SUMÁRIO:
O n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.° do Tratado FUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no artigo 72.º do CIRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., NIF..., com morada na ..., ..., ... Bruxelas, Bélgica, (doravante designada por "Requerente") apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente pede:
a) A anulação parcial da liquidação n.º 2018..., efetuada pelo Serviço de Finanças Lisboa –..., no montante total de € 3 406,74, em vez de € 1.703,37, devendo, assim, aquele valor ser reduzido do montante de € 1.703,37, valor do presente processo;
b) A condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios devidos.
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-08-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14-10-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14-11-2019.
A AT apresentou a sua Resposta em 11.12.2019. Nela considerou que se levantavam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência invocada, que obstavam à aceitação do entendimento da Requerente sem prévia consulta ao TJUE. Assim, sugeriu a suspensão da instância arbitral e sujeição da questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE).
Por despacho de 11-12-2019, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações escritas.
Em 02.01.2020, a Requerente veio pronunciar-se sobre a Resposta da AT indicando discordar do reenvio prejudicial e pedindo novamente a condenação da AT nos termos pedidos no pedido de pronúncia arbitral.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Em 12.02.2020, foi proferida decisão de reenvio prejudicial.
Em 01.04.2021, o TJUE enviou ao Tribunal Arbitral a decisão proferida no processo C-388/19, um processo em que a situação de facto era idêntica à colocada perante o presente Tribunal, tendo questionado se seria de manter o reenvio prejudicial ou não. Este Tribunal respondeu negativamente ao TJUE por entender que, face à identidade de facto e às questões de direito suscitadas num caso e no outro, não havia necessidade de manter o pedido de reenvio prejudicial. Assim, o Tribunal encontra-se em situação de poder decidir o caso sem mais delongas.
2. Matéria de facto
Consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Requerente tem o seu domicílio fiscal na Bélgica.
B. A Requerente e os seus irmãos herdaram, por morte da sua mãe ocorrida em 23.03.2007, o prédio urbano composto por parcela de terreno destinado a construção urbana, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ... .
C. Em 06.01.2017, o prédio foi vendido pelo valor total de € 50.000,00.
D. A Requerente recebeu, pela venda da sua parcela de ¼ do prédio, a quantia de € 12.500.
E. Em 27.05.2018, a Requerente e o marido apresentaram a declaração de IRS para liquidação do imposto sobre as mais-valias realizadas.
F. A Requerente e o marido não optaram pela tributação conjunta dos rendimentos.
G. A Requerente e o marido não optaram pela tributação pelas taxas gerais de IRS.
H. O resultado da liquidação foi de € 3.406,74.
I. O imposto foi pago a 22.08.2018.
J. A Requerente apresentou reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º ...2018..., a qual foi objeto de despacho de indeferimento.
K. A Requerente interpôs recurso hierárquico ao qual foi atribuído o n.º ...2019..., o qual também foi indeferido.
L. Em 29-08-2019, A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados
Com relevância para a causa não existem factos que se tenham considerado não provados.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral e em afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de direito
A Requerente considera que a liquidação efetuada sobre os rendimentos obtidos com a venda da sua parcela do prédio é ilegal porquanto não foi aplicada a redução de 50% da matéria coletável prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS. A Requerente tem domicílio fiscal na Bélgica, sendo, portanto, não residente fiscal em Portugal.
Contudo, considera que ao não beneficiar da redução de 50% da matéria coletável prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS está ser tratada de forma discriminatória face aos residentes em Portugal. Considera ainda que esse tratamento discriminatório é violador das liberdades fundamentais previstas no direito da União Europeia. A Requerente recorda que o Supremo Tribunal Administrativo já colocou esta questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual decidiu, no âmbito do processo n.º 443/06, o seguinte: “O art. 56.º da CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado membro, no caso vertente Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente no Estado onde está situado esse bem imóvel.” “Uma vez que a tributação incide sobre uma única categoria de rendimentos dos sujeitos passivos, quer sejam residentes ou não residentes, que diz respeito às suas categorias de sujeitos passivos e que o Estado-membro de onde o rendimento coletável provém é sempre o Estado membro em causa, não existe objetivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento no que respeita à tributação de mais-valias entre as duas categorias de sujeitos passivos.”
Posteriormente, através da Lei do Orçamento do Estado para 2008, o Estado Português procedeu à alteração do artigo 72.º do CIRS através do aditamento dos números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), em que se prevê o seguinte: “13 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.” e “14- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
A Requerente entende, contudo, que esta alteração não foi suficiente para eliminar o tratamento discriminatório dos não residentes, pelo que a violação do direito da União Europeia persiste. Assim, sustenta que a única forma de garantir a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes é estes poderem, tal como os primeiros, ser tributados por apenas 50% da matéria coletável.
Na sua Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte:
• Por força da alteração introduzida ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (Orçamento de Estado para 2008), as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida a opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.
• Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2017), verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
• Assim, as alegações da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10). O n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).
• O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Como tal, para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro). Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
• A alteração legislativa introduzida ao do artigo 72º do Código do IRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12, não foi ainda alvo de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.°, 63.°, 64.° e 65.° TFUE.
• Este quadro normativo passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis: - por um lado, a Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez; - por outro lado, a Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.
• Os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e desde que optem pelo englobamento dos restantes rendimentos, quer obtidos em Portugal, quer obtidos fora de Portugal – razão pela qual esta alteração legislativa sanou a incompatibilidade que se verificava entre o regime nacional de tributação das mais-valias imobiliárias e o direito da União Europeia.
• Contudo, porque se levantam dúvidas sobre se o quadro normativo em vigor, tendo em conta a situação de facto apresentada pela Requerente, viola ou não a liberdade de circulação de capitais prevista no direito da União Europeia, a Requerida sugere que a instância seja suspensa para se proceder ao reenvio prejudicial.
Quando a questão foi analisada pelo TJUE, no âmbito do processo n.º 443/06, o regime legal português era o seguinte:
O artigo 10.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/88, de 30 de Novembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho, estabelecia: “1.Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; […] 4. O ganho sujeito a 1RS [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1; […]” Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do CIRS, estavam sujeitas a 1RS as pessoas singulares residentes em território português e as que, nele não residindo, aí obtivessem rendimentos.
O artigo 15.°, n.°s 1 e 2, do CIRS previa que, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incidisse sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, e que, tratando-se de não residentes, o 1RS incidisse unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
Nos termos do artigo 18.° do CIRS, consideram-se obtidos em território português os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.
O artigo 43.°, n.°s 1 e 2, do CIRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro, previa que: “1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. 2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.° 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.” À época, o rendimento coletável dos residentes era o resultante do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas.
Quanto aos não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a aplicação de uma taxa especial proporcional de 25%, que incidia sobre a totalidade do saldo relativo às mais-valias imobiliárias.
Em 2007, a questão foi analisada pelo TJUE . Estava em causa a tributação de rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos em Portugal por E. Hollmann através da venda de um imóvel. No ato de liquidação dos rendimentos respeitante ao ano de 2003, a Administração Tributária competente considerou a totalidade da mais-valia realizada por E. Hollmann na determinação do seu rendimento coletável, somando esse valor aos seus demais rendimentos tributáveis em Portugal.
Segundo a Administração Tributária, a recorrente no processo principal não podia invocar em seu favor o disposto no artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, pelo facto de residir noutro Estado-Membro da União Europeia e não em Portugal.
E. Hollmann impugnou o referido ato de liquidação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, tendo a impugnação sido julgada improcedente. Interpôs, então, recurso dessa sentença e, no âmbito do recurso apresentado, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O disposto no n.° 2 do artigo 43.° do [CIRS], [...], que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12.°, 18.°, 39.°, 43.° e 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado-Membro da União Europeia?»
O Tribunal de Justiça considerou ser de responder, no essencial, se os artigos 12.° CE, 18.° CE, 39.° CE, 43.° CE e 56.° CE se opõem a uma legislação nacional, como a que estava em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior àquela que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel. Tudo considerado, forneceu a seguinte resposta: “Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.” A alteração do quadro legal e do formulário da Declaração Modelo 3 de IRS em 2008
Através da Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67.º-A/2007, de 31.12), o legislador português procurou adaptar o quadro legal português à pronúncia do TJUE, o que fez aditando as seguintes normas ao artigo 72.º do CIRS:
«13 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.»
«14- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.»
Por outro lado, foi adaptado o formulário da Declaração Modelo 3 de IRS, tendo passado a existir um campo para ser exercida a opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS. Assim, para um não residente optar pela tributação à taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, é necessário declarar todos os rendimentos obtidos em Portugal e no estrangeiro. A questão concreta que a Requerente coloca é que, no seu caso, preferia ser tributada de acordo com a taxa especial prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) – no caso, de 28% - e, simultaneamente, ver reduzida a matéria coletável a 50% das mais-valias realizadas nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.
Nestes termos, ponderando as sugestões da Requerida, os processos em que a questão já se colocou anteriormente e o que atrás se referiu sobre as questões que importa apreciar, mas tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formularam-se as seguintes questões em Reenvio prejudicial:
1) Os artigos 12.° CE, 18.° CE, 39.° CE, 43.° CE e 56.° CE opõem-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que prevê que as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, fiquem, por defeito, sujeitas a um tratamento fiscal diferente daquele que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel, mas com a possibilidade de, por opção do sujeito passivo não residente, este ser tributado nos mesmos termos que um sujeito passivo residente?
2) Em concreto, as disposições de direito da União Europeia citadas opõem-se à coexistência de: (i) Uma norma que prevê a aplicação de uma taxa especial de 28% aplicável às mais valias imobiliárias realizadas por não residentes, (ii) Uma norma que prevê que o saldo das mais-valias realizadas durante um ano, respeitantes a transmissões realizadas por residentes, seja considerado em apenas 50% do seu valor, (iii) E uma norma que prevê que os residentes noutro Estado membro da União Europeia podem optar pela tributação de acordo com as taxas gerais aplicáveis aos residentes (em vez da taxa especial aplicável aos não residentes) desde que sejam englobados todos os rendimentos, incluindo os obtidos dentro e fora do território desse Estado, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes?
3) Isto é, as disposições de direito da União Europeia opõem-se a que o não residente tenha que optar entre (i) ser tributado a 100% nos termos da taxa especial? ou (ii) ser tributado a 50%, como os residentes, nos termos das taxas aplicáveis aos residentes e desde que englobe todos os rendimentos nas mesmas condições aplicáveis aos residentes? Termos em que decide suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da presente decisão, do pedido de pronúncia arbitral e documentos juntos, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, do processo administrativo, e dos requerimentos de 02-01-2020 e de 06-01-2020.
Na sequência do reenvio prejudicial, o TJUE enviou ao Tribunal Arbitral, em 01.04.2021, um acórdão proferido num caso idêntico – no âmbito do processo C-388/19. Neste Acórdão, as conclusões do TJUE foram as seguintes:
A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 18.º TFUE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (...).
Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.º, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (...).
Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (...).
Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado-Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.º TFUE
Importa recordar que o artigo 63.º TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.º TFUE.
No caso em apreço resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.
Em especial, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50% do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, previa a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28%.
Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. (...)
Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50% para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.
Resulta do artigo 65.º, n.º 1, do TFUE, lido em conjugação com o n.º 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo (...) é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (...).
Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
Resulta do exposto (...) que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais-valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. (...)
(...) há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50% previsto no artigo 43.º, n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.
(...) essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
(...) um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (...).
Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.
Parte das dúvidas que ainda se suscitavam a propósito desta temática tinham a ver com o facto de o Acórdão Hollman, do TJUE, de 11.10.2007, ter sido proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS em 2008. Contudo, a explicação agora dada pelo Tribunal de que a escolha entre um regime (que continua a ser discriminatório) e outro que o não é não elimina o efeito discriminatório do primeiro. Na realidade, o que decorre da argumentação do Tribunal de Justiça é que, nessa situação, não há uma verdadeira escolha entre dois regimes válidos (no limite, não há escolha).
Entretanto, o pleno da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, veio pronunciar-se sobre esta questão em Acórdão de 09/12/2020, proferido no processo 075/20.6BALSB, tendo uniformizado jurisprudência no sentido de considerar que «o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.° do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.o do CIRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia.»
Assim, em respeito pela primazia do direito da União Europeia sobre o direito nacional e pela autoridade interpretativa do TJUE, este tribunal faz seu o entendimento de que o regime fiscal dos artigos 43.º, n.º 2, e 72.º, nº 1, 9 e 10 do CIRS, estabelece uma discriminação injustificada entre residentes e não residentes relativamente à tributação de mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em Portugal, incompatível com os artigos combinados 63.° e 65.º do TFUE, de igual vício padecendo o facto de, para evitar que o não residente fique sujeito a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, aquele tenha que escolher entre um regime fiscal discriminatório e outro não discriminatório, devendo, por conseguinte, ser declarada a ilegalidade parcial e anulação da liquidação de IRS em crise no presente processo, com todas as consequências legais.
Mostram-se ainda preenchidos os requisitos legais de que depende, nos termos do artigo 43.º da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
4. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Declarar a ilegalidade parcial e anulação da liquidação de IRS n.º 2018..., efetuada pelo Serviço de Finanças Lisboa –..., no montante total de € 3.406,74 com todas as consequências legais;
b) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre as quantias indevidamente pagas, desde o dia em que foram pagas até ao efetivo e integral reembolso das mesmas.
5. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 3.406,74, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
6. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Lisboa, 10 de maio de 2021
A Árbitro,
Raquel Franco