SUMÁRIO:
I. A impugnação do acto de liquidação que originou imposto a pagar implica que a determinação do valor da causa seja efectuada nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, independentemente de ser cumulada a impugnação de acto de determinação da matéria colectável;
II. Não é condição necessária de impugnabilidade do acto de liquidação o recurso prévio ao procedimento de prova do preço efectivo constante do artigo 139.º, do Código do IRC, se o sujeito passivo não pretende discutir o resultado das correcções efectuadas pela AT, mas tão só a qualificação jurídica dos actos em questão e o consequente não preenchimento dos respectivos pressupostos de aplicação da presunção de preço constante do artigo 64.º, do Código do IRC;
III. Nos termos do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, uma sociedade que tenha sido dissolvida e liquidada em simultâneo no período de tributação em causa não pode integrar o perímetro fiscal do grupo para efeitos de aplicação do RETGS;
IV. O regime de presunção de preço estabelecido no artigo 64.º, do Código do IRC, não é aplicável às mais e menos-valias apuradas numa operação de entrada de activos na medida em que o valor de realização dos elementos patrimoniais transmitidos não corresponde a um “preço” fixado entre as partes mas antes a um valor de mercado determinado em cumprimento das regras de preços de transferência;
V. Nos termos do artigo 69.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, uma sociedade dominada não pode integrar o perímetro fiscal do grupo para efeitos de aplicação do RETGS se a sociedade dominante não detém as suas participações sociais há mais de um ano;
VI. Os prazos legalmente definidos para a realização da acção de inspecção tributária têm natureza meramente ordenadora, de tal forma que o seu incumprimento não determina a ilegalidade do procedimento mas apenas a não suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação e o impedimento da realização de actos de inspecção externos.
* * *
Acordam os árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Cristiana Maria Leitão Campos e Carla Castelo Trindade, designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., com sede na ..., apartado..., ...-... ..., titular do número de identificação de pessoa colectiva ... (“Requerente ou A...”), vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2020 ... e do acto de liquidação de juros compensatórios e moratórios correspondente à demonstração de liquidação de juros n.º 2020..., todos referentes ao período de tributação de 2015, peticionando ainda o pagamento pela AT de indemnização por prestação de garantia indevida.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 20 de Maio de 2020 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28 de Julho de 2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 27 de Agosto de 2020.
5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
a) A aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, à dissolução da sociedade participada B... SGPS, S.A. (“B...”), com a consequente exclusão desta do perímetro de tributação do grupo. Considera que a AT não teve em consideração que a participada foi dissolvida e liquidada em simultâneo, no último dia do exercício, com distribuição imediata dos bens à accionista, tendo a totalidade dos activos e passivos a ela pertencentes sido transferidos para a Requerente. Os conceitos de dissolução e de liquidação são conceitos autónomos de Direito Societário, que não se confundem entre si, sendo a dissolução uma fase prévia da liquidação, correspondente a um período de inactividade que culminará com a extinção da personalidade jurídica da sociedade. Na lei fiscal verifica-se uma separação nítida entre o período anterior à dissolução e o período de liquidação, com a obrigatoriedade de cisão dos períodos tributários nos termos do artigo 79.º, do Código do IRC. Com base numa interpretação literal, verifica-se que o artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, apenas abrange as sociedades dissolvidas que não tenham sido liquidadas ou extintas e que são reguladas nos termos do referido artigo 79.º, existindo no artigo 81.º, do Código do IRC, uma regra própria para as sociedades liquidadas. A existência de um período de tributação mais extenso para as sociedades dissolvidas que ainda estejam em processo de liquidação e o não exercício de qualquer actividade económica é incompatível com a integração num grupo que apura resultados fiscais de base anual, sendo que tais incompatibilidades práticas não se verificam numa sociedade que é dissolvida e liquidada em simultâneo, isto é, que se extingue no exacto momento da dissolução. De resto, o grupo sempre poderia alienar o património durante o exercício, realizando os inerentes proveitos ou prejuízos, dissolvendo e liquidando apenas a sociedade no exercício seguinte, o que revela e desnecessidade e desproporcionalidade da adopção pela AT de uma interpretação do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, de forma a excluir a B... SGPS do grupo sem qualquer razão material (ou literal) que o impusesse. Isto sendo certo que está em causa um resultado fiscal que “nasce” no sei do grupo e que “morre” no mesmo, já que a totalidade dos activos e passivos detidos pela participada é entregue à Requerente, que continuou a actividade que aquela exercia, de modo que não faz sentido excluir do resultado do grupo o resultado apurado pela sociedade liquidada, sendo esta situação equiparável a uma fusão por incorporação em que a AT não nega o concurso daquele resultado.
b) No que respeita à transmissão pela Requerente de um conjunto de imóveis correspondente a um ramo de actividade para a sua participada C..., S.A., por contrapartida do aumento de capital desta última e correspondente emissão de acções representativas do valor global do ramo de actividade contribuído, verificou-se uma aplicação ilegal pela AT da presunção de preço estabelecida no artigo 64.º, do Código do IRC, a alguns dos imóveis transmitidos no âmbito da entrada de activos. Isto na medida em que uma operação de entrada de activos não se qualifica como uma transmissão onerosa de bens, mas apenas como uma operação a ela assimilada para efeitos de tributação em sede de mais e menos-valias nos termos do artigo 46.º, n.º 5, do Código do IRC. Os imóveis não estavam a ser transmitidos individualmente, mas enquanto uma unidade económica autónoma, capaz de funcionar pelos seus próprios meios, cujo valor reflecte o goodwill ou o badwill conjunto e não o valor de cada bem individualmente. Nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea d), do Código do IRC, o valor de realização daquela unidade económica é aferido pelo respectivo valor de mercado, já que não se verifica o pagamento de um preço enquanto contrapartida, mas antes a transmissão de participações sociais. Ao não existir o estabelecimento de um preço entre a Requerente e a sua participada, mas antes a avaliação do valor de mercado por perito independente do ramo de actividade transmitido, não haveria como simular um preço de venda, pelo que a aplicação ao caso concreto da presunção de preço do artigo 64.º, do Código do IRC, bem como do procedimento previsto no artigo 139.º, daquele código, traduziria a aplicação de uma presunção inilidível, já que não existiria forma de comprovação dos efectivos fluxos financeiros entre as partes, isto é, a prova do preço efectivo, porquanto este não existiu, com total denegação do direito a uma tutela jurisdicional constitucionalmente garantida. Tudo isto, sendo certo que o valor da totalidade dos imóveis transmitidos era superior ao valor patrimonial tributário (“VPT”) global, tendo a AT ignorado tal facto, desconsiderando apenas o valor de mercado dos imóveis cujo VPT era superior. Assim, a imposição do recurso àquele procedimento representaria uma limitação desproporcional, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, do direito à reserva da vida privada previsto no n.º 1 do artigo 26.º, daquele mesmo diploma, já que a Requerente e os seus administradores teriam de autorizar o levantamento do sigilo bancário sem que com isso se conseguisse obter qualquer elemento relevante para efeitos da transacção sob escrutínio, o que seria materialmente inconstitucional. Por último, não seria aplicável à referida operação a norma anti-abuso do artigo 64.º, do Código do IRC, mas antes o regime de preços de transferência, nos termos dos artigos 46.º n.º 3, alínea, d) e 63.º, ambos do código do CIRC, que visa exactamente garantir que partes relacionadas contratam entre si em condições idênticas às que seriam contratadas entre entidades independentes, isto é, com respeito pelo princípio da plena concorrência, aplicando nas transacções valores de mercado.
c) No que respeita à exclusão do perímetro do grupo da sociedade D... SGPS, S.A. (“D...”), a AT teria considerado erradamente que não se encontravam verificados os requisitos constantes do artigo 69.º, do Código do IRC, designadamente a detenção das participações pela sociedade dominante há mais de um ano e a inexistência de prejuízos fiscais nos três períodos de tributação anteriores. Isto apesar de a AT ter aceitado expressamente a inclusão daquela sociedade na esfera do grupo nos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, o que traduziria uma situação de venire contra factum proprium. Quanto à não verificação do prazo de detenção das participações sociais da D..., pela Requerente, há mais de um ano, a AT teria desconsiderado que ambas as sociedades faziam anteriormente parte do mesmo grupo fiscal, não se encontrando aquele prazo verificado apenas pela sucessão de diversas operações de reestruturação que culminaram na constituição de um novo grupo, numa lógica de continuidade de grupos fiscais. E a lei prescinde daquele prazo de detenção no caso de sociedades participadas que nasçam no seio do grupo, sendo que naquela lógica de continuidade, o facto de a Requerente ter passado a ser considerada dominante é equivalente, para todos os efeitos, como tendo a participada sido “constituída” no interior de um grupo fiscal em que seria irrelevante o cumprimento daquele período. A não ser assim, não seria compreensível o disposto no artigo 69.º, n.º 10, do Código do IRC, que permitiria a continuidade do grupo no caso de a sociedade dominante passar a ser dominada e já não o caso de a sociedade dominada passar, ela própria, a ser dominante, separando-se do grupo onde se encontrava. Quanto à existência de prejuízos, teria sido a própria AT a vincular-se, na resposta a um pedido de informação vinculativa, no sentido de que a saída do grupo em que inicialmente se encontrava a D..., implicava a perda dos prejuízos fiscais reportáveis.
d) No que respeita ao procedimento de inspecção em si considerado, os SIT não teriam respeitado o prazo máximo de 1 ano para a sua realização previsto no artigo 36.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCIPTA”), já que aquele teve a duração de mais de 32 meses desde o início da inspecção efectuada à esfera individual da Requerente, e mais de 12 meses desde o início da inspecção ao grupo, o que não se poderia admitir por legal, com evidentes consequências ao nível da contagem de juros compensatórios nos termos do artigo 35.º, n.º 7, da LGT.
e) Por fim, a AT não teria procedido ao acto de determinação da matéria tributável nos termos do artigo 16.º, do Código do IRC, o que constituía a preterição de uma formalidade essencial que inquina de nulidade o acto de liquidação, uma vez que não existe um acto de fixação da matéria colectável que o fundamente.
6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por excepção, arguindo a incompetência do tribunal em razão do valor da causa e a inimpugnabilidade parcial do ato de liquidação relativamente à correção efectuada ao abrigo do artigo 64.º, n.º do Código do IRC, tendo concluído pela absolvição da instância. Defendeu-se ainda por impugnação, concluindo pela improcedência da presente acção e consequente absolvição de todos os pedidos na eventualidade de o tribunal não considerar procedentes as excepções dilatórias invocadas.
Atenta a natureza da matéria controvertida, a Requerida não solicitou a produção de quaisquer provas adicionais, tendo apenas procedido à junção aos autos do respectivo processo administrativo. Nestes termos, a Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
A Requerente pretende com o presente pedido de pronúncia arbitral obter a anulação parcial dos actos de liquidação já anteriormente identificados peticionando, entre outros, a declaração de ilegalidade da exclusão do perímetro do grupo para efeitos do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) da sociedade D... . Sucede que a sociedades E..., S.A. (antes designada por F...) e a sociedade G..., S.A., eram detidas em 100% por aquela e, nessa medida, integravam o grupo fiscal da Requerente, já que eram por esta detidas indirectamente nos termos do artigo 69.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRC. Desta forma, a exclusão da D... do RETGS implicou igualmente a exclusão destas duas sociedades, de tal forma que caso o Tribunal Arbitral venha a julgar procedente o pedido da Requerente a este respeito, aquelas duas sociedades serão necessária e consequentemente incluídas no perímetro do grupo. Assim sendo, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT, a fixação do valor do processo teria que ter em consideração o montante contestado quanto aos actos de fixação da matéria tributável daquelas duas sociedade e que não deram origem a imposto a pagar, em concreto, a correcção operada ao lucro tributável da E..., S.A. no valor de € 48.682.048,01, bem como a correcção ao prejuízo fiscal apurado pela G..., S.A. no valor de € 433.579,43. Tendo em conta as correcções à matéria colectável contestadas pela Requerente no valor de € 9.393.652,45, a inclusão dos referido montantes implicaria que o valor da causa fosse superior ao montante de € 10.000.000,00 referido no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, enquanto limite de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, o que implicaria a incompetência do tribunal arbitral e a absolvição da Requerida da instância.
No que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade das correcções operadas ao aumento de capital em espécie na C..., S.A., por via de uma entrada de activos que envolveu a transmissão onerosa de imóveis, a AT procedeu à correcção do valor atribuído pela Requerente a alguns deles pelo respectivo VPT, ao abrigo do artigo 64.º, n.º 2, do Código do IRC, com fundamento no facto de o VPT ser superior àquele valor. Desta forma, a Requerente deveria ter recorrido previamente ao procedimento de ilisão daquela norma nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do Código do IRC, sob pena de inimpugnabilidade do acto tributário quanto a essas correcções. Desta forma, verificar se ia também quanto a esta parte do pedido uma excepção dilatória que determina a absolvição parcial da instância nos termos do artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA e do artigo 576.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) e e), do RJAT.
A AT defendeu-se ainda por impugnação, referindo a respeito da exclusão da sociedade B... do RETGS, que a interpretação defendida pela Requerente em relação ao artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, no sentido da não abrangência das sociedades que fossem dissolvidas e liquidadas em simultâneo mas tão só daquelas que fossem dissolvidas e, dessa forma, entrassem na fase de liquidação, constituiria a uma restrição do alcance da norma pelo intérprete em substituição do legislador, num caso em que este último não operou qualquer distinção. Por outro lado, a dissolução e liquidação simultânea da sociedade implicou a cessação de actividade por parte desta com a transferência global do seu património para a Requerente, pelo que no momento da verificação do facto tributário, isto é, no último dia do período de tributação, a B... já não fazia parte do perímetro do grupo, de tal forma que o prejuízo fiscal que aquela sociedade tinha apurado não poderia concorrer para o resultado do grupo, sendo assim legal a correcção operada.
Relativamente à correcção das mais-valias resultantes da entrada de activos na C..., S.A., (“C...”) entendeu a AT que a afirmação da Requerente de que nesta operação não existe um “preço” mas sim um “valor de mercado” se resumia a uma questão de semântica, já que não deixava de ser uma contraprestação, devidamente quantificada, a entregar pela sociedade beneficiária, em partes de capital. Por outro lado, o preço global estabelecido para o ramo de actividade transmitido teve por base a avaliação individual de cada um dos bens móveis e imóveis, tangíveis e intangíveis, sendo as mais e menos-valias apuradas relativamente a cada um deles, tendo a sociedade beneficiária de os registar individualmente na contabilidade. Neste sentido, não seria procedente o argumento de que a entrada de activos implicava uma transferência de uma universalidade de bens de natureza incindível, cujo valor reflecte o goodwill ou badwill do conjunto e não o valor de cada bem individualmente. Tal conclusão é confirmada pelo artigo 46.º, n.º 5, alínea c), do Código do IRC, que estabelece que os ganhos ou perdas com a transmissão de elementos patrimoniais são apurados individualmente, de acordo com as regras aplicáveis a cada elemento. E estando em causa transmissões de imóveis, haveria que aplicar a presunção do artigo 64.º, n.º 2, do Código do IRC, aos casos em que o VPT fosse superior ao preço fixado, sendo certo que a Requerente sempre poderia ilidir aquela presunção por via da demonstração do preço efectivamente praticado nas referidas transmissões, nos termos do artigo 139.º, daquele código. De resto, esta presunção funciona como um limite pré-estabelecido ao preço que seria aceite em condições de plena concorrência, não fazendo sentido a referência ao regime de preços de transferência, porquanto, no âmbito da presente acção arbitral, configurada como um modo de contencioso de mera legalidade, o Tribunal tem de apreciar a fundamentação subjacente às correcções efectivamente concretizadas e não hipotéticos regimes legais que fossem eventualmente aplicáveis. Ainda a este respeito, e a par da apreciação já efectuada pelo Tribunal Constitucional, entendeu a Requerida que a derrogação do sigilo bancário imposta nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, não constitui um meio desproporcionado para a prova do preço efectivamente praticado, já que a mesma ainda se situa dentro dos limites de cooperação dos contribuintes com a AT, sem desconsiderar que aquela derrogação constitui uma faculdade e não uma obrigação, apenas sendo utilizada se permanecerem dúvidas que careçam de ser esclarecidas para a aferição do preço praticado. Por conseguinte, não seria desta forma violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva pela imposição do recurso àquele procedimento administrativo tendo em visto a abertura da via contenciosa.
Quanto à exclusão da sociedade D... e das suas participadas do RETGS, entendeu a Requerida que, apesar de não se verificar o impedimento da existência de prejuízos fiscais nas sociedades participadas nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, seria necessário ter em consideração que, embora a Requerente detivesse 100% do capital social da D..., apenas detinha as participações sociais há 135 dias, não detendo antes disso qualquer participação directa ou indirecta, enquanto sociedade dominante, naquela sociedade. Por esta razão, as correcções operadas pelos SIT são legais, porquanto não se encontra preenchido o requisito temporal de detenção temporal das sociedades participadas pela Requerente há mais de um ano, tal como exigido nos termos do artigo 69.º, n.º 3, alínea c), do Código do IRC.
Relativamente às alegadas ilegalidades do procedimento de inspecção, considerou a Requerida que constam do relatório de inspecção tributária os factos que fundamentaram a necessidade de prorrogação do procedimento de inspecção, tendo os SIT cumprido o disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 36.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”). Isto sem contar com o facto de a jurisprudência do STA considerar que o prazo de 6 meses tem natureza meramente ordenadora, não resultando qualquer ilegalidade do seu incumprimento, mas tão só a não suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação e o impedimento da realização de actos de inspecção externos, nos termos do artigo 46.º, da LGT e do artigo 36.º, n.º 7, do RCPITA, respectivamente.
Por fim, seria igualmente improcedente o alegado vício de inexistência de acto de determinação da matéria tributável exigido nos termos do artigo 16.º, do Código do IRC, já que não estava em questão um caso de avaliação da matéria tributável pela AT por via da aplicação de métodos indirectos, sendo que constam do RIT as declarações entregues pelas sociedades inspeccionadas que foram objecto de controlo pelos SIT e nas quais é efectuada essa determinação.
7. Por despacho proferido em 22 de Outubro de 2020, foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto às excepções invocadas pela Requerida, direito esse que foi exercido mediante requerimento apresentado em 3 de Novembro de 2020 com base, sumariamente, nos seguintes argumentos:
Ao contrário do defendido pela AT, no presente processo arbitral é parcialmente impugnado o acto de liquidação adicional de IRC e não um acto de fixação da matéria colectável. Desta forma, o valor a tomar em consideração para efeitos de fixação do valor do processo é o montante da liquidação cuja anulação se pretende, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT. Por conseguinte, as referências às correcções à matéria colectável visaram apenas a demonstração de como a Requerente calculou a proporção da liquidação de imposto impugnada expurgando do valor da acção a parte da liquidação correspondente a correcções não contestadas no âmbito do presente processo. Em face do exposto, não existem razões para atender ao critério do valor das correcções à matéria colectável contestadas, estabelecido na alínea b) daquele mesmo artigo, porquanto está em causa a impugnação de um acto de liquidação, sendo assim improcedente a referida excepção dilatória.
Relativamente à alegada inimpugnabilidade do acto de liquidação por falta de recurso prévio ao mecanismo consagrado no artigo 139.º, do Código do IRC, que visa a ilisão da presunção do artigo 64.º, daquele mesmo código, caberia ter em consideração que não se pretendeu efectuar a prova do preço efectivo da operação, mas sim sindicar a aplicação em si mesma daquela presunção. Quer isto dizer que a Requerente não pretende demonstrar que o VPT apresenta disparidades face ao preço efectivo, nem que a obrigação de levantamento do sigilo é desproporcional à ilisão da presunção legal de preço, mas tão só a legalidade do recurso àquela presunção, num caso em que nem existiria qualquer preço que pudesse ser discutido naquela sede. Desta forma, a imposição de recurso ao procedimento de ilisão da presunção, com o consequente levantamento do sigilo bancário da Requerente e dos seus administradores, num caso em que o mesmo se revela desnecessário, desadequado e desproporcional em sentido estrito, implicaria uma violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, já que se estaria a impor uma restrição arbitrária ao direito à reserva da intimidade da vida privada contemplado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, e ao direito à tutela jurisdicional efectiva previsto nos termos do artigo 20.º, da CRP.
8. Tendo em conta que não existia prova testemunhal a produzir e que havia sido exercido por escrito o contraditório pela Requerente em relação à matéria de excepção alegada pela Requerida, cujo conhecimento se relegou para a decisão a proferir a final, foi emitido em 9 de Novembro de 2020 despacho arbitral no qual se dispensou por desnecessidade a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, nos termos dos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.
9. Em 26 de Novembro de 2020, mediante despacho, foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, direito esse que veio a ser exercido quer pela Requerente quer pela Requerida, determinando-se ainda que a prolação da decisão arbitral ocorreria até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído. Tendo sido suscitadas pela Requerida as questões prévias da incompetência do tribunal arbitral em razão do valor e de inimpugnabilidade parcial do acto de liquidação, as mesmas são de seguida apreciadas, logo após a fixação da matéria de facto.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
11. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial anónima, residente em território português, cujo objecto principal é a comercialização por grosso de pastas celulósicas e de papel e seus derivados e afins, bem como dos produtos e materiais, directa e indirectamente, utilizados na sua produção;
b) No período que decorreu entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2015, a Requerente integrou o perímetro fiscal para efeitos do RETGS do grupo do qual era sociedade dominante a H... SGPS S.A (“H... SGPS”);
c) No período que decorreu entre 1 de Julho de 2015 e 30 de Junho de 2016, a Requerente declarou a opção pelo RETGS de um novo grupo do qual passou a ser a sociedade dominante;
d) Em virtude das operações de reestruturação, a Requerente adquiriu, em 16 de Fevereiro de 2015, 100% das participações sociais da sociedade D... SGPS, S.A. que, até aquela data, era detida em 100% pela H... SGPS;
e) Entre 1 de Janeiro e 30 de Junho de 2015 a sociedade D... SGPS, S.A. integrou o grupo fiscal da H... SGPS, sendo por esta detida directa e indirectamente durante aquele período, tendo em 1 de Julho de 2015 passado a integrar o grupo fiscal da Requerente;
f) Em 28 de Junho de 2016 a Requerente transferiu um conjunto de imóveis correspondente a um ramo de actividade para a sua participada C..., S.A., por contrapartida do aumento de capital em espécie desta última;
g) O valor atribuído ao ramo de actividade (€ 61.418.000,00) e individualmente a cada um dos imóveis foi apurado por perito avaliador externo, tendo sido fixado a alguns desses imóveis um valor de mercado inferior ao respectivo VPT, embora globalmente o valor de mercado atribuído fosse superior à soma dos VPT (correspondente a € 60.375.996,26). Esta operação constou do dossier fiscal de preços de transferência do grupo e foi confirmada por um Revisor Oficial de Contas independente, para efeitos do artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais;
h) Em 30 de Junho de 2016 a sociedade B... foi objecto de um processo de dissolução-liquidação simplificado, nos termos do artigo 148.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, com distribuição imediata dos bens à accionista, tendo a totalidade dos activos e passivos a ela pertencentes sido transferidos para a Requerente;
i) A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção de natureza externa e âmbito geral na sua esfera individual, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017..., com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais referentes aos dois períodos de tributação declarados em 2015;
j) O referido procedimento iniciou-se em 3 de Abril de 2017, tendo sido o RIT notificado à Requerente, após sucessivas prorrogações daquele procedimento, mediante o ofício n.º ... em 7 de Maio de 2018;
k) As sociedades participadas D... SGPS, S.A., E..., S.A. (antes designada por F...) e a sociedade G..., S.A., foram igualmente alvo de procedimentos de inspecção tributária, sob as ordens de serviço n.º OI2019..., n.º OI2017... e n.º OI2019..., respectivamente;
l) A Requerente, enquanto sociedade dominante do grupo I..., foi alvo de um procedimento de inspecção interno, de âmbito parcial, em 13 de Dezembro de 2018, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2018..., tendo exercido o direito de audição sobre as correcções propostas no projecto de relatório dentro do prazo conferido para o efeito;
m) Na sequência daquele procedimento a AT emitiu um acto de liquidação adicional de IRC, por referência ao período de tributação de 2015 do qual a Requerente era sociedade dominante, no valor global de € 4.769.076,34, sendo impugnado na presente acção o valor parcial de € 2.214.359,26 de IRC e juros compensatórios, decomposto nos seguintes moldes:
i) € 33.060,05 – correção na esfera individual da Requerente, referente à exclusão da participada B... do perímetro do grupo fiscal, por se encontrar liquidada, nos termos do artigo 69.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRC;
ii) € 1.798.77,23 – correção na esfera individual da Requerente, relativa à aplicação da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC; e
iii) € 383.221,97 – correção decorrente da exclusão do perímetro do grupo fiscal da sociedade D... SGPS, por incumprimento do prazo mínimo de detenção da participação, ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 4, alínea c) do Código do IRC;
n) Tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal que viesse a ser instaurado em resultado da falta de pagamento do imposto liquidado adicionalmente, a Requerente prestou garantia bancária emitida pelo Banco ..., S.A., no valor de € 5.813.179,24.
III.1.2. Factos não provados
12. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
13. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e à prova documental por estas apresentada, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos acima elencados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Considerações prévias sobre a ordem de conhecimento dos vícios alegados
14. Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT, que o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
Quanto a estes últimos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público.
Assim sendo, começar-se-á pela apreciação prévia das excepções dilatórias invocadas pela Requerida, apreciando-se de seguida os vícios imputados pela Requerente ao acto de liquidação adicional de IRC e, por fim, os vícios imputados ao procedimento de inspecção tributária.
III.2.2. Questões prévias
III.2.2.1. Excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em Razão do Valor
15. Conforme resulta dos argumentos já mencionados no âmbito do relatório da presente decisão, entendeu a Requerida que o tribunal não seria competente para a apreciação da presente causa em virtude de o valor da causa ser superior a € 10.000.000,00, isto é, ser superior ao montante referido no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, a que faz menção o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, enquanto limite de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, o que implicaria a incompetência do tribunal arbitral e a absolvição da Requerida da instância.
A resposta a esta questão está relacionada com a interpretação do artigo 97.º-A, do CPPT, aplicável à arbitragem tributária ex vi artigo 29.º, do RJAT, que, ao que aqui importa, dispõe o seguinte:
“Artigo 97.º-A
Valor da causa
1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;”
A respeito da articulação destas duas alíneas já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no acórdão proferido em 14 de Outubro de 2020, no âmbito do processo n.º 062/18.4BCLSB, no sentido de que: “(…) concatenando as disposições do artigo 97º-A e do artigo 97º, ambos do CPPT, atinente aos meios processuais tributários, verifica-se que o legislador autonomizou como meio processual na alínea b) do nº1 deste último preceito a “impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”.
Na senda de Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, vol II, em anotação ao artigo 97.º-A, secundado pelo EPGA, entendemos que só quando da fixação da matéria tributável não resulte o apuramento de imposto a pagar é que se será de adoptar o critério do “valor contestado” para determinar o valor da ação, e, nos demais casos, o valor a atender condirá com o valor da prestação pecuniária que se pretende ver anulada, o que vale por dizer, que apenas nos casos em que está em causa o acto de fixação da matéria tributável [al. b)] ou o ato de fixação dos valores patrimoniais [al. c)] é que o critério a atender é o “valor contestado”.
Por assim ser, quanto às situações abrangidas pela alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, é pacífico que as mesmas se atêm à expressão monetária da “utilidade económica imediata do pedido”.
(…) como é incontroverso, o critério contemplado na alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se pretende ver anulada (…)”. (sublinhado nosso)
O objecto imediato do presente pedido, tal como conformado pela Requerente, visa a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação adicional de IRC, no concreto montante de € 2.214.359,26. Por conseguinte, a menção às correcções operadas à matéria colectável visaram tão só determinar a proporção, para efeitos de determinação do valor do pedido, do montante do acto de liquidação que estava a ser impugnado. E mesmo que tal proporção não fosse atendida por questões de (im)praticabilidade na sua determinação, tal como sustentou a Requerida em sede de alegações finais escritas, a verdade é que nos casos em que seja impugnado o acto de liquidação e, cumulativamente, se impugnem correcções à matéria colectável que não deram origem a imposto a pagar, a determinação do valor da causa será efectuada com base na alínea a), do artigo 97.º-A, do CPPT, não se considerando para o efeito o montante contestado da matéria colectável. Neste mesmo sentido, pronunciou-se igualmente o TCA Sul, no acórdão proferido em 17 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 62/18.4BCLSB, no qual se refere no sumário que “Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, o valor da causa corresponde ao valor contestado do acto de fixação da matéria tributável, e não ao valor que o contribuinte poderá deixar de pagar no futuro a título de imposto, caso obtenha ganho de causa. (…) Mas se também for impugnada a liquidação, o valor da causa já não é determinado por esta alínea b), mas antes nos termos da alínea a), correspondendo ao valor contestado da liquidação e sem que acresça a tal valor o da parte contestada da matéria tributável.” (sublinhado nosso).
Em face do exposto, conclui-se que o valor da presente acção não excede o limite de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos termos anteriormente referidos, sendo o tribunal arbitral competente para a apreciação do presente pedido e, em consequência, improcedente a excepção dilatória invocada pela Requerida.
III.2.2.2. Excepção de inimpugnabilidade dos actos de liquidação na parte em que se encontram influenciados pela correcção respeitante ao aumento de capital em espécie na participada C...
16. Conforme decorre dos argumentos supramencionados no âmbito do relatório da presente decisão, alegou a Requerida a inimpugnabilidade parcial do acto de liquidação adicional de IRC em crise, na parte em que a Requerente impugna a aplicação do artigo 64.º do Código do IRC, já que essa impugnação pressuporia a prévia ilisão da presunção fixada por aquela norma nos termos do artigo 139.º, do Código do IRC. Em suma, o recurso à impugnação contenciosa em sede arbitral estaria necessária e obrigatoriamente dependente do recurso prévio ao procedimento de prova do preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis, exigido nos termos dos n.ºs 1, 3 e 7, do artigo 139.º, do Código do IRC.
Enquanto ponto de partida cumpre referir que a Requerente não pretende com o presente pedido efectuar a prova do preço efectivo da operação nos termos do artigo 139.º, do Código do IRC, nem pretende justificar, sem mais, a desproporcionalidade da obrigação de levantamento do sigilo bancário para operar a ilisão da presunção de preço do artigo 64.º, daquele mesmo código. Pelo contrário, a Requerente pretende sindicar a legalidade da aplicação daquela presunção em virtude de não se encontrarem previstos os respectivos pressupostos de aplicação. Isto na medida em que não teria sido acordado pelas partes qualquer preço que fosse susceptível de abuso, desde logo porque aquele não teria sequer existido na operação em questão, pelo que nem sequer seria possível provar, em sede de ilisão da presunção, e perante a concreta operação realizada, o preço que tivesse sido efectivamente praticado.
Ora, conforme se compreende, a Requerente não pretende discutir com o presente pedido arbitral o resultado da aplicação da presunção, ou seja, discutir a ilegalidade da fixação do VPT enquanto valor de transmissão de cada um dos imóveis (momento subsequente), para o qual seria necessário o prévio recurso ao procedimento ilisivo referido no artigo 139.º, do Código do IRC, mas sim a legalidade da própria aplicação da norma que estabelece a presunção (momento prévio ou antecedente). Dito de outro modo, a Requerente pretende “apenas” sindicar a subsunção da operação de entrada de activos na participada C... por contrapartida do aumento de capital em espécie desta com a correspondente emissão de acções representativas a seu favor, à norma constante do artigo 64.º, do Código do IRC, designadamente pelo facto de naquela operação não ter sido praticado qualquer preço mas, pelo contrário, um valor de mercado que teria sido determinado em conformidade com as regras de preços de transferência. Nestes termos, não se exigia o recurso prévio ao mecanismo de ilisão da presunção a que se referem os n.ºs 1, 3 e 7, do artigo 139.º, do Código do IRC, não sendo aplicável a jurisprudência do STA a este respeito, porquanto não é esse o escopo de análise da legalidade que a Requerente pretende com o presente pedido de pronúncia arbitral, isto é, não é essa a ilegalidade sindicada, de tal forma que é improcedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade parcial do pedido, sendo o tribunal arbitral competente para o seu conhecimento.
III.2.2.3. Competência do Tribunal e inexistência de outras questões que obstem ao conhecimento de mérito
17. Atenta a improcedência das exceções suscitadas, o Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
III.2.3. Liquidação da Participada B... SGPS, S.A.
18. Quanto a este ponto cumpre aferir se a dissolução liquidação da sociedade participada B... implicava, ou não, a impossibilidade do seu enquadramento no grupo fiscal de que a Requerente era sociedade dominante para efeitos de aplicação do RETGS quanto ao período de tributação que decorreu entre 1 de Julho de 2015 e 30 de Junho de 2016, com a consequente exclusão, ou não, do reporte dos prejuízos fiscais que esta havia apurado. Em concreto, e tendo por base os argumentos das partes já anteriormente expostos no âmbito do relatório da presente decisão, cumpre aferir se a AT teria efectuado, de forma ilegal, uma interpretação extensiva do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, de forma a abranger não só as sociedades que tivessem sido dissolvidas mas também as sociedades que para além de dissolvidas tivessem sido liquidadas em simultâneo. Para o efeito, cumpre ter em consideração o enquadramento jurídico ao abrigo do qual ocorreu a dissolução-liquidação da sociedade participada B..., confrontando-o posteriormente com o teor da norma ao abrigo da qual a AT fundamentou a sua exclusão do RETGS.
A respeito da referida operação dispõe-se no Código das Sociedades Comerciais que:
“Artigo 148.º
(Liquidação por transmissão global)
“1 - O contrato de sociedade ou uma deliberação dos sócios pode determinar que todo o património, activo e passivo, da sociedade dissolvida seja transmitido para algum ou alguns sócios, inteirando-se os outros a dinheiro, contanto que a transmissão seja precedida de acordo escrito de todos os credores da sociedade.
2 - É aplicável o disposto no artigo 147.º, n.º 2.”.
Enquanto ponto de partida, cumpre desde logo referir que os conceitos de dissolução e de liquidação são, efectivamente, conceitos jurídicos autónomos, próprios do Direito das Sociedades Comerciais, que devem ser interpretados tendo em conta o sentido que aí lhes é conferido em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT. Enquanto o conceito jurídico de dissolução respeita à modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade, que se consubstancia na passagem da sociedade à fase de liquidação do respectivo património, este último conceito respeita ao período no qual são praticados os actos necessários à cessação da sua existência, com o pagamento das dívidas da sociedade e com a partilha dos activos remanescentes pelos sócios, no caso de estes existirem. Assim sendo, visa-se com a fase de liquidação a cessação gradativa da actividade da sociedade, que culminará com a extinção da personalidade jurídica desta através do respectivo registo da liquidação. Não obstante, poderá verificar-se que a dissolução e liquidação da sociedade ocorram em simultâneo, através de procedimentos simplificados de liquidação, tal como ocorreu no presente caso com a sociedade B... através de uma liquidação por transmissão global nos termos do mencionado artigo 148.º, do Código das Sociedades Comerciais, com a consequente transmissão da totalidade do património daquela para a Requerente.
Por seu turno, no que respeita à delimitação negativa das condições de aplicação do RETGS, dispõe-se no Código do IRC que:
“Artigo 69.º
Âmbito e condições de aplicação
1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.
(…)
4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
a) Estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;”.
Conforme resulta da leitura da alínea a), do n.º 4, deste último artigo, verifica-se que a mesma abrange indistintamente as sociedades que “tenham sido dissolvidas”, nada referindo a respeito do modo pelo qual se processou o subsequente procedimento de liquidação. Assim sendo, tendo por base os elementos da hermenêutica jurídica constantes do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, constata-se que de um ponto de vista estritamente literal estarão abrangidas por aquela delimitação negativa das condições de aplicação do RETGS quer as situações nas quais se proceda em primeiro lugar à dissolução da sociedade, seguindo-se o período de liquidação, quer as situações em que a dissolução e liquidação sejam simultâneas, já que independentemente do que suceda relativamente ao concreto procedimento de liquidação, certo é que em ambos os casos já ocorreu a prévia dissolução da sociedade. Em todo o caso, determina-se no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, que o intérprete não se deverá cingir à letra da lei, devendo igualmente recorrer aos demais elementos hermenêuticos por forma a “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Deste modo, e com base nos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1994, p. 185, o recurso a uma interpretação extensiva por parte da AT seria justificável se da conjugação dos elementos literal, sistemático, teleológico e histórico, “o intérprete chega[sse] à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer.”. Isto, tendo sempre em consideração o n.º 3 do artigo 9.º, do código Civil que dispõe que “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
19. Ora, da análise dos elementos constantes dos Relatórios de Inspecção Tributária, constata-se que a aplicação do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, à situação da B... não foi efectuada com base em nenhuma suposta interpretação extensiva daquela norma que visasse corrigir a letra do texto, mas tão só pela subsunção tout court daquela operação de dissolução-liquidação ao elemento normativo “tenham sido dissolvidas”. De resto, a referência efectuada pela Requerente ao disposto nos artigos 79.º e 81.º, ambos do Código do IRC, apenas permitiria justificar, quanto muito, uma interpretação restritiva daquele preceito legal, que eventualmente justificasse a exclusão da sua aplicação às sociedades dissolvidas e liquidadas em simultâneo. Isto na eventualidade de se considerarem procedentes os argumentos da Requerente de que no caso da dissolução-liquidação não se verificam as questões de ordem prática que obstam à aplicação do RETGS, nomeadamente a necessidade de cindir os períodos de tributação entre o período que decorre até à dissolução e o período que decorre entre a dissolução e o fim da liquidação; bem como a existência de um período de inactividade em que se pretende liquidar os activos da sociedade. Em todo o caso, os referidos preceitos legais não logram atingir tal pretensão, já que os mesmos visam regular e enquadrar a determinação do lucro tributável da sociedade dissolvida e em liquidação relativamente à delimitação do respectivo período de tributação, bem como a imputação do resultado da partilha aos sócios, não tendo tais normas pretensão de aplicação no que em concreto respeita ao enquadramento da sociedade para efeitos de aplicação do RETGS. E mesmo que tais normas suscitassem dúvidas a esse respeito, sempre se diria, com base numa argumentação a minori, ad maius, que se a dissolução está abrangida pela exclusão da aplicação do RETGS, e se esta consiste num estágio prévio ao procedimento de liquidação, então também estarão abrangidas por aquela proibição as sociedades que para além de dissolvidas estejam ou tenham sido liquidadas, ainda que aquelas fases tenham ocorrido de forma simultânea.
Por último, cumpre apenas referir que a aplicação do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC, aos casos em que se verifique a dissolução-liquidação simultânea da sociedade com a transmissão global e imediata dos activos e passivos aos sócios, foi confirmada no acórdão do STA, proferido no âmbito do processo n.º 0432/13.4BEAVR 0719/17, em 22 de Maio de 2019, no qual se referiu que “por força do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC que, em 2005, dispunha que “não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (…) estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas” (sendo que a redacção deste preceito legal, introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, mantém-se inalterada actualmente, constando da alínea a) do n.º 4 do artigo 69.º do Código do IRC). Ora, tendo a dissolução e liquidação da sociedade B…….. .com ocorrido no dia 15.12.2005, esta sociedade não pode fazer parte do grupo fiscal por referência ao exercício de 2005 porque no dia 31 de Dezembro, data em que se verificou o facto gerador de imposto, a sociedade já havia cessado a respectiva actividade. Ou seja, no momento em que se constituiu a relação jurídica tributária relativamente ao exercício de 2005 a sociedade B………. .com já não existia, razão pela qual não podia naturalmente integrar o perímetro do grupo fiscal relativamente a 2005”.
Tendo em conta a referida jurisprudência, a sociedade participada B... não poderia integrar o perímetro fiscal do grupo do qual a Requerente era sociedade dominante, já que no preciso momento em que foi determinada a sua dissolução-liquidação ocorreu a sua cessação de actividade com a transferência global do seu património para a Requerente, tendo aquela sido extinta, deixando assim de integrar o perímetro fiscal do grupo em decorrência do artigo do artigo 69.º, n.º 4, alínea a), do Código do IRC.
Assim sendo, e em face de tudo o exposto, considera-se improcedente este pedido formulado pela Requerente.
III.2.4. Correcção do resultado da entrada de activos na C..., S.A.
20. Quanto a este ponto cumpre sindicar a aplicabilidade da presunção de preço estabelecida no artigo 64.º, do Código do IRC a alguns dos imóveis incluídos no ramo de actividade contribuído na operação de entrada de activos da Requerente na sua participada Parque Industriais, por contrapartida do aumento de capital em espécie desta última e correspondente emissão de acções representativas do valor global daquele ramo de actividade.
A título prévio, cumpre efectuar o enquadramento jurídico-tributário da operação em questão para efeitos de apuramento de mais e menos-valias. Ao que importa, dispõe o artigo 46.º, do Código do IRC, que:
“Artigo 46.º
Conceito de mais-valias e de menos-valias
1 - Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:
(…)
2 - As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.
3 - Considera-se valor de realização:
(…)
d) Nos casos de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, o valor de mercado dos elementos transmitidos em consequência daquelas operações;
(…)
5 - Consideram-se transmissões onerosas, designadamente:
(…)
c) A transferência de elementos patrimoniais no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, realizadas pelas sociedades fundidas, cindidas ou contribuidoras;”.
Conforme se depreende da interpretação do referido preceito legal, as operações de entrada de activos nas quais são transferidos elementos patrimoniais da sociedade contribuidora para a sociedade contribuída são equiparadas ou assimiladas para efeitos fiscais a transmissões onerosas, considerando-se enquanto valor de realização para efeitos de apuramento de mais e menos valias, o valor de mercado pelo qual tenham sido transferidos os elementos patrimoniais transmitidos. Com base neste enquadramento, e tendo em conta que estava em causa uma operação intra-grupo, a Requerente solicitou a um perito independente externo a avaliação do ramo de actividade transmitido e de cada um dos imóveis que o compunham tendo em vista o apuramento do respectivo valor de mercado, tendo tal operação sido posteriormente confirmada por um Revisor Oficial de Contas independente que atestou a referida operação para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 28.º, do Código das Sociedades Comerciais, tendo aquela operação sido ainda comprovada como correspondendo a um valor de mercado em função das regras de preços de transferência estabelecidas no dossier fiscal do grupo.
Ora, tendo em conta o artigo 46.º, do Código do IRC, verifica-se que numa operação de entrada de activos não está efectivamente em causa uma transmissão de bens propriu sensu, mas sim uma operação que lhe é assimilada para efeitos fiscais, não existindo a fixação de um preço entre as partes para a transacção de um bem sendo, pelo contrário, fixado um valor de mercado ao ramo de actividade transmitido. Assim sendo, não se trata de uma mera questão de semântica entre “preço” e “valor de mercado dos elementos transmitidos” como a Requerida pretende fazer querer, estando efectivamente em causa uma diferença na qualificação jurídica da operação de entrada de activos, com impacto directo no regime jurídico aplicável ao apuramento de mais e menos-valias fiscais. A este respeito, revelam se impressivas as considerações do STA no acórdão de 2 de Março de 2011, no âmbito do processo n.º 049/10, que apesar de respeitarem a uma operação de liquidação de uma sociedade com partilha dos bens pelos sócios, são aplicáveis mutatis mutandis ao presente caso. Referiu o STA naquele acórdão que:
“(…) não houve, efectivamente, nenhum acto de venda ou alienação onerosa do prédio, gerador dos rendimentos que foram determinados pela Administração nos moldes acima expostos, tendo ocorrido um evidente erro na qualificação jurídica da operação realizada no processo de liquidação do património social, assim ficando inquinado todo o seu raciocínio sobre a sonegação da contraprestação que teria sido recebida pela sociedade e que, na realidade, o não foi”, deixando ainda assente que “(…) não se diga que é irrelevante a qualificação do acto jurídico como acto de alienação onerosa ou como adjudicação ou partilha dos bens pelos sócios, uma vez que a determinação do lucro tributável em sede de IRC é distinto nos dois casos. Enquanto na transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado o valor a considerar para efeitos de lucro tributável em sede de IRC é determinado em função dos ganhos obtidos face ao valor da contraprestação recebida (valor de realização) em conformidade com o disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea f) do CIRC, já no acto de partilha o rendimento-acréscimo é determinado em função do valor de mercado do bem partilhado (valor de realização) em conformidade com o disposto no artigo 74.º do CIRC.” [sic]
Tendo isto presente, cumpre então aferir a legalidade da aplicação da presunção de preço e do respectivo procedimento de ilisão da presunção aos imóveis incluídos naquela operação de entrada de activos cujo VPT era superior ao valor de mercado que lhes havia sido fixado. Refere-se a este respeito no Código do IRC, que:
“Artigo 64.º
Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
(…)
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”
Por seu turno, e ao que aqui importa, dispõe-se a respeito do procedimento de ilisão da presunção de preço que:
“Artigo 139.º
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.”
Aqui chegados, resta concluir que numa operação de entrada de activos não se está perante uma transmissão de bens relativamente à qual ocorreu a determinação de um “preço” entre as partes a título de contraprestação que fosse susceptível de acordo por forma a obstar a uma tributação efectiva daquela operação. Dito de outro modo, este tipo de operações, atenta a factualidade deixada assente nos presentes autos, configura um caso em que, por “natureza”, não poderia existir simulação de preço na transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, desde logo porque não foi determinado pelas partes qualquer preço. Por conseguinte, carece de sentido não só a aplicação daquela presunção, mas também a imposição do respectivo procedimento ilisivo constante do artigo 139.º, do Código do IRC, uma vez que às partes envolvidas na operação não é possível fazer prova de um “preço real e efectivo” que não existiu, já que o “bem” transmitido com a entrada de activos consistiu num conjunto de elementos que compõem um ramo de actividade relativamente ao qual a lei determina a consideração do valor de mercado. Valor esse que, de resto, foi fixado por perito independente externo, tendo o resultado da referida avaliação cumprido as regras de preços de transferência estabelecidas no dossier fiscal do grupo que visam exactamente garantir o respeito pelo arm's length principle, isto é, que os valores praticados nas operações intra-grupo são valores que correspondem a valores de mercado determinados segundo um princípio de plena concorrência, pelo que não se verifica que a fixação daquele valor tenha implicado uma diminuição ou um desvio da tributação da Requerente segundo o seu rendimento real.
Em face do exposto, julga-se procedente o pedido formulado pela Requerente, por ilegalidade de aplicação da presunção de preço constante do artigo 64.º, do Código do IRC, ao presente caso, devendo ser a liquidação adicional de IRC parcialmente anulada quanto a este concreto ponto.
III.2.5. Exclusão do perímetro do grupo para efeitos de aplicação do RETGS da sociedade participada D... SGPS, S.A.
21. A este respeito cumpre determinar se assiste razão à AT na exclusão da sociedade participada D... do perímetro fiscal do grupo para efeitos de aplicação do RETGS do qual a Requerente é sociedade dominante em virtude de não se encontrarem verificados os respectivos pressupostos de aplicação, designadamente a não detenção pela Requerente das participações sociais na sociedade participada há mais de um ano, com referência à data em que se iniciou a aplicação do RETGS, bem como a verificação de prejuízos fiscais pela sociedade dominada nos três exercícios anteriores por referência àquela mesma data.
Iniciando a análise por este último requisito, constata-se que de acordo com a posição expressa pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral e com a posição sufragada pela AT na respectiva resposta, não é controverso nos autos que não assiste razão aos serviços de inspecção tributária na parte em que fundamentam a exclusão daquela sociedade do RETGS com base na aplicação do artigo 69.º, n.º 4, alínea c), do Código do IRC. De facto, tal como referiu a Requerente e corroborou a Requerida, foi a própria AT que havia indicado em resposta a um pedido de informação vinculativa – apresentado pela sociedade K..., que integrava o grupo J... do qual a D... fazia anteriormente parte para efeitos de aplicação do RETGS e que tinha a H... SGPS enquanto sociedade dominante –, que a saída da sociedade D... do grupo fiscal onde se encontrava anteriormente implicou a perda dos prejuízos fiscais que houvessem a reportar, não sendo tais prejuízos passíveis de serem “transportados” para um novo grupo que esta viesse a integrar. Assim sendo, conclui-se que assiste razão à Requerente quando alega que as referidas correcções não poderiam ter sido efectuadas com base neste pressuposto.
Em todo o caso, o mesmo não se poderá dizer em relação à não verificação do período de detenção pela Requerente das participações sociais na D... há mais de um ano, exigido nos termos do artigo 69.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC. Conforme resulta do probatório fixado nos presentes autos (e que a este respeito traduz a factualidade apurada no âmbito do relatório de inspecção tributária que a Requerente não contestou no seu pedido de pronúncia arbitral), à data do início do período de tributação a Requerente detinha 100% das participações socias da D..., contudo, essa detenção verificava-se apenas há 135 dias, não existindo anteriormente qualquer participação directa ou indirecta no capital da social desta. Assim sendo, e ainda que não assistisse razão aos serviços de inspecção tributária a respeito da verificação de prejuízos fiscais, a verdade é que não se encontrava verificado um dos requisitos cumulativos de que depende a inclusão de uma sociedade participada no perímetro fiscal do grupo para efeitos do RETGS.
Por outro lado, não assiste razão à Requerente quando procura justificar o incumprimento daquele requisito com base nos casos em que aquele prazo é dispensado, nomeadamente nos casos em que se prescinde do prazo de detenção mínimo de um ano em virtude de a sociedade participada ter sido constituída pela Requerente ou por outra sociedade dominada no seio do grupo, porquanto a D... integrava anteriormente outro grupo fiscal, daí que as diversas operações de reestruturação efectuadas com o consequente ingresso desta no grupo fiscal do qual a Requerente passou a ser sociedade dominante tivesse de ter em consideração a verificação daquele período de detenção. Por seu turno, também não assiste razão à Requerente quando procura justificar a não aplicação daquele requisito com base no n.º 10, do artigo 69.º, do Código do IRC, em concreto pelo facto de não fazer sentido permitir a continuidade da aplicação do RETGS nos casos em que a sociedade dominante passa a ser dominada, mas já não nos casos em que a sociedade dominada, passa ela própria a ser dominante, separando-se o grupo. Ora, a referida norma não só não é aplicável ao caso dos presentes autos, como não consiste sequer no seu exacto inverso, já que a mesma é aplicável aos casos em que a sociedade dominante é adquirida por uma outra sociedade que passa a estar numa posição “superior” na hierarquia vertical do grupo, tudo se mantendo na estrutura do grupo que já existia. É por esta razão que se justifica a manutenção da aplicação do RETGS àqueles casos, não sendo tal raciocínio sequer replicável para o caso dos presentes autos em que se verificou uma série de operações de reestruturação que tenderam à formação de um novo grupo fiscal, sendo que as participações sociais detidas pela Requerente na D... não perfaziam o período de detenção necessário à sua inclusão no perímetro fiscal do grupo que havia sido criado.
Dito isto, cumpre apenas referir que o facto de a Requerente ter incluído a referida sociedade no âmbito do grupo por sucessivos períodos de tributação não impede a AT de proceder posteriormente ao controlo da conformidade daquele enquadramento, conquanto o faça dentro do período de quatro anos de que dispõe para inspeccionar e corrigir os resultados fiscais declarados pela Requerente, enquanto sociedade dominante do grupo, bem como na esfera individual de cada uma sociedades que o compõe, já que após a verificação daquele prazo ocorrerá a caducidade do direito à liquidação com base no artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Assim sendo, não se afigura censurável que por via desse controlo de conformidade a AT conclua que a sociedade dominada D... foi indevidamente incluída no perímetro fiscal da Requerente para efeitos de aplicação do RETGS apenas quanto a alguns dos vários períodos de tributação, já que os requisitos que não se verifiquem quanto a um período poderão verificar-se nos períodos seguintes.
Neste sentido, julga-se improcedente o pedido formulado pela Requerente a este respeito, confirmando-se as correcções constantes do relatório de inspecção tributária que fundamentaram o acto de liquidação adicional de IRC quanto a este concreto ponto.
III.2.5. Das ilegalidades do procedimento de inspecção tributária
22. No que respeita a este conjunto de vícios, entendeu a Requerente que os procedimentos de inspecção tributária eram ilegais na medida em que os serviços de inspecção tributária teriam violado o prazo máximo de um ano de duração do procedimento nos termos do artigo 36.º, n.º 2, do RCPITA, sem contar com o facto de que a AT não teria procedido ao acto de determinação da matéria tributável nos termos do artigo 16.º, do Código do IRC, o que constituía a preterição de uma formalidade essencial que inquinaria o acto de liquidação adicional de IRC que lhe era consequente.
A respeito do incumprimento dos prazos do procedimento de inspecção tributária já se pronunciou o STA, por exemplo, no acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 2015, no âmbito do processo n.º 0709/14, no sentido de que aqueles prazos têm apenas uma função ordenadora, sendo que a sua inobservância apenas acarreta a cessação do efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação conferido nos termos do artigo 46.º, da LGT, correndo o referido prazo desde o seu início. Posição esta que já havia sido anteriormente confirmada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 514/2008, proferido no âmbito do processo n.º 196/08, em 22 de Outubro de 2008, que considerou que a configuração do prazo de duração do procedimento de inspecção tributária como tendo natureza meramente ordenadora era conforme à constituição, não violando os princípios da proporcionalidade (em qualquer uma das suas vertentes de necessidade, adequação e de justa medida), da igualdade e da segurança jurídica. Desta forma, julga-se improcedente o pedido da Requerente quanto a este alegado vício.
Quanto à segunda questão, sucede que a determinação da matéria colectável a que se refere o artigo 16.º, do Código do IRC, já havia sido efectuada pela Requerente no âmbito dos actos de autoliquidação de IRC, sendo que a determinação do montante de benefícios e prejuízos reportáveis foi igualmente efectuada no seio dos procedimentos de inspecção tributária, tendo a AT vertido e explicado nos respectivos relatórios de inspecção as razões da sua fixação. Por conseguinte, a determinação daqueles montantes que serviram de fundamento, entre outros, às correcções constantes do relatório de inspecção tributária, encontram-se vertidas na demonstração de liquidação de IRC emitida pela AT e validamente notificada à Requerente, pelo que se julga igualmente improcedente o vício alegado pela Requerente a este respeito.
III.2.6. Juros compensatórios
23. Na sequência da emissão do acto de liquidação adicional de IRC referente ao período de tributação de 2015 do grupo do qual a Requerente era sociedade dominante, foi ainda emitida a demonstração de liquidação de juros n.º 2020..., ao abrigo da qual foram liquidados juros compensatórios no montante de € 497.480,95.
No âmbito do pedido de pronúncia arbitral, veio a Requerente peticionar a declaração de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios. Para tal, alegou que a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC implicaria a consequente ilegalidade da liquidação de juros compensatórios que a integra, porquanto teria ficado demonstrado que o imposto liquidado pela AT não era exigido, pelo que não teria existido retardamento na liquidação de imposto. Por seu turno, a liquidação de juros compensatórios pressupunha a culpa do sujeito passivo, sendo que a AT não teria provado, nem sequer alegado a existência de culpa, verificando-se, quanto muito, que teria existido uma mera divergência de critérios entre a AT e a Requerente insusceptível de fundamentar esta liquidação. Por fim, caso assim não se entendesse, sempre deveriam aqueles juros ter como data de término do seu cálculo o dia 5 de Agosto de 2018 e não o dia 23 de Dezembro de 2019, na medida em que foi no âmbito do procedimento de inspecção tributária realizado na esfera da Requerente a título individual que se apurou que aqueles eram devidos.
Por seu turno, considerou a Requerida que o facto de a conduta da Requerente se qualificar para efeitos de aplicação de infracção tributária permitia extrapolar, por ilação lógica, a existência de culpa no retardamento do imposto, não porque esta se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado. E a responsabilidade da Requerente no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido seria derivada do incumprimento das “disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento das declarações Modelo 22, como consta expressamente dos RIT”, de onde resultava demonstrada a culpa e, em consequência, a legalidade da liquidação de juros compensatórios.
A este respeito, dispõe-se na LGT que:
“Artigo 35.º
Juros compensatórios
1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Relativamente ao cumprimento do dever de fundamentação deste acto, já se pronunciou o STA no acórdão de 26 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 01364/15, no sentido de que “[n]o que toca a actos tributários de liquidação de juros compensatórios, o Supremo Tribunal Administrativo já deixou várias vezes explicitado que a fundamentação mínima exigível passa pela menção da quantia sobre a qual os mesmos incidem, do período de tempo considerado, e da taxa ou taxas aplicadas, sendo que essa menção tem de constar do próprio acto de liquidação, atenta a necessidade de a fundamentação ser contemporânea ou contextual e integrada no próprio acto (ainda que de forma remissiva para documento anexo), sendo irrelevante uma fundamentação elaborada a posteriori - cfr. os acórdãos de 21/4/2010, proc. nº 743/09; de 16/10/2010, proc. nº 830/10; de 30/11/2011, proc. nº 619/11; de 29/2/2012, proc. nº 928/11; de 14/2/2013, proc. nº 645/12; e de 9/3/2016, proc. nº 805/15”.
Ora, no presente caso verifica-se que todos esses elementos se encontram presentes no acto de liquidação de juros compensatórios em crise, indicando a AT que a liquidação destes juros incide sobre o montante de imposto de IRC liquidado adicionalmente no valor de € 4.060.387,93; que os mesmos são devidos em relação ao período de tributação que decorrer de 1 de Dezembro de 2016 a 23 de Dezembro de 2019; que a taxa utilizada para o seu cálculo foi de 4% e que o valor global de juros liquidados correspondia a € 497.480,95, referindo ainda que a referida liquidação era efectuada nos termos dos artigos 102.º, do Código do IRC e 35.º, da LGT, pelo que também se verificou a menção à respectiva base legal aplicável.
Já no que respeita à imputabilidade à Requerente do retardamento da liquidação e entrega de imposto, isto é, à existência de culpa, é entendimento do STA, sufragado, por exemplo, no acórdão de 22 de Janeiro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 01490/13, que “(…) constitui entendimento jurisprudencial pacífico (…) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (…)
Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais.”.
Dito isto, concluiu-se que assiste razão à Requerida ao ter considerado que o retardamento na liquidação e entrega do imposto se deveu a facto culposo imputável à Requerente, em virtude da verificação de inexactidões e omissões na autoliquidação de IRC que qualificaram infracções tributárias e que permitiram estabelecer a ligação entre a situação fáctica violadora da lei e o nexo necessário para a liquidação de juros compensatórios, não sendo de excluir tal culpa no caso em análise porquanto se verificou, à luz das regras de experiência e do probatório fixado, que o contribuinte tinha conhecimento e consciência da materialidade fáctica e respectivo enquadramento legal que fundamentou as correcções operadas, não se podendo considerar que tenha actuado com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais no que em concreto respeita aos pedidos que formulou e que foram julgados improcedentes.
Relativamente ao período pelo qual são devidos juros compensatórios, refere o n.º 7, do artigo 35.º, da LGT, que “Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em acção de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão.” Entendeu a este respeito a Requerente que tendo sido a falta apurada em acção de fiscalização, o período de 90 dias teria de ser calculado em função da data em que terminou o procedimento de inspecção tributária realizado à sua esfera individual e não da data em que terminou o procedimento que foi realizado à sua esfera a título de sociedade dominante do grupo e que visou consagrar na esfera deste todas as correcções que haviam sido individualmente apuradas, de tal forma que a data limite para o cálculo dos juros compensatórios se teria verificado em 5 de Agosto de 2018 e já não em 23 de Dezembro de 2019.
Ainda que as correcções a efectuar tenham sido apuradas, num primeiro momento, na esfera individual da Requerente, a verdade é que em consequência desse procedimento a AT não emitiu nenhum acto de liquidação que a onerasse, isto é, o procedimento que teve por base a esfera individual da Requerente não determinou, por si só, qualquer montante adicional de IRC a pagar. Isto, na medida em que a Requerente se encontrava abrangida, para efeitos fiscais, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades, de tal forma que o lucro tributável era determinado tendo por referência a esfera do grupo, ainda que com base na soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades a ele pertencentes, tal como determina o artigo 70.º, n.º 1, do Código do IRC. Assim sendo, uma vez efectuadas as correcções às várias sociedades que se encontram no perímetro do grupo para efeitos de aplicação do RETGS, e após serem essas correcções materializadas na esfera da sociedade dominante, é que é possível à AT determinar se existe, ou não, um montante de imposto em falta, já que poderão existir, por exemplo, prejuízos ou benefícios fiscais a reportar que impliquem a não emissão de qualquer acto de liquidação adicional de imposto. Nestes termos, o n.º 7, do artigo 35.º, da LGT, terá de ser devidamente conjugado com o n.º 1, daquele mesmo artigo, de tal forma que nos casos em que seja aplicável o RETGS, o período de 90 dias posteriores à conclusão da acção de inspecção tributária tem de ser aferido por referência ao procedimento de inspecção realizado à esfera da sociedade dominante do grupo, uma vez que só aí é possível determinar que foi retardada a “liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”. Desta forma, entende-se que não assiste razão à Requerente quanto a este concreto ponto.
Em face do exposto, conclui-se que a AT cumpriu o dever de fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios que lhe era exigido. Nestes termos, julga-se parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, devendo ser restituído à Requerente o valor de juros indevidamente liquidados por referência ao valor de IRC que não se considerou ser devido e relativamente ao qual não se verificou qualquer atraso na liquidação e entrega de imposto por parte da Requerente – valor esse que respeitava ao montante de imposto que havia sido liquidado em relação à operação de entrada de activos.
III.2.7. Indemnização por prestação de garantia indevida
23. Por fim, veio a Requerente peticionar o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, arguindo e provando para o efeito que procedeu à prestação de garantia bancária emitida pelo Banco ..., S.A., no valor de € 5.813.179,24, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal que viesse a ser instaurado.
Relativamente ao pagamento desta indemnização, dispõe-se na LGT que:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”.
Não se verificando a aplicabilidade do n.º 1, caberia determinar a existência de erro imputável aos serviços que fundamentasse o pagamento da referida indemnização nos termos do n.º 2, daquele mesmo artigo. A este respeito, referiu-se na decisão arbitral de 16 de Fevereiro de 2017, proferida no âmbito do processo n.º 239/2016-T, que a “expressão «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo», abrange todas as ilegalidades que afectem a validade da liquidação”. Assim sendo, e tendo presente que nos termos conjugados dos artigos 171.º, do CPPT, e 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o processo arbitral constitui um meio processual próprio para requerer o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, uma vez que poderá ter enquanto objecto a apreciação de pretensões referentes à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos, considera-se parcialmente procedente o pedido de indemnização pelas despesas suportadas para prestação de garantia bancária, porquanto apenas se verificou a existência de erro imputável aos serviços na concreta parte do acto de liquidação adicional de IRC que concretizou correcções ao resultado da entrada de activos na C... . Em todo o caso, não tendo sido indicado na petição inicial o montante de despesas que a Requerente efectivamente suportou com a prestação da garantia, deverá o montante de indemnização a pagar à Requerente ser fixado em sede de execução do presente julgado.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar parcialmente procedente, no valor de € 1.798.077,23 referente a IRC e juros compensatórios, o pedido de anulação (também parcial) dos atos de liquidação referentes a 2015;
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia indevida, a determinar em execução do presente julgado, na parte em que aquela garantia respeite ao IRC e juros parcialmente anulados;
c) Condenar as partes nas custas do processo, em conformidade com o respectivo decaimento.
V. VALOR DO PROCESSO
Relativamente à determinação do valor do processo deverá atender-se ao disposto no artigo 32.º, do CPTA, e no artigo 97.º A, do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de € 2.214.359,26.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 28.764,00, a cargo das Partes na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em € 5.407,63 a parte a cargo da Requerente e em € 23.356,37 a parte a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2020.
Os Árbitros
Alexandra Coelho Martins
Cristiana Maria Leitão Campos
Carla Castelo Trindade
(Relatora)