DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., SA, NIF..., com sede na Rua ..., nº..., ..., no Funchal, (doravante A... ou Requerente) apresentou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação do adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) com o nº 2017..., na parte referente às 50 fracções do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lagos, melhor identificadas em baixo, no valor de € 13 361, 94,e da decisão que indeferiu o recurso hierárquico da referida liquidação.
A Requerente pede ainda a restituição da quantia paga e juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por AT ou Requerida).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 17-02-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 06-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05-08-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 13-10-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e convidadas as partes a apresentar alegações, tendo-o feito apenas a Requerente para reiterar o constante do pedido arbitral.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente, é proprietária de 50 fracções autónomas (designadas pelas letras AA, AC, AD, AE, AL, AM, AP, AQ, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BN, BR, BS, BU, BV, BX, CD, CE, CG, CH, CI, CJ, CK, CL, CM, CN, CO, CQ, CR, CS, H, I, N, O, P, Q, R, S), todas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de ..., do concelho de Lagos, que integram o empreendimento turístico B..., anteriormente designados por Apartamentos Turísticos C... (documentos n.ºs 1, 2, 3 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
B) Sendo as restantes fracções (25) que integram o empreendimento propriedade da sociedade D..., S.A.
C) O referido empreendimento encontra-se licenciado pelo Turismo de Portugal, nos termos do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, com o nome B..., com a classificação de categoria 3*, no registo de empreendimentos turísticos do Turismo de Portugal (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) A Requerente, por contrato celebrado a 01-12-2002, cedeu a exploração das referidas fracções à sociedade E..., S.A., para a sua actividade de exploração turística, compreendendo todos os componentes desta actividade, não podendo aquelas ser afectas a outro ramo de comércio ou finalidade (documentos n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) Todos os prédios urbanos referidos estão afectos a serviços de alojamento turístico.
F) A Requerente foi notificada do acto de liquidação de AIMI, com o n.º 2017..., no montante de € 15 139,24, sendo o valor de € 13 391,94, que a Requerente impugna, relativo às fracções referidas em A) (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em 03-08-2018, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia liquidada (documento n.º 7);
H) Os prédios que integram o aldeamento turístico referido estão inscritos nas matrizes prediais respectivas com indicação de «Afectação: Habitação», não tendo sido solicitada pela Requerente a alteração da respectiva classificação para «Serviços» (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) A Requerente, não concordando com a liquidação referida em E), a 21 de Novembro de 2018, deduziu o recurso hierárquico nº ...2018..., em relação ao AIMI relativo às fracções atrás referidas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) Que foi objecto de despacho de indeferimento por parte da Requerida (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
K) Em 14-02-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações que faz que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou processo administrativo.
No que concerne à não apresentação dos alvarás, ou as licenças de utilização para fins turísticos emitidas pela Câmara Municipal, o Tribunal Arbitral entendeu que a prova produzida, designadamente os documentos oficiais juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não deixam margem para qualquer dúvida razoável de que os prédios estão integrados num aldeamento turístico e se destinam à prestação de serviços característicos de hotelaria.
Em processos arbitrais, em matéria de prova, prevalece «a livre convicção dos árbitros» [artigo 16.º, alínea e), do RJAT], pelo que a prova da afectação a fins turísticos não depende da apresentação de qualquer documento.
3. Matéria de direito
Resulta da prova produzida, que não é controvertida, que os prédios relativamente aos quais foi liquidado Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) integram, um aldeamento turístico, em que se prestam serviços característicos de hotelaria [alínea A) da matéria de facto fixada].
No entanto, a afectação dos prédios que integram o aldeamento turístico que consta das respectivas matrizes prediais é de «Habitação».
A questão essencial que é objecto do presente processo consiste em saber se, apesar de os prédios referidos estarem afectos a actividade comercial e de prestação de serviços, designadamente a exploração hoteleira e turística, estão sujeitos a AIMI, por a afectação que consta das matrizes ser «Habitação».
Para resolução dessa questão é necessário esclarecer se os erros das inscrições matriciais podem ser invocados em impugnação da liquidação,
3.1. Posições das Partes
O artigo 135.º-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro) estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 135.º-B
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
O artigo 6.º do CIMI estabelece o seguinte:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
A Requerente defende, em suma, que
– os prédios referidos estão abrangidos pela norma de exclusão de AIMI prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), sendo inaplicável o n.º 1 do mesmo artigo, por integrarem um empreendimento turístico e não têm fins residenciais, mas prestação de serviços de alojamento turístico;
– o referido empreendimento encontra-se licenciado pelo Turismo de Portugal com o nome de B... e, enquanto empreendimento turístico, como qualquer Hotel ou Aparthotel, presta serviços de alojamento, de segurança, de limpeza, complementares, tem empregados, fornecedores, etc.;
– a classificação matricial dos prédios que compõem o empreendimento turístico não deve prevalecer sobre a sua vocação e aptidão exclusivamente turística;
– o erro na classificação matricial dos prédios em causa, enquadrados na espécie “habitacionais” em vez de “para serviços”, constitui vício susceptível de ser invocado e conhecido no âmbito da impugnação arbitral da liquidação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que
– a lei estabelece a incidência do imposto sobre os prédios classificados como «Habitação», à face do artigo 6.º do CIMI, independentemente da afectação que tenham, uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência;
– legislador, optou expressamente por tributar prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção;
– os prédios que integram o activo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação;
– o acto individualizado de liquidação do AIMI diferencia-se do acto de apuramento do VPT a inscrever na matriz predial, que serve de base à liquidação;
– o regime da reclamação de matrizes patente no artigo 130.º do CIMI consubstancia um verdadeiro ónus - e não uma faculdade – que deve ser observado pelos contribuintes, caso pretendam fazer prevalecer o direito de que se arrogam, isto é, a necessidade justificada de promover a alteração na matriz do prédio ou prédios de que são proprietários;
– os efeitos das reclamações apresentadas, ou das correcções promovidas pelo chefe do serviço de finanças, ao abrigo do referido artigo, só produzem efeitos na liquidação respeitante ao ano em que a mesma foi apresentada ou a rectificação foi
promovida;
– não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão da lei aprovada se determinou aquela exclusão com base apenas nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou não ao modo de funcionamento das pessoas colectivas.
3.2. Apreciação da questão
A questão que é objecto do presente processo consiste em saber se, apesar de os prédios referidos estarem afectos a actividade comercial e de prestação de serviços, nomeadamente à exploração hoteleira e turística, estão sujeitos a AIMI, por a afectação que consta das matrizes ser «Habitação».
Para resolver esta questão é necessário saber se os erros nas inscrições matriciais podem ser invocados na impugnação de actos de liquidação que nelas assentem.
Como defende a Requerente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir a possibilidade de na impugnação de actos de liquidação serem invocados vícios das inscrições matriciais, em sintonia com a interpretação que faz do princípio da impugnação unitária, enunciado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de que resulta que pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida». ( )
Por outro lado, este entendimento de que não há preclusão do direito de o contribuinte ver corrigidas as inscrições matriciais erradas, sintoniza-se com a possibilidade de os pedidos de correcção de inscrições poderem ser apresentados a todo o tempo (artigo 134.º, n.º 5, do CPPT) e as rectificações poderem ser promovidas a todo o tempo pelo chefe do serviço de finanças (artigo 130.º, n.º 5, do CIMI), como a AT reconhece na sua Resposta.
Sendo esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo pacífica e uniforme, um Tribunal que julga em 1.ª instância deve aplicá-la, naturalmente.
Aliás, neste mesmo sentido já se decidiu nos processos nºs 205/2013-T, 666/2017-T, 662/2019-T e 897/2019-T do CAAD.
Assim, tendo ficado claramente demonstrado que a indicação da afectação «Habitação» que consta das matrizes dos prédios é incorrecta e que a afectação adequada será «Para serviços», tem de se concluir que a situações dos prédios em causa se enquadra na excepção prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, pelo que está afastada a incidência de AIMI.
Consequentemente, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação na parte relativa ao AIMI referente às 50 fracções acima mais bem identificadas, de que a Requerente é proprietária, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Restituição do imposto pago
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente tem direito a restituição do imposto pago em excesso, em 03-08-2018, no montante de € 13 361, 94.
5. Direito a juros indemnizatórios
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
É verdade que foi praticado acto que agora se decide ser parcialmente ilegal. Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 6º do CIMI. E não podia agir de outro modo, considerando que da matriz dos imóveis em causa consta a afectação dos mesmos a «Habitação».
Em suma, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
Pelo que não assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.
6. Decisão
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular parcialmente a liquidação de AIMI, com o n.º 2017..., na parte que se refere às 50 fracções acima mais bem identificadas, de que a Requerente é proprietária, no montante de € 13 361, 94;
C) Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente no montante de € 13 361, 94;
D) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
E) Condenar a Requerida nas custas do processo.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 13 361, 94.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 02-02-2021
O Árbitro,
(Cristina Aragão Seia)