Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 322/2020-T
Data da decisão: 2021-02-04  IRS  
Valor do pedido: € 20.075,63
Tema: IRS - reinvestimento de mais-valias; domicílio fiscal; habitação própria e permanente.
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SUMÁRIO:

 

As normas constantes n.º 5 do artigo 10.º e dos n.ºs 11 a 14 do artigo 13.º do CIRS, (na redação à data dos factos) respetivamente sobre exclusão da tributação do reinvestimento das mais valias e sobre a ilisão da presunção de que o “domicílio fiscal” corresponde à “habitação própria e permanente” do sujeito passivo, devem ser objeto de interpretação teleológico-racional atenta aos condicionalismos específicos do processo de divórcio. 

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

 

1             RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte fiscal n.º..., divorciada, residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., Caldas da Rainha (adiante abreviadamente designada por «Requerente»), veio, a 29.06.2020, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT»), requerer a constituição de Tribunal Arbitral para a pronúncia de Decisão de anulação da liquidação de IRS n.º 2020..., no montante de € 20.075,63, e respetiva liquidação de juros compensatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 30.06.2020.

 

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou o presente árbitro singular, em 28.07.2020.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1, e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 16.09.2020.

 

6.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 27.10.2020, onde, por impugnação, sustentou a improcedência da pretensão da Requerente.

 

7. Por ter sido requerida pelas partes e ser considerada útil, o Tribunal convocou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, para o dia 14 de janeiro de 2021, pelas 14h30, através de despacho proferido em 20.11.2020.

 

8. Na reunião do artigo 18.º do RJAT foram ouvidas, com o consentimento das partes, três das cinco testemunhas arroladas pela Requerente nos termos constantes dos autos.

 

1.1          Descrição dos factos

 

9. Em 2003, a Requerente e o (à data) marido, B..., fixaram a respetiva habitação própria permanente no prédio misto denominado ..., sito em ..., Rua ..., n.º..., na União das Freguesias de ... e ..., concelho de Rio Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º..., da freguesia da ..., tendo aquela vivido nesse imóvel desde então com o marido e os filhos e trabalhado em Óbidos desde 2005. Em novembro de 2009, a Requerente e o seu (à data) marido, contraíram dois mútuos junto do C... PLC, destinados ao financiamento da ampliação da sua habitação própria permanente, que foram garantidos por duas hipotecas registadas pelas apresentações ... e ..., ambas de 05.11.2009, ampliação que ficou concluída em 2012.

10. Em 2005 o casal inscreveu o primeiro filho num jardim de infância próximo do local de trabalho, o Colégio “...”, sito na Rua ..., n.º..., ..., ...-...,  Caldas da Rainha, onde permaneceu até 2012, ano em que passou a frequentar o Agrupamento de Escolas ..., também em Caldas da Rainha, sendo que o segundo filho frequentou o Colégio “ ...” entre 2012 e 2019. Até ao ano letivo de 2017-2018 foi possível inscrever os filhos da Requerente nas referidas escolas das ..., apesar de a habitação da mesma se manter em Rio Maior.

11. Em 13.04.2018 entrou em vigor o Despacho Normativo n.º 6/2018, de 12.04, que veio alterar os procedimentos de matrícula e respetiva renovação, passando a determinar um cruzamento de informação entre o domicílio fiscal e a circunscrição territorial da escola, pelo que os filhos da Requerente passariam a ter de frequentar a escola em Rio Maior, pois a sua casa de habitação era a mesma que compraram e na qual fizeram obras para ali passar a residir, sita em ..., Rio Maior, com grande transtorno logístico para pais e filhos. Alegadamente para obviar a esta situação, a Requerente alterou o seu domicílio fiscal para um imóvel de que era proprietária, sito nas Caldas da Rainha, ela e o marido mantiveram a sua residência na Rua ... do ..., n.º..., ..., Rio Maior, até data objeto de controvérsia.

 

12. Em 27.07.2018 a Requerente e C... alienaram o identificado imóvel, no estado de divorciados, pelo valor de € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros), alegando a Requerente que desde o dia seguinte passou a residir efetivamente na Rua..., n.º..., ... esquerdo, ...-..., Caldas da Rainha. Em 29.07.2019, a Requerente apresentou a respetiva declaração Modelo 3 de IRS, com o n.º..., tendo declarado a intenção de reinvestir a mais-valia realizada nos campos 5005 e 5006 do quadro 5 A do respetivo anexo G.

13. A 04.11.2019, o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha emitiu o Ofício n.º..., indicando uma divergência no anexo G da declaração de rendimentos relativa a 2018, visto que “À data da alienação do imóvel o domicilio fiscal é na Rua ... nº..., ...-... Caldas da Rainha e não o local do imóvel gerador  da mais-valia, pelo que não poderá proceder ao reinvestimento por não serem verificados os requisitos legalmente estabelecidos para o efeito”, notificando a Requerente para proceder à submissão de uma declaração de  substituição modelo de IRS para o ano de 2018, corrigindo o quadro 5 A. Não tendo a mesma sido submetida, a Requerida emitiu a liquidação de IRS objeto de impugnação nos presentes autos arbitrais, a qual foi parcialmente paga pela Requerente, a 02.03.2020, tendo a mesma solicitado, a 17.03.2020, o pagamento do valor remanescente em prestações.

14. A Requerente apresentou pedido de informação vinculativa, através do qual solicitou que lhe fosse reconhecido o direito ao reinvestimento dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel não constituindo a sua habitação própria e permanente/ domicílio fiscal, situado na Rua ... n.º..., ...-..., ..., Rio Maior. O pedido de informação vinculativa foi arquivado em virtude de sobre essa matéria existir gestão da divergência.

 

1.2. Argumentos das partes

 

15. A Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios com argumentos que a seguir se sintetizam:

a)            Atentando na fundamentação constante do referido Ofício n.º..., de 04.12.2019, resulta claro que a liquidação emitida pela AT desconsidera o reinvestimento declarado pela Requerente por esta, à data da alienação, alegadamente não destinar o imóvel alienado à sua (ou do seu agregado familiar) habitação própria permanente;

b)           A referida fundamentação padece, simultaneamente, de erro sobre os pressupostos de facto e na aplicação do direito, o que deverá determinar a anulação da liquidação impugnada;

c)            Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, são excluídos da tributação «os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar», desde que se verifiquem algumas condições, sendo que o proémio do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS faz referência à habitação própria permanente do sujeito passivo e não ao domicílio fiscal, conforme parece resultar da fundamentação da AT;

d)           Sendo certo que, nos termos do artigo 13.º, n.º 11, do CIRS (na redação em vigor à data dos factos), se previa que «O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário», e que, em regra, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da sua residência habitual –  alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da LGT – , a referida presunção tem de admitir  prova em contrário – nos termos do artigo 73.º da LGT – e o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS não exige que o domicílio  fiscal se situe no prédio gerador da mais-valia, mas apenas que ali se fixe a habitação própria permanente do alienante ou do seu agregado familiar;

e)           No n.º 5 do artigo 10º do CIRS explicita-se que não estão  sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a  habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (daqui decorrendo que a habitação própria permanente do sujeito passivo – que  é o que releva para este efeito – poderá ser distinta da do seu agregado familiar), não  se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal, sendo que o n.º 6 do mesmo normativo, relevando a  necessidade de afetação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal;

f)            O pressuposta habitação própria permanente não se confunde com o de domicílio fiscal, devendo tal conceito ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à exclusão da tributação, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do n.º 2 do artigo 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação;

g)            A Requerente centrava no imóvel alienado toda a sua vida pessoal e familiar, designadamente ali pernoitando, tomando refeições, recebendo amigos e familiares, tendo a sua roupa, e objetos pessoais, descansando e realizando festas de aniversário dos filhos menores. 

 

16.. A AT sustenta a manutenção do ato impugnado com base nos seguintes fundamentos:

a)            Nos termos das alíneas a) a c), do n.º 5, do artigo 10º do CIRS, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, na condição de que o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, e bem assim, que o reinvestimento previsto na alínea a) seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data de realização e que os sujeitos passivos manifestem a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o que no caso presente sucedeu, com o preenchimento do campo 5006 do quadro 5A do anexo G;

b)           Tendo por base o corpo do artigo 16º do CIRS, a verificação dos requisitos deve ter por referência o “ano a que respeitam os rendimentos”, sendo este o espetro temporal durante o qual deve ser verificada a residência, importando a verificação do requisito consubstanciado na existência de condições que façam supor que a habitação, no seu todo, seja mantida e ocupada como residência habitual;

c)            Não densificando o legislador como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual, será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade, a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do individuo;

d)           A residência habitual é um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação, onde se presume ter organizada a sua vida, sendo o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não mediando grandes diferenças entre o “domicílio fiscal” e a “habitação permanente”, havendo entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida, sem prejuízo de os n.ºs 11 a 14 do artigo 13º do Código do IRS (na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro) admitirem prova em contrário;

e)           Consultada a declaração Mod. 3 de IRS do ano fiscal de 2017 (entregue em 2018, mas referente ao período de 1 de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior), verifica-se que a Requerente inscreveu o estado civil de “solteiro, divorciado ou separado judicialmente”, tendo inscrito os filhos no seu agregado como “dependentes em guarda conjunta”;

f)            Consultado o sistema informático de gestão e registo de contribuintes, verifica-se que a Requerente alterou o domicílio fiscal para as Caldas da Rainha em 23.11.2017, o mesmo sucedendo com os filhos, um a 21.11.2017 e outro a 12.10.2017, tendo o ex-marido da Requerente mantido o domicílio fiscal em Rio Maior (na morada do imóvel alienado);

g)            Com a desagregação do casal, em 2017, cada um dos cônjuges ficou a residir em imóveis diferentes, indo a Requerente para as Caldas da Rainha e o ex-marido continuado a viver em Rio Maior, no imóvel alienado em 2018;

h)           Não corresponderá à verdade (e isto no caso de se considerar que o imóvel era efetivamente a sua habitação própria e permanente) que a Requerente se manteve a morar no imóvel até ao dia 27.07.2018, porque essa é a data da escritura de compra e venda do imóvel, sendo que ninguém fica a morar num imóvel até ao dia da escritura, ainda para mais tendo outro imóvel como alternativa – o das Caldas da Rainha, desde logo por razões logísticas, constando-se que a própria escritura  refere que a Requerente, a 27.07.2018, tinha residência em Caldas da Rainha;

i)             O facto de a Requerente ter comemorado o aniversário do filho mais novo, em junho de 2018, no imóvel de Rio Maior pode ter uma explicação muito simples, a saber, estando o ex-marido lá a viver e sendo uma moradia, em termos de logística torna-se mais fácil de aí efetuar as comemorações, ao invés de num 1º andar (como é a habitação das Caldas da Rainha), se a guarda partilhada estabelecer a residência alternada dos menores (à semana ou à quinzena) e o menor estiver na residência do pai na data do aniversário;

j)             A Requerente não pode justificar a alteração do domicílio fiscal, em 2017, com base na preferência pela frequência de um determinado estabelecimento, pois que o diploma por ela invocado na petição para esse efeito, foi o Despacho Normativo n.º 6/2018, de 12 de abril, que entrou em vigor no dia seguinte;

k)            Dos documentos juntos pela Requerente ao processo para comprovação de que o imóvel alienado era a sua habitação própria e permanente, verifica-se que a) o documento emitido pela “...” é uma 2ª via, indiciando o não recebimento do original na morada do imóvel alienado em 2018, não se tratando de uma fatura, mas de uma nota de crédito, emitida em nome da Requerente, embora o valor da fatura de dezembro de 2017 seja de zero euros, não havendo nessa altura gastos de telecomunicações no imóvel de Rio Maior, mas sim um crédito a favor da Requerente de 4,45 €.; b) a fatura emitida pela empresa “...” está em nome do ex-marido da Requerente e não desta, não querendo dizer que a Requerente morava no imóvel (e participou nos gastos de energia) pois, conforme já descrito supra, após o divórcio o ex-marido continuou a residir na moradia (tendo a Requerente passado a residir, desde finais de 2017, em Caldas da Rainha);

l)             O domicílio fiscal da Requerente corresponde, desde dezembro de 2017, como foi referido no pedido de informação vinculativa, à Rua..., n.º..., ..., ...-..., Caldas da Rainha, e não o imóvel situado na Rua ... n.º..., ...-..., ..., Rio Maior, esse sim gerador de mais-valias imobiliárias, não podendo ser inscritos quaisquer valores no quadro 5 do anexo G da declaração de rendimentos relativa ao ano fiscal de 2018 nem ser a sua pretensão favoravelmente atendida, por não verificados os requisitos legalmente estabelecidos para o efeito, não padecendo a liquidação impugnada dos erros e ilegalidades apontados pela Requerente;

m)          Caso não sejam aceites os argumentos expostos, sempre se estaria perante a alienação de um prédio misto, composto por um prédio urbano e outro rústico, apenas o prédio urbano podendo ser destinado a habitação, pelo que somente o valor de realização referente ao prédio urbano poderá ser reinvestido na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente;

n)           A declaração de rendimentos entregue pela Requerente, no campo 401 do quadro 4 do anexo G, assinala o valor de aquisição do imóvel 49.249,83 €. 70, tendo sido inscrito no campo 5005 (valor em dívida do empréstimo) do quadro 5 do citado anexo, o montante de 80.146,87 €. 71, sendo que neste último campo deve inscrever-se, apenas, o montante do empréstimo concedido para a “aquisição” e não para construção ou melhoramento (como se retira da leitura do n.º 5 do artigo 10º do CIRS. 72, pelo que, se o imóvel foi adquirido por 49.249,83 € em 1998, não é possível que em 2018 ainda esteja em dívida o montante de 80.146,87 €.

 

1.3. Saneamento  

 

17. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

 

18. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), de acordo com os fundamentos infra. 

 

19. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.

 

2             FUNDAMENTAÇÃO

2.1          Factos dados como provados

20. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

a)            Em 2003, a Requerente e o (à data) marido, B..., fixaram a respetiva habitação própria permanente no prédio misto denominado ..., sito em ..., Rua ..., n.º ..., na União das freguesias de ... e ..., concelho de Rio Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º ... da freguesia da ..., tendo passado a viver nesse imóvel com os filhos; (Documento.º 9)

b)           A Requerente trabalha em Óbidos desde 2005, tendo aí constituído uma sociedade comercial por quotas, individual, em 2009; (Documento n.º6)

c)            Em 2005 o casal inscreveu o primeiro filho num jardim de infância próximo do local de trabalho, o Colégio “...”, sito na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., Caldas da Rainha, onde permaneceu até 2012/13; (Documento n.º3, 4º e 5.º)  

d)           Em 2012 o filho mais velho passou a frequentar o Agrupamento de Escolas ..., também em Caldas da Rainha; (Documento.º 12)

e)           O segundo filho, nascido em 2009, frequentou o Colégio “...” entre 2012 e 2019 (Documento.º 7, n.º10, n.º11)

f)            Em 2017 a Requerente alterou o seu domicílio fiscal para um imóvel de que era proprietária, sito nas Caldas da Rainha (registo dos contribuintes);

g)            Em 27.07.2018, a Requerente e B... alienaram o identificado imóvel, no estado de divorciados, pelo valor de € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros), alegando a Requerente que desde o dia seguinte passou a residir efetivamente na Rua ..., n.º..., ..., ...-..., Caldas da Rainha (Documentos n.º 2, n.º8)

h)           Em 29.07.2019, a Requerente apresentou a respetiva declaração Modelo 3 de IRS, com o n.º..., tendo declarado a intenção de reinvestir a mais-valia realizada nos campos 5005 e 5006 do quadro 5 A do respetivo anexo G, no valor de €99.853,13; (Documento nº 16)

i)             A 04.11.2019, o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha emitiu o Ofício n.º..., indicando uma divergência no anexo G da declaração de rendimentos relativa a 2018, visto que “À data da alienação do imóvel o domicilio [sic] fiscal é Rua ... nº..., ... ...-... Caldas da Rainha e não a do imóvel gerador  da mais -valia, pelo que não poderá proceder ao reinvestimento por não serem  verificados os requisitos legalmente estabelecidos para o efeito”, notificando a Requerente para proceder à submissão de uma declaração de  substituição modelo A de IRS para o ano de 2018, corrigindo o quadro 5 A. (Documento.º 17)

j)             A 17.01.2020, a Requerida emitiu a liquidação de IRS n.º 2020..., com o imposto a pagar no montante de € 20.075,63; (Documento n.º 1), a qual foi parcialmente paga pela Requerente, a 02.03.2020, tendo a mesma solicitado, a 17.03.2020, o pagamento do valor remanescente em prestações; (Documentos n.º18 e 19)

k)            A Requerente apresentou pedido de informação vinculativa, através do qual solicitou que lhe fosse reconhecido o direito ao reinvestimento dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel não constituindo a sua habitação própria e permanente/ domicílio fiscal, situado na Rua ... N.º..., ...-..., ..., Rio Maior. O pedido de informação vinculativa foi arquivado em virtude de sobre essa matéria existir gestão da divergência (RAT).   

 

21. Para provar que ela e o ex-marido mantiveram a sua residência na Rua ..., n.º..., ..., Rio Maior, até 27.07.2018, a Requerente juntou aos autos uma Declaração do Presidente da Junta de Freguesia da União das Freguesias da ... e ... (Documento 13), uma fatura de gás da Gás Natural ... (Documento 14) e uma fatura/nota de crédito da ... (Documento15), tendo ainda arrolado prova testemunhal para a reunião do artigo 18.º do RJAT. Importa ajuizar desses elementos probatórios:

a)            Declaração do Presidente da Junta de Freguesia, atestando que a Requerente residiu na Rua ... n.º ... até 27.07.2018. A este propósito, dispõe o artigo 371.º, n.º1, do Código Civil, relativo à força probatória, que “[o]s documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.” O atestado de residência emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia é, em princípio, meio de prova suficiente da residência. No entanto, quando emitido com base na simples declaração do interessado, não faz prova plena da residência (artigo 371.º/1, "in fine", do Código Civil), ficando sujeito à livre apreciação da entidade competente. Se houver contradição entre o atestado de residência e outros elementos constantes dos autos fica seriamente abalada e, portanto, afastada a força probatória desse atestado . Se aceitasse, apenas com base na força probatória de um atestado de residência, factos que essa força probatória não abrangia, a AT daria como assentes, no procedimento, factos que o não estavam, incorrendo nessa hipótese em erro nos pressupostos de facto. Em todo o caso, nos termos do artigo 13.º, n.º 15, do CIRS, caberia à AT provar a falta de veracidade desta declaração;

b)           A Requerente apresenta uma fatura emitida pela empresa ..., com a data de 17.12.17 relativa ao imóvel na Rua ..., n.º ..., ..., Rio Maior. Trata-se de uma segunda via (sugerindo o não recebimento do original na morada do imóvel alienado em 2018). em rigor, trata-se, não de uma fatura, mas de uma nota de crédito, já que o valor faturado no mês de dezembro é zero, demonstrando a inexistência de gastos de telecomunicações no imóvel, havendo mesmo um crédito a favor da Requerente de 4,45 €. 52. Este elemento probatório, por si só, é compatível quer com a versão da Requerente quer com a da Requerida, embora neste caso em maior medida;

c)            A Requerente apresenta uma fatura emitida pela empresa “Gas Natural ...” (documento 14) com operações relativas a consumos. A mesma está em nome do ex-marido da Requerente (e não da própria), sendo compatível com a tese da Requerente como com a tese da Requerida. Sé é certo que não permite, isoladamente, ilidir a presunção de que a habitação permanente correspondia ao seu domicílio fiscal da Requerente, também é insuficiente para provar que a Requerente não habitava em ..., Rio Maior;

d)           A Requerente invocou na sua petição (para efeitos de alteração do domicílio fiscal) o Despacho Normativo n.º 6/2018, de 12 de abril, que entrou em vigor no dia seguinte, alterando os requisitos de matrícula nas escolas, com efeitos na situação dos filhos. Embora a AT afirme não entender como é que uma mudança de regime jurídico, que ocorreu em abril de 2018, poderia servir de causa justificativa da alteração do seu domicílio fiscal em novembro de 2017, é razoável, por apelar a factos públicos e notórios, o argumento sublinhado pela Requerente em alegações finais segundo o qual a publicidade da discussão sobre a eventualidade da sua aprovação era bastante anterior à entrada em vigor do diploma;

e)           No âmbito da prova testemunhal arrolada pela Requerente, começou por depor D..., morador em vivenda ao lado da do casal, que afirmou que via regularmente o casal a habitar no imóvel até à respetiva alienação a um casal francês, sendo frequente a presença dos dois carros. O mesmo apercebia-se da vida normal do casal, incluindo os animais domésticos da família, de que por vezes cuidava a pedido da Requerente. Embora a AT refira que esta testemunha desconhecia a data em que a Requerente deixou de habitar na casa em causa nos autos, tendo inclusive respondido, quanto a essa questão fundamental, que não sabia dizer desde quando deixara de ali habitar pois muito embora a visse frequentemente, não sabia se a Requerente só ia lá ver os filhos, as afirmações desta testemunha, cuja credibilidade e o depoimento a AT não impugnou, corroboram a plausibilidade da habitação permanente da Requerente no imóvel; 

f)            No mesmo sentido aponta o depoimento E..., Diretora do Colégio “...”, em Caldas da Rainha, frequentado sucessivamente pelos filhos do casal. Vivendo estes fora das Caldas da Rainha, aquela sublinhou que quando havia festas de aniversário o colégio levava colegas à casa de Rio Maior, como sucedeu no final do ano letivo 2017-2018, no aniversário do filho mais novo. Esta testemunha afirmou que por vezes a carrinha do colégio ia a Rio Maior entregar as crianças quando os pais não podiam ir lá buscar, vendo lá a máquina de lavar a roupa e o estendal com roupa de senhora e tendo inclusivamente ajudado a Requerente a levar as roupas para dentro de casa. Durante algum tempo iam lá deixar os miúdos, mas depois deixaram de o fazer. A mesma afirmou que os filhos do casal chegavam tarde à escola porque vinham de .... É certo que, como observa a AT, o facto de a Requerente ter comemorado o aniversário do filho mais novo, em junho de 2018, no imóvel de Rio Maior não prova, por si só, que a Requerente aí vivia, podendo explicar-se por razões logísticas e de guarda partilhada e residência alternada dos menores. No entanto, considerando o testemunho acerca da presença utensílios e roupas da Requerente e do contacto estabelecido com ela, trata-se de um elemento probatório que, a juntar aos demais, corrobora a tese da Requerente, sendo certo que a AT não impugnou a credibilidade da testemunha e do seu depoimento, procurando apenas interpretar os factos aqui narrados à luz da sua tese;De acordo com o depoimento da testemunha F..., esta conhecia a Requerente de vista desde que se mudou para ... em 2017, pois faz diariamente um percurso a pé, por razões de saúde, passando sempre à frente do imóvel de Rio Maior. A mesma via a Requerente a estender a roupa, embora só passasse a falar com ela em 2018, depois de a conhecer pessoalmente na sua antiga casa, num dia em que a mesma ia buscar correspondência. Deixou de ver a Requerente por volta do início ou meio do Verão de 2018. A AT nota que, o facto de a testemunha, nas suas caminhadas junto à casa da Requerente, ainda ter observado esta no seu interior no período em causa nos autos, não parece suficientemente conclusivo de que a Requerente ainda aí tivesse a sua residência, podendo essas deslocações da Requerente à casa se justificarem por razões de assistência aos filhos. Em todo o caso, este testemunho corrobora a plausibilidade das alegações da Requerente; 

 

g)            Consultada a declaração Modelo 3 de IRS do ano fiscal de 2017 (entregue em 2018, mas referente ao período de 1 de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior), verifica-se que a Requerente inscreveu o estado civil de “solteiro, divorciado ou separado judicialmente”. Por outro lado, a Requerente inscreveu os filhos no seu agregado como “dependentes em guarda conjunta” e alterou o seu domicílio fiscal para Rua ..., n.º..., ..., ...-..., nas Caldas da Rainha, em 23.11.2017, o mesmo sucedendo com os filhos, sendo um a 21.11.2017 e outro a 12.10.2017. Apenas o ex-marido da Requerente manteve como domicílio fiscal a habitação da Rua ..., n.º..., ..., ..., Rio Maior (morada do imóvel alienado);

h)           Embora a alegação da Requerente de que ficou a residir no imóvel de Rio Maior até à data da sua alienação, em 27.07.2018, possa ser questionável de acordo com parâmetros de habitualidade e praticabilidade, como faz a AT, a mesma não é, em abstrato. de todo inverosímil, atendendo aos dados da experiência em muitos casos de divórcio. Embora na escritura pública de alienação do imóvel (Documento 8) conste que nessa data a Requerente, divorciada, tinha a sua residência na Rua ... n.º..., ..., nas Caldas da Rainha, coincidente com o seu domicílio fiscal, ao passo que o ex-marido, divorciado, tinha a residência na Rua do ..., n.º..., ..., Rio Maior, é plausível considerar ser essa a intenção imediata da Requerente.

 

22. Nenhum dos elementos probatórios carreados permite, por si só, considerar provada a tese da Requerente ou da Requerida, sendo que uns favorecem mais a tese da primeira e outros a tese da segunda. No entanto, como adiante melhor se explanará, por um critério de preponderância da prova , o menos exigente de todos, inserido numa interpretação teleológica das normas pertinentes, o presente tribunal dá como provado o facto de que a Requerente residiu em Rio Maior até 27.07.2018, considerando ser esta a versão mais provável dos factos em litígio.

 

2.2          Factos não provados

 

23. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

 

2.3          Motivação

24. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

25. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

26. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

2.4          Questão decidenda

 

27. A matéria em apreciação diante do presente Tribunal Arbitral reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias por reinvestimento do valor de realização, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS. O quadro normativo relevante é claro e incontroverso para as partes na lide.

 

28. Segundo as alíneas a) a c), do n.º 5, do artigo 10º do CIRS – cingindo-nos ao segmento de norma que releva no caso concreto –, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, na condição de que o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português, desde que o reinvestimento previsto na alínea a) seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data de realização e que os sujeitos passivos manifestem a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o que no caso presente sucedeu, com o preenchimento do campo 5006 do quadro 5A do anexo G.

 

29. No caso concreto, impõe-se referir o artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da LGT, o qual estabelece que “[o] domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual.” A este respeito, o artigo 13.º, n.º 11, do CIRS, dispõe que “[o] domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.”  Essa presunção radica no facto de que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa tem o seu centro de interesses vitais, a partir do qual organiza a sua vida pessoal e económica, e sendo os contribuintes chamados a interagir frequentemente com a administração fiscal, existe uma ligação íntima e natural entre a “habitação permanente” e o “domicílio fiscal” visto que ambos pressupõem um lugar com o qual certa pessoa estabelece uma conexão material mais estreita. O domicílio fiscal liga a habitação permanente ao exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias.

 

30. Da leitura dos n.os 11 a 14 do mesmo artigo 13.º resulta que, para efeitos do disposto no n.º 12, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel ou de que não dispõe de habitação própria e permanente, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei e competindo à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.

 

31. No caso, o sistema informático de informação e registo dos contribuintes revelava que a Requerente alterou o seu domicílio fiscal para Rua ..., n.º..., ..., ...-..., nas Caldas da Rainha, em 23.11.2017, o mesmo sucedendo com os filhos, sendo um a 21.11.2017 e outro a 12.10.2017. Apenas o ex-marido da Requerente manteve como domicílio fiscal a habitação da Rua ..., n.º..., ..., Rio Maior, Rio Maior (morada do imóvel alienado). O domicílio fiscal da Requerente não sofreu qualquer alteração durante o ano de 2018, a que respeitam os rendimentos e em que foi efetuada a alienação do imóvel em causa. Por conseguinte, nos termos do referido artigo 13.º, n.º 11, do CIRS, o domicílio fiscal da Requerente e dos seus dois filhos, faz presumir que a sua habitação própria e permanente e a do seu agregado familiar se situava, em 2018, no imóvel das Caldas da Rainha e não no imóvel de Rio Maior, que seria alienado em 27.07.2018.

 

32. Nos termos do artigo 13.º, nºs 11 a 14, do CIRS, na redação à data dos factos, trata-se de uma presunção ilidível pelo sujeito passivo, o qual pode lançar mão de quaisquer meios de prova admitidos por lei. Por conseguinte, é sobre a Requerente que recai o onus probandi, cabendo-lhe carrear para o processo elementos probatórios que demonstrem que, a despeito de ter o seu domicílio fiscal e o dos seus filhos num imóvel nas Caldas da Rainha, a mesma tinha como habitação própria permanente, 2018, o imóvel de Rio Maior onde habitara durante anos com o seu ex-marido e que viria a ser alienado. Trata-se, porém, de um ónus da prova ligeiramente mais atenuado do que o normal, na medida em que, como resulta do teor literal do n.º 14 do artigo 13.º do CIRS, é à AT que cabe demonstrar a falta de veracidade ou dos meios de prova ou das informações deles constantes.

 

33. Os elementos probatórios e as informações oferecidos ao processo pelo sujeito passivo deverão ser aceites pela suficiência da sua plausibilidade, a menos que a AT demonstre a sua falta de veracidade. A leitura dos n.ºs 11 a 14 do artigo 13.º, do CIRS, parece remeter para a aplicação de um critério de preponderância da prova, considerado pela doutrina como menos exigente do que o da prova clara e convincente e muito menos ainda do que o da prova para além de qualquer dúvida razoável. Esta solução legislativa é consentânea um encargo probatório não excessivamente intrusivo e invasivo da privacidade dos sujeitos passivos e do respetivo pela intimidade do agregado familiar, suscetível de avaliação externa pela instância jurisdicional com base em critérios objetivos de plausibilidade, razoabilidade e normalidade. Sob esta perspetiva, o presente tribunal considerou especialmente relevante a prova testemunhal, devendo ainda ter em conta, como decisiva na avaliação desta prova, a necessária a interpretação teleológica das normas dos artigos 10.º, n.º5, e 13.º, n.ºs 11 a 14, do CIRS.

 

33. Na senda do entendimento doutamente sustentado pelo Supremo Tribunal Administrativo ,  considera este Tribunal Arbitral que, para efeitos da aplicação do regime da exclusão de tributação pelo reinvestimento das mais-valias obtidas pelo sujeito passivo com a venda do imóvel, ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º5, do CIRS, há que ter presente as especificidades sociais e económicas do processo de divórcio.  Trata-se, as mais das vezes, de uma realidade que se desenvolve iterativa e gradualmente, que frequentemente requer articulação de múltiplas variáveis pessoais, profissionais, familiares e económicas e que, por conseguinte, raramente se deixa resolver instantaneamente. Pelo contrário, por vezes pode arrastar-se durante vários meses.

 

34. No âmbito desta fenomenologia, verifica-se que é habitual um dos cônjuges abandonar a casa de morada da família, onde vinha tendo a sua habitação própria e permanente, ou, alternativamente, começar a dar passos concretos nesse sentido, nomeadamente de natureza burocrática, mesmo quando permanece no imóvel. Em qualquer dos casos, é frequente que os ex-cônjuges procedam à venda do imóvel em que habitavam, tendo em vista dividirem os bens e munirem-se dos recursos financeiros necessários ao redireccionamento e à reorganização independente das suas vidas. Trata-se frequentemente de um processo não linear, de rotura com a estabilidade pessoal e patrimonial até então existente, nem sempre isento de escolhos emocionais.

 

35. No caso concreto, os elementos probatórios carreados para o processo pela Requerente corroboram, de acordo com um critério de preponderância da prova, que a mesma continuou a habitar no imóvel da Rua dos Arneiros n.º 33, Assentiz, Rio Maior, onde até então tinha a sua habitação própria e permanente. Isto, porém, sem deixar de tomar antecipadamente as medidas que considerou necessárias à reorganização da sua vida e da dos seus filhos na sequência do divórcio. No entender este tribunal, esta afigura-se como a versão mais plausível ou melhor explicação dos factos e circunstâncias objeto do litígio. 

36. Saliente-se, entretanto, que não é sequer pelo facto de um dos cônjuges ter deixado de residir temporariamente no imóvel que constitua a casa morada de família, na sequência de acordo de divórcio em que a mesma foi atribuída ao outro cônjuge, e até à sua venda, que se pode concluir que o mesmo não tem direito a reinvestir as mais-valias resultantes beneficiando da exclusão de tributação, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º5, do CIRS .

37. É certo que, no âmbito deste último preceito, o conceito de “habitação própria e permanente” assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos. Afigura-se inteiramente adequada e justificada, à luz de considerações de justiça material e de primazia da substância sobre a forma, a adoção de uma interpretação teleológica, não formalista nem indiferente à ratio dos preceitos relevantes no confronto com os condicionalismos específicos do processo de divórcio. Essa interpretação teleológico-racional deve abranger, não apenas as normas constantes do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, sobre a exclusão da tributação no caso de reinvestimento das mais-valias resultantes da alienação do imóvel, mas também as que regulam a produção, impugnação e valoração da prova no âmbito da ilisão da presunção de que o “domicílio fiscal” corresponde à “habitação própria e permanente” do sujeito passivo, nos termos dos n.ºs 11 a 14 do artigo 13.º do mesmo código.

38. Acolhe-se o entendimento sustentado pelo STA segundo o qual “[o] que se mostra relevante para o legislador é que o produto da venda de um determinado imóvel com determinação afetação – habitação própria e permanente - seja reinvestido noutro imóvel com a mesma afetação, impondo apenas uma limitação temporal no que respeita ao reinvestimento e à afetação do imóvel destino do reinvestimento”, devendo por conseguinte considerar-se procedente o Pedido da Requerente e proceder-se à anulação dos atos de liquidação impugnados pela Requerente nos termos do artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo («CPA»), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

3             DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

Julgar inválidos os atos de liquidação de IRS n.º 2020..., de 17 de janeiro de 2020, e respetiva liquidação de juros compensatórios, referentes ao ano de 2018, com os efeitos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

4             VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 20.075,63 nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

5             CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1 224,00 a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 04 de fevereiro de 2021

 

O Árbitro

Jónatas E. M. Machado