Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 83/2020-T
Data da decisão: 2021-02-04  IVA  
Valor do pedido: € 471.550,72
Tema: IVA – Direito à Dedução – Atividade Económica – Investigação e Desenvolvimento Suscetível de Exploração – Art. 20.º, n.º 1 CIVA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Álvaro Caneira e Paulo Lourenço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., doravante designada por “Requerente”, associação sem fins lucrativos com o número de pessoa coletiva ..., com sede na ..., s/n, ...-... Matosinhos, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente pretende que sejam anuladas as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), referentes aos segundo, terceiro e quarto trimestres de 2015, no valor global de € 471.550,72. Para tal, invoca vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e erro na quantificação do facto tributário.

 

Em 11 de fevereiro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT em 19 de fevereiro de 2020.

 

Por efeito da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais, incluindo os arbitrais. Com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, cessou o efeito suspensivo e foi retomada a contagem dos prazos nos termos do respetivo artigo 6.º, i.e., a partir de 3 de junho.

 

Nesta sequência, e em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 6 de julho de 2020, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de agosto de 2020.

 

                Em 6 de agosto de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho de notificação da AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT.

 

                Em 28 de setembro de 2020, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”) e apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação. Pugna pela improcedência da ação ou, caso assim não se entenda, pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, considerando ser dispensável a prova testemunhal, por não existirem factos que não resultem de documento e tratar-se essencialmente de matéria de direito.

 

                Em 1 de outubro de 2020, o Tribunal notificou a Requerente para esta se pronunciar sobre o reenvio prejudicial suscitado pela AT. Em 7 de outubro de 2020, a Requerente veio opor-se ao reenvio prejudicial por considerar não ter sido suscitada uma dúvida concreta e fundada pela Requerida, nem mencionada a norma de Direito Europeu carecida de interpretação ou de controle de validade. 

 

                Por despacho de 12 de outubro de 2020, foi agendada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com inquirição de testemunhas.

 

                Em 6 de novembro de 2020, realizou-se no CAAD a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foram ouvidas duas testemunhas, tendo sido substituída a primeira testemunha e prescindidas a segunda e quarta testemunhas. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixado o prazo para prolação da decisão arbitral tendo em conta a data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT. A Requerente foi ainda advertida em relação ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

                Em 24 de novembro de 2020, a Requerente apresentou alegações finais, nas quais mantém a posição enunciada no pedido de pronúncia arbitral, considerando-a sufragada pela prova produzida.

 

A Requerida apresentou alegações em 15 de dezembro de 2020 e conclui em linha com o entendimento que resulta da Resposta e do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega vício de índole material por violação de lei. Sustenta que o imposto suportado cuja dedução foi desconsiderada pela Requerida respeita a aquisições de bens e serviços afetos à atividade económica por si desenvolvida, de investigação aplicada, sistemática e permanente, dirigida à realização de operações tributáveis em IVA, tendo faturado no ano 2015 diversas entidades por serviços prestados. Assim, de acordo com o disposto no artigo 20.º do Código do IVA, o imposto incorrido deve ser considerado dedutível.

 

Para a Requerente, o caráter económico da atividade desenvolvida não fica comprometido pelo facto de nem todos os projetos de investigação terem sucesso e originarem faturação efetiva, desde que o objetivo visado pela investigação consista na realização de operações tributadas, conforme resulta da interpretação do Tribunal de Justiça. 

 

                A Requerente juntou dezasseis documentos e indicou quatro testemunhas.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Para a Requerida a atividade de investigação e desenvolvimento da Requerente não consubstancia uma atividade económica de prestação de serviços ficando fora do campo de incidência objetiva do IVA, atentos os seguintes indicadores:

a)            A atividade é financiada por fundos comunitários e por fundos do Orçamento do Estado português não reembolsáveis;

b)           Os projetos de investigação em curso no ano 2015 têm objetivos essencialmente científicos e não comerciais;

c)            Não se identificou aproveitamento económico dos resultados obtidos;

d)           Mesmo a existir esse aproveitamento, ele não revestiu em benefício, direto ou indireto, das entidades financiadoras;

 

Deste modo, segundo a Requerida, o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços destinados à realização dos projetos não é dedutível, nos termos previstos nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA.

 

Por outro lado, a Requerida defende que a jurisprudência do Tribunal de Justiça invocada pela Requerente não é relevante, por se referir a situações diversas, em que estão em causa estudos de viabilidade económica de uma atividade económica ou de um produto.

 

Por fim, e caso assim não se entenda, solicita o reenvio do processo ao Tribunal de Justiça para “efeitos de definir o recorte das deduções”, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), concluindo pela improcedência do pedido arbitral ou pelo reenvio ao Tribunal de Justiça.

 

II.            SANEAMENTO

 

                O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos vícios imputados aos atos de liquidação de IVA controvertidos e, no caso de a ação ser julgada procedente, no todo ou em parte, proceder à respetiva anulação, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

                As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

                A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação dos atos de liquidação adicional de IVA impugnados, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) (aplicando-se, neste caso, a respetiva alínea e)).

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           A A..., aqui Requerente, foi constituída em 29 de fevereiro de 2000 como associação civil de direito privado sem fins lucrativos encontrando-se ligada à Reitoria da ...– cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).

B.            A Requerente é uma instituição de investigação científica e de formação avançada que tem por missão o desenvolvimento da investigação de excelência, a promoção do desenvolvimento tecnológico e o apoio a políticas públicas na área das ciências do mar e ambiente – cf. RIT.

C.            De acordo com os seus estatutos, a Requerente tem por objetivos “a prestação de serviços na área da atividade de investigação científica, no âmbito das ciências do mar e meio ambiental, realização de cursos pós-licenciatura, nomeadamente a nível de mestrados, doutoramentos e pós-doutoramentos, desenvolvimento de atividades de divulgação científica e de atualização de conhecimentos, realização de ações de transferência de tecnologia para o tecido empresarial, bem como apoio à decisão a nível das empresas dos organismos estatais” – cf. RIT.

D.           À data dos factos, a Requerente estava enquadrada para efeitos de IVA no regime normal trimestral abrangido pela disciplina do artigo 23.º do Código do IVA (“sujeito passivo misto”), tendo exercido a opção pelo método da afetação real na totalidade dos bens e serviços – cf. RIT.

E.            A atividade concretamente exercida pela Requerente desdobra-se em: i) projetos de investigação e desenvolvimento; ii) organização de eventos, tais como congressos, colóquios, conferências, seminários, workshops e outros; e iii) serviços de consultoria, elaboração de estudos e ensaios, análises químicas ou biológicas da água, entre outros – cf. RIT e depoimento da segunda testemunha.

F.            A Requerente tem laboratórios próprios e desenvolve projetos de investigação com o objetivo de alcançar resultados – consubstanciados em patentes, metodologias ou soluções inovadoras – passíveis de exploração e aplicação em atividades produtivas na esfera de empresas ou entidades que os rentabilizem ou incorporem na sua atividade, procedendo, quando tal de verifique, à respetiva faturação a essas entidades – cf. RIT depoimento das duas testemunhas inquiridas.

G.           Os projetos e programas em causa enquadram-se em três áreas:

a)            Eecossistemas e qualidade ambiental. Ex: produção de plásticos orgânicos através de fontes sustentáveis (algas) marinhas, para substituir os plásticos fósseis

b)           Aquacultura. Ex: desenvolvimento de modelos preditivos de consumo alimentar do peixe, por forma a reduzir o nível de desperdício da ração do peixe criado em aquicultura e também reduzir o impacto ambiental

c)            Biotecnologia marinha. Ex: desenvolvimento de uma tinta resistente inovadora para barcos e investigação para a indústria farmacêutica.

– cf. RIT depoimento das duas testemunhas inquiridas.

H.           Normalmente os projetos e programas da Requerente têm duração plurianual, podendo decorrer diversos anos sem darem origem a faturação e, caso não sejam bem sucedidos, o seu resultado/produto pode não ser faturável – cf. RIT depoimento das duas testemunhas inquiridas.

I.             Em 2015, a Requerente desenvolveu diversos projetos no âmbito das áreas referidas que geraram nesse ano a emissão de faturação às seguintes entidades, clientes da Requerente:

a)            O programa PTDC/... /.../2012, que originou a faturação a título de prestação de serviços à B..., com sede em Peterborough, e à C..., AS, com sede em Bergen – cf. documentos 1 a 4 juntos pela Requerente;

b)           O programa D..., que originou a faturação a título de prestação de serviços à E..., LDA. – cf. documentos 5 a 7 juntos pela Requerente e depoimento da primeira testemunha;

c)            O programa ..., que originou a faturação a título de prestação de serviços à B..., com sede em Peterborough, e à C..., AS, com sede em Bergen. – cf. documentos 1 a 4 juntos pela Requerente;

d)           O programa ..., que originou a faturação a título de prestação de serviços ao BANCO F..., na Gran Canaria, à G..., S.A., à H..., LDA., à I..., LDA. e à J..., LDA. – cf. documentos 8 a 15 juntos pela Requerente e depoimento da segunda testemunha;

e)           O programa ..., que originou a faturação a título de prestação de serviços à E..., LDA., e à C..., AS, com sede em Bergen. – cf. documentos 5 a 7 juntos pela Requerente e depoimento da primeira testemunha;

f)            O programa ..., que originou a faturação a título de prestação de serviços à J..., LDA., ao BANCO F..., na Gran Canaria, à H..., LDA., à I..., LDA. e à G..., S.A. – cf. documentos 8 a 14 juntos pela Requerente e depoimento da segunda testemunha;

g)            O programa ..., que originou o contrato de prestação de serviços n.º .../2017 outorgado com o Município de ... para a realização da Ação 2 – Inventariação, Monitorização, Cartografia e Gestão da Biodiversidade Marinha, no âmbito da Operação ..., candidata ao ..., e a faturação de € 165.000,00, a que acresceu IVA – cf. documento 16 junto pela Requerente.

J.             O programa ... mencionado na alínea e) que antecede resultou no registo de uma patente a favor da Requerente, requerida em 2017 e referente a “Sistemas autónomos de alimentação de peixes de aquacultura e procedimento de funcionamento associado”, tendo em vista a subsequente rentabilização e faturação de “royalties” – cf. Patente P... PP PT... ... e PCT/IB2018/... - motor de pesquisa online no portal ...ip e depoimento da primeira testemunha.

K.            O programa ... resultou no registo de duas patentes a favor da Requerente, requeridas em 2015 e 2017 referentes a “Agente antimalárico, métodos e usos do mesmo” e a “Derivados de Pyrazinoquinazolinona com atividade antibacteriana e utilizações correspondentes”, tendo em vista a subsequente rentabilização e faturação de “royalties” – cf. Patente P...PP PT2015 ... e PCT/IB2016/... e Patente P297.0 PP PT2015 ... e PCT/IB2016/..., respetivamente - motor de pesquisa online no portal ...ip e depoimento da segunda testemunha.

L.            Em 2015, a Requerente faturou o montante total de € 300.539,35, a título de serviços prestados, dos quais € 154.702,22, respeitaram a refaturação de gastos à Universidade ..., e recebeu subsídios no montante de € 3.298.805,54, dos quais € 1.784.702,61 foram atribuídos pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – cf. RIT.

M.          Ainda no ano 2015, a Requerente deduziu nas declarações periódicas de IVA a totalidade do imposto incorrido nas aquisições de bens e serviços efetuadas no desenvolvimento da sua atividade – cf. RIT.

N.           Em 29 de maio de 2019, teve início um procedimento externo de inspeção de âmbito parcial dirigido à Requerente, abrangendo o IVA de 2015, sob a ordem de serviço OI2019..., com o objetivo de controlo declarativo, dado esta ter reportado crédito de IVA por mais de dois anos, sem ter efetuado um pedido de reembolso de IVA – cf. RIT.

O.           Na sequência deste procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada em 8 de outubro de 2019, para exercer o direito de audição, relativamente ao Projeto de Relatório com proposta de correções ao IVA apurado por aquela, em relação ao ano 2015, no valor de € 471.550,72, decomposto em:

             € 2.336,61 – referente a IVA não liquidado;

             € 471.992,11 – relativo a IVA deduzido indevidamente, por respeitar a aquisições de bens e serviços afetos a operações não económicas, fora do campo do imposto,

deduzindo-se a estes dois valores a quantia de € 2.778,00 de IVA que a AT corrigiu a favor do passivo – cf. RIT.

P.            A Requerente exerceu o direito de audição em 24 de outubro de 2019, tendo a Requerida mantido as correções propostas e emitido o Relatório de Inspeção Tributária em 30 de outubro de 2019, com despacho de concordância do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto (por subdelegação do Subdiretor de Finanças Adjunto) de 31 de outubro de 2019 – cf. RIT.

Q.           Consta do Relatório de Inspeção Tributária a seguinte fundamentação dos atos tributários:

a)            O valor de IVA liquidado na conta “2433 – IVA liquidado” não corresponde ao valor reportado na declaração periódica de IVA referente a 201506T, nem às respetivas bases tributáveis, estando em falta a diferença apurada de € 2.336,61, por omissão declarativa;

b)           Os subsídios à investigação não se subsumem ao conceito de prestação de serviços, quer quando a atividade de investigação não revista valor económico relevante, quer quando, revestindo-o, não reverta em benefício direto ou indireto do financiador – conforme despacho n.º 672/2002 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais exarado na informação de 25 de março de 2002 daquele gabinete;

c)            Em sentido idêntico se pronunciou o Advogado Geral no caso Landboden-Agradienste do Tribunal de Justiça, defendendo que os subsídios não representam a contraprestação de uma operação tributável, uma vez que a entidade subvencionada não fornece, em razão desses montantes, um serviço a um destinatário identificável;

d)           A Requerente efetua investigação “pura”, com objetivos essencialmente científicos, sem intuitos comerciais, não tendo sido identificadas vendas do resultado dessa investigação, sendo a sua atividade financiada por fundos comunitários e por fundos do Orçamento do Estado português, não reembolsáveis;

e)           Mesmo a existir aproveitamento, este não reverteu em benefício das entidades financiadoras e, em consequência, não existem operações tributáveis, pelo que essa atividade é classificada fora do campo de incidência do IVA e não confere direito à dedução do imposto suportado;

f)            A atividade de organização de congressos, colóquios, conferências, seminários, workshops e outros para divulgação de conhecimentos nas áreas da marinha e do ambiente, configuram prestações de serviços isentas de IVA, de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 14) do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução;

g)            Foi apurado o valor de € 471.992,11 relativo a “IVA indevidamente deduzido” na prossecução da atividade de investigação e desenvolvimento (fora do campo do imposto) e das atividades de organização de workshops, congressos e outros (isentas sem direito à dedução);

h)           A determinação do IVA não dedutível referido na alínea anterior foi efetuada por diferença entre o valor total do IVA deduzido e o IVA dedutível referente às prestações de serviços faturadas, com base nos centros de custos da contabilidade analítica da Requerente;

i)             Neste âmbito, foi também considerada, a favor do sujeito passivo, a dedução de IVA incorrido em bens e serviços de utilização mista (vigilância, material de escritório, eletricidade, comunicações, limpeza), por aplicação da percentagem de 8%, calculada com base no método de percentagem de dedução, resultante no valor de € 2.536,74, adicionado de € 241,26 referente a notas de crédito recebidas dos fornecedores, no total de € 2.778,00,

j)             Esta percentagem de 8% resultou do quociente de uma fração, cujo numerador corresponde aos rendimentos das prestações de serviços tributadas, de € 307.974,17, e o denominador ao somatório de todos os rendimentos e subsídios auferidos em 2015 pela Requerente, na importância de € 3.754.545,42. Para além das mencionadas prestações de serviços, o denominador compreende o rendimento dos Congressos organizados pela Requerente (€ 108.765,71), os subsídios recebidos (€ 3.298.805,54) e «outros rendimentos» (€ 39.000,00).

– cf. RIT.

R.            Em 13 de novembro de 2019, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA:

a)            Liquidação n.º..., de 12 de novembro de 2019, referente a IVA do período de 1506T, no valor de € 2.336,61;

b)           Liquidação n.º ..., de 12 de novembro de 2019, referente a IVA do período de 1509T, no valor de € 446.106,74;

c)            Liquidação n.º..., de 12 de novembro de 2019, referente a IVA do período de 1512T, no valor de € 23.107,37;

– cf. cópia dos atos de liquidação juntos pela Requerente.

S.            O IVA liquidado adicionalmente nas importâncias acima identificadas, perfazendo o total de € 471.550,72, foi objeto de compensação, diminuindo o valor do crédito de IVA declarado pela Requerente – cf. cópia dos atos de liquidação juntos pela Requerente.

T.            Inconformada com as liquidações de IVA de que foi alvo, a Requerente apresentou no CAAD, em 10 de fevereiro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

               

Com relevo para a decisão não se identificaram factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes, nas posições por estas assumidas em relação aos factos e nos depoimentos das duas testemunhas inquiridas K..., investigador da Requerente desde 2003, e L..., Técnica Superior da Requerente desde 2002 e gestora de diversos projetos. 

 

As testemunhas revelaram conhecimento direto e circunstanciado dos factos relatados, explicando com suficiente grau de detalhe os múltiplos projetos em que intervieram no seio da Requerente. Forneceram um retrato credível da atividade efetivamente exercida pela Requerente e das suas aplicações práticas e evidenciaram a conexão dos projetos de investigação em que participaram com os serviços subsequentes prestados e faturados pela Requerente a empresas e a outras entidades institucionais.

 

Neste âmbito, salientaram a finalidade geral de desenvolvimento comercial dos projetos que prosseguem, dando exemplos concretos das áreas de investigação com objetivos de futura utilização pela indústria, como a produção de plásticos orgânicos através de fontes sustentáveis (algas) marinhas, para substituir os plásticos fósseis; ou o desenvolvimento de modelos preditivos de consumo alimentar do peixe, por forma a reduzir o nível de desperdício da ração do peixe criado em aquicultura e reduzir o impacto ambiental, ou o desenvolvimento de uma tinta para barcos mais resistente e duradoura, ou ainda a investigação específica para a indústria farmacêutica.

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            QUESTÕES A DECIDIR

 

A principal questão a decidir nos presentes autos respeita à qualificação da atividade de investigação e desenvolvimento desenvolvida pela Requerente e financiada em grande medida por fundos comunitários e do Orçamento do Estado português como atividade não económica na aceção do IVA, fora do campo de incidência deste imposto, com a inerente indedutibilidade dos gastos incorridos com a mesma. 

 

2.            ENQUADRAMENTO EM IVA DA ATIVIDADE DE INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA REQUERENTE

 

A fonte originária do regime comum do IVA  é a Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 , doravante designada por Diretiva IVA, produto do processo de harmonização de legislações previsto no artigo 113.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

A aplicabilidade do direito europeu está consagrada no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, encontrando-se a legislação nacional orientada ao parâmetro da Diretiva e à interpretação que da mesma faz o Tribunal de Justiça.

 

Suscita-se no caso em análise a aplicação do conceito de atividade económica, essencial ao exercício do direito à dedução do IVA que apenas é conferido aos sujeitos passivos deste imposto que pratiquem operações tributáveis ou para este efeito equiparadas.

 

Trata-se de um conceito recortado com significativa latitude pela Diretiva IVA, atenta a vocação universal deste imposto de base alargada, que visa tributar todas as transações económicas até ao estádio de consumo final.

 

O artigo 9.º da Diretiva IVA entende por «atividade económica» “qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência” .

 

Definição que é seguida de perto pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA que refere, a respeito da caracterização dos sujeitos passivos deste imposto, o exercício, de modo independente e com caráter de habitualidade, de “atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres”.

 

A atividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objetivos ou dos seus resultados . 

 

Regra geral, uma atividade é qualificada como económica quando tem caráter permanente e é realizada contra uma remuneração recebida pelo autor da operação , entendendo-se que quando efetuada a título gratuito não é enquadrável como tal .

 

Porém, como salienta SÉRGIO VASQUES “esta exigência de remuneração não se confunde com a exigência de lucro […] à incidência do imposto são irrelevantes a finalidade ou o resultado de uma qualquer atividade e, desde logo, é irrelevante que ela vise o lucro ou que seja verdadeiramente capaz de o gerar” .

 

O Tribunal de Justiça também se pronunciou sobre esta questão, concluindo que o “resultado” da operação económica não é pertinente, à luz do direito à dedução, na condição de a própria atividade estar sujeita a IVA, pelo que o facto de o sujeito passivo ter entregue um bem (ou, acrescentamos nós, um serviço) por um preço que não cobre todas as despesas e, portanto, inferior ao seu custo, não afeta o direito à dedução .

 

Assim, se o preço de entrega for inferior ao preço de custo, a dedução não pode ser limitada na proporção da diferença entre este preço e o custo, ainda que o referido preço seja consideravelmente menos elevado do que o preço de custo .

 

Por outro lado, entende o Tribunal de Justiça que as atividades preparatórias desenvolvidas antes do início da realização habitual das operações tributáveis são também elas atividades económicas, sob exigência do princípio da neutralidade, tendo por limite a boa fé do sujeito passivo, podendo ser, desde logo, exercido o direito à dedução, independentemente de não existir nessa fase qualquer faturação .

 

Na jurisprudência do Tribunal de Justiça, o sistema comum do IVA garante a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA .

 

O princípio da neutralidade impõe que as despesas de investimento efetuadas sejam consideradas atividades económicas, e seria contrário a esse princípio que as referidas atividades só tivessem início no momento em que os resultados são efetivamente explorados, quer dizer, no momento em que surge o rendimento tributável. Qualquer outra interpretação oneraria o operador económico com a despesa do IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir, e faria uma distinção arbitrária entre as despesas de investimento efetuadas antes da exploração efetiva de uma empresa e as efetuadas no decurso da referida exploração.

 

Permite-se, desta forma, que os sujeitos passivos agindo como tal deduzam o IVA suportado em relação às aquisições de bens e serviços prestados para efeitos de trabalhos preparatórios e de investimento destinados a serem utilizados no âmbito de operações tributadas. E este direito à dedução subsiste mesmo que, por razões alheias à sua vontade, o sujeito passivo jamais tenha feito uso de tais bens e serviços para realizar operações tributadas.

 

Compulsados os autos, constata-se que a atividade de investigação e desenvolvimento desenvolvida pela Requerente tem por objetivo a respetiva aplicação prática em diversas indústrias, seja no âmbito do desenvolvimento de produtos com menor impacto ambiental, como a produção de “plásticos orgânicos” através de algas marinhas, ou de processos produtivos mais eficientes e ecológicos (nomeadamente a otimização da alimentação de peixes criados em aquicultura e o desenvolvimento de tintas resistentes para revestimento de barcos) e a descoberta de novas substâncias para a indústria farmacêutica.

 

Comprovou-se, de igual modo, que esta atividade, apesar do seu caráter deficitário atual é remunerada e tem sido objeto de faturação a diversas sociedades e a entidades institucionais, de direito público ou privado. Em algumas situações verificou-se o registo de patentes com a possibilidade da sua rentabilização futura, designadamente através da cobrança de royalties.

 

As especificidades da atividade da Requerente implicam que os projetos têm uma duração extensa, que percorre diversos anos de investimento até começarem a apresentar resultados, que nem sempre são alcançados.

 

Estas características não são, porém, de molde a afastar o caráter económico da atividade, considerando a interpretação do Tribunal de Justiça, imbuída  do princípio da neutralidade, que não exige que a atividade seja lucrativa ou que seja objeto de faturação na fase preparatória ou de investimento, estendendo o conceito a estas fases preliminares, desde que o sujeito passivo esteja de boa fé em relação ao efetivo exercício da atividade e à perspetiva de exploração futura, o que notoriamente ocorre na situação vertente, não tendo a Requerida sequer colocado em causa tal pressuposto. Conclusão que se mantém mesmo no caso dos projetos que não sejam bem sucedidos e que não resultem em qualquer faturação.

 

Não é exigível, ao contrário do que refere a Requerida, que a Requerente tenha à partida encomendas e destinatários definidos e contratados para os seus projetos, para que se constate uma atividade económica. A maior parte das atividades desenvolvidas pelos operadores económicos, sujeitos passivos de IVA, não têm um cliente ou comprador assegurado num momento inicial, nem tal condição figura nas normas de incidência do Código deste imposto ou da Diretiva IVA, sendo desprovida de suporte legal. 

 

3.            O DIREITO À DEDUÇÃO E O RECEBIMENTO DE SUBSÍDIOS

 

O direito à dedução é regido pelos artigos 167.º a 172.º da Diretiva IVA, transpostos pelos artigos 19.º a 22.º do Código do IVA, e constitui o elemento estruturante fundamental que assegura a neutralidade deste imposto.

 

Como, de forma reiterada, tem declarado o Tribunal de Justiça, “o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA”. O direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado”  .

 

                Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA, o sujeito passivo tem o direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes de imposto suportados na aquisição de bens e serviços, desde que uns e outros sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.

 

Este preceito foi acolhido nos Código do IVA, cujos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1 consagram que “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, [o] imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos” (artigo 19.º, n.º 1, alínea a)), conquanto esses bens e serviços se destinem / sejam afetos à realização de operações de “[t]ransmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas” (ou à realização das operações equiparadas constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º daquele Código).

 

Como se viu supra, a atividade de investigação e desenvolvimento da Requerente constitui uma atividade económica e é tributada em IVA, conferindo o direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 do Código do IVA. Resta aferir se o financiamento de uma parte dos gastos incorridos com a prossecução dessa atividade por via de subvenções pode restringir ou limitar esse direito.

 

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, no caso de subvenções que não estão diretamente relacionadas com o preço, categoria em que são enquadráveis as subvenções no caso vertente , a Diretiva IVA só permite aos Estados Membros que restrinjam o direito à dedução quando um sujeito passivo efetue simultaneamente operações que conferem direito a dedução e operações isentas, mediante inclusão no denominador do cálculo do pro rata aplicável , nos moldes previstos no artigo 174.º, n.º 1 da Diretiva e no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA.

 

Os Estados-Membros podem também prever o estabelecimento de um pro rata distinto para cada sector de atividade, ou a dedução segundo a afetação de todos ou de parte dos bens e serviços, de acordo com o disposto no artigo 173.º, n.º 2 da Diretiva IVA.

 

Salvo o previsto nestes preceitos, não é permitida a tomada em consideração das subvenções no cálculo do IVA, pois alargar-se-ia a limitação do direito à dedução introduzindo uma exceção que excede expressamente o previsto nos artigos 174.º, n.º 1 e 173.º, n.º 2 da Diretiva IVA.

 

Na situação vertente, a Autoridade Tributária aplicou à Requerente o método da afetação real, pelo que não é convocável a fórmula de determinação do método de percentagem de dedução a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA (com correspondência no artigo 173.º da Diretiva IVA), no âmbito da qual o Tribunal de Justiça e a jurisprudência nacional admitem restrições à dedução .

 

Por outro lado, sendo a atividade de investigação e desenvolvimento totalmente tributada e sendo exclusivamente aquela à qual foram atribuídas subvenções, afigura-se ser de transpor a interpretação do Tribunal de Justiça no sentido de que uma limitação do direito à dedução neste caso (equivalente ao de um sujeito passivo com direito à dedução integral) consubstanciaria um mecanismo de limitação do direito à dedução não autorizado pela mencionada diretiva.

 

Nestes termos, conclui-se pela procedência do vício material de erro nos pressupostos invocado pela Requerente, pelos que os atos tributários são inválidos, na parte em que derivam do caráter “indedutível” do IVA incorrido nos bens e serviços adquiridos em conexão com a atividade de investigação e desenvolvimento, tributável nos moldes gerais.

 

4.            OUTRAS QUESTÕES

 

As liquidações de IVA impugnadas pela Requerente têm diversos fundamentos.

 

O primeiro respeita à falta de liquidação de IVA em operações ativas realizadas pela Requerente (quantificado em € 2.336,61).

 

O segundo refere-se à dedução indevida de IVA por afetação a atividades que não conferem o direito à dedução, e desdobra-se em dois: i) a atividade investigação e desenvolvimento, que a AT qualificou como fora do campo do imposto; e ii) a organização de congressos, colóquios e outros, que a AT entendeu ser isenta sem direito à dedução, ao abrigo do artigo 9.º, n.º 14) do Código do IVA.

 

Apesar de ter impugnado a totalidade das liquidações adicionais de IVA de 2015, a Requerente não alegou qualquer vício em relação ao primeiro fundamento (€ 2.336,61), nem à qualificação como isenta sem direito à dedução da atividade de organização de congressos e eventos similares que conduziu à indedutibilidade de uma parte do IVA corrigido pela Requerida, ainda que se afigure de valor pouco expressivo, dado o diminuto peso relativo da mesma na atividade global da Requerente. Assim, quanto a estes fundamentos e às correções de IVA associadas, a ação é improcedente não tendo a Requerente satisfeito o ónus de suscitação de vícios invalidantes que sustentem o pedido anulatório.

 

5.            SOBRE O REENVIO PREJUDICIAL

 

As principais questões de interpretação do Direito Europeu discutidas nos autos, respeitam à qualificação como atividade económica, na aceção do IVA, da atividade de investigação e desenvolvimento exercida pela Requerente e às implicações do recebimento de subsídios no direito à dedução. Tais questões encontram-se clarificadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referenciada a propósito da apreciação de cada um dos temas.

 

De acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça, a partir do Acórdão Cilfit , a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

a)            A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou

b)           O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou

c)            O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

No caso sub judice, verifica-se o preenchimento dos requisitos previstos na alínea b), podendo afirmar-se que o “ato” em questão está devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de forma firme, ou por meio de jurisprudência consolidada. Nestes termos, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial suscitado a título subsidiário pela Requerida.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), nomeadamente a relativa à aplicabilidade de entendimentos administrativos que não vinculam o Tribunal.

 

EM SÍNTESE,

 

                À face do acima exposto, conclui-se assistir razão à Requerente, em relação ao IVA deduzido que foi corrigido pela AT com fundamento no exercício de uma “atividade não económica”, que assenta numa qualificação errónea por parte desta.

 

Com efeito, a atividade de investigação e desenvolvimento prosseguida tem finalidades comerciais, registando-se o “aproveitamento económico dos resultados obtidos”. A natureza económica da atividade não é comprometida pelo seu financiamento parcial por fundos comunitários e por fundos do Orçamento do Estado português não reembolsáveis, não sendo de igual modo relevante, para este efeito, que o benefício económico não reverta para as entidades financiadoras. A atividade económica é remunerada pelas prestações de serviços realizadas a entidades públicas e privadas, clientes da Requerente, não sendo o seu caráter deficitário passível de alterar esta qualificação.

 

                À face do exposto, são parcialmente anulados os atos tributários de liquidação adicional de IVA supra identificados, referentes ao ano 2015, por vício de violação de lei (dos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1 do Código do IVA), em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, mantendo-se válida a parte das correções referentes à falta de IVA liquidado, de € 2.336,61, e ao IVA não dedutível afeto à atividade de organização de congressos e eventos similares, qualificada pela AT de isenta sem direito à dedução ao abrigo do artigo 9.º, n.º 14) do Código do IVA, a determinar em execução do presente julgado anulatório.

 

V.           DECISÃO

 

                De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação parcialmente procedente, com a consequente anulação, também parcial, dos atos de liquidação de IVA supra identificados referentes ao ano 2015, na parte em que derivam da rejeição do direito à dedução nas aquisições de bens e serviços realizadas pela Requerente em conexão com a atividade de investigação e desenvolvimento por si exercida, com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se ao processo o valor de € 471.550,72 (quatrocentos e setenta e um mil, quinhentos e cinquenta euros e setenta e dois cêntimos) correspondente ao valor das liquidações de IVA cuja anulação é peticionada pela Requerente – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

 

                Custas no montante de € 7.344,00, na proporção de € 7.270,56 (99%), a cargo da Requerida, e de € 73,44 (1%), a cargo da Requerente, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de fevereiro de 2021

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Álvaro Caneira

Paulo Lourenço