fiscais se teria bastado com a “mera intenção, ainda que verídica e séria, expressa pelo fundo no ato de aquisição, de destinar ao arrendamento habitacional o imóvel adquirido, independentemente de qual viesse a ser o destino efetivamente fixado ao prédio”, interpretação essa que o Tribunal Constitucional rejeitou por entender que “[à] luz da ratio subjacente ao regime tributário previsto para os FIIAH na própria Lei n.º 64-A/2008, dificilmente se compreenderia que o pressuposto das isenções concedidas” fosse fixado nesses termos. De facto, a admissão de tal interpretação poderia implicar que, no limite, e tal como refere a AT, “no âmbito do regime dos FIAHH, podiam ser efectuadas alienações de bens com destino ao arrendamento habitacional isentas de impostos sobre o património num dia e no dia seguinte esses mesmos bens poderiam ser vendidos para outro fim que não o arrendamento pelo Fundo, sem qualquer encargo em termos de impostos sobre o património”, o que implicaria não só uma total negação da finalidade extra-fiscal que o legislador procurou promover, mas também a concessão de um “privilégio” aos FIIAH sem qualquer fundamento económico-social válido que justificasse a derrogação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

                Em face do exposto, considera-se que as alienações efectuadas pelo Fundo B...– no decurso da sua actividade e, a final, por ocasião da liquidação do fundo com a consequente transmissão de património por transferência global para a Requerente, destinando esta última os imóveis transmitidos a revenda – implicaram a caducidade daquelas isenções que haviam sido concedidas sob condição resolutiva, por ter sido conferido aos imóveis adquiridos, de modo definitivo, uma destinação que não o arrendamento para habitação própria e permanente, frustrando-se assim a finalidade extra-fiscal subjacente à concessão daqueles benefícios, nos termos conjugados do artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8, do regime jurídico dos FIIAH e do artigo 14, n.º 3, do EBF.

 

                25. Por fim, alegou a Requerente que ainda que não fossem aplicáveis as isenções previstas no regime jurídico dos FIIAH, o Fundo B... sempre gozaria da isenção de IMT prevista no artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, dado que seria um fundo imobiliário e, nessa medida, estaria cumprida a condição subjectiva de fundo de investimento imobiliário de que dependia a aplicação deste regime. Pelo contrário, considerou a Requerida que o regime jurídico dos FIIAH consiste num regime jurídico autónomo, transitório e especial, ao qual apenas é aplicável o regime dos fundos imobiliários de investimento no que em concreto respeita à constituição, funcionamento e comercialização dos FIIAH, e já não no que respeita ao seu regime fiscal, já que o legislador teria excluído a sua aplicabilidade ao estatuir um regime próprio no artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH.

                A este respeito, referiu-se no acórdão arbitral de 26 de Setembro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 24/2018-T, que “mesmo considerando-se em vigor o art. 1.º do Decreto Lei n.º 1/87, de 3/1 (a este respeito, vd. abundante jurisprudência do CAAD, como, por ex., as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 544/2016-T e 440/2017-T), havendo legislação especial aplicável ao presente caso é esta que se aplica, pelo que a Requerente não poderá, consequentemente, beneficiar da isenção concedida ao abrigo daquela lei geral – não apenas por causa do (já mencionado) princípio “lex specialis derogat legi generali”, mas também porque, a ser como defende a ora Requerente, tal desvirtuaria a ratio legis da norma especial (como também já foi referido) e conduziria a resultados incongruentes do ponto de vista sistemático pois, como assinala a Requerida, a “entender-se que o art. 1.º do DL 1/87, de 3 de Janeiro [se deve aplicar em vez da legislação especial relativa aos FIIAH, então] os fundos de investimento imobiliário seriam duplamente beneficiados, em clara posição de vantagem e de desigualdade face aos restantes actores do mercado imobiliário – quer na aquisição de imóveis, quer ainda na alienação de imóveis a terceiros.”.

                Efectivamente, a aplicação do regime constante do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, pretendida pela Requerente frustraria o objectivo visado pela legislador com a criação do regime jurídico dos FIAHH, já que a isenção do pagamento de IMT sempre seria devida independentemente do fim ao qual os fundos afectassem os imóveis adquiridos. Desta forma, deve considerar-se que o não preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação da lei especial – o regime jurídico dos FIAHH – invalidade a aplicabilidade da lei geral – o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro – que permite a isenção de IMT aos fundos de investimento imobiliário em geral.

                Por tudo o exposto, julgam-se improcedentes os vícios imputados pela Requerente à interpretação e aplicação do regime jurídico dos FIIAH pelos serviços de inspecção tributária, não merecendo censura a interpretação sufragada pela AT no que em concreto respeita ao sentido a conferir à destinação dos imóveis a arrendamento para habitação própria e permanente. Neste sentido, julga-se igualmente improcedente o vício de caducidade do direito à liquidação de IMI cuja conformidade legal estava dependente, tal como prontamente referido, da resposta à apreciação deste último vício.

 

III.2.6. Juros compensatórios

 

                26. Peticionou também a Requerente a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de juros compensatórios, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

                Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devida ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”.

                Decorre deste artigo, no que importa ao presente caso, que os juros compensatórios serão devidos pelo sujeito passivo em função da verificação cumulativa de dois requisitos. Um primeiro, materializado no atraso ou retardamento da liquidação de imposto e um segundo materializado na imputabilidade de tal atraso por comportamento culposo do sujeito passivo, seja a título de dolo seja a título de negligência.

                Conforme se compreende, o atraso na liquidação de imposto deveu-se ao facto de não ter sido promovida pelo sujeito passivo a iniciativa para a liquidação de IMT, IS e IMI após se ter verificado a caducidade das isenções daqueles impostos que haviam sido concedidas ao abrigo do regime jurídico dos FIIAH, razão pela qual se afigura imputável ao sujeito passivo tal atraso, ainda que a título de negligência. Desta forma, improcede a argumentação da Requerente de que as liquidações de juros compensatórios seriam ilegais, uma vez que as mesmas foram efectuadas em estrito cumprimento da respectiva base legal.

 

III.2.7. Juros indemnizatórios

 

                27. Alegou por fim a Requerente que para além do reembolso das quantias que tinham sido voluntária e indevidamente pagas, seria ainda devido o pagamento de juros indemnizatórios.

                Dispõe a este respeito o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

                Tendo sido determinado que, no presente caso, não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, não se encontram reunidos os requisitos de que depende a aplicabilidade daquele regime, pelo que também improcede o peticionado pela Requerente a seu respeito.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pela Requerente;

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no valor de € 3.672,00.

 

V. VALOR DO PROCESSO

               

                Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 162.365, 19.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00 a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Janeiro de 2021.

 

Os Árbitros

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

Ana Teixeira de Sousa

Carla Castelo Trindade

(Relatora)