SUMÁRIO: A norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, incluindo a residentes em estados terceiros, é ilegal por constituir uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TJUE
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A..., residente fiscal na Bélgica, com o número de identificação fiscal português ..., solicitou a constituição de tribunal arbitral nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida);
O Requerente veio pedir ao tribunal arbitral a sindicância da legalidade dos atos tributários respeitantes às liquidações de IRS de 2017 e 2018, respetivamente, com n.º 2018..., referente ao ano de 2017 e n.º 2019..., referente ao ano de 2018, através da demonstração de liquidação n.º 2019..., considerando que estas liquidações de IRS não foram realizadas de acordo com a lei aplicável.
Com efeito, considera que os atos de liquidação correspondentes às liquidações de IRS supra identificadas enfermam de ilegalidade, por resultarem da aplicação de regras discriminatórias contrárias à lei comunitária, pelo que deverão ser anuladas na parte correspondente a 50% das mais-valias obtidas pelo Requerente, para efeitos de apuramento do IRS nos anos de 2017 e 2018.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2020/04/22, e notificado à Requerida nos termos legais em 2020/04/23.
O Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.
Nos termos e para os efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi o signatário designado Árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a sua aceitação do encargo no prazo estipulado.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 6 de agosto de 2020, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
A Requerida apresentou a sua Resposta em 2020/09/28, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 2020/11/06, considerando-se que não existia matéria de facto com necessidade de aprofundamento e por estar em causa apenas matéria de direito, foi dispensada a realização da reunião prevista noa rtº18º do RJAT, sendo as partes notificadas para apresentarem, querendo, alegações escritas.
As partes não apresentaram alegações.
II - OS FACTOS
1 – Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
O Requerente é residente fiscal na Bélgica, país identificável na Declaração no Quadro 8, B- Campo 06 - código 56), conforme assinalou na Declaração Mod. 3 de IRS, Quadro 8-residência Fiscal, campos 4 e 06, com referência ao ano de 2017;
Assinalou positivamente os campos 08, 10 e 11 da mesma declaração, indicando optar por ser tributado de acordo com as regras dos residentes.
O Requerente nesta sua 1ª declaração Mod. 3 de IRS de 2017 (Doc. 3), apresentada em 2018/07/23, entregou unicamente, além do Rosto, o Anexo G, onde inscreveu no respetivo Quadro 4, rendimentos provenientes da alienação em 2018, do imóvel urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., frações A, B, C e E, da freguesia ..., pelo valor global de 756 000,00€.
Estas frações foram adquiridas em 2016-janeiro, prelo valor global de 268 600,00€, devendo acrescer-se ao valor de aquisição o montante de 234 064,65 a título de despesas e encargos elegíveis.
O Requerente apresentou igualmente uma 1ª declaração Mod. 3 de IRS referente ao ano de 2018 (Doc 4), apresentada em 2019/06/19, que, além do Rosto, contém unicamente o Anexo G, onde inscreveu no respetivo Quadro 4 rendimentos provenientes da alienação em 2018, do imóvel urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... U fração D, da freguesia ..., pelo valor global de 190 000,00€.
Mais declarou que esta fração foi adquirida em 2016 pelo valor de 71 400,00€ e que teve 62 219,72€ de despesas e encargos com a mesma fração durante o período em que foi proprietário.
Não foram declarados rendimentos sujeitos a IRS enquadráveis em outras Categorias deste imposto.
Da primeira declaração respeitante ao ano de 2017 resultou um rendimento global de 253 335,35€ (doc. 1) e uma coleta de 70 933,89€ e na declaração de 2018 (doc. 2) foi apurado um rendimento global de 56 626,18€ determinando-se uma coleta no valor de 15 586,66€.
Entretanto, apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRS de ambos os anos, por entender que não foi respeitada a legislação aplicável, que foram indeferidas, vindo a ser notificado das referidas decisões de indeferimento, respetivamente em 10/02/2020 (doc 7) e em 17/03/2020 (doc.8).
2 - Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto e fundamentação
Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado;
O apuramento da matéria coletável atinente à liquidação impugnada decorreu com base nas declarações apresentadas pelo Requerente, cujas cópias constam nos autos;
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT)
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
III – DO PEDIDO
Como sustentação do seu pedido, o requerente alega:
As liquidações do IRS referente a 2017 e 2018, que estão na base do presente pedido de pronúncia arbitral, resultam de uma tributação que incide sobre a totalidade das mais-valias apuradas pelo Requerente em cada um daqueles anos.
No entender do Requerente, a jurisprudência é já unânime, quanto ao entendimento de que tal tributação é discriminatória e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A incompatibilidade da norma constante do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE foi inicialmente tratada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no processo n.º C- 443/06, de 11 de outubro, conhecido por Acórdão Hollmann, em resultado de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Ac. de 28/09/2006, Processo n.º 439/06).
Considera o Requerente que as alterações introduzidas no Código do IRS após a prolação do Acórdão Hollmann, nomeadamente as que resultam do disposto no n.º 8 a n.º 10 do artigo 72.º daquele código, vigentes à data dos factos, de nenhum modo permitem afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes, porque tal não acontece.
A jurisprudência nacional é profusa no sentido de considerar que o n.º 2 do artigo 43.º do Código IRS, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas a residentes em Portugal, excluindo dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado-Membro da União Europeia, viola a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TJUE.
Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes que se encontra prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63.º e 18.º do TJUE.
A ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, pelo que não restarão dúvidas que as liquidações de IRS referentes aos anos de 2017 e 2018 que são objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, carecem de fundamento legal.
Em face de todo o exposto, o Requerente considera que os atos de liquidação enfermam de ilegalidade, por resultarem da aplicação de regras discriminatórias contrárias à lei comunitária, pelo que deverão ser anuladas na parte correspondente a 50% das mais-valias obtidas pelo Requerente, para efeitos de apuramento do IRS nos anos de 2017 e 2018.
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Respondendo ao pedido arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira, alegou, resumidamente, o seguinte:
“ Em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não-residentes neste território mas residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto no n.ºs 1 e n.º 7 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais: o "regime geral de tributação", nos termos do qual, aqueles rendimentos são sujeitos a uma taxa especial de 28% e; um outro regime, de "opção de equiparação" aos sujeitos passivos não residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à "taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português", tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do n.º 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Assim, a matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias a 50% (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal, mas residentes num Estado-Membro da União Europeia.
A AT reconhece que regime inicial do artigo 72.º do CIRS, foi considerado incompatível com o Direito da União Europeia pelo acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-443/06 (acórdão Hollmann) e por esse motivo o legislador procedeu à sua alteração por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou um n.º 7 e 8;
A referida alteração legislativa permitiu aos contribuintes optar pela tributação da mais valia em 50%, desde que optassem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como os fora deste território, em virtude do que se deve considerar sanada a ilegalidade.
E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS”.
Nessa medida, segundo o regime legal em vigor, o Requerente poderia ter optado pela tributação das mais valias à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
Por outro lado, o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias proferido no processo n.º C-443/06 (acórdão Hollmann), tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
Ora, a decisão proferida no Acórdão Hollmann, refere-se a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, do artigo 72º do Código do IRS”.
A alteração operada por via da introdução dos n.º 9 e 10 (à data dos factos) do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.
Em face do exposto, salvo melhor opinião, a AT entende que o Tribunal Arbitral deve considerar que a jurisprudência supra exposta não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional, assim como, julgar não verificadas a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes que obstam à aceitação do entendimento do aqui Requerente sem prévia consulta/decisão do TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.
Em face do reenvio prejudicial já suscitado no processo n.º 598/2018-T, a Requerida pretende que o Tribunal decrete a suspensão da presente instância arbitral (cf. artigo 29º do RJAT; artigos 269º nº 1 alínea c) e nº 1 do artigo 272º do CPC) até notificação da decisão do TJUE no referido processo n.º 598/2018-T, a qual irá estabelecer interpretação vinculativa sobre a matéria, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.º do TJUE), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TJUE.
IV - SANEAMENTO
Tribunal arbitral é materialmente competente nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 e encontra-se regularmente constituído, conforme o previsto na alínea a), do artº 5º e do artº 66.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
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V – DO MÉRITO
1 - Do objeto do pedido arbitral
O signatário já se pronunciou no Procº 627/2019-T sobre os pedidos constantes nesta instância arbitral cujo objeto e pedido acessório são os mesmos. Não existem quaisquer diferenças nem quanto aos factos nem quanto ao direito.
Não se verificando desde a data da prolação da decisão no referido processo nº 627/2019-T até á presente data qualquer alteração na jurisprudência nem de natureza legislativa, passar-se-á a transcrever o teor daquela decisão arbitral por ser esse o entendimento do tribunal quanto à matéria do pedido arbitral formulado nos presentes autos.
O Requerente é um cidadão português residente na Bélgica, país da União Europeia, que apresentou um pedido de pronúncia arbitral, após indeferimento de reclamação graciosa, para que as liquidações de IRS de 2017 e 20189 sejam anuladas porque a AT efetuou essas liquidações sem considerar a sua qualidade de cidadão não residente mas residente na União Europeia, ao qual se devem aplicar as mesmas regras que são aplicadas aos residentes em território nacional quando estejam em causa rendimentos tributáveis de mais valias auferidas na venda de imóveis localizados em território nacional, para efeitos de tributação em IRS.
É este, no essencial, o objeto do pedido de pronúncia arbitral sobre o qual o tribunal se deve pronunciar.
Resultou provado que o sujeito passivo procedeu à apresentação das declarações Mod.3 de IRS dos anos de 2017 e 2018 das quais resultaram as duas liquidações impugnadas.
A AT na determinação do rendimento coletável do Requerente considerou a totalidade da mais-valia realizadas resultantes das alienações dos imóveis supra identificados, localizados em Portugal, nos anos de 2017 e 2018.
“ Alega o Requerente que, por se tratar de um residente noutro Estado-membro da União Europeia, na determinação do referido rendimento, a AT não está a agir em conformidade com o direito comunitário que impõe a regra da não discriminação entre cidadãos residentes na União, conforme determinam os Tratados e assim resulta da jurisprudência comunitária e portuguesa, nomeadamente do CAAD, uma vez que fez incidir a taxa de 28% sobre 100% daquela mais valia, quando em relação aos residentes considera apenas 50% desse valor.
Em sentido diverso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que a incompatibilidade do regime de tributação de não residentes com o Direito da União Europeia que se previa nas redações do CIRS anteriores à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que foi declarada pelo acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no processo C-443/06 (caso Hollmann) já foi alterado com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 72.º (a que correspondem os n.ºs 9 e 10, na redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro), mas que o sujeito passivo optou pela regime geral de tributação.
O quadro legal que estabelece a incidência objetiva do rendimento proveniente de mais valias está contemplado no artigo 10.º, n.º 1 alínea a) do CIRS: «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».
Para a consideração das regras referentes à incidência subjetiva, importa ter em conta os termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, quando estabelecem que para os sujeitos passivos residentes, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor».
Há a considerar ainda, para os não residentes, a previsão do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».
Quanto aos não residentes, o regime legal inclui ainda as disposições contidas nos nº 9 e 10º (atuais 14 e 15) do artº 72º (redação à data) CIRS, a saber:
9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
Após a alteração legislativa acima referida encontram-se em vigor quanto aos não residentes, no que respeita aos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos: um regime que poderemos apelidar de regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, em que são tributados esses rendimentos à taxa especial de 28%, incidente sobre a totalidade do rendimento; e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes, sendo a taxa a aplicar a que resulta do artº 72º do CIRS.
O que está também em causa na presente ação arbitral é determinar se o regime opcional de equiparação de residentes num estado da União introduzido no Código do IRS aditado pelo legislador nacional resolveu a incompatibilidade do direito interno com os Tratados, ou se, ainda assim, deve ser considerado como discriminatório.
Esta matéria, mesmo depois das alterações introduzidas no Código do IRS após o caso Hollmann, como vem referido tanto pelo Requerente como pela Requerida, tem sido objeto da pronúncia dos tribunais judiciais e arbitrais, firmando-se jurisprudência praticamente pacífica no sentido de que a opção imposta pela lei em vigor, ainda assim, constitui uma discriminação em relação aos residentes.
E é esse o entendimento que subscrevemos para o caso concreto desta instância arbitral porque, como refere o Ac.127/2012-T, do CAAD, de 14/05/2013, “ … , a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.
E, consequentemente, ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário”.
É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só na decisão acabada de citar, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 45/2012-T, 127/2012-T, 96/2015-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 399/207-T, 617/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T, 63/2019-T, 65/2019-T, 74/2019-T, 37/2019-T, 332/2019-T, 438/2019-T, 627/2019-T, 655/2019-T, 785-T, 838/2019-T, 846/2019-, 904/2019-T, 6/2020-T, ( ) não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TJUE.
Também o entendimento do STA ( ) tem vindo a ser o de que a tributação dos cidadãos portugueses não residentes no nosso país, mas residentes na União Europeia se funda em legislação incompatível com o direito comunitário porque sobre o rendimento desses sujeitos passivos está a incidir um encargo superior ao que incide sobre os cidadãos residentes, pelo que não se fazendo incidir a taxa em vigor apenas sobre 50% da mais valia realizada se viola o artº 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia.
Nem se diga que as opções fornecidas ao sujeito passivo, como refere a AT, proporcionam igualdade entre cidadão nacional residente e não residente, pois a criação de um regime opcional não afasta a incompatibilidade com o direito comunitário do nº 2, alínea a) do artº 43º que discrimina negativamente o não residente porque continua a fazer incidir a taxa sobre 100% da mais valia, no caso de não residentes, e sobre 50% no caso de residentes (vide STA, Procº 0901/11.BEALM0692/17, de 20/2/2019, citado no Proc. 846/2019-T do CAAD).
Ora, estamos neste caso perante a consideração do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, em que a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente do já decidido pelo TJUE, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação.
Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal não extensiva aos residentes em território comunitário.”
Consequentemente, os atos de liquidação do IRS de 2017 e 2018 sindicados nesta instância ao afastarem a regra da tributação de apenas de 50% da mais valia apurada com a venda de um imóvel por um residente em território comunitário encontram-se feridos de ilegalidade por vício de violação de lei.
2 - Do Reenvio prejudicial
A AT requer, subsidiariamente, o reenvio prejudicial para o TJUE com a consequente suspensão da presente instância arbitral.
No processo que estamos a transcrever como fundamento para a decisão arbitral na presente instância foi decidido não acolher o pedido de suspensão da instância com reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia dado que o TJUE ainda não proferiu qualquer decisão após a alteração legislativa efetuada no CIRS após o Acórdão Hollmann.
Porque mantemos o entendimento, julga-se não ser de acolher esse pedido, conforme fundamentação que transcrevemos:
“Como ficou dito, e é pacificamente aceite pela jurisprudência e pela doutrina, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), que a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.
Igualmente, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial
Todavia, quer a jurisprudência comunitária quer a nacional consideram que, quando a lei comunitária seja clara, exista um precedente na jurisprudência europeia, e a interpretação e a aplicação do Direito da União Europeia, já resulta da jurisprudência emitida pelo TJUE, torna-se desnecessário proceder a essa consulta.
Veja-se um recente acórdão do ST de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, atrás citado que concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da Lei n.º 67-A/2007, sem que entendesse como necessário o reenvio.
No caso em apreço, não é a criação de um regime opcional que influencia a ilegalidade da regra contida no corpo do nº 2, e alínea b) do art 43º do CIRS, sobre a qual o Tribunal de justiça já se pronunciou, ilegalidade que subsistirá quer haja regime opcional quer não haja, e é esta a alegação da Requerente para solicitar a procedência do pedido.
Portanto, estando em causa apenas uma situação que já foi apreciada no âmbito do nº 2 do artº 43º, não relevam para a consideração do reenvio prejudicial, por este caso ter ocorrido depois do aditamento dos nº 9 e 10 do artº 72º, porque a ilegalidade invocada reporta-se a um regime discriminatório, a qual se considera não sanada pela possibilidade do seu afastamento através de englobamento voluntário adicionado pela lei e por se entender continuar a ser discriminatório, dispensando a necessidade de reenvio prejudicial.
Nesta conformidade não se vê necessidade de reenvio prejudicial, indeferindo-se, pelas razões expostas, o pedido da AT”.
3 – Do pedido de reembolso e juros indemnizatórios
Complementarmente, o Requerente cumula o pedido de decisão anulatória com o pedido de condenação da AT no reembolso das importâncias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento da coleta até à data da respetiva restituição.
Dispõe a alínea b) do art. 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».
É isto que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, quando prevê que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Mesmo que o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é pacífico na doutrina e jurisprudência que deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.
Aliás, é essa a interpretação que coincide com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, quando diz que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Portanto, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.
Ora, sobre esta matéria a jurisprudência tem sido pacífica, tendo em conta o artº 43.º da LGT, que prevê que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Considera-se o erro é imputável à administração quando o mesmo não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto ou de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
Como é bom de ver, resultou dos atos tributários contestados a obrigação de pagamento de um valor de imposto superior ao que seria devido sem o cometimento das ilegalidades apontadas.
Nesta conformidade, enfermando as liquidações impugnadas de vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito imputável à Autoridade Tributária, e tendo o imposto sido pago, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante por se encontrarem verificados os requisitos do artº 43º da LGT.
4 - Questões de conhecimento prejudicado
O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da solução dada à questão relativa aos pressupostos da tributação do rendimento do Requerente pelo regime aplicável aos não residentes, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.
VI - DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação do IRS de 2017 e 2018.
b) Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas;
c) Julgar ainda procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão do reembolso.
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
VII - VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em €43 260,22, montante correspondente ao valor das liquidações impugnadas.
VIII - CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00,
nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem
Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 1/02/2021
O Árbitro Singular
José Ramos Alexandre