Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 763/2019-T
Data da decisão: 2020-12-30  IVA  
Valor do pedido: € 1.312.080,85
Tema: IVA – Dedução indevida; extensão da inspeção; caducidade do direito à liquidação; requisitos formais da renúncia à isenção de IVA em operações imobiliárias.
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SUMÁRIO:

I.             A extensão do procedimento de inspecção, englobante de um ou mais períodos de tributação, respeita aos actos tributários ou em matéria tributária dele decorrentes, não aos factos relevantes para as correcções à matéria tributável ou ao imposto e às liquidações praticadas, factos esses que não têm necessariamente que se localizar temporalmente no mesmo período.

II.            Para contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação resultante de correcções relativas ao exercício de dedução ou de crédito de imposto em sede de IVA, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 45.º da LGT, é relevante a data do exercício desses direitos pelo sujeito passivo na declaração periódica em que se efectiva o direito à dedução ou o reporte do excesso de imposto dedutível verificado em períodos anteriores.

III.          É susceptível de rectificação, em caso de erro material ou de escrita revelado no próprio contexto ou através das circunstâncias em que é feito, certificado de renúncia à isenção de IVA em operações relativas a bens imóveis.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Doutor Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges e João Menezes Leitão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05.02.2020, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

1. FUNDO A..., com o número de identificação fiscal ..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ..., Lisboa, representado pela sociedade gestora B..., S.A., portadora do número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Lisboa (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações posteriores (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “Requerida” ou “AT”), peticionando o seguinte:

(i) A título principal, a anulação integral da decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º..., no montante de €1.312.080,85, com referência ao período de tributação de 2014.01, em resultado da verificação dos vícios procedimentais associados à realização da inspeção tributária e/ou do vício de caducidade de que padece a aludida liquidação, com a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivessem sido cometidas as ilegalidades;

(ii) Subsidiariamente, caso não se considerem verificados os vícios supra aludidos, a anulação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IVA n.º..., com referência ao período de tributação de 2014.01, na parte correspondente ao montante de €440.812,34, em virtude de violação dos princípios da confiança, boa-fé e neutralidade e do direito à dedução do IVA de que goza o Requerente, com a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivessem sido cometidas tais ilegalidades.

 

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06.01.2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em consonância com a al. c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 05.02.2020.

 

3. Na sequência de requerimento da AT para prorrogação do prazo para a apresentação da resposta com fundamento na necessidade de recolher informação sobre o funcionamento do sistema informático nos dias em que foi alegado pelo Requerente a existência de constrangimentos informáticos para efeitos de emissão de certificados de renúncia à isenção de IVA, por despacho de 9.3.2020 foi prorrogado por 15 dias o prazo para resposta da AT.

Na resposta que apresentou, a Requerida peticionou a improcedência, por não provado, do pedido de pronúncia arbitral com a sua consequente absolvição de todos os pedidos formulados.

 

4. No dia 23.9.2020, conforme competente acta, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à produção de prova testemunhal, com inquirição, com recurso a meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, das testemunhas C... e D..., arroladas pelo Requerente, e E..., arrolada pela Requerida. 

As partes foram notificadas para apresentarem, de modo simultâneo, alegações escritas no prazo de 20 dias, o que concretizaram em 16.10.2020.

Em cumprimento do disposto no art. 18.º, n.º 2 do RJAT, o Tribunal Arbitral designou inicialmente o dia 31.10.2010 para prolação da decisão arbitral, o qual, por apenas terem decorrido 14 dias desde a apresentação das alegações, foi prorrogado, por despacho de 30.10.2020, ao abrigo do art. 21.º, n.º 2 do RJAT, pelo período de dois meses.

 

5. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).

Não foram suscitadas questões prévias e não se constatam nulidades.

Cabe, em consequência, proferir decisão sobre o mérito da causa.

 

II. Thema decidendum

 

6. O thema decidendum principal respeita à ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IVA n.º..., no montante de €1.312.080,85, com referência ao período de tributação de 2014.01, em atenção aos seguintes vícios alegados pelo Requerente:

i) violação da extensão da acção de inspecção estabelecida na Ordem de Serviço que esteve na base das correções que subjazem à liquidação adicional, com inobservância do disposto nos artigos 14.º e 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no que tange ao âmbito, extensão e fins do procedimento de inspeção;

ii) decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 94.º do Código do IVA (CIVA).

Para o caso de não procedência dos vícios acima alegados, cabe apreciar o pedido suscitado a título subsidiário de anulação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IVA n.º... na parte correspondente ao montante de €440.812,34, em virtude de violação dos princípios da confiança, boa-fé e neutralidade e do direito à dedução do IVA.

 

III. Matéria de facto

III.1. Factos provados

 

7. Examinadas as alegações formuladas nas peças processuais das partes e os documentos apresentados pelo Requerente e pela Requerida, bem como os constantes do procedimento administrativo (doravante “PA”) junto (constituído pelos ficheiros denominados “PAT RIT ..._RIN_2018-11-07”, que inclui o Relatório de Inspecção Tributária, e “PAT”, que inclui a Reclamação Graciosa), consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           O Requerente é um fundo de pensões fechado gerido pela B..., S.A. (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, a seguir abreviadamente ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

B)           O Requerente, então com a designação Fundo F..., foi constituído por escritura pública celebrada em 30 de Dezembro de 1987 (documento n.º 3, cujo teor se dá por reproduzido);

C)           O Requerente encontra-se enquadrado com o CAE 65300, o qual se refere a “fundos de pensões e regimes profissionais complementares” (factualidade reconhecida pelas partes conforme artigos 3.º do ppa e 12.º da resposta, a seguir abreviadamente r.);

D)           Em sede de IVA, o Requerente encontra-se actualmente enquadrado como sujeito passivo misto que pratica operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, tendo optado pelo método da afetação real para apurar o montante de IVA dedutível (factualidade reconhecida pelas partes conforme artigos 4.º do ppa e 13.º da r.);

E)            Desde 01-01-2013, o Requerente está ainda enquadrado no regime normal de periodicidade mensal (factualidade reconhecida pelas partes conforme artigos 5.º do ppa e 14.º da r.);

F)            O Requerente é proprietário das frações autónomas B, H, Q, U, V, W, X e AB do prédio urbano inscrito sob artigo ... (antigo artigo ...), com o código de freguesia ... (antigo código de freguesia ...), sito na ..., na margem esquerda do Rio ... ou ..., na freguesia da ..., concelho de Loures, distrito de Lisboa (conforme cadernetas prediais constantes do documento n.º 2 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

G)           As fracções referidas inserem-se no empreendimento imobiliário denominado comercialmente de “Polígono das Atividades Económicas...” que foi construído pelo Requerente (factualidade não controvertida conforme artigo 7.º do ppa e ponto II.3.4 do Relatório de Inspecção Tributária (a seguir “RIT”) junto aos autos no PA e como doc. n.º 15 ao ppa);

H)           Em resultado da aquisição e construção deste empreendimento imobiliário, o Requerente suportou IVA, durante os anos de 2006 e 2011, no montante total de € 11.256.699,12 (factualidade não controvertida conforme artigo 8.º do ppa e ponto II.3.4 do RIT e respectivo Anexo I);

I)             Sendo o Requerente administrado pela B..., S.A., com vista à maximização do seu património autónomo e tendo em consideração as regras da política de investimento reportadas no documento complementar à escritura pública de constituição do Requerente (documento n.º 3 junto com o ppa, já acima dado como reproduzido), foi decidido que as frações autónomas referidas seriam destinadas ao mercado de arrendamento (factualidade reconhecida por acordo das partes conforme artigos 9.º do ppa e 16.º da r.);

J)            Para esse efeito, desenvolveu contactos, tendo chegado a acordo (verbal) com as seguintes empresas (conforme resulta dos considerandos C) ou D) constantes das cópias dos contratos de arrendamento juntos como docs. 7, 8, 10 e 11 ao ppa):

(i) As frações B e H seriam arrendadas à sociedade G..., S.A. (portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...);

(ii) A fração Q seria arrendada à sociedade H..., S.A. (portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...); e

(iii) As frações U, V, W, X e AB seriam arrendadas à sociedade I..., S.A. (portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...);

K)           Na medida em que os imóveis iriam ser afectos pelos seus arrendatários a actividades tributáveis, as partes decidiram renunciar à isenção de IVA no arrendamento dos imóveis (factualidade reconhecida por acordo das partes conforme artigos 11.º do ppa e 17.º da r.);

L)            Antes da celebração dos respectivos contratos de arrendamento por escrito, o Requerente acedeu ao Portal das Finanças para, ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do Código do IVA, obter os certificados de renúncia à isenção do IVA para as operações de locação das fracções U, V, W, X e AB (cfr. certificados de renúncia à isenção do IVA na locação de bem imóvel juntos agregadamente no doc. n.º 4 com o ppa, cujos teores se dão como reproduzidos);

M)          Relativamente às frações B, H e Q, o Requerente efectuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA para as operações de transmissão de bem imóvel (cfr. certificados de renúncia à isenção do IVA na transmissão de bem imóvel juntos nos docs. n.ºs 5 e 6 com o ppa, cujos teores se dão como reproduzidos, bem como doc. n.º 2 junto pela Requerida com a sua r., que constitui ficheiro de logs de dados relativos ao acesso a opção de “Emissão de certidão Renúncia IVA” pelo contribuinte n.º ... nos dias 2011-08-10 e 2012-05-17, que se dá por reproduzido, e depoimento da testemunha E...; cfr. também as declarações do Requerente nos arts. 68 a 69 do requerimento de exercício do direito de audição junto como doc. n.º 14 ao ppa); com referência à fracção H o Requerente havia também efectuado a 10.08.2011 pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção de IVA para operação de locação (cfr. doc.s n.º 1 e n.º 2  juntos pela Requerida com a Resposta);

N)           O Requerente ao indicar «transmissão» como objecto dos certificados relativos às renúncias à isenção respeitantes às referidas fracções B, H e Q pretendia indicar «locação», tendo indicado como «valores da transmissão» os de € 2.075,00, € 4.731,38 e € 3.500,00 que são os valores das respectivas rendas mensais dos contratos de arrendamento que tencionava e veio a celebrar (documentos n.ºs 5, 6, 7 e 8 juntos com o ppa, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas C..., Directora Financeira, e D...);

O)           Os certificados de renúncia respeitantes às fracções B, H, Q, U, V, W, X e AB foram emitidos nos seguintes termos:

(i) No dia 10.08.2011, foram emitidos cinco certificados (referentes respetivamente às fracções U, V, W, X e AB) que diziam respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA [então era a al. 30)], aplicável às operações de locação de imóveis (documento n.º 4 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

(ii) No dia 17.05.2012, foram emitidos dois certificados (um alusivo à fracção B e outro alusivo à fracção H), que diziam respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 30) [então era a alínea 31)] do artigo 9.º do Código do IVA, aplicável às operações de transmissão onerosas de imóveis (documento n.º 5 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

(iii) No dia 20.11.2013, foi emitido um certificado (respeitante à fracção Q), que dizia respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 30) [então era a alínea 31)] do artigo 9.º do Código do IVA, aplicável às operações de transmissão onerosas de imóveis (documento n.º 6 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido);

(iv) Do teor dos certificados, composto qualquer um por uma única página, consta, no respectivo título, em cima e ao centro, em letras maiúsculas  (diferentemente do que sucede no restante texto dos mesmos), no caso dos certificados emitidos para operações de transmissão, assim: “CERTIFICADO DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO IVA NA TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL” e, mais adiante, entre o mais, consta “Identificação do Adquirente” e, ainda, “Valor da Transmissão”; por seu lado, dos certificados emitidos para operações de transmissão, assim: “CERTIFICADO DE RENÚNCIA À ISENÇÃO DO IVA NA LOCAÇÃO DE BEM IMÓVEL”, “Identificação do Locatário” e “Valor Mensal da Renda” (doc.s n.ºs 5 e 9 juntos com o ppa);

(v) Antes de os certificados serem emitidos, e após submissão do respectivo pedido pelo transmitente e/ou pelo locador, o sistema informático da Requerida gera uma notificação à contraparte na operação a cujo fim se destina o solicitado certificado, para que esta verifique e confirme, ou não, dever ser emitido o certificado como pedido (depoimentos das testemunhas C..., D... e E..., e em especial desta última);

P)           Todas as fracções referidas foram objecto de contratos de locação, conforme docs. 7 e 8 juntos com o ppa, cujos teores se dão por reproduzidos;

Q)           Relativamente às fracções B e H foi celebrado a 17-05-2012 o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a G..., S.A., em que ficou definido o prazo de 3 anos (doc. n.º 7 junto com o ppa);

R)           Relativamente à fracção Q foi celebrado em 20-11-2013 o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a H..., S.A., em que ficou definido um prazo de 5 anos (doc. n.º 8 junto com o ppa);

S)            Estes contratos de arrendamento para fins não habitacionais foram celebrados nos termos constantes do seguinte quadro:

 

T)            No contrato de arrendamento celebrado entre o Requerente e a G..., S.A., foi igualmente – juntamente com as fracções B e H - arrendada a fracção G, relativamente à qual foi obtido um certificado de renúncia à isenção de IVA respeitante a essa operação de locação, o qual foi solicitado pelo Requerente no mesmo dia 17.05.2012 poucos minutos antes de solicitados os certificados referentes às fracções B e H (doc. n.º 9 junto com o ppa e doc.s n.º 1 e n.º 2 juntos pela Requerida, cujo teor se dá como reproduzido; cfr. também O) (ii) supra);

U)           No que diz respeito às fracções U, V, W, X e AB, o Requerente celebrou, a 10-08-2011, dois contratos de arrendamento para fins não habitacionais, com a I..., S.A. (doc. n.º 10 junto com o ppa e cópia do contrato a fls. 189 e seguintes do PA, relativamente ao qual o doc. n.º 11 junto ao ppa constitui aditamento datado de 05-06-2013, cujos teores se dão como reproduzidos);

V)           O Requerente emitiu facturas pela locação de fracções autónomas do imóvel com liquidação de IVA, conforme exemplos de duas facturas de 01-09-2019 e de 01-10-2019 juntas aos presentes autos agregadamente no doc. n.º 12 ao ppa;

W)          Na sequência do arrendamento destas fracções atrás enunciadas com renúncia à isenção de IVA, o Requerente deduziu no campo 22 do quadro 06 das seguintes declarações periódicas de IVA (doc. n.º 13 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido):

(i) Referente ao período de 2012.06T, o montante de € 241.568,76 (€ 107.614,04, referente à fração B, e € 133.954,72, alusivo à fração H), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção destas fracções;

(ii) Referente ao período de 2012.09T, o montante de € 871.268,51 (€ 325.656,31, referente à fracção U; € 130.240,01, referente à fracção V; € 135.305,52, referente à fração W; € 135.305,52, referente à fracção X; € 144.761,15, referente à fração AB), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção destas fracções; e

(iii) Referente ao período de 2013.11, o montante de € 199.243,57 (referente à fracção Q), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção desta fracção;

X)           Desde os períodos em que foram efectuadas as deduções indicadas no ponto anterior, o Requerente manteve-se sempre em situação de crédito de imposto, que foi reportando para os períodos seguintes, pelo que o montante das deduções referidas no ponto anterior mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014, sendo que o reporte do período anterior (Campo 61) na declaração periódica de IVA de 201401 era de €4.031.276,79 e o crédito de imposto a recuperar (Campo 94) na declaração de 201412 era de €3.782.793,07 (asserção objectiva não controvertida conforme RIT, pp. 16, 17 e 22);

Y)            A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção externa à Requerente com base na ordem de serviço n.º OI2016..., de âmbito parcial, relativa ao ano de 2014, em sede de IVA (cfr. o RIT junto como doc. n.º 15 ao ppa e constante a pp. 3 e seguintes do PA [ficheiro PAT RIT UO..._RIN_2018-11-07]);

Z)            Este procedimento de inspecção teve origem no controlo a sujeitos passivos em situação de reporte de IVA em períodos sucessivos sem pedido de reembolso (pp. 5 e 12 do Relatório da Inspecção Tributária que consta do doc. n.º 15 junto com o ppa e a pp. 3 e seguintes do PA, cujo teor se dá como reproduzido);

AA)        Os actos de inspeção foram iniciados em 28-11-2017, com a assinatura da Ordem de Serviço, pelo representante de acordo com o art.º 52.º do RCPITA, tendo a mesma sido alterada e assinada pelo representante em 11-01-2018, face a alteração do técnico interveniente nos actos inspectivos (RIT, p. 5);

BB)         Foi ampliado o prazo da inspecção, tendo sido autorizadas, em 10-04-2018 e 31-07-2018, as prorrogações de prazo, por dois períodos de três meses, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do RCPITA, tendo as prorrogações do prazo sido notificadas ao sujeito passivo, pelos ofícios n.º..., de 10-4-2018 e n.º..., de 31-07-2018, respectivamente (RIT, p. 5);

CC)         Os actos de inspeção foram concluídos em 06-11-2018, com a assinatura da nota de diligência (RIT, p. 5);

DD)        No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:

I.4. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

Na análise efetuada, no âmbito da presente Ordem de serviço, foram detetadas algumas irregularidades, que se consubstanciaram em correções meramente aritméticas, em sede de IVA, no montante global de 1.312.080,85€ para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 2014.01, conforme se encontram descritas no ponto III deste relatório e resumem-se no seguinte quadro:

 

II.2 MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

O procedimento de inspeção teve origem no controlo a sujeitos passivos em situação de reporte de IVA em períodos sucessivos sem pedido de reembolso.

Nestes termos, de modo a validar os valores declarados em sede de IVA, foi aberta uma Ordem de Serviço externa de âmbito parcial (IVA), nos termos da alínea b) do artigo 13.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º, ambos do RCPITA, relativamente ao ano de 2014.

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Foram analisadas, de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada às circunstâncias, as áreas contabilístico-fiscais selecionadas, tendo-se detetado situações irregulares em sede de IVA, decorrentes de incumprimentos relativos à aplicação do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis (RRIIOBI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, bem como à aplicação do Código do Imposto do Valor Acrescentado (CIVA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.

III.1. Certificados de Renúncia à Isenção do IVA com Afetação Diferente daquela que ocorreu

III.1.1. Enquadramento legal em sede de IVA e do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis

O Fundo em 2014 encontra-se enquadrado, no regime normal de periodicidade mensal praticando operações mistas com afetação real de parte dos bens.

O Fundo de Pensões beneficia da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, existindo a possibilidade de renúncia à isenção de IVA, de acordo com o disposto no Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro.

O artigo 4.º do RRIIOBI, relativo às formalidades para a renúncia à isenção, refere que os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, com os elementos constantes no n.º 1.

O n.º 5 desse artigo estabelece que o prazo de validade dos certificados de renúncia é de "seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos impostos a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efetivasse".

Por outro lado, o artigo 5.º de RRIIOBI, determina em que momento se efetiva a renúncia à isenção:

"1 – A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

2 – Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via eletrónica, esse facto à administração tributaria.

3 – O exercício da renúncia a isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos".

III.1.2. Locações de imóveis com certificados de renúncia para transmissões

Para as frações B, H e Q, do imóvel "Polígono das Atividades Económicas ...", o Sujeito Passivo, através da Sociedade Gestora, efetuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, manifestando a intenção ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, de renunciar à isenção do imposto sobre o valor acrescentado prevista na alínea 30) do artigo 9.º do CIVA, declarando reunir as condições estabelecidas para o efeito nas mencionadas disposições do artigo 12.º do CIVA e no Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, ou seja para transmissão de cada uma das frações. (Anexo 2 e 3).

Os certificados das frações B e H foram emitidos em 17-05-2012 e da fração Q em 20-11-2013.

No entanto, para cada uma destas 3 frações, não foi efetuada uma transmissão, mas sim uma locação, tendo sido celebrado contrato de arrendamento para fins não habitacionais das frações B e H com a entidade "G... SA" com o NIF ... e da fração Q com a "H... SA" com o NIF... .

Para os certificados, em que o fim é a locação, o Sujeito Passivo, através da Sociedade Gestora, deveria efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA, manifestando a sua intenção ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA.

Segundo o artigo 5.º da RRIIOBI, a renúncia à isenção de IVA só opera no momento em que for celebrado o Contrato de compra e venda ou de locação financeira, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção. No caso de não estarem reunidas as condições referidas, o exercício da renúncia à isenção não produz efeitos, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

Face ao exposto, o Fundo não possuía à data das referidas locações certificado válido para renúncia à isenção do IVA, ou seja, não se encontravam reunidos os requisitos do RRIIOBI para as referidas operações, pelo que na inexistência de certificado válido a renúncia não produz efeitos, não é passível a dedução do IVA suportado relativo a cada uma das frações, nos termos no artigo 8.º do RRIIOBI conjugados com os artigos 19.º a 25.º do CIVA.

III.1.3. IVA deduzido em 201206T e 201311

O IVA suportado na construção, para efeitos de repartição pelas 46 frações, ascendeu a 11.256 699,12€.

Em virtude do Fundo ter procedido ao arrendamento das frações B, H e Q, para as quais solicitou a renúncia à isenção de IVA, com base nos certificados anteriormente referidos, foram efetuadas as deduções no Campo 22 das DP's de IVA, nos períodos e montantes seguintes:

 

Conforme demonstrado no quadro acima, em 201206T, o sujeito passivo deduziu o montante de 777.612,78 €, para os quais apenas possuía certificados válidos para poder deduzir o montante de 536.044,01 €, pelo que a dedução efetuada no montante de 241.568,76€ (107.614,04€ +133.954,72€), não está correta.

Em 201311, o sujeito passivo deduziu o montante de 199.243,576, para os quais também não tinha certificado válido para a operação de locação.

No início de 2014, o crédito acumulado corresponde à totalidade das deduções, ao qual foi subtraído o imposto liquidado ao longo dos vários anos, pelo que o montante destas deduções mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014.

O reporte do período anterior (Campo 61) na DP de IVA de 201401, era de 4.031.276.79€, conforme descrito no quadro seguinte:

 

 

III.1.4. Dedução e crédito de imposto indevidos

Conforme mencionado nos pontos anteriores, apesar do Fundo ter procedido à locação das frações B, H e Q do prédio urbano inscrito com o código de freguesia ... e artigo ... (antigo código de freguesia ... e artigo ...), sito na ..., ...-.. ..., concelho de Loures, Distrito de Lisboa, os certificados de renúncia à isenção de IVA para as referidas 3 frações foram solicitados manifestando o Sujeito Passivo ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, a renúncia à isenção prevista na al. 30) do art.º 9.º do CIVA, ou seja, para transmissão.

Pelo exposto, verifica-se que no momento em que se efetiva a renúncia à isenção, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do art.º 8.º do anexo ao DL n.º 21/2007, de 29 de janeiro, não se encontra cumprido o previsto n.º 1 do art.º 5.º do mesmo diploma, uma vez que, o sujeito passivo não se encontra na posse de um certificado de renúncia válido, dado que não se verifica a condição formal estabelecida na al. c) do n.º 1 do art.º 4.º daquele normativo. O certificado na posse do sujeito passivo é de "renúncia à isenção do IVA na transmissão do bem imóvel", ou seja, é um certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA, prevista na al. 30) do art.º 9.º do CIVA, e não da isenção prevista na al. 29) do mesmo diploma, para a locação de bens imóveis, o que efetivamente se verificou no caso em apreço.

É a própria lei que exige que os sujeitos passivos, previamente à dedução de IVA suportado relativo a bens imóveis, têm que estar na posse de um certificado de renúncia válido, o que não se verificou na presente situação, não estando a Administração Tributária autorizada a dispensar as formalidades que o legislador expressamente estabeleceu.

O certificado foi emitido tendo em conta os elementos fornecidos pelo sujeito passivo, e no caso em apreço foi emitido o certificado de renúncia à isenção prevista na al. 30) do art.º 9 do CIVA, e não relativamente à isenção prevista na al. 29) do mesmo artigo, não se verificando os pressupostos legais para a renúncia à isenção na locação do imóvel. O não cumprimento desta formalidade originou que fosse indevidamente deduzido o IVA suportado na aquisição e construção das áreas afetas às frações B, H e Q do artigo ... (antigo ...).

De referir que apesar de contabilisticamente o imóvel ter sido registado pelo valor global da sua construção, na escritura de constituição da propriedade horizontal foi fixado o valor de cada fração, expresso em permilagem do valor total do prédio.

Assim, e dado que a fração B detém uma permilagem de 9,56, a fração H detém 11,90 ‰ e a fração Q detém 17,70‰, o valor do IVA deduzido relativamente a cada fração foi calculado nessa proporção.

Deste modo, sabendo que na aquisição e na construção das 46 frações do artigo ... (antigo ...), o total de IVA suportado é de 11.256.699,12 €, o IVA deduzido relativo às frações B, H e Q é o que consta no seguinte quadro:

 

Face ao mencionado, verificamos que não se encontram reunidos os pressupostos do Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro para o exercício da renúncia à isenção do IVA, nomeadamente a condição formal estabelecida na conjugação da al. c) do n.º 1 do art.º A e do n.º 1 do art.º 5.º, ambos do referido diploma legal, pelo que a locação realizada pelo contribuinte enquadra-se numa operação isenta nos termos da al. 29) do art.0 9.º do CIVA.

Deste modo, nos termos do art.º 20.º do CIVA, não é conferido o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens e serviços utilizados pelo Sujeito Passivo para a realização de operações isentas nos termos do art º 9.º do CIVA, pelo que, de acordo com os cálculos anteriormente efetuados, apurou-se IVA indevidamente deduzido no montante global de 440.812,34 €.

 

III.2. Dedutibilidade do IVA após momento do exercício do direito à dedução

III.2.1 Momento e modalidades do exercício do direito de dedução

O n.º 1 do artigo 4.º do CIVA define dentro do conceito de prestação de serviços que

"são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens (...)"

Conforme já referido no ponto II.3.2.1, o exercício do direito à dedução do IVA, deve ser efetuado em conformidade com os arts. 19º a 25º do CIVA.

De salientar que o artigo 22.º do CIVA refere, relativamente ao momento e modalidades do exercício do direito à dedução, que;

"1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. [Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto]

3 - Se a receção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respetiva emissão, pode a dedução efetuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. (...)"

Por seu lado, a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA consigna a obrigação de os sujeitos passivos apresentarem mensalmente uma declaração periódica, nos prazos referidos no artigo 41.º do mesmo código, relativa às operações efetuadas no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido a entregar ao Estado ou do montante do crédito existente a seu favor.

Entende-se assim que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas, que indicam os momentos adequados para a dedução, precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto, salvo se por lapso efetuado na sua contabilidade, detete que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efetuar.

Assim o n.º 6 do artigo 78.º do CIVA - Regularizações - dispõe que

"a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.(...)"

Nos casos em que se verifique o acima referido "lapso", o prazo previsto de dois anos no disposto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA (antigo artigo 71.º n.º 6 do mesmo diploma), apenas é aplicável nas situações em que se verifiquem erros materiais ou de cálculo, tratando-se de erros que não alteram o direito à dedução e que resultam normalmente de erros de transcrição das faturas para os registos ou dos registos para as declarações. Erros esses que se traduzem por exemplo no registo do IVA no montante diferente do valor correto.

Sobre esta matéria, é bastante relevante o entendimento constante do Acórdão nº 0966/10, de 2011-05-18, do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no qual se considera que:

"Para além do artigo 71º, n.º 5, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste artigo 22º indicados, nos casos em que, por lapso efetuado na sua contabilidade, só detete que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efetuar.

Isto é, se a situação não se enquadra naquele n.º 6 do artigo 71º também não se enquadra em nenhuma outra disposição legal."

Semelhante conclusão se retira do disposto no Ofício-Circulado n.º 030082, de 2005-11-17 da DSIVA, porquanto nos termos do seu ponto 8 explicita-se que o âmbito de aplicação do artigo 78.º do CIVA abrange regularizações que se destinam "a corrigir ( ...) o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da respetiva declaração periódica".

 

III.2.2. Prestações de serviços - momento de dedutibilidade do IVA da aquisição/construção do imóvel

Relativamente às frações V, W e X, do imóvel já referido anteriormente, verificou-se que a partir de 2009-11-01, o sujeito passivo celebrou um contrato de arrendamento, com um período de carência, tendo liquidado IVA sobre os serviços prestados, que refletiu nas DP de 201002 e seguintes.

Para as frações U e AB, o sujeito passivo celebrou igualmente um contrato de arrendamento com início em 2010-04-01 e 2010-10-01, respetivamente, cujas faturas incluem IVA liquidado que foi declarado nas DP de IVA.

Nos referidos momentos da celebração destes contratos de arrendamento, o sujeito passivo não procedeu à dedução do IVA suportado na aquisição/construção destes imóveis.

Em 2011-08-10, para as referidas frações foram redigidos 2 contratos de "arrendamento para fins não habitacionais", um com as frações U, V, W e X e outro com a fração AB (Anexo 4 e 5).

Na mesma data são solicitados e emitidos certificados de renúncia à isenção de IVA, para locação, de cada uma dessas frações (Anexo 6).

Ambos os contratos, elaborados em 2011-08-10, produzem efeitos às datas de início anteriormente referidas:

- Frações V, W e X com início a 2009-11 -01;

- Fração U com início a 2010-04-01;

- Fração AB com início a 2010-10-01.

No entanto, a dedução do imposto suportado (IVA) na aquisição e construção destes imóveis apenas ocorre na DP de 201209T, sensivelmente um ano após a emissão dos certificados de renúncia à isenção de IVA.

Face aos factos ora descritos, verifica-se que se tentou com estes contratos ilidir a anterior prestação de serviços sujeita a imposto.

Caso a locação se tivesse verificado aquando da elaboração dos contratos (2011-08-10), à semelhança de outras frações, se fossem cumpridas todas as condições e requisitos necessários à aplicação do regime de renúncia do IVA, para as frações U, V, W, X e AB, o direito à dedução destas também não se poderia exercer em 201209T,

Porquanto, dispõe o artigo 8.º do RRIIOBI que:

"1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os sujeitos passivos intervenientes em operações em que tenha ocorrido a renúncia à isenção no âmbito do presente regime têm direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada bem imóvel, segundo as regras definidas nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.

2 - Os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção, tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA."

Ou seja, o Fundo poderia no período em que foi celebrado o contrato de locação do imóvel, proceder à dedução do IVA suportado, que tenha ocorrido nos oito anos anteriores à celebração dos correspondentes contratos (201109T) e não em momento posterior (201209T).

Desta forma, esta operação de locação nunca poderia beneficiar de renúncia à isenção uma vez que não cumpriu as condições objetivas descritas no artigo 1.º do RRIIOBI, atendendo a que já não estava em causa a primeira transmissão e locação, após a construção nem operações subsequentes à renúncia à isenção.

No enquadramento legal inicial o fundo não exerceu o direito à dedução do IVA suportado. Aquando da cedência do espaço ao locatário das referidas instalações, o fundo sabia o destino que pretendia dar ao mesmo e qual o seu enquadramento, pelo que ao liquidar o IVA sobre as prestações de serviço realizadas e ao não deduzir o imposto suportado, foi uma liberalidade do próprio.

Face aos factos ora descritos, e sobre esta matéria importa citar as conclusões explanadas no acórdão do STA n.º 0966/2010, de 2011/05/18, quando refere que;

"... infere-se que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

(...)

...conclui-se a dedução de imposto apenas pode efetuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.

Por isso, o n.º 2 do artigo 92º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efetuar em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22º."

Face ao exposto, ao proceder à dedução do imposto suportado na aquisição/construção, das frações U, V, W, X e AB, apenas no período 201209T, o sujeito passivo procedeu de forma indevida, considerando o IVA liquidado nas DP's e que no caso em apreço:

- A locação destas frações foi considerada pelo sujeito passivo uma prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isento;

- não é aplicável para as mesmas frações o regime de renúncia à isenção de IVA nas operações relativas a bens imóveis, previsto no n.º 4 do artigo 12.º do CIVA; e

- não estamos perante qualquer situação de regularização prevista no artigo 78.º do CIVA.

 

III.2.3. IVA deduzido em 201209T

O IVA suportado, tendo em conta a repartição pelas 46 frações e deduzido no período 201209T, referente às frações U, V, W, X e AB, declarado no Campo 22 da respetiva DP de IVA, foi de:

 

O montante global destas deduções mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014.

Conforme demonstrado no quadro acima, em 201209T deduziu 1.265.252,98 €, no qual também está incluída a dedução do IVA suportado na aquisição e construção da fração AT, no total de 393.984,47€, alienada com renúncia à isenção de IVA, no mesmo período.

Como é possível observar no ponto III.1.3, o crédito de imposto acumulado até ao período 201401, corresponde à totalidade das deduções, ao qual foi subtraído o imposto liquidado ao longo dos vários anos.

 

III.2.4. Dedução e crédito de imposto Indevidos

 

Conforme mencionado nos pontos anteriores, o Fundo cedeu o espaço relativo às frações U, V, W, X e AB do prédio urbano inscrito com o código de freguesia ... e artigo ... (antigo código de freguesia ... e artigo ...), sito na ..., ...-... ..., concelho de Loures, Distrito de Lisboa, para o qual liquidou imposto que declarou nas declarações periódicas de IVA a partir de 201002. Por iniciativa do Fundo foram emitidos certificados de renúncia à isenção de IVA para as referidas 5 frações, ao abrigo do artigo 12.º do CIVA, com o objetivo de renúncia à isenção prevista na al. 29) do art.º 9.º do CIVA, ou seja, para locação.

Apesar de terem sido emitidos em 2011-08-10, data da celebração dos contratos a produzirem efeitos retroativos, a prestação de serviços de locação teve início em 2009-11-01 para as frações V, W e X, em 2010-04-01 para a fração U e em 2010-10-01 para a fração AB.

Assim, considerando as DP's de IVA onde anteriormente foi liquidado o referido imposto e conforme a sujeição e afetação do imóvel efetuada por iniciativa do sujeito passivo, a mesma enquadra-se numa prestação de serviços, conforme artº 4.º do CIVA, sujeita a IVA e dele não isenta.

No entanto, o IVA suportado na aquisição/construção do imóvel foi deduzido pelo sujeito passivo, não nos períodos em que as operações se realizaram, nomeadamente nas DP's de 200911, 201004 e 201010, nem mesmo no período em que foram solicitados pelo sujeito passivo os certificados de renúncia emitidos, em 201108, mas apenas em 201209T.

Em 201209T, o Sujeito Passivo, deduziu indevidamente o IVA correspondente às 5 frações no montante de 871 268,51€:

 

Face ao mencionado, verificamos que relativamente aos referidos imóveis foram efetuadas inicialmente prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isenta, pelo que que não se aplicaram os pressupostos do Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro para o exercício da renúncia à isenção do IVA e que a dedução em 201209T não cumpriu os requisitos dos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Deste modo, não poderia o Sujeito Passivo fazer a dedução quando entendesse, dentro do prazo máximo legalmente admissível. A dedução do imposto apenas se pode efetuar fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, nomeadamente expressa na norma ou em disposições legais especiais.

Por isso, o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento desse direito, pretende fixar um limite máximo, pelo que não pretende ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mesmo nos casos em que a dedução se pode efetuar em momentos diferentes dos indicados no artigo 22.º.

Se assim fosse facultativo para o sujeito passivo o momento da dedução não faria qualquer sentido existir, por exemplo, uma disposição especial conforme estabelecido no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA para erros materiais e de cálculo, estabelecer um prazo limite (2 anos) inferior ao do n.º 2 do art.ª 98.º (4 anos).

Face ao exposto, não é conferido o direito à dedução do imposto, de acordo com os cálculos anteriormente efetuados para as referidas frações, tendo-se apurado IVA indevidamente deduzido no montante global de 871.268,51€.

 

III.3. Correções meramente aritméticas ao imposto – IVA

III.3.1. Correção ao crédito de Imposto deduzido indevidamente

Deste modo, com base nos valores apurados e descritos nos pontos III.1.4 e III.2.4, não é devido ao sujeito passivo, no período 201401, um crédito de imposto no montante de 440.812,34€ e 871.268,51€, no total de 1.312.080,85€, pelo que se procederá a uma liquidação adicional desse montante, como a seguir se resume:

 

Refira-se que relativamente a esta liquidação adicional não serão devidos juros compensatórios uma vez que a situação de crédito de imposto se mantém até à presente data, sendo este apenas de valor inferior.

 

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O Fundo foi notificado do projeto de relatório, através do ofício n.º..., datado de 2018-10-02, com registo dos CTT n.º RH ... PT, concedendo-lhe um prazo de quinze dias para o exercício do direito de audição nos termos previstos no art.º 60.º da LGT e no art.º 60.º do RCPITA.

O direito de audição foi exercido por requerimento, cuja entrada neste serviço ocorreu em 2018-10-19 (2018...), sendo o registo nos CTT do dia anterior, tendo como remetente a sociedade K...-Sociedade de Advogados, SP R.L., com o NIPC... .

(...)

IX.1. Análise aos elementos e fundamentação apresentados no exercício do direito de audição

No referido requerimento para exercício do direito de audição (Anexo 7), vem expor o seguinte:

 IX.1.1. Dos pontos 1 a 17

Genericamente é feito um enquadramento constitutivo e legal do fundo, bem como a identificação das fases processuais da presente ação inspetiva. Nesta exposição, são salientadas algumas das situações elencadas no projeto de relatório, bem como alguns pedidos efetuados no decurso do procedimento inspetivo.

O ponto 10. refere que:

No âmbito desta inspeção, foram analisados todos os elementos solicitados pela AT ao sujeito passivo e que este, em integral cumprimento do dever de colaboração, disponibilizou a AT, nomeadamente, todos os documentos de suporte e respetivos registos contabilísticos e de faturação solicitados, bem como diversos ficheiros SAF-T'.

Nos três pedidos de elementos efetuados no decurso do procedimento inspetivo, nas situações em que foram solicitadas faturas e/ou notas de crédito emitidas pelo sujeito passivo, foram dadas as seguintes respostas:

1. No email de resposta de 2018-01-10, com o assunto "RE: Ação Inspetiva FP A...- pedido de reunião", relativa ao 1.º pedido de elementos, é referido que "Em relação ao ponto 6 e de acordo com o explicado na reunião tida em 28 de novembro de 2017, o sistema não estava preparado para emitir o ficheiro SAF-T, tendo o respetivo fundo pago coimas para os períodos em falta, o que pode ser verificado nos movimentos financeiros do fundo no portal ATA, em anexo um exemplo" (o exemplo referido encontra-se no Anexo 9 deste relatório);

2. No email de resposta de 2018-01-19, com o assunto "Ação Inspetiva FP A... - pedido de elemento n" 2", é referido que "Ponto 6 - Seguem em anexo os contratos de arrendamento para as fracções/imóveis solicitados. Como já oportunamente explicamos, o sistema de valorização do fundo não estava preparado para a emissão de faturas e notas de crédito e estes documentos não foram emitidos para o ano 2014";

3. No email de resposta de 2018-03-28, com o assunto "RE: Pedido de Elementos n.º 3 -OI2016... - Fundo A...", é referido que "Em relação ao ponto 2 e de acordo com o explicado na reunião tida em 28 de novembro de 2017, o sistema não estava preparado para emitir o ficheiro SAF-T, tendo o respetivo fundo pago coimas para os períodos em falta, ou seja, o sistema de valorização do fundo não estava preparado para a emissão destes documentos".

Importa salientar, que contrariamente ao que é referido no ponto 10, do exercício da audição prévia, os ficheiros SAF-T não chegaram a ser disponibilizados, por o software não estar preparado para emitir faturas e notas de crédito.

IX.1.2. Da parte A "Da ilegalidade da inspeção" dos pontos 18 a 40 e da parte B "Da caducidade do direito à liquidação pela AT” dos pontos 41 a 55.

Resumidamente, vem invocar na parte A - "Da ilegalidade da inspeção" - que a inspeção excedeu a extensão da inspeção externa para a qual estava credenciada e na parte B "Da caducidade do direito à liquidação pela AT" que para as correções propostas se encontra caducado o direito à liquidação.

De salientar os seguintes pontos:

'(...)

23. Reitere-se que a ordem de serviço definia a inspeção como externa, de âmbito parcial e de extensão limitada ao exercício de 2014.

24. Contudo, pelo facto de, em 2014, existir um crédito de IVA a favor do Exponente, que se reportava a IVA deduzido nos períodos tributários de 2012 e 2013, a AT excedeu a extensão da inspeção externa para a qual se encontra credenciada, tendo os atos de inspeção englobado também operações realizadas nos períodos de 2012 e 2013.

(...)

27. De facto, o que a AT fez na presente inspeção externa foi examinar deduções realizadas nos anos de 2012 e 2013.

28. Acrescente-se ainda que, para averiguar do correto exercício do direito a dedução, a AT analisou operações que conferiram esse direito a dedução e que se realizaram em 2011,2012 e 2013.

(...)

30. Sublinhe-se que o direito a dedução é efetivado no momento do preenchimento da declaração periódica em que são reportadas as operações que conferem aquele direito, pelo que o que a AT fez neste caso concreto foi inspecionar as operações reportadas nas declarações periódicas dos períodos 201206T, 201209T e 201311 – e não quaisquer operações ocorridas/declaradas em 2014, violando assim a extensão do procedimento de inspeção.

31. Contudo, a AT não podia praticar quaisquer atos de inspeção que englobassem os anos de 2012 e 2013, uma vez que a extensão do procedimento de inspeção se limitava ao ano de 2014 (cfr. artigos 14º e 15.º do RCPITA).

(...)

34. Assim, ao examinar operações ocorridas/declaradas nos anos de 2012 e 2013, a AT excedeu de forma ilegal a extensão do procedimento de inspeção, que se encontrava limitada a verificação do cumprimento das obrigações tributárias do Exponente em sede de IVA, tendo sido aberta ordem de serviço para o exercício de 2014.

(...)

38. Assim, o presente procedimento de inspeção padece de vício de violação lei por preterição de formalidade essencial, consubstanciada na violação do disposto no artigo 15.º do RCPITA.

39. A inobservância do citado artigo 15º n.º 1 do RCPITA constitui vício procedimental da inspeção realizada, vício esse que, respeitando à competência para a realização da ação inspetiva fora da extensão estabelecida na Ordem de Serviço, resulta na ilegalidade da referida inspeção,

40. pelo que quaisquer liquidações adicionais que dela advenham estarão inelutavelmente também feridas de ilegalidade, não restando outra alternativa que não a sua anulação.

(...)

42. A AT sustenta que apenas efetuou "correções meramente aritméticas, em sede de IVA (...) para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 201401"(cfr. ponto 1.4. do Projeto).

43. Esta qualificação por parte da AT em nada altera o facto de que o que veio a ser corrigido, em substância, foram as deduções efetuadas nas declarações de 201206T, 201209T e 201311.

(...)

51. Assim, relativamente ao imposto deduzido nos períodos de 201206T e 201209T, o termo inicial do prazo de caducidade do direito a liquidação não poderá ser posterior a 1 de janeiro do ano civil seguinte,

52. ou seja, o prazo de caducidade iniciou-se em 01.01.2013 e terminou em 01.01.2017.

(...)

54. Pelo que a correção proposta ao IVA deduzido na declaração periódica respeitante ao período 201206T no valor global de €241.568,76 não se deve manter, por já ter caducado o direito à liquidação, nos termos previstos no artigo 45º da LGT.

55. Igualmente, a correção proposta ao IVA deduzido na declaração periódica respeitante ao período 201209T no valor global de € 1.265.252,98 também não se deve manter por já ter caducado o direito à liquidação, nos termos previstos no artigo 45º da LGT."

 

Face ao exposto no direito de audição, relativamente às deduções efetuadas indevidamente em 201206T, 201209T e 201311 impõe-se decidir a questão da caducidade da liquidação relativamente à correção de IVA a efetuar ao crédito de imposto apurado pelo fundo no período 201401.

Ora, prevê o artigo 45.º da LGT, no seu n.º 1, que o direito a liquidar tributos caduca quando a liquidação não seja validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, acrescentando o n.º 4, que no tocante ao IVA, este prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verifica a exigibilidade do imposto.

O IVA assenta num mecanismo de crédito de imposto segundo o qual o imposto devido ao Estado se apura através da dedução do imposto suportado a montante pelo sujeito passivo ao imposto que este liquida a jusante.

"O crédito de IVA constitui um corolário do direito à dedução, que visa assegurar a neutralidade do imposto. No âmbito das suas atividades tributadas, o sujeito passivo tem o poder-dever de liquidar imposto em todas as operações que realiza, e de, concomitantemente, deduzir o imposto suportado em operações a montante.

No caso de, na declaração - liquidação, o montante de imposto suportado ser superior ao montante do imposto liquidado em virtude de operações tributáveis, constitui-se na esfera jurídica do sujeito passivo um direito ao crédito de imposto, o qual é exercido mediante compensação, nos períodos de imposto seguintes, com o montante de que o sujeito passivo seja devedor ao Estado.

O sistema assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

Subsidiariamente, o crédito de imposto é efetuado mediante reembolso."

Neste sentido dispõe o n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

Assim, ao Estado será entregue a diferença entre o valor que incidiu sobre as operações ativas tributáveis (IVA liquidado nas vendas ou prestações de serviços) e as operações passivas tributáveis (IVA suportado nas compras). O mecanismo do crédito de imposto destina-se a assegurar a neutralidade do IVA, enquanto princípio estruturante, frequentemente invocado pela jurisprudência do TJUE, prevenindo uma tributação cumulativa e garantindo a tributação no consumidor final.

Nos termos do artigo 27.º do Código do IVA, quando se apure imposto a favor do Estado, este deve ser pago junto com a declaração periódica, por sua vez, refere o artigo 22.º que havendo imposto a favor do sujeito passivo, o excesso é deduzido no período declarativo seguinte, havendo lugar ao reporte desse excesso, conforme resulta dos n.ºs 4 e 5 do referido preceito legal.

Assim, sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes. Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso.

Refira-se ainda que decorre do preceituado no n.º 8 do artigo 22.º do Código do IVA, que os reembolsos são efetuados "quando devidos", isto é, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efetuar esta confirmação, a AT pode efetuar correções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo.

Perante isto, podemos afirmar que o sistema do IVA assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

Tanto o reporte como o reembolso, enquanto formas de materializar o exercício do direito à dedução, pressupõem um acerto de contas periódico entre o Estado e o contribuinte, cujo momento é incerto, conforme o volume de negócios do último, o tipo de operações e a vicissitudes da atividade desenvolvida.

Ora, a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas, traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objetivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redação que o legislador deu ao artigo 45.º da LGT.

O artigo 45.º n.º 3 da LGT esclarece igualmente a questão ao dispor que no caso de ter sido efetuada qualquer "dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito". Note-se que a referência à dedução e crédito de imposto foi introduzida no n.º 3 do referido artigo por meio da Lei do Orçamento de Estado para 2005.

Como refere Sérgio Vasques,

"O IVA em que o sujeito passivo incorre nos seus inputs não é gerado na sua esfera nem a ele lhe é exigível, constituindo, bem pelo contrário, um crédito que este pode ou não mobilizar contra o estado, exercendo o direito à dedução. A regra especial constante do artigo 45.º, n.º 4 da LGT, apelando à exigibilidade do imposto, não pode por isso aplicar-se aos casos em que a intervenção da administração tenha por objecto IVA dedutível, resulte este da realização de operações passivas, resulte ele de regularizações feitas nos termos da lei.

É a este problema que vem obviar o artigo 45.º da LGT no seu n.º 3, ao dispor que em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, " o prazo de caducidade é o do exercício desse direito". Estas regra, (...), abrange na sua redacção actual todos os casos em que no apuramento de um imposto o contribuinte faz valer uma "dedução" ou "crédito" contra o estado, como paradigmaticamente sucede no apuramento do IVA.

(...)

No tocante ao IVA, o alcance evidente do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, está em fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos de que a administração dispõe para proceder a uma liquidação adicional se conte a partir do momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução do imposto, sempre que a liquidação adicional a tenha por objecto. O prazo tem então início na data em que é entregue a declaração em que esse direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em momento anterior".

A jurisprudência do STA, também nos oferece uma explicação nesta linha de interpretação, referindo o seguinte:

"Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º. Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.

Nestes termos, o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior.

Quanto à correção efetuada ao crédito de IVA acumulado até 201401, no montante de 1.312.080,85 €, por este ter sido deduzido indevidamente, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, podendo efetuar correções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2007, P. 0303/07 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.05.2016, P.08095/14.

Ora, embora o direito à dedução se tivesse formado nos exercícios de 2012 e 2013, o crédito de imposto é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA.

Assim, após a dedução do IVA efetuada nos períodos 201206T, 201209T e 201311, o fundo não solicitou qualquer reembolso do crédito de imposto gerado, pelo que a AT não teve conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção corretiva, fazendo-o apenas no âmbito desta ação inspetiva.

O sujeito passivo ao utilizar este crédito de imposto nos períodos seguintes, gerado indevidamente conforme fundamentado nos pontos anteriores, deixou de pagar o imposto liquidado nas suas operações ativas.

Uma vez que o referido crédito é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA, a caducidade do crédito de imposto ocorre no exercício do direito ao mesmo, ou seja no caso em apreço no momento em que o mesmo é consumido para efeitos de apuramento de imposto em cada período.

Neste caso, o prazo de caducidade de qualquer dedução ou crédito de imposto é o exercício desse direito, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º da LGT.

 

IX.1.3. Da parte C "Do princípio da neutralidade e do exercício do direito à dedução" dos pontos 56 a 100

Resumidamente, o fundo vem invocar que relativamente à fração Q do imóvel "Polígono das Atividades Económicas ...", a emissão incorreta do certificado de renúncia à isenção do IVA reveste-se de contrariedade ao princípio da neutralidade.

De salientar os seguintes pontos:

"56. A AT propõe ainda uma correção ao IVA deduzido na declaração periódica 201311 no valor de € 199.243,57, relativo a IVA suportado pelo Exponente na aquisição e construção da fração Q do imóvel "Polígono das Atividades Económicas  ...".

57. Contudo, como se verá, esta correção também não pode proceder por ser manifestamente contrária ao princípio da neutralidade, enquanto princípio basilar do IVA.

Ora vejamos,

(...)

64. Para esta fração, o Exponente efetuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, manifestando a intenção de renunciar a isenção do IVA prevista no artigo 9. º n.º 30, ao abrigo do disposto no artigo 12.º n.º 5 do Código do IVA.

(...)

67. O certificado para efeitos de renúncia à isenção foi emitido para a fração Q no dia 20.11.2013.

68. No caso concreto, o Exponente, aquando do pedido de emissão do certificado de renúncia isenção para a fração deveria ter mencionado expressamente que o mesmo se destinava a arrendamento, indicando que a opção pela renúncia estava a ser feita ao abrigo do artigo 12.º n.º 4 do Código do IVA.

69. Contudo, o certificado de renúncia foi solicitado com fundamento no artigo 12.º n.º 5, como se o imóvel se destinasse a transmissão.

70. Não obstante o certificado ter sido emitido com este lapso, espanta a ora Exponente que a AT não tenha tido a capacidade de verificar que tal situação se trata, efetivamente, de um lapso...

(...)

77. Não obstante ser facilmente percetível que ocorreu um lapso no pedido de emissão deste certificado, de acordo com a AT, o facto de o certificado de renúncia à isenção ter sido emitido ao abrigo do artigo 12.º n.º 5, e não ao abrigo do artigo 12.º n.º 4, ambos do Código do IVA, é motivo bastante para impossibilitar a dedução do IVA suportado em relação a esta fração.

78. Porém não pode ser dada razão a AT sob pena de violação do princípio da neutralidade, princípio basilar do IVA.

79. Ainda que o certificado de renúncia à isenção não mencione o n.º 4 do artigo 12º do Código do IVA ao abrigo da qual o Exponente pretende renunciar, certo é que estão verificados todos os requisitos e condições materiais, objetivos e subjetivos para o exercício do direito à dedução.

(...)

92. Ou seja, da leitura da já extensa jurisprudência do TJUE sobre o assunto, resulta claramente que, desde que os requisitos substantivos para o exercício do direito a dedução estejam preenchidos, o mesmo deve ser concedido, não podendo ser negado pela AT com exclusivo fundamento no não cumprimento de determinadas formalidades."

Face ao exposto, vem alegar que o entendimento da AT é manifestamente atentatório do princípio da neutralidade.

No entanto, o facto do sujeito passivo ter uma atividade em IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal praticando operações mistas com afetação real de parte dos bens, resulta do facto do fundo praticar operações sujeitas a IVA e não isentas (com e sem renúncia à isenção de IVA) e a operações sujeitas e isentas, nos termos do artigo 9.º do CIVA, como é o caso da locação de imóveis sem renúncia à isenção de IVA. As isenções de IVA constituem uma derrogação ao princípio geral da tributação do consumo que caracteriza o sistema comum do IVA, sendo que o TJUE adota, em alguns casos, enquanto critério hermenêutico, o princípio da interpretação estrita das isenções de IVA.

As isenções incompletas, como as descritas no artigo 9.º do CIVA, não conferem o direito à dedução do IVA suportado. Nas isenções incompletas quebra-se a cadeia de deduções, uma vez que o operador isento não pode deduzir o imposto suportado a montante. Neste caso fala-se num "imposto oculto" para significar que o imposto incluído nos bens utilizados pelo operador para a realização da sua atividade (inputs), não pode ser deduzido, e é incorporado no valor dos bens.

Na generalidade dos casos invocados no exercício do direito de audição, relativamente ao princípio da neutralidade e à jurisprudência do TJUE, não colocamos em causa tais decisões. No entanto, importa referir que as mesmas decorrem de situações de aplicação do IVA, em relação a algumas formalidades, decorrentes diretamente da diretiva do IVA, bem como de situações de operações sujeitas e não isentas.

Nas operações sujeitas e isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º do CIVA, é possível aplicar o imposto e renunciar à isenção do IVA, nos termos do art.º 12.º do CIVA.

O Fundo de Pensões, na sua atividade de locação de imóveis, beneficia da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, podendo renunciar à isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º do CIVA.

Essa renúncia é exercida por opção que é conferida ao sujeito passivo e não uma obrigação.

Logo, nos casos em que opte por tal renúncia, é obrigatório o cumprimento dos requisitos de aplicação do RRIIOBI, para o qual devem ser verificadas as condições objetivas e subjetivas deste regime.

Não foi por casualidade que o legislador definiu o artigo 4.º do RRIIOBI, com a sua designação "Formalidades para a renúncia à isenção" (...).

Neste artigo são definidas as formalidades a ter em conta caso o sujeito passivo pretenda optar pela faculdade que lhe é dada nos termos do artigo 12 º do CIVA.

Caso não as pretenda cumprir, não deverá o sujeito exercer tal opção, ficando assim sujeito ao regime regra disposto na isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA e restantes disposições do CIVA.

O artigo 4.º do RRIIOBI - Formalidades para a renúncia à isenção, refere que os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, com os elementos constantes no n.º 1, bem como no n.º 5 desse artigo estabelece que o prazo de validade dos certificados de renúncia é de seis meses.

Por outro lado, o artigo 5.º de RRIIOBI determina qual o momento em que se efetiva a renúncia à isenção:

"1 – A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

(...)

3 – O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos".

Assim, não se pode deduzir que formalidades relativas à opção de renúncia à isenção colocam em causa o princípio da neutralidade invocado. Pois a renúncia à isenção do IVA não é uma imposição, mas sim uma faculdade atribuída aos sujeitos passivos, segundo um regime específico com condições, obrigações e formalidades bem definidas.

IX.2 Conclusão

O facto de no período 201401, o crédito de imposto ser de 4.031.276,79€, no período 201412 ser de 3.782.793,07€, e de no período 201805 ser de 3.167.978,73€, demonstra que o sujeito passivo até ao momento vai consumindo o IVA deduzido nos períodos anteriores, não se tendo verificado até ao momento a caducidade do imposto deduzido nos períodos 201206T, 201209T e 201311.

As irregularidades detetadas, descritas nos subpontos II 1.1. e III.2., resumem-se a uma correção a favor do Estado no montante de 440.812,34€ e 871.268,51 €, respetivamente, perfazendo um total de 1.312.080,85€

Face aos argumentos apresentados em sede de direito de audição pelo sujeito passivo conclui-se que os valores apurados e referidos no projeto de correções convertem-se em definitivos.

Assim, não é devido ao sujeito passivo, no período 201401, um crédito de imposto no montante de 1.312.080,85€, pelo que nos termos do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, se procederá a uma liquidação adicional desse montante, no período 201401.

Foi elaborado Documento de Correção Único para promover a respetiva liquidação adicional do imposto em falta.

Refira-se que relativamente a esta liquidação adicional não serão devidos juros compensatórios uma vez que a situação de crédito de imposto se mantém até à presente data, sendo este apenas de valor inferior. (...).

 

EE)         Na sequência da inspecção, a AT emitiu, com a data de 29-11-2018 e de que o Requerente foi notificado em 04-12-2018, a liquidação adicional de IVA n.º..., incidente no período 201401M, que consta do documento n.º 16 junto com o ppa, cujo teor se dá como reproduzido, pelo qual o Requerente foi notificado da “correcção efectuada ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA” que foi reduzido no montante de € 1.312.080,85 (o excesso a reportar declarado pelo Requerente era de € 4.015.667,92 e a AT corrigiu-o para € 2.703.587,07).

FF)         Em 04-04-2019, o Requerente apresentou a reclamação graciosa que consta do documento n.º 17 junto com o ppa e a pp. 2 e seguintes do PA [ficheiro PAT], cujo teor se dá como reproduzido;

GG)       A reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2019..., foi indeferida por despacho de 19-08-2019, que manifestou concordância com um parecer e informação que constam do documento n.º 19 junto com o ppa e a pp. 123 e seguintes do PA [ficheiro PAT], cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

VI.I.III. Apreciação do mérito

43. O Fundo, conforme já referido, invoca, por um lado, a ilegalidade do procedimento inspetivo defendendo que a AT excedeu a extensão da inspeção externa para a qual estava credenciada e, por outro lado, a caducidade do direito à liquidação.

44. No entanto os argumentos apresentados em sede de Reclamação graciosa foram os mesmos apresentados aquando do exercício de direito de audição ao projeto de relatório, em sede de Inspeção.

45. Deste modo, reitera-se tudo o quanto ficou dito em sede de Relatório Final de Inspeção, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.

46. Conforme se pode ler no relatório final de Inspeção, quando se apure imposto a favor do Estado, o IVA apurado na declaração periódica deve ser pago nos termos do artigo 27º do CIVA, no entanto, havendo imposto a favor do sujeito passivo, o excesso, conforme prevê o artigo 22.º do CIVA, é deduzido no período declarativo seguinte, havendo lugar ao reporte desse excesso.

47. Assim, sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

48. No entanto, se passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso persistir crédito a favor do sujeito passivo em valor superior a € 250, este poderá solicitar o reembolso.

49. Decorre ainda do n.º 8 do artigo 22.º do CIVA que os reembolsos são efetuados "quando devidos", ou seja, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total do imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Tal implica que a AT possa analisar e eventualmente corrigir as declarações dos sujeitos passivos, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso.

50. Porém, "Ao conceito de reembolso aqui utilizado não é aplicável o prazo de caducidade do artigo 98.º do CIVA, porquanto o âmbito de aplicação do artigo 22º do CIVA abrange tão só as situações em que a liquidação e a dedução do imposto foram efectuadas de forma correcta resultando do seu saldo um crédito de IVA a favor do sujeito passivo, que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta corrente) conferindo-se ao sujeito passivo a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo e assim obviar ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes."

51. Também a doutrina entende que a este reembolso não se aplique um qualquer prazo de caducidade, nem mesmo o disposto no artigo 45º n.º 3 da LGT, assistindo ao sujeito passivo o direito de obter o reembolso de um crédito de IVA gerado sem limitação temporal, isto é, originado pela dedução de imposto em períodos que se encontram para lá do prazo de caducidade geral (de 4 anos).

52. A título de exemplo, refere o Autor AFONSO ARNALDO e Outros, na obra citada, que numa "(...) situação em que um sujeito passivo solicita o reembolso de um crédito de IVA gerado há mais de 10 anos. (...) caso a Autoridade Tributária, em sede de inspeção ao mesmo, entenda que o sujeito deduziu incorretamente imposto no ano N-10, já não estaria em prazo para efetuar liquidações adicionais do correspondente imposto ao sujeito passivo e exigir o pagamento do mesmo. Poderá (...) efetuar uma correção ao crédito de IVA cujo reembolso foi solicitado pelo sujeito passivo, até à sua concorrência, indeferindo nessa parte o pedido de reembolso por este se mostrar indevido."

53 Assim sendo, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, pois ao apreciar a existência dos pressupostos de um pedido de reembolso limita-se a efetivar correções ao crédito de IVA, indeferindo total ou parcialmente o reembolso e corrigindo, desta forma, a conta corrente do sujeito passivo.

54. Como ficou asseverado no Acórdão do STA, de 12/7/2007, processo n.º 303/07, "reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir."

55. Conforme refere o relatório final da Inspeção, "(...) o sistema do IVA assemelha-se a uma conta-corrente entre a administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, com as características de reporte para os períodos seguintes.

Tanto o reporte como o reembolso, enquanto formas de materializar o exercício do direito à dedução, pressupõem um acerto de contas periódico entre o Estado e o contribuinte, cujo momento é incerto, conforme o volume de negócios do último, o tipo de operações e a vicissitudes da atividade desenvolvida.

Ora, a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas, traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objetivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redação que o legislador deu ao artigo 45º LGT."

56. Reportando-nos ao caso concreto, tendo por base o exposto, conclui-se que a AT procedeu bem ao corrigir o crédito de imposto acumulado até janeiro de 2014, dado que o imposto foi indevidamente deduzido.

57. Não faria sentido que o sujeito passivo pudesse vir a obter o reembolso de um crédito de IVA sem qualquer limite temporal, sem que a AT pudesse analisar e efetuar correções ao IVA dedutível para lá do prazo de 4 anos.

Não estando a AT limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, pode efetuar correções ao imposto indevidamente deduzido nas declarações dos contribuintes relativas a período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade.

59. Por fim, o Reclamante invoca que em relação às frações B, H e Q do imóvel "Polígono das Atividades Económicas Parque Oriente", a emissão incorreta do certificado de renúncia à isenção do IVA reveste-se de contrariedade com o princípio da neutralidade.

60. O artigo 12º n.º 4 do CIVA dispõe que os sujeitos que procedam à locação e à transmissão de imóveis podem renunciar à isenção prevista para este tipo de operações.

61. Pois bem, o regime especial de renúncia à isenção nas operações imobiliárias em vigor, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, que revogou o DL 241/86, de 20/08.

62. O regime do anterior DL 241/86 era bastante simples, exigindo-se apenas que fosse feita a prova da afetação total ou parcial às atividades que conferiam direito à dedução, que o direito à dedução não fosse exercido antes da celebração da escritura de transmissão ou de locação dos imóveis, que a afetação fosse mantida e que se cumprissem algumas obrigações acessórias contabilísticas e declarativas.

63. O regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro (alterado pelo artigo 58.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 que aprovou o OE para 2008 e pelo artigo 78.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, que aprovou o OE para 2009) é bastante mais complexo, e tem por objetivo o de fazer face a situações de fraude, evasão e abuso detetadas na realização de operações imobiliárias (cf. preâmbulo do diploma).

64. Dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime aprovado por este diploma resultam condições objetivas, subjetivas e formais para que seja possível a renúncia à isenção.

65. O artigo 4.º do regime especial de renúncia à isenção nas operações imobiliárias estabelece as formalidades para a renúncia à isenção, sendo essencial que a renúncia seja validamente exercida através da emissão prévia de um certificado eletrónico, no momento da celebração da respetiva escritura pública de compra e venda ou do contrato de locação.

66. Este certificado tem por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à AT a intenção de renunciar à isenção de IVA nessa concreta operação, declarando estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efetive, sendo válido por seis meses.

67. No entanto existem especificidades a considerar, aquando da emissão do certificado eletrónico, quer estejamos perante uma transmissão de imóveis ou uma locação.

68. Desde logo, no que respeita ao contrato de locação, quem exerce o direito em apreço é o sujeito passivo locador do imóvel, solicitando eletronicamente para esse efeito o respetivo certificado.

69. Conforme refere Isabel Vieira dos Reis "Quanto à transmissão de imóveis, cabe salientar, ainda que o artigo 12º n.º 5, do Código do IVA refira que é o sujeito passivo que efetua a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos que pode renunciar à respetiva isenção, o artigo 6.º, n.º 2, do regime em analise estabelece que são sujeitos passivos do imposto os "adquirentes" de bens imóveis em relação aos quais tenha havido renúncia à isenção na respetiva transmissão. Pelo que, conclui-se, que quem é o titular de opção pela renúncia é o transmitente do imóvel. Exercendo o transmitente este direito, opera a inversão do sujeito passivo e o adquirente substitui-se ao transmitente do imóvel na liquidação do imposto devido."

70. Conforme refere o relatório de inspeção (...) a renúncia é exercida por opção que é conferida ao sujeito passivo e não uma obrigação.

Logo, nos casos em que opte por tal renúncia, é obrigatório o cumprimento dos requisitos de aplicação do RRIIOBI, para o qual devem ser verificadas as condições objetivas e subjetivas deste regime.

Não foi por casualidade que o legislador definiu o artigo 4.º do RRIIOBI, com a sua designação "Formalidades para a renúncia à isenção" (...)

Neste artigo são definidas as formalidades a terem conta caso o sujeito passivo pretenda optar pela faculdade que lhe é dada nos termos do artigo 12º do CIVA.

Caso não as pretenda cumprir, não deverá o sujeito exercer tal opção, ficando assim sujeito ao regime regra disposto na isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA e restantes disposições do CIVA."

71. Concluindo que"(...) não se pode deduzir que formalidades relativas à opção de renúncia à isenção colocam em causa o princípio da neutralidade invocado. Pois a renúncia à isenção do IVA não é uma imposição, mas sim uma faculdade atribuída aos sujeitos passivos, segundo um regime específico com condições, obrigações e formalidades bem definidas."

72. Face ao exposto, conclui-se pela improcedência dos argumentos invocados pela Reclamante no que respeita a esta questão, devendo ser indeferida a sua pretensão.

 

HH)        Em 13-11-2019, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

III.2. Factos não provados

 

8. Não se provou:

I)             que o Requerente, aquando do pedido de emissão dos certificados de renúncia à isenção para as frações B, H e Q, requereu certificados para “locação”, indicando que a opção pela renúncia estava a ser feita ao abrigo do artigo 12.º, n.º 4, do Código do IVA (artigo 14.º do ppa);

II)           que, aquando da submissão do pedido de emissão de certificado de renúncia, o Portal das Finanças da AT não se encontrava a funcionar devidamente, impossibilitando o Requerente de obter certificados alusivos à “locação” (artigo 15.º do ppa);

III)          que, aquando do pedido dos certificados para as frações B, H e Q, o Requerente selecionou a opção “locação”, mas o Portal das Finanças registava o pedido formulado pelo Requerente como sendo para uma operação de “transmissão” (artigos 16.º e 17.º do ppa);

IV)          que esta alteração tenha sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças e que não era percetível ao Requerente (artigo 19.º do ppa).

 

III.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

9. A decisão da matéria de facto resultou, conforme indicado a propósito de cada um dos pontos do probatório, do exame dos documentos apresentados pelo Requerente e pela Requerida, bem como dos constantes do processo administrativo junto, das indicações resultantes de informações oficiais, não impugnadas, reportadas nos autos, e da apreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Requerente, C..., Directora Financeira, e D..., Contabilista Certificada, e pela testemunha arrolada pela Requerida, E..., Especialista Informática na AGI-Área Gestão de Impostos-Núcleo de Impostos sobre IVA e Património.

Explicite-se, relativamente aos factos dados como provados nas alíneas M) e N), que o Tribunal considerou provado que o Requerente pretendia renunciar à isenção de IVA relativamente à locação das fracções indicadas (alínea N)) e não quanto à sua transmissão, em atenção aos depoimentos das testemunhas C... (“não tenho dúvidas que o objectivo nestas fracções sempre foi o arrendamento”) e D... (arrendamento “foi o pedido que me fizeram quando eu fiz os pedidos no Portal de Finanças”) que afirmaram convictamente que o destino locativo era o visado para essas fracções, o que surge corroborado pelo facto de nos certificados relativos às renúncias à isenção respeitantes às referidas fracções B, H e Q (docs. n.ºs 5 e 6 juntos com o ppa), os valores indicados como «valor da transmissão» em cada um deles serem os valores das respectivas rendas mensais.

No entanto, o Tribunal considerou provado, na indicada alínea M) do probatório, que os pedidos de emissão dos certificados foram efectuados pelo Requerente para operações de transmissão de bem imóvel, porquanto é igualmente isso que resulta dos teores dos próprios certificados juntos como docs. 5 e 6 ao ppa e porque não foi dado como provada qualquer deficiência do Portal das Finanças e do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira destinado à obtenção dos certificados, conforme factos não provados I), II), III) e IV).

Com efeito, não foi feita prova da deficiência do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira aquando da obtenção dos certificados de renúncia à isenção de IVA respeitantes às fracções B, H e Q, que foi alegada pelo Requerente.

Desde logo, considera o Tribunal Arbitral que, afirmando o Requerente que a alteração que diz ter sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças, não lhe era nem foi perceptível, não é convincente a tentativa de explicação pormenorizada que faz nos artigos 14.º a 19.º do pedido de pronúncia arbitral.

A falta de credibilidade dos factos afirmados pelo Requerente nos pontos referidos é corroborada pelo facto de, no artigo 89.º da reclamação graciosa que apresentou (doc. n.º 17 ao ppa), o Requerente ter afirmado que «aquando da submissão do pedido de emissão de certificado de renúncia, o Portal das Finanças não se encontrava a funcionar devidamente, o que não raras vezes se verifica, impossibilitando assim o Reclamante de selecionar a opção de locação, e apenas permitindo a seleção da opção de transmissão», o que é diferente de lhe ter sido permitido selecionar «a opção “locação”, mas o Portal das Finanças registava – inexplicavelmente - o pedido formulado pela Requerente como sendo para uma operação de “transmissão”» (arts. 17.º e 18.º do ppa) e esta alteração ter sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças e que não era percetível à Requerente (art. 19.º do ppa).

Na verdade, o que o Requerente afirmou na reclamação graciosa levaria a concluir que teria seleccionado a opção «transmissão» por a tal ter sido obrigado, por ser a única que o sistema informático permitiria seleccionar, o que é diferente de ter seleccionado a opção «locação» e o sistema informático alterar automaticamente para «transmissão».

Para além disso, quando exerceu o direito de audição (cfr. o doc. n.º 14 ao ppa), o Requerente não referiu qualquer destes alegados factos sobre o deficiente funcionamento do sistema informático, antes afirmou o seguinte:

– que aquando do pedido de emissão do certificado de renúncia à isenção para a fração Q, deveria ter mencionado expressamente que o mesmo se destinava a arrendamento, indicando que a opção pela renúncia estava a ser feita ao abrigo do artigo 12.º n.º 4 do Código do IVA;

– «contudo, o certificado de renúncia foi solicitado com fundamento no artigo 12.º n.º 5, como se o imóvel se destinasse a transmissão»;

– «não obstante o certificado ter sido emitido com este lapso, espanta à ora Exponente que a AT não tenha tido a capacidade de verificar que tal situação se trata, efetivamente, de um lapso...».

 

É certo que, ao exercer o direito de audição, o Requerente aludiu ao deficiente funcionamento do sistema informático, mas, em vez de afirmar a «certeza» que agora alega, limitou-se a aventar, como mero palpite, que «muito provavelmente» terá sido isso que sucedeu.  

Por outro lado, constata-se pelas outras certidões apresentadas pelo Requerente (cfr. designadamente o facto provado na alínea T) do probatório) que, tanto antes como depois da data em que o Requerente obteve os certificados relativos às fracções B e H, o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira permitiu a obtenção de vários certificados de renúncia à isenção relativos a locação, que são indicados pelo Requerente no artigo 90.º da reclamação graciosa, o que indicia que o sistema informático tinha devidamente essa potencialidade.

Para além disso, deve dizer-se que, apesar de o print do Portal das Finanças apresentado pelo Requerente no artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral para mostrar como seleccionou a opção «locação» não ter sido, naturalmente, efectuado quando o Requerente pediu os certificados para as frações B, H e Q (que, aliás foram pedidos em momentos diferentes) demonstra que seleccionou a opção «Transmissão», pois é essa que está com fundo azul, assinalando a selecção.  

Acresce ainda que os documentos juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativos ao funcionamento do sistema informático (ficheiro de logs de dados relativos ao acesso a opção de “Emissão de certidão Renúncia IVA” pelo Requerente nos dias 2011-08-10 e 2012-05-17 junto como doc. n.º 2 à reposta) não permitem detectar qualquer deficiência de funcionamento.

Pelo seu lado, os depoimentos das testemunhas C... e D... não se mostraram relevantes para comprovar qualquer deficiência do sistema informático na data da formulação dos pedidos em causa pela razão decisiva de só terem verificado que os certificados em causa foram emitidos para transmissão de bem imóvel após a realização da inspecção tributária em 2018, pelo que não presenciaram ou experienciaram a alegada deficiência informática. Com efeito, foi o seguinte o teor dos depoimentos destas testemunhas a este respeito, que evidenciou não possuírem conhecimento directo da factualidade em causa:

- a testemunha C... declarou não ter sido quem formulou os pedidos de certificado de renúncia da isenção de IVA, pois quem faz o pedido é o TOC, e que nunca detectou “nenhum erro anteriormente a esta inspecção”, “na altura não nos apercebíamos do erro”, tendo referido que só depois disso, portanto 5, 6 anos depois da emissão dos certificados, experienciou que se verificavam, noutros casos, alterações, após o momento da opção, no scroll down, de “locação” para “transmissão”, mais declarando que não lê os certificados, o que vai ver é o valor (“não vou ler o parágrafo grande em que lá pelo meio diz que é locação ou transmissão, eu não verifico e com certeza a pessoa que o pediu também não verificou, senão teríamos pedido outro”; “se calhar ninguém olha aos certificados”);

- a testemunha D..., que declarou ter feito os pedidos dos certificados de renúncia em causa, afirmou que “no decorrer deste processo é que se apercebeu que o que saiu foi transmissão”, “preenchíamos e submetíamos” e só deu conta do erro depois do RIT, tendo então verificado que, com o scroll down, eventualmente por se trabalhar com o rato em vez de com o teclado, muda a opção de “locação” em “transmissão”, embora reconhecendo que se fizesse scroll up poderia alterar a opção, mais declarando que não revia os certificados (“infelizmente vou buscá-los e envio-os para os destinatários”).

Diferentemente, em termos que, pelo seu cariz seguro e inequívoco, mereceram inteira credibilidade ao Tribunal, a testemunha E..., especialista de informática, que já trabalhava na altura dos factos no Núcleo do IVA e do Património, Núcleo responsável pela elaboração da aplicação informática relativa à apresentação dos pedidos de certificado de renúncia de isenção do IVA, explicou de forma clara e precisa: que, do conhecimento que tem, sempre existiu, desde o início da aplicação, uma janela de pré-visualização, com os campos preenchidos, que mostra se a certidão corresponde ao que o sujeito passivo pretendia, e onde se indica se é transmissão ou locação; que em relação a outra certidão solicitada nesse dia, com diferenças de minutos no log in, não houve qualquer “transformação” de locação para transmissão; que nunca existiu qualquer reporte de uma situação destas, sendo esta a primeira vez que isto se colocou e apenas na sequência da instrução deste processo arbitral; que a aplicação já é antiga, remontando a 2007, sem indicação de anomalias, apenas tendo variando o lay out por força unicamente de correspondentes modificações verificadas no Portal das Finanças e não por qualquer anomalia. Mais explicou que se ponderou no Núcleo esta situação e que não se considerou viável a existência de um tal bug e “que é impossível a existência deste tipo de troca”, mas que, em qualquer caso, se houver um erro por parte do contribuinte após a submissão do pedido basta que o segundo outorgante não confirme para a certidão não ser validada e poder ser corrigida.

Neste contexto, é convicção do Tribunal Arbitral que o Requerente, ainda que possa ter sido por erro, seleccionou a opção «Transmissão» em vez da opção «Locação» ao pedir os certificados de isenção relativos às fracções B, H e Q, que foram, pois, emitidos nesses termos (cfr. as alíneas M) e O) dos factos provados).

 

IV. Matéria de Direito

 

IV.1. Da violação da extensão da acção de inspecção

 

10. O primeiro vício invocado pelo Requerente como causa de pedir para a declaração de ilegalidade e consequente anulação integral da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2019... (cfr. alínea GG) dos factos provados) e da liquidação adicional de IVA n.º ...  relativa ao período 201401 no montante de €1.312.080,85 (cfr. alínea EE) dos factos provados) consiste na violação da extensão da acção de inspecção estabelecida na Ordem de Serviço n.º OI2016... que esteve na base das correções que subjazem à indicada liquidação adicional, por inobservância do disposto nos artigos 14.º e 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no que tange ao âmbito, extensão e fins do procedimento de inspeção.

Para sustentar a alegação deste vício, invoca o Requerente (cfr. arts. 58.º e seguintes do ppa e 48.º e seguintes das alegações) que:

i) nos termos da referida Ordem de Serviço n.º OI2016..., a ação inspetiva foi delimitada como uma inspeção externa, de âmbito parcial e de extensão limitada ao exercício de 2014;

ii) porém, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) promoveram correcções ao IVA deduzido em 2012 e 2013, respeitante à aquisição e construção de bens imóveis, relativamente aos quais o Requerente havia renunciado à isenção, nos termos do regime da renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29.1, as quais se materializavam no crédito de IVA reportado nas declarações periódicas apresentadas em 2014;

iii) assim, os SIT usaram o reporte do crédito de IVA na declaração periódica do período 2014.01 para efectuarem uma correção ao IVA deduzido pelo Requerente nos períodos de 2012 e 2013, sendo que não foi analisada qualquer operação tributável realizada em 2014, tendo a análise inspectiva limitado-se às deduções efetuadas em 2012 e 2013 e às operações que conferiram esse direito à dedução e que se realizaram em 2011, 2012 e 2013, todas fora da extensão da ação inspetiva;

iv) os SIT poderiam ter alterado, ao abrigo do n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA, no decurso do procedimento de inspecção, a extensão do procedimento mediante despacho fundamentado da entidade que ordenou a inspeção, mas não foi feito uso desta prerrogativa;

v) dado que o direito à dedução se efetiva no momento do preenchimento da declaração periódica em que são reportadas as operações que conferem aquele direito, in casu em 2011, 2012 e 2013, verifica-se manifesta violação da extensão da ação de inspeção tributária e do disposto nos artigos 14.º e 15.º do RCPITA, no que tange ao âmbito, extensão e fins do procedimento de inspeção.

 

11. Para a apreciação do vício assim alegado, importa, antes de mais, reter os factos dados como provados sub alíneas W), X), Y), Z), DD) e EE) relevantes para tal questão:

- Na sequência do arrendamento das fracções em causa com renúncia à isenção de IVA, o Requerente deduziu no campo 22 do quadro 06 das seguintes declarações periódicas de IVA:

(i) Referente ao período de 2012.06T, o montante de €241.568,76 (€ 107.614,04, referente à fração B, e €133.954,72, alusivo à fração H), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção destas fracções;

(ii) Referente ao período de 2012.09T, o montante de €871.268,51 (€325.656,31, referente à fracção U; €130.240,01, referente à fracção V; €135.305,52, referente à fração W; €135.305,52, referente à fracção X; €144.761,15, referente à fração AB), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção destas fracções;

(iii) Referente ao período de 2013.11, o montante de €199.243,57 (referente à fracção Q), correspondente ao IVA que havia suportado com a aquisição e construção desta fracção;

- Desde os períodos em que foram efectuadas as deduções indicadas no ponto anterior até ao período 2014.01, o Requerente manteve-se sempre em situação de crédito de imposto, que foi reportando para os períodos seguintes, pelo que o montante das deduções referidas no ponto anterior mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014;

- A inspecção externa à Requerente com base na ordem de serviço n.º OI2016... teve âmbito parcial, relativa ao ano de 2014, em sede de IVA;

- O procedimento de inspecção teve origem no controlo a sujeitos passivos em situação de reporte de IVA em períodos sucessivos sem pedido de reembolso;

- No RIT consignou-se que (sublinhados aditados):

i) “Na análise efetuada, no âmbito da presente Ordem de serviço, foram detetadas algumas irregularidades, que se consubstanciaram em correções meramente aritméticas, em sede de IVA, no montante global de 1.312.080,85€ para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 2014.01” [p. 5]:

 ii) “em 201206T, o sujeito passivo deduziu o montante de 777.612,78 €, para os quais apenas possuía certificados válidos para poder deduzir o montante de 536.044,01 €, pelo que a dedução efetuada no montante de 241.568,76€ (107.614,04€ +133.954,72€), não está correta./Em 201311, o sujeito passivo deduziu o montante de 199.243,576, para os quais também não tinha certificado válido para a operação de locação. /No início de 2014, o crédito acumulado corresponde à totalidade das deduções, ao qual foi subtraído o imposto liquidado ao longo dos vários anos, pelo que o montante destas deduções mantém-se incluído no crédito de imposto no decurso do ano de 2014./O reporte do período anterior (Campo 61) na DP de IVA de 201401, era de 4.031.276.79€ (...)” [pp. 16-17];

iii) “o IVA suportado na aquisição/construção do imóvel foi deduzido pelo sujeito passivo, não nos períodos em que as operações se realizaram, nomeadamente nas DP's de 200911, 201004 e 201010, nem mesmo no período em que foram solicitados pelo sujeito passivo os certificados de renúncia emitidos, em 201108, mas apenas em 201209T./Em 201209T, o Sujeito Passivo, deduziu indevidamente o IVA correspondente às 5 frações no montante de 871 268,51€ (...)” [pp. 23];

iv) “Deste modo, com base nos valores apurados e descritos nos pontos III.1.4 e III.2.4, não é devido ao sujeito passivo, no período 201401, um crédito de imposto no montante de 440.812,34€ e 871.268,51€, no total de 1.312.080,85€, pelo que se procederá a uma liquidação adicional desse montante, como a seguir se resume:

 

Refira-se que relativamente a esta liquidação adicional não serão devidos juros compensatórios uma vez que a situação de crédito de imposto se mantém até à presente data, sendo este apenas de valor inferior” [pp 23-24].

- Na liquidação adicional de IVA n.º..., relativa ao período 201401M, reduziu-se no montante de € 1.312.080,85 o excesso a reportar para o período seguinte (o excesso a reportar declarado pelo Requerente era de € 4.015.667,92 e a AT corrigiu-o para € 2.703.587,07).

 

Conclui-se, em face destes enunciados fácticos, que foi indicado, na ordem de serviço n.º OI2016..., como extensão da acção inspectiva o ano de 2014, portanto, o(s) período(s) de tributação/declaração em IVA de 2014, tendo a correcção realizada incidido sobre o crédito de imposto reportado no período 2014.1, mas com base num juízo do carácter indevido de deduções realizadas em declarações periódicas de anos anteriores (201206T, 201209T e 201311), que se encontravam incluídas no referido crédito de imposto de 2014.

 

12. Segundo o disposto no art. 46.º, n.º 3, al. c), no art. 49.º, n.º 2, al. b) e no art. 62.º, n.º 3, al. d) do RCPITA, a indicação do “âmbito e extensão” da inspecção a realizar ou realizada é elemento que deve constar da ordem de serviço, da carta-aviso ou do relatório respeitante a um determinado procedimento de inspecção, sendo que, conforme referido no art. 14.º, n.º 3 do RCPIT, “Quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação”, assinalando o n.º 1 do art. 15.º do mesmo diploma que: “Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada”.

Pelo seu lado, o art. 63.º da LGT, sobre “Inspecção”, depois de referir, no n.º 1, que: “Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes (...)”, determina no n.º 4 que: “O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas”.

 

14. Apresentado este quadro legal, julga-se indubitável, em face do teor do n.º 1 do art. 15.º do RCPITA acima transcrito, que para alteração da extensão da inspecção é necessária a prolacção de despacho administrativo fundamentado e sua notificação ao sujeito passivo, pelo que a omissão dessa actuação, num caso em que se verifique a modificação da extensão fixada, implica, conforme orientação do Supremo Tribunal Administrativo (vd. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4.12.2019, proc. n.º 02243/16.6BEBRG e de 19.9.2018, proc. n.º 01460/17), vício invalidante, por se tratar da preterição de uma formalidade legal essencial, porque estruturante do procedimento inspectivo, o que determina a anulação dos ulteriores actos e termos procedimentais, designadamente da liquidação adicional praticada na base desse procedimento.

Porém, o que aqui importa decidir, em face dos factos provados, é se, efectivamente, se pode afirmar que ocorreu uma alteração, por alargamento, da extensão do procedimento inspectivo sub judice, o que, atenta a própria caracterização do conceito de “extensão” (vd. o acima citado n.º 3 do art. 14.º do RCPITA), pressupõe, no que concerne ao IVA, que o procedimento inspectivo não tenha respeitado ao ano de 2014 e aos períodos de tributação/declaração aí incluídos.

Pois bem, entende-se, desde logo porque o procedimento de inspecção tributária tem um carácter preparatório ou acessório de actos tributários ou em matéria tributária (cfr. art. 11.º, bem como n.º 1 do art. 63.º do RCPITA), que a determinação, em termos de extensão, do período de tributação a que respeita a acção inspectiva prende-se com o espaço temporal em que incidem as correcções à matéria tributável ou ao imposto ou a que concernem as liquidações propostas ou decorrentes do procedimento inspectivo, por isso mesmo períodos de imposto ou tributação.

 

15. No caso dos autos, observa-se que a correcção realizada incidiu sobre o crédito de imposto reportado no ano de 2014, tendo a liquidação adicional de IVA n.º..., reduzido no montante de € 1.312.080,85 o excesso a reportar para o período seguinte, com incidência na declaração periódica respeitante ao período 201401M,

Deste modo, foi objecto de correcção um facto tributariamente relevante verificado no ano de 2014 – o reporte de crédito de imposto nesse ano – o qual foi regularizado na declaração periódica de IVA de 201401. Não foram, pois, objecto de qualquer correcção ou liquidação períodos anteriores a este ano de 2014.

Como tal, impõe-se reconhecer que não foi infringida a extensão do procedimento inspectivo, porquanto este teve como objecto o crédito de imposto reportado em 2014 e a liquidação emitida incidiu precisamente sobre o valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA, reduzindo-o em € 1.312.080,85 (cfr. os factos provados enunciados nas alíneas X) e EE) do probatório).

 

16. É certo que, na base desta correcção respeitante ao crédito de imposto existente em 2014, portanto, referente ao “período de imposto” de 2014 (cfr. art. 22.º, n.º 4 do CIVA), se encontra o exame e a fiscalização de deduções concretizadas nas declarações de 2012.06T, 2012.09T e 2013.11 e as operações disso justificativas realizadas em 2011, 2012 e 2013. É inquestionável, na verdade, que se a correcção de IVA realizada concerne a crédito de imposto respeitante ao ano de 2014, para o efeito teve-se em atenção deduções, julgadas indevidas, que foram efectuadas nas declarações periódicas de 201206T, 201209T e 201311.

Isto, porém, como também se analisará no ponto subsequente, é decorrência necessária do funcionamento do próprio sistema do IVA. Consabidamente, o apuramento do IVA devido assenta num mecanismo de crédito que envolve o exercício pelo sujeito passivo do direito de dedução do imposto suportado a montante (artigo 19.º CIVA), do que pode vir a resultar, em atenção ao imposto liquidado nas operações tributáveis realizadas a jusante, um crédito de imposto a favor do sujeito passivo em certo período declarativo, o qual pode ser reportado para as declarações periódicas seguintes, de modo a ser deduzido nos períodos de imposto seguintes (cfr. art. 22.º, n.º 4 do CIVA) e, mantendo-se a situação de crédito de imposto, uma vez verificados os respetivos pressupostos, ser objecto de pedido de reembolso do imposto (art. 22.º, n.º 5 do CIVA).

No caso dos autos, é patente esta situação de crédito de imposto acumulado, sucessivamente reportado pelo Requerente, relativamente ao qual não foi apresentado pedido de reembolso (cfr. facto provado sub X)), pelo que tudo opera na lógica, correntemente convocada para descrever o mecanismo do IVA, de uma conta-corrente ou de um acerto periódico de contas entre o sujeito passivo e o Estado , que tem em conta o período em que surgiu, mas também os períodos em que se acumulou, o crédito de imposto, em razão do excesso do montante das deduções suportadas perante o imposto liquidado.

Ora, para efeitos da análise desta conta-corrente entre o sujeito passivo e o Estado e do crédito de imposto por ela manifestado vigente, no caso, em 2014, não se pode deixar de admitir o exame, relativamente a momentos anteriores, do imposto dedutível suportado e das operações realizadas e dos pressupostos exigidos para o direito à dedução do IVA, sob pena de, afinal, se inviabilizar aferir, no campo de incidência da extensão da inspecção relativa a 2014, mediante a competente recolha de dados e de provas, o reconhecimento do crédito de imposto reportado em 2014 – como se refere no RIT (cfr. alínea DD) dos factos provados), trata-se de “validar os valores declarados em sede de IVA”, o que envolve, para citar a formulação do art. 63.º, n.º 3 da LGT, proceder à “confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária”.

Aliás, entender que, no âmbito da realização de correções ou liquidações de imposto relativas a um certo período de tributação e do desenvolvimento das acções inspectivas subjacentes, não seria possível considerar senão factos ocorridos ou verificados no ano em causa e não, mais vastamente, factos ou operações com relevância para correcções ou liquidações incidentes sobre esse período seria incompatível com o facto de as actuações da administração tributária por via da inspecção tributária – particularmente no procedimento de inspecção paradigmático que é aquele que se analisa em “[p]rocedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” (al. a) do n.º 1 do art. 12.º do RCPITA) – envolverem, como refere a al. a) do n.º 2 do art. 2.º do RCPITA, a “confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” ou, como genericamente prescreve o n.º 1 do art. 63.º da LGT, “desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”, o que implica “[e]xaminar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária” (al. b) do n.º 1 do referido art. 63.º).

Isto mesmo parece estar implícito na determinação do n.º 1 do art. 36.º do RCPITA que prevê que: “O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar”.

Como observam, correctamente, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES et alii  sobre as situações de deduções ou créditos de imposto: “Tendo em conta que a sua correcção, pela administração tributária, depende da investigação dos pressupostos da sua constituição, essa actividade de verificação administrativa poderá reportar-se à análise de factos ocorridos para além do período normal de caducidade. Na verdade, no caso de exercício indevido desses direitos pelos sujeitos passivos, a eventual liquidação adicional resultante da sua correcção, a efectuar pela administração tributária no prazo de 4 anos após aquele exercício, terá que se fundar necessariamente na investigação dos fundamentos desses direitos, e essa investigação terá que ir à sua origem, ou seja, ao momento em que se constituíram, que pode ser muito anterior ao limite dos quatro anos de caducidade”.

Julga-se mesmo que entendimento diferente não se harmonizaria com o princípio da verdade material e do inquisitório (arts. 6.º do RCPITA e 58.º da LGT) e não teria cabimento em atenção a preocupações de proporcionalidade (arts. 63.º, n.º 4 da LGT e 7.º do RCPITA), que implicam que as acções inspectivas devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos da inspecção, maxime ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, do que deriva a faculdade da inspecção de “[e]xaminar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua actividade” (al. a) do n.º 1 do art. 29.º do RCPITA).

Conclui-se, pois, que a alteração da extensão do procedimento inspectivo se afere em relação aos actos tributários ou em matéria tributária que a inspecção venha a determinar relativamente a certo período de imposto (cfr. aliás, os arts. 11.º, 60.º, n.º 1, 62.º, n.º 3, al. i) e 63.º do RCPITA). Para tanto podem ser apreciados, sem afectação dessa extensão, todos os factos relevantes, ainda que ocorridos em períodos distintos, para as correcções com incidência no período ou períodos de tributação indicados como extensão da inspecção – por outras palavras, a extensão da inspecção não é afectada pelo exame ou análise de factos ou operações que seja necessário apurar ou apreciar em ordem à correcção de valores declarados ou que deveriam ter sido declarados pelo sujeito passivo em relação aos períodos de tributação abrangidos e às liquidações atinentes a esses períodos de tributação originadas pelos actos de inspecção.

Em suma, a extensão do procedimento de inspecção, englobante de um ou mais períodos de tributação, respeita aos actos tributários ou em matéria tributária dele decorrentes, não aos factos relevantes para as correcções à matéria tributável ou ao imposto e às liquidações praticadas, factos esses que não têm necessariamente que se localizar temporalmente no mesmo período.

 

17. Pelo exposto, não se julga verificada a infracção alegada quanto à extensão fixada ao procedimento de inspecção tributária, pelo que não procede a invocada violação do disposto nos arts. 14.º e 15.º do RCPITA.

 

 

IV.2. Do decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação

 

18. O segundo vício imputado pelo Requerente à liquidação adicional sindicada concerne à alegação de que já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação quanto às correcções realizadas pela AT.

Para a apreciação desta questão, e na sequência do que já se examinou no ponto anterior, importa ter em equação (cfr. alínea EE) dos factos provados) que a liquidação adicional de IVA n.º ... incidiu sobre o crédito de imposto acumulado em 2014, reduzindo no montante de € 1.312.080,85 o excesso a reportar existente, dado se terem considerado indevidas deduções de IVA realizadas nos períodos de 201206T, 201209T e 201311 (conforme se refere no RIT em transcrição constante da alínea DD) dos factos provados: “não é devido ao sujeito passivo, no período 201401, um crédito de imposto no montante de 440.812,34€ e 871.268,51€, no total de 1.312.080,85€”, o que se consubstanciou “em correções meramente aritméticas, em sede de IVA, no montante global de 1.312.080,85€ para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 2014.01”).

 

19. Isto posto, descreva-se, previamente, a motivação apresentada pelo Requerente para a sustentação deste vício (cfr. arts. 84.º e seguintes do ppa e 63.º e seguintes das alegações):

i) apesar de os SIT sustentarem que apenas foram efetuadas “correções meramente aritméticas, em sede de IVA (...) para o ano de 2014, sendo as mesmas regularizadas na DP de IVA do período 201401” (página 5 do RIT), em substância as correções incidiram sobre as deduções efetuadas nas declarações de 2012.06T, 2012.09T e 2013.11;

ii) é entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que, sendo o IVA um imposto de obrigação única, o prazo para a liquidação conta-se da data da ocorrência do facto tributário gerador do imposto a liquidar e/ou a deduzir, aí nascendo a relação jurídica de imposto, sendo que as circunstâncias que dão lugar a uma obrigação de liquidação do IVA, e à sua correspondente exigibilidade, têm caráter instantâneo, reportando-se este imposto a cada um dos atos individualmente praticados, independentemente das repercussões temporais que os mesmos possam vir a ter no futuro;

iii) nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, o prazo do exercício do direito à dedução é de quatro anos, após o nascimento do direito à dedução, pelo que para cada uma das fracções para as quais foram pedidos certificados de renúncia à isenção, a Requerida dispunha de 4 anos, contados desde a data de entrega da declaração na qual a dedução objeto da liquidação foi efetuada, para liquidar imposto;

iv) atendendo aos períodos da dedução, a AT dispunha de prazo até 31.12.2016 ou 31.12.2017 (consoante o caso) para liquidar IVA que desconsiderasse o direito à dedução atempadamente exercido pelo Requerente, conforme se segue:

 

v) para as frações B, H, U, V, W, X e AB, tendo o prazo de caducidade terminado a 31.12.2016, na data em que a inspeção se iniciou (28.11.2017), a Requerida já não poderia liquidar IVA relativo às deduções efetuadas pelo Requerente;

vi) quanto à fração Q, apesar de a inspeção ter tido início antes do fim do prazo de caducidade (i.e., 31.12.2017), dado que apenas terminou em 26.11.2018, data da notificação do Relatório, como teve a duração de 11 meses e 29 dias, cessou a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação nos termos do art. 46.º da LGT, pelo que o direito a liquidar IVA relativo à dedução efetuada pelo Requerente no que respeita à fração Q caducou em 31.12.2017, sendo que a liquidação adicional apenas foi notificada em 4.12.2018;

vii) assim, o direito da Requerida a liquidar IVA relativo às deduções efetuadas pelo Requerente em 2012 e 2013 já havia caducado aquando da emissão da liquidação oficiosa posta em crise (04.12.2018), a qual é ilegal por ter sido emitida após ter decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, devendo ser anulada, com todas as consequências legais, designadamente, a reconstituição da situação de reporte/crédito de IVA em que o Requerente se encontraria na ausência de tal ato ilegal.

 

20. Pelo seu lado, a Requerida considera na sua resposta (designadamente arts. 84.º e seguintes) que:

i) a fixação de prazos de caducidade que se esgotassem em função das datas em que as operações tributáveis são praticadas, traria ao IVA um elemento de insegurança totalmente contraditório com o objectivo a que a sua periodização serve, motivo que em grande parte explica a redacção que o legislador deu ao artigo 45.º da LGT;

ii) o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior;

iii) quanto à correcção efectuada ao crédito de IVA acumulado até 201401T, no montante de 1.312.080,85 €, por este ter sido deduzido indevidamente, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é utilizado o crédito do imposto, mesmo que anteriores ao prazo geral de caducidade;

iv) embora o direito à dedução se tivesse formado nos exercícios de 2012 e 2013, o crédito de imposto é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA;

v) após a dedução do IVA efectuada nos períodos 201206T, 201209T e 201311, o Requerente não solicitou qualquer reembolso do crédito de imposto gerado, pelo que a AT não teve conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção correctiva, fazendo-o apenas no âmbito desta acção inspectiva;

vi) uma vez que o referido crédito é revalidado pelo sujeito passivo ao longo dos períodos seguintes, de acordo com o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA, a caducidade do crédito de imposto ocorre no exercício do direito ao mesmo, ou seja, no caso em apreço, no momento em que o mesmo é consumido para efeitos de apuramento de imposto em cada período.

vii) a AT pode, deve e tem o direito de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, tal como decorre do preceituado no n.º 10 do artigo 22.º do CIVA.

viii) se assim não fosse, pela constituição de créditos e reporte com base em operações efectuadas pelo sujeito passivo em períodos muito anteriores, estava aberta a porta para que, com relativa facilidade, se solicitassem reembolsos sem que os factos que originaram o direito à dedução fossem passíveis de controlo por parte da AT ou, mesmo que o fossem, ficaria a AT coartada de promover qualquer correcção ao IVA dedutível que se tivesse formado em períodos já alegadamente caducados, ainda que aquele direito à dedução tenha sido indevidamente considerado pelo sujeito passivo, quer o mesmo fosse sendo “consumido” pelo sujeito passivo ou alvo de pedido de reembolso;

ix) um crédito de imposto, mantido pelo sujeito passivo ao longo do tempo como bem lhe aprouver, não pode consubstanciar um cheque em branco junto da Administração Tributária, que o habilite sem mais, a deduzir o imposto que alega ter direito a deduzir; entendendo de outro modo coarta-se pela raiz toda a dinâmica e lógica final do IVA, promove-se a fraude fiscal, colocando nas mãos do sujeito passivo a “fórmula mágica” de deduzir o que quer – quando eventualmente não tem direito – e quando quer, furtando-se a qualquer esforço inspectivo das autoridades.

 

21. Expostas as posições das partes, cabe, seguidamente, referenciar as disposições legais pertinentes para a resolução da questão em apreço, na versão vigente à data dos factos.

 Refira-se, em primeiro lugar, o disposto, em termos gerais, no n.º 1 do art. 94.º do CIVA, segundo o qual: “Só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária”.

Por seu turno, o art. 45.º da LGT estabelece no seu n.º 1 que: “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro” e no seu n.º 4 que: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.

Temos, pois, que, em razão dos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto em sede de IVA é de quatro anos contados a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto – estas regras dispõem, pois, sobre o prazo de caducidade (4 anos) e sobre o termo inicial do prazo de caducidade (início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto).

O ponto nodal em causa nos autos prende-se, porém, com a aplicação do enunciado normativo do n.º 3 do art. 45.º da LGT que dispõe actualmente, na sequência da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, que: “Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”, prevendo anteriormente, na versão resultante da Lei n.º 55-B/2004, que: “Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”.

Relativamente ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, prevê o art. 22.º do CIVA, sobre o “Momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, no que para aqui mais directamente releva, que: “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período” (n.º 1); “Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes” (n.º 4); “ Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso” (n.º 5) .

Note-se, de qualquer modo, quanto ao pedido de reembolso, que este mesmo artigo, no seu n.º 6, admite que: “Não obstante o disposto no número anterior, o sujeito passivo pode solicitar o reembolso antes do fim do período de 12 meses quando se verifique a cessação de actividade ou passe a enquadrar-se no disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 29.º, 1 do artigo 54.º ou 1 do artigo 61.º, desde que o valor do reembolso seja igual ou superior a (euro) 25, bem como quando o crédito a seu favor exceder (euro) 3000”, e, nos seus n.ºs 8 e 11, estabelece que: “Os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária” e que: “Os pedidos de reembolso serão indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso”.

Pelo seu lado, o art. 98.º, n.º 2 do CIVA, sobre “prazo do exercício do direito à dedução”, prescreve que, “[s]em prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”.

O art. 87.º, n.º 1 do CIVA determina que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença”.

Em face destas disposições, considera-se que, em termos de prazo geral (sem considerar, pois, hic et nunc prazos especiais previstos na lei), o prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante a correcções relativas ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, por força da conjugação do n.º 2 do art. 98.º do CIVA e do n.º 3 do art. 45.º da LGT e da equiparação, deste último resultante, entre prazo de caducidade do direito à liquidação e prazo de exercício do direito à dedução ou crédito de imposto, é de quatro anos.

 

22. Dito isto, deve imediatamente recordar-se o óbvio, a saber, que no n.º 3 do art. 45.º da LGT se prevê o tempo em que deve ser praticado um acto, indicando o período dentro do qual o acto pode ser praticado – o prazo de caducidade é o do exercício do direito de dedução ou de crédito de imposto.

Renovando o óbvio, o período dentro do qual um acto pode ser praticado, que é o que se chama de prazo, tem um início (dies a quo) e um termo (dies ad quem), sendo entre o início e o termo que se conta a sua duração.

Pois bem, o n.º 3 do art. 45.º da LGT, por remissão para os prazos objecto de previsão legal específica sobre exercício do direito de dedução ou crédito de imposto, estabelece directamente a duração do prazo, mas não marca expressis verbis qual é o momento do início da sua contagem (dies a quo).

Precisamente, a detecção deste início não pode deixar de ser realizada em função da própria consistência e manifestação do direito de dedução ou crédito de imposto cujo exercício está a ser efectivamente concretizado pelo contribuinte.

 

23. Por força das regulações atrás citadas no n.º 21, o direito à dedução do IVA suportado, direito que nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, pode ser realizado, em atenção às circunstâncias relevantes, mediante três modalidades ou métodos : o método subtractivo indirecto, pelo qual o sujeito passivo subtrai ao montante global do imposto liquidado durante um período de tributação o montante do imposto dedutível respeitante ao mesmo período (n.º 1 do art. 22.º do CIVA); o método do reporte, pelo qual, caso o imposto dedutível seja superior ao imposto liquidado, o excesso é objecto de dedução pelo sujeito passivo nos períodos de imposto seguintes (n.º 4 do art. 22.º do CIVA); e o método do reembolso, nos termos do qual se, decorridos 12 meses após o período em que se iniciou o excesso, persistir crédito superior a €250,00 a favor do sujeito passivo, este pode solicitar o reembolso (n.º 5 do art. 22.º do CIVA).

Tendo isto presente, a questão interpretativa imediatamente relevante é saber se para efeitos do direito à liquidação relativo ao exercício destes direitos contra o Estado pelo sujeito passivo, designadamente porque realizado em termos indevidos (liquidação-recusa de dedução, se se quiser), cabe aplicar o n.º 4 do art. 45.º da LGT ou solução particular deve valer para as situações abrangidas pelo n.º 3 do art. 45.º do mesmo diploma, dado estar aqui em causa a vertente do exercício de direitos de crédito ou, mais vastamente, situações jurídicas activas por parte do sujeito passivo.

Assinala a este respeito SÉRGIO VASQUES  o seguinte:

a “intervenção correctiva da administração tributária tanto pode ter por objecto IVA liquidado pelo sujeito passivo nas operações activas que este realiza quanto o IVA por ele deduzido em virtude de operações passivas associadas à sua actividade. Como facilmente se compreende, porém, só quanto ao imposto liquidado pelo sujeito passivo nos seus outputs são aplicáveis as noções de facto gerador e exigibilidade com que o artigo 45.º da LGT constrói as regras de caducidade relativas aos impostos de obrigação única. O IVA em que o sujeito passivo incorra nos seus inputs não é gerado na sua esfera nem a ele lhe é exigível, constituindo, bem pelo contrário, um crédito que este pode ou não mobilizar contra o estado, exercendo o direito à dedução. A regra especial constante do artigo 45.º, n.º 4 da LGT, apelando à exigibilidade do imposto, não pode por isso aplicar-se aos casos em que a intervenção da administração tenha por objecto IVA dedutível, resulte este da realização de operações passivas, resulte ele de regularizações feitas nos termos da lei.

É a este problema que vem obviar o artigo 45.º da LGT no seu n.º 3, ao dispor que, em caso de ter sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, “o prazo de caducidade é o exercício desse direito”.

Sustenta, em consequência, este Autor que:

“No tocante ao IVA, o alcance evidente do artigo 45.º, n.º 3 da LGT está em fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos de que a administração dispõe para proceder a uma liquidação adicional se conte a partir do momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução do imposto, sempre que a liquidação adicional a tenha por objecto. O prazo tem então início na data em que é entregue a declaração em que esse direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em momento anterior. E esta é uma regra que vale para todos os casos em que, no apuramento do IVA, o sujeito passivo mobilize um direito contra o estado, esteja em causa a dedução de imposto incorrido com a aquisição de bens e serviços associados à sua actividade, esteja em causa um crédito gerado por regularizações de imposto feitas nos termos da lei”.

Julga-se perfeitamente pertinente a distinção, assim realizada, quanto à intervenção correctiva da AT, por via de liquidação de IVA, entre imposto liquidado ou dedução de imposto suportado, cuja relevância para efeitos do prazo de caducidade parece manifestar-se imediatamente no facto de o n.º 1 do art. 94.º do CIVA, atrás citado, se reportar exclusivamente à liquidação de “imposto” ao passo que o n.º 1 do art. 87.º do CIVA, ao considerar genericamente a faculdade de realizar liquidações adicionais e de rectificar as declarações dos sujeitos passivos, mencionar quer a vertente de figurar “um imposto inferior” quer a vertente de figurar “uma dedução superior” aos devidos.

Com esta orientação dá-se devida relevância, quanto à caducidade do direito à liquidação, ao mecanismo de crédito de imposto em sede de IVA, pelo qual o imposto devido se apura mediante dedução ao imposto liquidado a jusante do imposto suportado a montante pelos sujeitos passivos, o que envolve que, ao dever de liquidação do imposto respeitante às operações activas, necessariamente obrigatório, se associa o direito de dedução, facultativo e eventual, do imposto suportado nas operações passivas , pelo que, ainda que nascido em momento anterior (n.º 1 do art. 22.º do CIVA), só com a sua subtracção no competente período de declaração ou subsequente reporte nas declarações periódicas subsequentes ou com o pedido de reembolso se manifesta – é exercido – efectivamente este direito.

 

24. Pois bem, para a aplicação, neste âmbito, do n.º 3 do art. 45.º da LGT e do início da contagem do prazo, há que ter presente, em relação a cada caso concreto, precisamente as três modalidades básicas de exercício do direito à dedução do IVA atrás mencionadas: a dedução por subtração, o reporte e o reembolso.

Justamente, a determinação do início do prazo de caducidade resultante do disposto no n.º 3 do art. 45.º da LGT, para além do que concerne ao exercício do direito à dedução por subtracção mediante a apresentação da declaração periódica em que esse direito é exercido (a que respeitam directamente as considerações de SÉRGIO VASQUES acima citadas no n.º 23), tem também que ser realizada em atenção às outras modalidades do direito à dedução, a saber, o reporte (que envolve uma compensação realizada em períodos subsequentes) e o reembolso (que envolve a recuperação do imposto entregue em excesso por virtude de crédito de imposto apurado em declarações periódicas antecedentes).

Sobre o reembolso, em termos inteiramente correctos, cumpre assinalar que, pelo acórdão do STA de 12.07.2007, proc. n.º 0303/07, acompanhado pelo acórdão do STA de 30.09.2009, proc. n.º 0682/09 , foi firmada a doutrina seguinte:

“[c]omo decorre do preceituado no n.º 8 do art. 22.º do CIVA, os reembolsos de IVA são efectuados «quando devidos», isto é, após a confirmação, no momento em que se vai apreciar um pedido de reembolso, de que no período a que ele se refere a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efectuar esta confirmação, a Administração Tributária pode efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo. (...)

O prazo de caducidade do direito [de] liquidação, actualmente previsto no art. 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária (...).

É apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados.

Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.

Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.

Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.

Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º

Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.

Conclui-se, assim, que não há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA.

Para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade».

 

Cite-se também, com pertinência para o caso, o acórdão do TCA Sul, de 12.05.2016, no processo n.º 08095/14, que afirmou o seguinte: “não havendo certeza sobre a relação jurídica de imposto, por faltarem elementos que a concretizam, concretamente, por falta do juízo administrativo que certifique o preenchimento dos pressupostos formais e materiais do exercício do direito à dedução do imposto (artigo 22.º do CIVA), bem como dos quantitativos liquidados em excesso, seria contrário aos princípios da legalidade e da verdade material, aplicar o efeito preclusivo da caducidade do direito à liquidação às situações em que o contribuinte solicita o reembolso do imposto não deduzido”.

Justamente, julga-se que esta orientação, aplicada aos reembolsos de IVA, é inteiramente válida para as situações de crédito de imposto acumulado, por reporte do excesso do montante do imposto a deduzir verificado em períodos de imposto anteriores (n.º 4 do art. 22.º do CIVA).

O reembolso, como claramente resulta do n.º 5 do art. 22.º do CIVA, não é senão uma consequência da verificação da persistência de crédito de imposto resultante de excesso de imposto dedutível objecto de reporte em períodos de imposto antecedentes.  Por outras palavras, o pedido de reembolso é, afinal, a manifestação actuativa do crédito de imposto resultante do exercício do direito à dedução de imposto e do reporte realizado em períodos anteriores.

Ora, também em relação à correcção efectuada a crédito de imposto acumulado, enquanto este existir e estiver a ser “consumido”, mediante a consideração como indevidas de deduções objecto de reporte em períodos posteriores, o que se joga, ao verificar e qualificar essas deduções de imposto como indevidas, é, para recorrer à significativa formulação do acórdão do STA proferido no processo n.º 0303/07, um acto de recusa que, como acto negativo que é, não produz nem declara qualquer obrigação para o contribuinte. E também em relação ao crédito de imposto acumulado, como se refere no citado acórdão do TCA Sul proferido no processo n.º 08095/14, se deve entender que aplicar o efeito preclusivo da caducidade do direito à liquidação seria contrário aos princípios da legalidade e da verdade material.

Como tal, há sempre que atender ao momento ou momentos do exercício efectivo do reporte, com o montante do crédito de imposto aí envolvido, para efeitos de aferição do prazo de caducidade da liquidação que incida sobre o IVA dedutível nos termos do n.º 3 do art. 45.º da LGT. Na verdade, mesmo que o direito à dedução tenha sido efectuado em períodos anteriores, o crédito de imposto objecto de reporte envolve a sua renovação nos períodos em que isso ocorre, conforme resulta do n.º 4 do art. 22.º do CIVA, pelo que, na medida em que a liquidação incida, no prazo de 4 anos a contar de cada declaração de reporte, sobre o montante do crédito que persista, ela exerce-se dentro do prazo de caducidade.

 Assim, nestes casos em que se trata do exercício de direitos creditórios pelo contribuinte, o que surge como relevante é a manifestação ou as manifestações de vontade do contribuinte no exercício do direito, pelo que o prazo de caducidade deve começar a contar a partir desse momento do exercício do direito (ou da sua renovação), com a entrega de cada pertinente declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto, em relação à qual se baliza o início do respectivo prazo de caducidade (vd. por analogia o acórdão do STA de 17.12.2008, proc. n.º 0695/08) e não a partir da exigibilidade do imposto ou do ano civil seguinte a esta.

Temos aqui, se se quiser, uma daquelas situações que, como dava conta JOAQUIM GONÇALVES , o “facto relevante para o início da caducidade já não é, aqui, a ocorrência ou a verificação do facto tributário, mas uma outra circunstância posterior que como que inutiliza (para efeitos de caducidade) o tempo até aí decorrido”.

Justamente, o facto determinante da contagem do prazo de caducidade, tal como resulta do art. 22.º, n.º 4 do CIVA, é o reporte da dedução do IVA para os períodos seguintes, o qual é objecto da pertinente declaração, determinando crédito de imposto renovado ou revalidado em declarações subsequentes. Em consequência, enquanto este crédito de imposto continuar a ser invocado e na medida em que o seja, assiste à AT o direito à liquidação correctiva das deduções nele pressupostas, sem que se possa considerar precludido, por caducidade, esse direito à liquidação.

Julga-se, pois, correcto o entendimento de JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES et alii , segundo o qual, ao prever-se no n.º 3 do art. 45.º da LGT que o prazo de caducidade das liquidações resultantes de correcções por exercício indevido do direito a dedução ou crédito de imposto “é o do exercício desses direitos”, se pretendeu estabelecer que “o prazo de caducidade se conta a partir da data do exercício desses direitos pelos sujeitos passivos” – “Trata-se (...) de direitos dos sujeitos passivos que se constituíram previamente na sua esfera jurídica e que, muitas vezes, só são conhecidos da administração tributária quando são invocados e exercidos como direitos de crédito na relação jurídica tributária. A lei estabelece que, adquirindo a administração tributária conhecimento deles apenas quando são invocados, só pode efectuar a sua verificação, controlo e correcção a partir desse momento, pelo que só a partir daí se inicia a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto resultante da sua eventual correcção”.

Em suma, entende-se, com base no disposto no art. 22.º, n.ºs 4 e 5 do CIVA, conjugado com o art. 45.º, n.º 3 da LGT e o art. 98.º, n.º 2 do CIVA, que o facto relevante como dies a quo da contagem do prazo de caducidade de quatro anos respeitante à liquidação que tenha por objecto IVA dedutível é a data do exercício do direito à dedução   ou do reporte do excesso de imposto dedutível verificado em períodos anteriores, pelo que, enquanto se mantiver e for invocado crédito de imposto ou pedido o reembolso, não se pode considerar extinguido o direito à liquidação relativo ao imposto dedutível.

 

25. Resulta do que se vem de expor que não se pode acolher a posição assumida no acórdão arbitral proferido no processo n.º 929/2019-T de que “haverá um único prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida, contado do momento em que o IVA respectivo se tornou exigível, e não um novo prazo iniciado com cada acto em que se concretizou esse exercício indevido, designadamente os sucessivos actos de reporte para períodos seguintes, nos casos em que o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis, que o n.º 4 do artigo 22.º do Código do IVA também considera exercício do direito de dedução”..

Esta posição, que, aliás, reconhece que antes do exercício do direito de dedução a Administração Tributária não tem sequer a possibilidade prática de controlar o seu exercício, teria como consequência, muitas vezes, a impossibilidade, em termos materiais, de proceder a uma liquidação respeitante a uma dedução indevida, desde logo quando seja formulada fora do prazo legalmente previsto (n.º 2 do art. 98.º do CIVA), porquanto já teria então também decorrido o prazo de caducidade da liquidação, pelo que não poderia ser contrariada uma dedução por caducidade do direito de a efectuar dado não se poder então fazer uma liquidação que rejeitasse a dedução por ser indevida . Afigura-se ainda que esta posição não enfrentaria com facilidade os casos drásticos em que o carácter indevido das deduções de IVA resulta da sua pura e simples inexistência, não obstante a sua invocação, caso em que não se poderia sequer falar em “nascimento” do direito à dedução (n.º 1 do art. 22.º do CIVA).

Esta posição envolve, pois, o risco, que se tem por inadmissível, de que, como nota a Requerida, pela constituição de créditos e reporte com base em operações efectuadas pelo sujeito passivo em períodos muito anteriores, fique aberta a porta para que, com relativa facilidade, se solicitem reembolsos sem que os factos que originaram o direito à dedução fossem passíveis de controlo por parte da AT ou, mesmo que o fossem, ficaria a AT coartada de promover qualquer correcção ao IVA dedutível que se tivesse formado em períodos já alegadamente caducados, ainda que aquele direito à dedução tenha sido indevidamente considerado pelo sujeito passivo, quer o mesmo fosse sendo “consumido” pelo sujeito passivo ou alvo de pedido de reembolso.

  Quaisquer soluções sobre caducidade do direito à liquidação, como observa incisivamente SÉRGIO VASQUES , para além do compromisso fundamental subjacente “entre a igualdade tributária, que ditaria que a liquidação pudesse ser feita a todo o tempo, e a segurança jurídica, aconselhando que para o efeito se fixe um prazo tão curto quanto possível”, envolvem sempre um “juízo sobre aquilo que a administração tributária pode e deve fazer na gestão dos impostos que lhe estão confiados; um juízo sobre o seu estado de preparação, sobre os seus métodos de trabalho, sobre a relação de confiança que se pretende que estabeleça com os contribuintes”. Ora, como notam JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES et alii , “O prazo de caducidade deve ser entendido sempre dentro de um princípio de razoabilidade, como o período temporal indispensável para que a administração tributária possa desenvolver a sua acção de controlo e inspecção aos factos declarados pelo sujeito passivo” .

 

26. Ao que se vem de dizer, releva ainda acrescentar, para o caso, que a correcção realizada na base da liquidação impugnada incidiu sobre o crédito de imposto reportado no ano de 2014, que reduziu no montante de € 1.312.080,85 (cfr. acima n.º 18), pelo que não teve lugar uma liquidação em relação a anos antecedentes, designadamente aqueles a que respeitam as declarações periódicas de 2012.06T, 2012.09T e 2013.11 e as operações subjacentes realizadas em 2011, 2012 e 2013.

Pois bem, corrigir um crédito de imposto acumulado num certo ano implica realizar uma liquidação em relação a esse período, não em relação a períodos antecedentes, ainda que reputando deduções anteriormente realizadas como indevidas – em relação a estes períodos anteriores não se produz qualquer modificação na situação tributária do contribuinte nem se define a existência de uma obrigação aí temporalmente localizada.

Assim, o facto de a Administração Tributária não poder proceder a uma liquidação relativamente a períodos caducados não prejudica o poder-dever de obstar às deduções que tenham sido apuradas em períodos anteriores quando estas sejam concretizadas (exercidas) em período relativamente ao qual ainda se não tenha extinguido o direito à liquidação.

Justamente, é o que se verifica na situação sub judice, dado que a liquidação adicional de IVA n.º..., aqui em juízo, de que o Requerente foi notificado em 04-12-2018, resultou  de correções meramente aritméticas em sede de IVA relativamente ao ano de 2014, que foram  regularizadas na declaração periódica de 2014.01 (cfr. o disposto no art. 95.º do CIVA) mediante a redução do excesso a reportar no montante de € 1.312.080,85 (cfr. al. EE) dos factos provados).

 

27. Nestes termos, entende-se que não existe suporte jurídico-material para entender que a AT infringiu o prazo de caducidade do direito à liquidação em causa nos autos, pelo que se julga improcedente o vício de violação de lei assim invocado.

 

 

IV.3. Apreciação do pedido subsidiário

 

28. Em face da não procedência dos vícios acima examinados, impõe-se apreciar o pedido suscitado a título subsidiário de anulação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IVA n.º ... na parte correspondente ao montante de €440.812,34, por violação dos princípios da confiança, boa-fé e neutralidade e do direito à dedução do IVA.

Recorde-se, com efeito, que a liquidação adicional realizada respeitante a deduções indevidas de IVA no montante de €1.312.080,85 acumuladas no crédito de imposto de 2014 concerne:

- por um lado, ao montante de €440.812,34 respeitante ao IVA deduzido por não se encontrarem reunidos os pressupostos do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29.1 para o exercício da renúncia à isenção do IVA, nomeadamente a condição formal resultante da conjugação do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 4.º e do n.º 1 do art. 5.º do mencionado diploma, do que decorreria que a locação realizada se enquadra como operação isenta nos termos da al. 29) do art. 9.º do CIVA, o que, por força do art. 20.º do CIVA, não confere direito à dedução do imposto – situação em que estão em causa às frações B, H e Q e os pedidos de certificados de renúncia à isenção do IVA com afetação diferente daquela que posteriormente foi realizada;

- por outro lado, ao montante de €871.268,51, por se ter verificado que, em relação a certos imóveis, foram efectuadas inicialmente prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isenta, do que decorreria que não se aplicam os pressupostos do referido Decreto-Lei n.º 21/2007 para o exercício da renúncia à isenção do IVA e que a dedução não observou os requisitos dos arts. 19.º a 25.º do CIVA – situação em que estão em causa as frações U, V, W, X e AB e a renúncia à isenção do IVA para imóveis que não reuniam os pressupostos para tanto, nomeadamente por já terem sido afetos a prestações de serviços sujeitas a IVA.

Incide, assim, o pedido subsidiário sobre a actuação administrativa relativa àquela primeira dedução de IVA quanto às frações B, H e Q, que foi reputada indevida, não sendo objecto de impugnação a matéria atinente às deduções de IVA respeitantes às frações U, V, W, X e AB.

 

29. Neste âmbito, referencie-se, primeiramente, o enquadramento legal a atender em sede de Código do IVA e legislação complementar.

Segundo o art. 9.º, alíneas 29) e 30): Estão isentas do imposto: 29) A locação de bens imóveis; 30) As operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

Porém, nos termos do art. 12.º, n.ºs 4 e 5: “Os sujeitos passivos que procedam à locação de prédios urbanos ou fracções autónomas destes a outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em actividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 29) do artigo 9.º”; “Os sujeitos passivos que efectuem a transmissão do direito de propriedade de prédios urbanos, fracções autónomas destes ou terrenos para construção a favor de outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em actividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 30) do artigo 9.º”. Prevê, então, o n.º 7 deste mesmo art. 12.º que: “O direito à dedução do imposto, nestes casos, obedece às regras constantes dos artigos 19.º e seguintes, salvo o disposto em normas regulamentares especiais”.

O n.º 6 do art. 12.º vem estabelecer que: “Os termos e as condições para a renúncia à isenção prevista nos n.ºs 4 e 5 são estabelecidos em legislação especial”, a qual é constituída pelo Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, que foi aprovado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29.1.

No que importa para o objecto do presente litígio, refira-se que o art. 4.º deste Regime, epigrafado “Formalidades para a renúncia à isenção”, estabelece que:

1 - Os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem dirigir à Direcção-Geral dos Impostos, por via electrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:

a) O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respectivos números de identificação fiscal;

b) A identificação do imóvel;

c) Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;

d) A actividade a exercer no imóvel;

e) O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda;

f) A declaração de que se encontram reunidas todas as condições para a renúncia à isenção, previstas no Código do IVA e no presente regime.

2 - A Direcção-Geral dos Impostos, após a recepção do pedido de emissão de certificado, deve, por via electrónica, dar conhecimento do mesmo ao sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, para efeitos de confirmação por este, pela mesma via, dos elementos que lhe dizem respeito.

3 - Não obstante o disposto no número anterior, quando a informação disponibilizada no pedido não corresponder aos elementos na posse dos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, a decisão de emissão do certificado é tomada pelo chefe do serviço de finanças da área da sede, do estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do transmitente ou locador, após a apreciação da conformidade dessa informação.

4 - O certificado para efeitos de renúncia é emitido no prazo de 10 dias a contar da data da confirmação a que se refere o n.º 2.

5 - O certificado emitido é válido por seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos Impostos a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efectivasse.

 

Ainda com relevo para os autos, assinale-se que o art. 5.º deste mesmo Regime dispõe:

1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.

2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.

3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.

 

30. Para sustentar o carácter indevido da dedução referente ao IVA suportado pelo Requerente no montante de €440.812,34 relativo às fracções B, H e Q, invoca-se no RIT, pp. 16 a 18 (vd. al. DD) dos factos provados) que:

“para cada uma destas 3 frações, não foi efetuada uma transmissão, mas sim uma locação, tendo sido celebrado contrato de arrendamento para fins não habitacionais das frações B e H com a entidade "G... SA" com o NIF ... e da fração Q com a "H... SA" com o NIF... .

Para os certificados, em que o fim é a locação, o Sujeito Passivo, através da Sociedade Gestora, deveria efetuar o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA, manifestando a sua intenção ao abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA.

Segundo o artigo 5.º da RRIIOBI, a renúncia à isenção de IVA só opera no momento em que for celebrado o Contrato de compra e venda ou de locação financeira, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção. No caso de não estarem reunidas as condições referidas, o exercício da renúncia à isenção não produz efeitos, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

Face ao exposto, o Fundo não possuía à data das referidas locações certificado válido para renúncia à isenção do IVA, ou seja, não se encontravam reunidos os requisitos do RRIIOBI para as referidas operações, pelo que na inexistência de certificado válido a renúncia não produz efeitos, não é passível a dedução do IVA suportado relativo a cada uma das frações, nos termos no artigo 8.º do RRIIOBI conjugados com os artigos 19.º a 25.º do CIVA”.

- “apesar do Fundo ter procedido à locação das frações B, H e Q do prédio urbano inscrito com o código de freguesia ... e artigo ... (antigo código de freguesia ... e artigo ...), sito na ..., ...-... ..., concelho de Loures, Distrito de Lisboa, os certificados de renúncia à isenção de IVA para as referidas 3 frações foram solicitados manifestando o Sujeito Passivo ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º do CIVA, a renúncia à isenção prevista na al. 30) do art.º 9.º do CIVA, ou seja, para transmissão.

Pelo exposto, verifica-se que no momento em que se efetiva a renúncia à isenção, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do art.º 8.º do anexo ao DL n.º 21/2007, de 29 de janeiro, não se encontra cumprido o previsto n.º 1 do art.º 5.º do mesmo diploma, uma vez que, o sujeito passivo não se encontra na posse de um certificado de renúncia válido, dado que não se verifica a condição formal estabelecida na al. c) do n.º 1 do art.º 4.º daquele normativo. O certificado na posse do sujeito passivo é de "renúncia à isenção do IVA na transmissão do bem imóvel", ou seja, é um certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA, prevista na al. 30) do art.º 9.º do CIVA, e não da isenção prevista na al. 29) do mesmo diploma, para a locação de bens imóveis, o que efetivamente se verificou no caso em apreço.

É a própria lei que exige que os sujeitos passivos, previamente à dedução de IVA suportado relativo a bens imóveis, têm que estar na posse de um certificado de renúncia válido, o que não se verificou na presente situação, não estando a Administração Tributária autorizada a dispensar as formalidades que o legislador expressamente estabeleceu.

O certificado foi emitido tendo em conta os elementos fornecidos pelo sujeito passivo, e no caso em apreço foi emitido o certificado de renúncia à isenção prevista na al. 30) do art.º 9 do CIVA, e não relativamente à isenção prevista na al. 29) do mesmo artigo, não se verificando os pressupostos legais para a renúncia à isenção na locação do imóvel. O não cumprimento desta formalidade originou que fosse indevidamente deduzido o IVA suportado na aquisição e construção das áreas afetas às frações B, H e Q do artigo 2836 (antigo 2514)”.

- “Face ao mencionado, verificamos que não se encontram reunidos os pressupostos do Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro para o exercício da renúncia à isenção do IVA, nomeadamente a condição formal estabelecida na conjugação da al. c) do n.º 1 do art.º A e do n.º 1 do art.º 5.º, ambos do referido diploma legal, pelo que a locação realizada pelo contribuinte enquadra-se numa operação isenta nos termos da al. 29) do art.0 9.º do CIVA.

Deste modo, nos termos do art.º 20.º do CIVA, não é conferido o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens e serviços utilizados pelo Sujeito Passivo para a realização de operações isentas nos termos do art º 9.º do CIVA, pelo que, de acordo com os cálculos anteriormente efetuados, apurou-se IVA indevidamente deduzido no montante global de 440.812,34 €”.

 

Como se observa, a fundamentação subjacente à consideração como indevida da dedução do IVA suportado relativamente a estas fracções B, H e Q prende-se estritamente com o facto de os pedidos de certificado de renúncia à isenção do IVA referenciarem uma afectação diferente (transmissão) daquela que posteriormente foi realizada (locação), o que implicaria que não foi satisfeita a condição formal resultante da al. c) do n.º 1 do art. 4.º e do n.º 1 do art. 5.º do Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, formalidade legal que a Administração Tributária não estaria autorizada a dispensar.

 

31. Pois bem, relativamente à impugnação realizada pelo Recorrente neste âmbito cabe começar por recordar que a alegação fáctica para tanto apresentada da emissão incorrecta dos certificados respeitantes às frações B, H e Q se dever a deficiência informática do Portal das Finanças não ficou demonstrada.

Com efeito, conforme acima referido em sede de decisão da matéria de facto (ponto III), relativamente às frações B, H e Q, foi julgado provado que o Requerente efectuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA para as operações de transmissão de bem imóvel (alínea M) dos factos provados) e não provado que, aquando da submissão do pedido de emissão de certificado de renúncia, o Portal das Finanças da AT não se encontrava a funcionar devidamente, impossibilitando o Requerente de obter certificados alusivos à “locação”, que este selecionou a opção “locação”, mas o Portal das Finanças registava o pedido formulado pelo Requerente como sendo para uma operação de “transmissão” e que esta alteração tenha sido promovida, automática e autocraticamente, pelo Portal das Finanças e que não era percetível ao Requerente (pontos II), III) e IV) dos factos não provados).

Deste modo, impõe-se concluir que a emissão dos certificados em apreço com a afectação para transmissão e não para locação é exclusivamente imputável à conduta do Requerente.

 

32. Afastada esta alegação manifestamente injustificada, fica, porém, de pé a questão, também suscitada pelo Requerente, de saber se a AT podia simplesmente desconsiderar os certificados de renúncia nos termos em que foram emitidos para efeitos de considerar indevidas as deduções de IVA realizadas.

A este propósito, assume relevância a seguinte factualidade dada como provada nas alíneas I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R) e S), das quais resulta fulcralmente o seguinte:

-              Na medida em que os imóveis iriam ser afectos pelos seus arrendatários a actividades tributáveis, as partes decidiram renunciar à isenção de IVA no arrendamento dos imóveis;

- Relativamente às frações B, H e Q, o Requerente efectuou o pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia à isenção do IVA para as operações de transmissão de bem imóvel;

- O Requerente ao indicar «transmissão» como objecto dos certificados relativos às renúncias à isenção respeitantes às referidas fracções B, H e Q pretendia indicar «locação», tendo indicado como «valores da transmissão» os de € 2.075,00, € 4.731,38 e € 3.500,00 que são os valores das respectivas rendas mensais dos contratos de arrendamento que tencionava e veio a celebrar;

- Os certificados de renúncia respeitantes às fracções B, H e Q foram emitidos nos seguintes termos: no dia 17.05.2012, foram emitidos dois certificados (um alusivo à fracção B e outro alusivo à fracção H), que diziam respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 30) [então era a alínea 31)] do artigo 9.º do Código do IVA, aplicável às operações de transmissão onerosas de imóveis e no dia 20.11.2013, foi emitido um certificado (respeitante à fracção Q), que dizia respeito à renúncia à isenção de IVA prevista na alínea 30) [então era a alínea 31)] do artigo 9.º do Código do IVA, aplicável às operações de transmissão onerosas de imóveis;

- Relativamente às fracções B e H foi celebrado a 17-05-2012 o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a G..., S.A., em que ficou definido o prazo de 3 anos e relativamente à fracção Q foi celebrado em 20-11-2013 o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com a H..., S.A., em que ficou definido um prazo de 5 anos.

 

33. Em face desta factualidade assim dada como provada, julga-se que a matéria relevante aqui em equação não respeita decisivamente a saber se está em jogo no certificado de renúncia à isenção para operações imobiliárias uma condição formal conformadora e comprovativa da renúncia, se constitui uma formalidade essencial ou não essencial ou sobre a natureza jurídica do certificado de renúncia, designadamente como acto constitutivo de direitos em matéria tributária, e a sua relevância enquanto exercício de uma opção pelo contribuinte, mas simplesmente sobre se cabe aplicar ao caso o princípio geral que se extrai do art. 249.º do Código Civil para as declarações dos particulares, pelo qual “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”, e do art. 174.º do Código do Procedimento Administrativo para os actos administrativos, segundo o qual: “Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser retificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato”, rectificação que “pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, produz efeitos retroativos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do ato retificado” .

Pois bem, dado que se provou que o Requerente ao indicar «transmissão» como objecto dos certificados relativos às renúncias à isenção respeitantes às referidas fracções B, H e Q pretendia indicar «locação», tendo apresentado como «valores da transmissão» os de € 2.075,00, € 4.731,38 e € 3.500,00, que são os valores das respectivas rendas mensais dos contratos de arrendamento que tencionava e veio a celebrar, impõe-se concluir que se está perante erros materiais ou de escrita que se revelam no próprio contexto da declaração, pois os valores indicados nos certificados só se compreendem como valores de renda e nunca como valores de transmissão, a implicar que a renúncia à isenção manifestada se destinava à locação, o que se confirma ainda pelas circunstâncias envolventes, atentos os contratos de arrendamento que foram celebrados entre o Requerente, como locador, e os locatários G..., S.A. e H..., S.A..

Assim, pois, caberia considerar, mediante rectificação (id est, correcção do erro), que os certificados respeitantes às frações B, H e Q apenas teriam cabimento no âmbito de operações de “locação” de imóveis, e não no contexto de operações de “transmissão” onerosa.

Evidentemente, não é o facto de o Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis não fazer qualquer menção à rectificação, nem de determinar expressamente, no art. 4.º, que se deve indicar se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo (vd. acima n.º 29), que obvia à rectificação oficiosa do erro de escrita, porquanto se trata aqui, conforme acima assinalado, de um princípio básico genericamente aplicável, destinado, justamente, a fazer valer uma declaração ou um acto com o sentido que lhe é inerente, impedindo que meros lapsos materiais conduzam a resultados inadmissíveis.

Assiste, pois, razão ao Requerente ao observar (art. 183.º do ppa) que “além de não se poder qualificar os certificados alusivos às referidas frações como inválidos (e, consequentemente, invalidar a renúncia à isenção a eles inerentes), poderia e deveria a AT rectificar os mesmos (em qualquer momento), ao abrigo do disposto no artigo 249.º, do Código Civil (ou, se se preferir, por força do artigo 174.º, do CPA), produzindo tal retificação efeitos retroativos à data em que os certificados foram obtidos”.

 

34. O não reconhecimento de uma tal rectificação, sem fundamento razoável, designadamente em atenção a motivos concretos atinentes à cobrança exacta do IVA e à prevenção da fraude (cfr. as transcrições constantes das alíneas DD) e GG) do probatório), não pode deixar de convocar a aplicação dos princípios da justiça e da proporcionalidade que o art. 55.º da LGT coloca como princípios fundamentais do procedimento tributário, bem como do dever de colaboração recíproco e de boa fé na actuação dos contribuintes e da AT que se estabelece no art. 56.º da mesma LGT e que o art. 48.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário esclarece implicar, precisamente, a “correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem”. 

A inobservância, no caso, destes princípios, que o Requerente convoca com a genérica invocação dos princípios da confiança e da boa fé, acarreta a ilegalidade da correcção relativa à dedução referente ao IVA suportado no montante de €440.812,34 respeitante às fracções B, H e Q e, nessa parte, da liquidação sindicada e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Pelo exposto, procede o pedido subsidiário formulado pelo Requerente de anulação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IVA n.º... na parte correspondente ao montante de €440.812,34.

 

 

V. Decisão

 

Pelo exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da liquidação adicional de IVA n.º ... na parte correspondente ao montante de €440.812,34, com as legais consequências;

B)           Julgar improcedente o demais peticionado;

C)           Condenar ambas as partes nas custas do processo em razão do decaimento, na proporção de 65% para o Requerente e de 35% para a Requerida.

 

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 1.312.080,85 (um milhão trezentos e doze mil oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos).

 

 

VII. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 17.748,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente e da Requerida na proporção de 65% para o primeiro e de 35% para a segunda.

              

Lisboa, 30-12-2020

 

Os Árbitros

 

(João Menezes Leitão)

(Sofia Ricardo Borges, com a declaração de voto que segue)

(Jorge Lopes de Sousa, com declaração de voto de vencido em anexo)

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

A posição que fez vencimento no pedido subsidiário não é a nossa. Pelas razões que passamos a percorrer sumariamente, e sempre com todo o devido respeito.

 

Alega o Requerente que os Certificados de renúncia à isenção de IVA que solicitou, e obteve, com referência às fracções B, H e Q, deverão considerar-se válidos e de plena eficácia para os efeitos de renúncia à isenção na locação de bens imóveis. Não obstante tais Certificados se destinarem ao fim não de operações de locação, mas sim de operações de transmissão de bens imóveis.

 

Para sustentar essa sua posição invoca uma sucessão de argumentos, que não só são incongruentes entre si ao longo das posições que assumiu no procedimento administrativo (direito de audição/reclamação graciosa) e, depois, nos presentes autos, como são argumentos sustentados em factos que resultaram não provados. Desde logo o do alegado mau funcionamento do sistema informático da Requerida que alteraria unilateral e autocraticamente o que o Requerente solicitara.

 

Na posição que faz vencimento conclui-se que os Certificados de renúncia à isenção foram emitidos para o fim de operações de transmissão (de bens imóveis) por razões que são exclusivamente imputáveis ao Requerente. Em conformidade tendo-se considerado provado que este efectivamente solicitou os Certificados para o fim de operações de transmissão. Após o que se decide, ainda assim, dever entender-se estarmos perante um erro que deve ser rectificado, por qualificável como “simples erro de cálculo ou de escrita”, nos termos do art.º 249.º do CC (e art.º 174.º do CPA).

E, para ali se chegar, é determinante o facto, dado como provado, de que o Requerente, ao solicitar os Certificados, indicou “transmissão” mas pretendia indicar “locação” (factos provados, N)).

 

Pois bem. Quanto a nós, mesmo que se admitisse ter resultado provado que o Requerente solicitou os Certificados para transmissão querendo tê-los solicitado para locação (que não é exactamente o juízo que fazemos da prova carreada nos autos; entendemos que foi sua intenção, ainda assim e em qualquer caso, declarar, como declarou, que o pedido era feito para “transmissão”), tal não legitimaria retirar-se a conclusão que na Decisão se vem a retirar. De ter havido mero erro material ou de escrita que se revela no próprio contexto da declaração “pois que os valores indicados nos certificados só se compreendem como valores de renda e nunca como valores de transmissão”, “(…) o que se confirma ainda pelas circunstâncias envolventes, atentos os contratos de arrendamento (…)”.

 

Desde logo, é nosso entendimento, em face da matéria de facto consolidada, que se o Requerente, com referência àquelas três fracções em concreto, ao submeter os pedidos em causa não escolheu a opção “locação” e, ao invés, escolheu “transmissão” – declarou, pois, à Requerida que pretendia qualquer um daqueles três Certificados de renúncia para efeitos de “transmissão” - o terá feito por alguma razão. Não por mero lapso. Note-se, entre o mais, que resultou provado que no mesmo dia em que foram pedidos aqueles Certificados, o Requerente pediu, com um intervalo de poucos minutos, um outro Certificado, esse para os fins de locação (com referência a outra fracção do mesmo imóvel, que até veio a ser locada conjuntamente com duas das fracções aqui em causa); e que resultou não provado que ao Requerente não fosse perceptível os Certificados (das fracções aqui em causa) terem sido emitidos para “transmissão”.

 

Antes de mais, contextualize-se. O Requerente, neste seu pedido, subsidiário, vem solicitar ao Tribunal a anulação da Liquidação na medida em que na mesma não se aceitou a dedução do IVA (contabilização a crédito na sua conta corrente com o Estado) que o Requerente havia incorrido a montante, com a aquisição/construção do imóvel em que as três fracções em causa se inserem, e que o Requerente contabilizou (a mesma contabilização a crédito) na proporção que para o efeito apurou por referência ao IVA liquidado, a jusante, nas locações a que procedeu das referidas três fracções.

 

Ou seja, o Requerente não aceita – como a Requerida entende e em conformidade corrigiu – que não lhe deva ser reconhecido o direito a deduzir o IVA liquidado a jusante nas operações de locação das três fracções. Por outras palavras, o Requerente vem peticionar, afinal, que lhe seja reconhecido o direito a deduzir o IVA liquidado, a jusante, nas operações de locação.

Invoca, pois, um direito.

 

Em abono do que sustenta ter havido um erro - seja da responsabilidade da Requerida, seja da sua responsabilidade, seja porque não disse o que queria dizer, seja porque não viu depois que os Certificados se destinavam a “transmissão” (cfr. multiplicidade de argumentos que vai debitando ao longo do tempo, primeiro em sede de procedimento e depois nestes autos) – e que esse erro deve ser rectificado. E que a própria Requerida o deveria ter rectificado.

 

Ao invocar um direito, como supra, o Requerente limitou-se a invocar, simplesmente, a final, um “ligeiro erro material” por não ter verificado os Certificados emitidos (v. 26. - 28. do PPA), um “lapso material associado a um formalismo” (v. 186. do PPA). E não mais.

Não lhe bastava.

Tinha, quanto a nós, que alegar, e provar, os factos constitutivos do Direito que alega.

Que nestes autos não só não alegou, como não provou. Nem os mesmos (factos constitutivos do direito que alega e pretende ver reconhecido) resultam provados.

 

Como se sabe, o legislador português, fazendo uso dos poderes que lhe foram reconhecidos na Sexta Directiva, contemplou no nosso Ordenamento Jurídico a possibilidade de renúncia à isenção (incompleta) que vigora nestas operações. E, para o efeito, conforme lhe era dado fazer (e o TJUE já teve oportunidade de confirmar o ter feito dentro dos limites que lhe eram permitidos), veio estabelecer uma série de regras condicionantes da possibilidade de exercício dessa opção (opção de renúncia à isenção). Por essa via, vigoram no nosso Ordenamento Jurídico uma série de pressupostos  (subjectivos, objectivos e referentes ao valor das operações) de cujo efectivo preenchimento em cada caso depende a possibilidade do exercício de opção de renúncia à referida isenção.

 

Ora, compulsados os autos, verifica-se que o Requerente não só não provou ter ocorrido um erro, como não alegou e provou o preenchimento dos requisitos - que são, repita-se, requisitos subjectivos, requisitos objectivos e requisitos referentes ao valor das operações – de que depende a possibilidade de renunciar (optar por renunciar) à isenção. Que constituem facto essencial de que depende, pois, o direito que o Requerente invoca – direito a deduzir o IVA liquidado a jusante.

 

Aflore-se que sendo estas operações, operações abrangidas por uma isenção – v. art.º 9.º CIVA, 29) e 30) –, incompleta, não é de liquidar IVA nas mesmas (estão isentas de IVA) e, por outro lado, não chega a formar-se na esfera do SP o direito a deduzir o IVA que suportou a montante nas suas operações passivas no âmbito da sua actividade tributada. Assim sendo, só assistirá ao SP o direito a deduzir o tal IVA suportado a montante caso estas operações (a jusante) sejam – diferentemente – tratadas como operações tributadas, sujeitas e não isentas. Nesse caso se liquidando IVA e, então, sendo possível ao SP deduzir o IVA suportado a montante. O que, para suceder, requer a obtenção prévia (antes de realizar as operações a jusante em causa) por parte do SP de um Certificado de renúncia à dita isenção. De um Certificado válido de renúncia à isenção. Sendo que, para ser válido, esse Certificado tem pois que cumprir todas as condições que o nosso legislador entendeu estabelecer para o efeito, e que passam pelo preenchimento de uma série de requisitos, que não são de somenos, e que não são meramente formais, como supra também aflorado e a que voltaremos.

 

Logo, faltando a alegação e, mais, a prova de se encontrarem preenchidos tais requisitos - no caso, os requisitos para a obtenção de Certificado de renúncia para o fim de operações de locação -, não poderá ser reconhecido ao Requerente o direito que nos presentes autos invoca – direito à dedução do IVA em causa. Por falta de condições de procedência, determinantes da absolvição do Pedido.

 

Ainda assim, e sem prejuízo do que acaba de se concluir, não deixaremos de referir o que segue.

 

O erro consagrado pelo nosso legislador no art.º 249.º do CC , a que se faz apelo ao decidir como se decidiu neste ponto, é um erro ostensivo.   “Os erros de escrita têm de se revelar do próprio contexto da redacção ou através das circunstâncias em que ela é feita – art. 249.º do Cód. Civil - e que não sendo ostensivo não há lugar à rectificação.”  Ou, em Jurisprudência mais recente, assim: “I - O art.º 249.º do Código Civil diz apenas respeito aos lapsos de escrita manifestos, ou seja, aqueles que se identifiquem como erro mecânico de escrita pelo e no contexto da declaração. II – Os erros de escrita não se confundem com o erro na declaração ou erro obstáculo que ocorre quando, por inadvertência, engano ou equívoco, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor. III – Se as circunstâncias em que a declaração é efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.”

 

Ora, quanto a nós, se necessário fosse chegar aqui (que não era, como já se deixou dito), não seria de aplicar o art.º 249.º. Com efeito, é nosso entendimento que – no mínimo – as circunstâncias em que foi efectuada a declaração pelo Requerente à Requerida, ao submeter o pedido de emissão de Certificado de renúncia à isenção, permitem a dúvida. Quanto a nós não revelam a evidência do erro.

Estamos em face de uma declaração formal, que produz efeitos jurídicos. Proferida perante a Administração Tributária. Que requer, como bem se compreende, particular cuidado por parte de quem a faz.

Repare-se como no pedido submetido pelo Requerente à Requerida o mesmo declara que aquele é submetido para efeitos de “TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL”. Mais se declara a “Identificação do Adquirente”. E mais se declara o “Valor da Transmissão”. Para além da “Identificação do imóvel”. Tudo nestes termos, por extenso. E, por outro lado, declara-se, à frente do “Valor da Transmissão”, um valor numérico.

Mais, não apenas a declaração é feita pelo Requerente à Requerida, como o é também pela sua então futura contraparte na operação que se visa realizar. Esta última é chamada a confirmar os dados conforme apresentados pelo Sujeito Passivo (requerente do Certificado) no pedido. Antes de o Certificado poder ser emitido.

Pergunte-se. Porque razão, caso houvesse suspeita de algum erro afectar o pedido, se deveria entender que o erro haveria de ter sido em todas as mencionadas declarações em expressões escritas por extenso, e não, ao invés, num único número aposto frente ao item “Valor da Transmissão”?

Mais, o pedido é submetido previamente a ser realizada a operação para o fim da qual se destina. Logo, inexistindo, ou pelo menos não sendo submetidos com o pedido, e/ou exibidos à declaratária, quaisquer contratos em que se materializem depois as operações para o fim das quais é pedido previamente o Certificado. Os contratos chegaram ao conhecimento do Tribunal nos presentes autos. Porém não chegaram ao conhecimento da Requerida aquando da submissão dos pedidos dos Certificados (2012/2013). Terão chegado aquando do procedimento inspectivo (2018).

Como tal, porque entender que deriva do contexto da redacção ou das circunstâncias em que a declaração é feita – aquando do pedido do Certificado, pois - que há um erro incidente sobre todas as expressões escritas da mesma constantes? Sem sequer se conhecerem contratos?

Não poderia, a ser assim, a Requerida ter ao invés considerado haver um possível erro ao se indicar um valor (e não ao se indicar, por extenso, todo um conjunto de items relativos à operação objecto da pretendida renúncia à isenção)?

E neste último caso, deveria a Requerida AT ter-se imiscuído na liberdade de gestão do Sujeito Passivo, que é o proprietário do imóvel? Para, assim, vir pretender rectificar um hipotético erro no montante pelo qual estaria aquele a considerar vender o imóvel?

Não cremos.

E note-se que, sim, o legislador, no Regime jurídico da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis previu uma possibilidade de correcção a valores declarados – mas apenas em um caso – o de se tratar de relações (nas projectadas operações) entre partes relacionadas, relações especiais cfr. art.º 63.º do CIRC - v. art.º 7.º do DL n.º 21/2007, de 29 de Janeiro . Não mais que aí.

Depois, todo o argumentário desenvolvido pelo Requerente na sua tentativa de prova de erro na dita declaração é, quanto a nós, de molde a questionar que tenha havido um “erro” que não tenha sido senão pretendido. Porquê tanta dificuldade em demonstrar a verdade?

Mais, note-se, como bem observa a Requerida, se o “erro” era tão patente como o Requerente vem invocar, e tendo-se permanecido tantos anos nesse “erro”, porque não teria o Requerente procedido em conformidade com o que vem afirmar e solicitado a rectificação de tal “erro”?

Note-se que os Certificados eram apostos aos contratos que viriam a ser celebrados, como seus anexos (cfr. prova nos autos). Contratos assinados pelos representantes das partes intervenientes, que certamente aos mesmos atentariam. 

Não deixa de ser curioso a este respeito que ao ser questionado em audiência à primeira testemunha, Directora financeira da entidade gestora, se não poderia ter o próprio Requerente rectificado o erro, a mesma ter respondido que “os certificados têm que ser anteriores à assinatura do contrato de arrendamento”, “o reembolso foi feito posteriormente”, “portanto era impossível à sociedade gestora corrigir este erro”.

Por outro lado, e pensando no “contexto em que a declaração é feita”, tendo com poucos minutos de intervalo o Requerente submetido um pedido de Certificado para renúncia à isenção em operação de locação (ref. fracção G), e depois tendo submetido dois pedidos de Certificado (ref. fracções B e H) para renúncia à isenção em operações de transmissão, resultaria do contexto que não conseguia pedir o que pretendia pedir?

Também não cremos.

 

Em suma, e para não nos alongarmos neste particular, entendemos que manifestamente não estamos perante um erro de escrita. Um erro decorrente do próprio contexto, que lhe seja pois contemporâneo. E, mais ainda, que fosse ostensivo e em relação ao qual não restassem dúvidas.

 

Aqui chegados, atentemos ainda no que segue.

O Certificado de renúncia à isenção é constitutivo de direitos. Como em geral aceite na Doutrina e unanimemente na Jurisprudência, e também como bem se compreende pelo já aflorado supra. O nosso legislador, vimos já, permitiu mas condicionou a renúncia à isenção. O que fez sujeitando a possibilidade de opção pela mesma à verificação de um conjunto de requisitos, de diversa ordem, e, de sublinhar, exigindo a certificação administrativa dessa mesma renúncia .

O nosso legislador ateve-se, como inclusivamente já reconhecido pelo TJUE, ao condicionar a possibilidade de renúncia de que cuidamos, restringindo pois o âmbito do direito de opção que concedeu, e ao estabelecer as modalidades do respectivo exercício, ateve-se, dizíamos, aos objectivos e aos Princípios vertidos na então Sexta Directiva. Desde logo, e entre o mais, ao Princípio da neutralidade. E, bem assim, à exigência tão amplamente vertida na Jurisprudência do TJUE, da aplicação correcta, simples e uniforme das isenções .

Sendo que as obrigações declarativas que assim foram consagradas entre nós são condição de eficácia do exercício do direito de renúncia, à Administração Fiscal compete “comprovar da existência dos pressupostos (…)”, e o Certificado de renúncia à isenção “é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária”. 

 

Como no douto Acórdão do STA que se referiu (de 25.11.2009) , e com a devida vénia e as devidas adaptações, também nos presentes autos, assim o entendemos, o comportamento do Requerente, ao solicitar e se munir de Certificados de renúncia à isenção para o fim de outras operações que não para o fim das operações que viria a realizar, e ao abrigo dos quais se considerou legitimado para afastar a isenção constante do art.º 9.º do CIVA aplicável, isenção incompleta, assim se tendo arrogado o direito de, tributando tais operações, deduzir o correspectivo IVA a montante, é um comportamento que lhe é exclusivamente imputável, e que, mesmo que agora (só após procedimento inspectivo) possa resultar em prejuízo seu , diremos, não deve aceitar-se poder redundar em prejuízo do erário público (e, já agora, de receitas próprias da UE, em certa medida, como se sabe). Como sucederá, entendemos, por via da rectificação que se decide nos presentes autos dever ter lugar.

 

Se dúvidas houvesse de que este seu comportamento é violador das normas legais aplicáveis, v. como no RJRIIOI, após estabelecer-se que “A renúncia à isenção (…) pode ser exercida nos termos e condições definidos no presente regime” (cfr. art.º 1.º), se determina, no n.º 1 do art.º 5.º, que “A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.” e, no n.º 3 do mesmo art.º 5.º, que “O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.”

Dispondo, por sua vez (e com relevo para o conceito de validade do Certificado, quanto a nós) o art.º 4.º, n.º 5 que o Certificado emitido é válido por seis meses e titula que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à AT “a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação”. 

Mais, neste mesmo art.º 4.º se dispõe também que “(…) quando a informação disponibilizada no pedido não corresponder aos elementos na posse dos serviços centrais (…), a decisão de emissão do certificado é tomada pelo chefe do serviço de finanças da área da sede (…), após a apreciação da conformidade dessa informação”. Sempre decisão administrativa, pois. Da competência de hierarquia mais elevada no caso de ser detectada alguma desconformidade entre o constante do pedido e a informação relevante na disponibilidade da AT.

 

E, ainda neste contexto, sempre se refira que o RJRIIOI é significativamente mais exigente do que o regime anteriormente vigente entre nós na matéria , no que respeita a requisitos para emissão de Certificados de renúncia à isenção.

Entre outros requisitos indispensáveis, cfr. RJRIIBI, mencionem-se, com referência logo aos dispositivos em causa:

 

- art.º 2.º, n.º 1, al. e) – quando se trate de operação de locação, exige-se que o valor da renda anual seja igual ou superior a vinte e cinco avos do valor de aquisição ou construção do imóvel; 

 

Uma vez verificadas uma série de condições, exige-se ainda e entre o mais:

 

- art.º 2.º, n.º 2, al. a) - que se trate da primeira transmissão ou locação do imóvel ocorrida após a construção (quando tenha sido ou ainda possa ser deduzido IVA nela suportado);

- art.º 2.º, n.º 2, al. b) - que se trate da primeira transmissão ou locação do imóvel “após ter sido objecto de grandes obras (…), de que tenha resultado uma alteração superior a 50% do valor patrimonial tributável (…) quando ainda seja possível proceder à dedução (…) do IVA suportado nessas obras”;

 

- art.º 3.º, n.º 1, al. a) – que ambos os sujeitos passivos intervenientes na operação visada pratiquem operações que confiram direito à dedução ou, quando sujeitos passivos mistos, que o conjunto das operações que conferem direito à dedução seja superior a 80% do total do volume de negócios;

 

- art.º 4.º, n.º 1, al. c) – que os dois sujeitos passivos dirijam à Requerida o pedido de emissão de Certificado declarando se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;

 

Acrescem uma série de obrigações no âmbito do mesmo regime jurídico, incidentes sobre ambos os sujeitos passivos requerentes dos Certificados. Entre outras, obrigações específicas de regularização, obrigações contabilísticas e de facturação. V. em especial art.s 6.º, 10.º e 11.º, bem como remissões daí constantes para o CIVA. Com por demais relevantes potenciais consequências ao nível do funcionamento do sistema do IVA, diga-se. Aplicam-se também prazos limite dentro dos quais as operações tributáveis têm que ter lugar nos imóveis, com efeitos em matéria de regularizações, e, ainda, não de somenos, em determinadas operações, que não noutras, a regra da inversão do sujeito passivo.

 

Como resultará do que resumidamente antecede, os requisitos aplicáveis não são pois, contrariamente ao também aventado pelo Requerente, requisitos reconduzíveis a uma mera  formalidade não essencial.

 

Perante tudo o que se deixou exposto, não deixa também de ser revelador, quanto a nós, notar como no seu depoimento, perante este Tribunal, a Directora Financeira da entidade gestora transmitiu  entender que, sendo o certo terem sido efectivamente realizados contratos de arrendamento, não será por o Certificado conter uma frase algures em que se diz que o mesmo se destina à transmissão de imóveis que não há-de reconhecer-se ao Requerente o direito ao reembolso do IVA, “estamos a indeferir um reembolso de IVA pelo facto de termos uma palavra trocada”.

 

De resto, refira-se, ficou provado nos autos que para a fracção H havia já antes (2011) sido solicitado pelo Requerente Certificado de renúncia à isenção, nesse caso para o fim de operação de locação. Confirmada pela projectada contraparte. E pense-se no requisito constante do art.º 2.º, n.º 2, al. a) (v. acima).

Desconhece-se, nos autos, estarem ou não cumpridos muitos outros dos requisitos aplicáveis.

Não deixa de ser notado também por nós o Requerente apenas ter junto aos autos duas facturas, de dois meses seguidos, do ano de 2019, quando estamos a tratar de Certificados de Renúncia de 2012/2013, referentes a três fracções, e, assim, a três contratos de arrendamento, destes mesmos anos. Facturas nas quais, aliás, não é perceptível a fracção em causa, e nas quais o Requerente terá liquidado IVA. Pense-se, já agora, na regra da inversão do sujeito passivo e no desconhecimento do que a respeito tenha sucedido e/ou devesse suceder admitindo-se a validade dos Certificados por via de rectificação.

Estaria o Requerente, que não é um Fundo de Investimento Imobiliário mas sim um Fundo de Pensões, a cumprir o requisito constante do art.º 3.º, n.º 1, al. a) do RJRIIOI (v. supra)? Estariam implicadas no pedido para fins de transmissão outras limitações que lhe fossem eventualmente aplicáveis por força das regras por que se regerá (limites máximos de investimento em património imobiliário, por exemplo)?

Estariam os valores de renda em causa dentro dos limites que o legislador exige para poder ser concedida a renúncia à isenção (v. art.º 2.º, n.º 1, al. e))?

 

Tudo também para dizer: a emissão do Certificado, que é constitutiva de direitos jurídico-tributários, incluindo o direito à dedução e assim ao reembolso, compete à Administração Tributária – cfr. RJRIIOI, e cfr. a melhor Doutrina e Jurisprudência (alguma por nós já referida). Que aqui assume uma função certificadora.

 

Não podia – é o nosso entendimento – o Julgador substituir-se à Requerida e saltar o necessário: a comprovação em concreto de que estavam reunidos, ao tempo, pelo Requerente, e pelas suas projectadas contrapartes, todas as condições aplicáveis, objectivas, subjectivas, e de valores implicados, permitindo a certificação do que não chegou a ser verificado. E, assim também, arriscando extravasar, quer parecer-nos, o seu âmbito de competência.

 

Perante tudo o que vem de se expôr, e a concluir as razões pelas quais não acompanhamos a Decisão no pedido subsidiário, parece-nos ainda que ao aqui se decidir como se decidiu se poderá também estar a abrir a porta a inúmeras situações em que os contribuintes poderiam, quando assim entendessem, vir a qualquer momento invocar perante a AT que se teriam enganado, nas suas declarações, e que era dever da AT se ter apercebido disso mesmo, e rectificado. O que, a passar-se como no caso dos autos, poderia ocorrer por exemplo cerca de 8/9 anos depois das declarações por si prestadas à AT. Com todas as implicações, entretanto, no funcionamento, no nosso caso, do sistema uniforme do IVA.

E o que dizer, ainda, de outros contribuintes que tenham procedido de forma semelhante ao que se verificou suceder no caso dos presentes autos? E da potencial violação de Princípios aqui implicada?

Parece-nos, inclusive, que à AT seria dado ficar numa posição de indefinição de até onde dever entender aplicável a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, e o ponto a partir do qual esse Princípio deveria ser por si afastado com vista a rectificações. No nosso caso, e a título de exemplo, pense-se: a partir de que valor declarado pelo Requerente no pedido de Certificado como valor da operação deveria a AT entender que era seu dever intervir, desconsiderando o que o contribuinte declarara, e investigando com vista a rectificar?

 

Em suma e quanto a nós, e por tudo o que fica exposto sumariamente, o cumprimento dos Princípios sagrados em IVA, desde logo os da neutralidade e da proporcionalidade, exigiam a manutenção da Liquidação correctiva na Ordem Jurídica, também aqui. Também aqui tendo aplicação, como na decisão do Pedido principal e com as devidas adaptações, Jurisprudência ali invocada a respeito de dies a quo do prazo de caducidade (ponto 24.): “não havendo certeza sobre a relação jurídica de imposto, por faltarem elementos que a concretizam, concretamente, por falta do juízo administrativo que certifique o preenchimento dos pressupostos formais e materiais do exercício do direito à dedução do imposto (…) seria contrário aos princípios da legalidade e da verdade material” decidir manter na Ordem Jurídica, como válidos, os Certificados de renúncia não válidos para as operações praticadas pelo Requerente e contrapartes e ao abrigo dos quais se procedeu, assim, indevidamente, como se a isenção incompleta do art.º 9.º do CIVA não fosse aplicável.

 

Note-se ainda – sem prejuízo de tudo o que ficou exposto e que é o nosso entendimento - que, para se decidir como se decidiu neste pedido, sempre seria, parece-nos, de ponderar Reenvio ao TJUE.

 

*

Por fim, apenas esta nota no que se refere à Decisão quanto ao prazo de caducidade (ref. pontos 21. in fine e 22.-24.):

Não será, quanto a nós, de chamar à colação nestes autos, parece-nos, o disposto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, a nosso ver não necessário para retirar a conclusão de que o prazo de caducidade em causa é de quatro anos.

E ainda esta: quanto a nós o legislador no art.º 45.º, n.º 3 da LGT, ao expressar, no que aos autos releva (i.e., no segmento “qualquer dedução”), que o prazo de caducidade “é o do exercício desse direito” (direito de dedução) pretende significar, afinal, se se quiser, “é o da efectiva realização da subtracção”. Sendo que, mesmo assim, o dies a quo para a contagem do respectivo prazo (de caducidade do direito à liquidação) sempre acabará por recair no n.º 4, segunda parte, do mesmo art.º 45.º (pois que o relevante para este efeito será sempre, a nosso ver, e sem maiores desenvolvimentos nesta sede, o momento da exigibilidade do imposto ). O exercício do direito à dedução coincide com (é), quanto a nós, a efectivação/concretização da subtracção.

E por fim, ainda: os métodos referidos no ponto 23. da Decisão reconduzem-se, quanto a nós, ao método subtractivo indirecto; traduzem a aplicação prática do mesmo. O que será de notar tendo em perspectiva a contagem do prazo de caducidade de que se cuida nos autos. E, assim também, para nós não há um renovar do prazo de caducidade do direito à liquidação de cada vez que se efectua um reporte de crédito de IVA. O prazo de caducidade inicia-se com a efectivação/concretização da subtracção (e nos termos do n.º 4, segunda parte, do art.º 45.º). Seja ela mediante dedução imediata no período declarativo imediato, seja ela mediante pedido de reembolso de IVA.

O resultado a que o nosso entendimento conduz é, na prática, o mesmo a que se chega na Decisão. Com uma nuance. É que, parece-nos, não tinha ainda iniciado a contagem do prazo de caducidade do direito à Liquidação, nos autos. Estamos perante, refira-se ainda, uma Liquidação correctiva.

 

Lisboa, 30 de Dezembro de 2020

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

Voto de vencido

 

Votei vencido quanto à questão da caducidade do direito de liquidação por dedução indevida de IVA.

O Requerente defende, em suma, que o n.º 3 do artigo 45.º da LGT, ao estabelecer que «em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito», impõe que se conclua relativamente a cada declaração em que foi deduzido IVA se inicia um prazo de caducidade para liquidação de IVA por eventual dedução indevida.

A Administração Tributária invoca, em abono da tese de que não ocorreu a caducidade do direito de liquidação, o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12-07-2007, processo n.º 0303/07 (cuja jurisprudência é reafirmada pelo Supremo no acórdão de 30-09-2009, processo 0682/09), sobre a possibilidade de a Administração Tributária, para efeitos de apreciação de pedidos de reembolso, apreciar se foram devidas as deduções de IVA de que resulta o crédito que fundamenta o pedido.

No referido acórdão proferido no processo n.º 0303/07 decidiu-se o seguinte:

«I – como decorre do preceituado no n.º 8 do art. 22.º do CIVA, os reembolsos de IVA são efectuados "quando devidos", isto é, após a confirmação, no momento em que se vai apreciar um pedido de reembolso, de que no período a que ele se refere a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis».

II – Para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade.

 

1. Apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação

 

Na redacção vigente em 2012/2014 (anos a que se reportam do factos), o artigo 94.º, n.º 1, do CIVA estabelece que «só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária».

O artigo 45.º da LGT, a partir da redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, passou a estabelecer, no seu n.º 3, que  «em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito». (   )

Referindo-se este n.º 3 a qualquer «qualquer outra dedução ou crédito de imposto» (...) tem de se concluir que se aplicará à dedução de IVA.

Isto é, à face desta alteração legislativa, o prazo de caducidade direito à liquidação por dedução indevida de IVA coincide com o prazo para exercício do direito à dedução. Por isso, quando for efectuada uma dedução indevida de IVA, a Administração Tributária só poderá exercer o direito de liquidação do IVA que o sujeito passivo tenha recebido a mais, no caso de reembolso, ou pago a menos, no caso de saldo favorável à Administração Tributária, no prazo em que pode ser exercido o direito a dedução.

Sobre o prazo de exercício do direito à dedução, estabelece o  n.º 2 do artigo 98.º do CIVA que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução (...) só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução».

Assim, não sendo neste caso aplicável qualquer norma especial, é de quatro anos o prazo para exercício do direito à dedução. (   )

«O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º» (artigo 22.º, n.º 1, do CIVA), pelo que o nascimento do direito à dedução que se refere naquele  n.º 2 do artigo 98.º é necessariamente anterior ao momento em que o sujeito passivo está em condições de exercer esse direito, «mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período» (artigo 22.º, n.º 1, citado).

Por isso, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade do direito à dedução não é necessário que ocorra o momento em que o sujeito passivo vem a estar em condições práticas de exercer o direito à dedução, iniciando-se o prazo desde o momento anterior em que o imposto dedutível se tornou exigível, normalmente no momento da emissão da factura que serve de suporte ao direito à dedução (artigo 8.º do CIVA).

Reflexamente, por força do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, que faz o coincidir o prazo de exercício do direito à dedução e o prazo de caducidade do direito de liquidação com fundamento em dedução indevida, também este prazo de caducidade se contará a partir desse momento.

É certo que, antes do exercício do direito de dedução, a Administração Tributária não tem a possibilidade prática de controlar o seu exercício, mas é uma solução legislativa que não se pode considerar estranha no nosso direito tributário, pois é a adoptada também nos outros principais impostos, designadamente no IRC e IRS, em que o prazo de caducidade do direito de liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 4, da LGT), meses antes dos termos dos prazos para serem apresentadas as declarações de rendimentos (artigos 120.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC e 60.º do CIRS), que permitirão à Administração Tributária exercer os respectivos direitos de liquidação.

Por outro lado, o regime de contagem do prazo a partir do nascimento do direito à dedução tem como corolário que há um único prazo de caducidade do exercício do direito à dedução relativamente a cada IVA dedutível, independentemente dos posteriores actos em que se concretiza esse exercício, designadamente declarações periódicas iniciais ou de substituição ou de reporte para períodos seguintes.

Reflexamente, em face da coincidência de prazos que resulta do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, também haverá um único prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida, contado do momento em que o IVA respectivo se tornou exigível e não um novo prazo iniciado com cada acto em que se concretizou esse exercício indevido, designadamente os sucessivos actos de reporte para períodos seguintes, nos casos em que o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis, que o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA também considera exercício do direito de dedução (como se conclui de aí se dizer que «o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes»).

Por isso, ao contrário do que defende a Administração Tributária, do n.º 3 do artigo 45.º da LGT e da remissão que dele resulta para o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA resulta que não relevam para determinar o prazo de caducidade do direito de liquidação os actos de exercício de direito à dedução: nem o acto que foi inicialmente praticado na declaração periódica, nem eventuais declarações de substituição, nem a dedução através de reporte do excesso para exercícios seguintes.

A solução aventada pela Autoridade Tributária e Aduaneira de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação a partir da apresentação de cada declaração, inclusivamente aquelas em que se vai fazendo reporte para exercícios seguintes, embora possa ser razoável e aceitável em termos de iure condendo, não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, exigido pelo artigo 9.º,  n.º 2, do Código Civil para permitir uma interpretação.

Na verdade, as únicas normas potencialmente aplicáveis que definem termos iniciais em sede de caducidade do direito de liquidação de IVA, são o n.º 4 do artigo 45.º da LGT (aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 98.º do CIVA), que indica o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou exigibilidade do imposto (que não será aplicável às situações de exercício indevido do direito à dedução, por abrangidas pelo regime específico que resulta do n.º 3 daquele artigo 45.º)  e o artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, aplicável por remissão daquele n.º 3 do artigo 45.º, que indica «o nascimento do direito à dedução».

Assim, em sede de IVA, os prazos de caducidade do direito de liquidação nunca se iniciam com a apresentação das declarações, nem o prazo para liquidação de IVA em falta, nem o prazo para liquidar IVA indevidamente deduzido. 

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam com qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios valorativos pessoais que ele próprio adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por isso, relativamente a cada um dos actos de dedução de IVA em causa nos autos, o prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida iniciou-se concomitantemente com o prazo para exercício do direito à dedução, quando foram emitidas as facturas dos valores das rendas ou terminaram os prazos para elas serem emitidas (artigo 8.º, n.º 1, do CIVA), em todos os casos em períodos anteriores a Dezembro de 2013 (o último contrato foi celebrado em 20-11-2013).

Tendo-se iniciado a inspecção em 28-11-2017 e terminado em 06-11-2018, foi ultrapassado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT, pelo que não se aplica a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação aí prevista.

Assim, tendo a liquidação sido emitida em 29-11-2018 (cerca de cinco anos ou mais depois do início dos prazos de caducidade), tem de se concluir que em relação a todas as deduções de IVA efectuadas nas referidas declarações transcorreu o prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida, antes de a notificação da liquidação impugnada ter sido efectuada.

De qualquer forma, mesmo que se contasse o prazo de quatro anos  de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida a partir do momento em que foi apresentada cada uma das declarações relativas aos períodos de  2012 06 (fracções B e H, ponto III.1.3 do RIT), 2012 09  (fracções U, V, W, X e AB, ponto III.2.3 do RIT) e 2013 11 (fracção Q, ponto III.1.3 do RIT), teria de se concluir que os prazos de caducidade do direito de liquidação em relação a cada uma delas teriam terminado em 14-08-2016, 15-11-2016, e 10-01-2018, respectivamente, pelo que também adoptando esta interpretação se teria de concluir que ocorreu a caducidade do direito de liquidação.

Afigura-se que, embora a Administração Tributária e o presente acórdão façam citações de JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL e MARIA JOÃO MENEZES, em Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, página 405, e SÉRGIO VASQUES,  em A Caducidade do Direito à Liquidação do IVA, em Cadernos IVA 2016, Almedina, página 362, o fundamento invocado por estes Autores para posição que defendem (que é não se iniciar o prazo de caducidade antes do conhecimento pela Administração Tributária do exercício do direito a dedução pelo sujeito passivo e a consequente possibilidade de o controlar), leva a concluir que o início do prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida se iniciará com a primeira declaração em que o direito é exercido (eventualmente com uma declaração de substituição, o que não releva para o caso em apreço) e não as subsequentes declarações em que é feito o reporte de IVA já declarado em períodos anteriores.

Na verdade, aqueles primeiros Autores defendem que «incluem-se na previsão do n.º 3 todas as situações de deduções à matéria tributável ou ao imposto e todas as situações de crédito de imposto. Trata-se, em todos os casos, de direitos dos sujeitos passivos que se constituíram previamente na sua esfera jurídica e que, muitas vezes, só são conhecidos da administração tributária quando são invocados e exercidos como direitos de crédito na relação jurídica tributária. A lei estabelece que, adquirindo a administração tributária conhecimento deles apenas quando são invocados, só pode efectuar a sua verificação, controlo e correc¬ção a partir desse momento, pelo que só a partir daí se inicia a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto resultante da sua eventual correcção». (negrito meu)

Na mesma linha, SÉRGIO VASQUES explica que «a partir do momento em que esse direito é exercido acciona-se o “agora ou nunca” em que se traduz a caducidade - a administração só então está em condições de fiscalizar as práticas do contribuinte e é desde então que tem obrigação e vantagem em fiscalizá-las com a máxima celeridade».(negrito meu)

Se é a possibilidade de a Administração Tributária fiscalizar que determina o início do prazo de caducidade do direito de liquidação, então esse início ocorrerá com a primeira declaração periódica em que é exercido o direito à dedução (por subtracção ao imposto liquidado no período), pois, a partir desse momento, a Administração Tributária está em condições de controlar o exercício do direito à dedução e exercer o direito de liquidação, se a dedução for indevida, não havendo qualquer elemento novo, quanto ao direito à dedução, quando é feito reporte ou quando for pedido reembolso do saldo acumulado, na sequência de sucessivos reportes.

Assim, quer se conte o prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida desde «nascimento do direito à dedução», como resulta do teor literal do artigo 45.º, n.º 3, da LGT com remissão para o artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, quer se entenda que o início do prazo apenas ocorre com a apresentação da declaração em que o exercício do direito à dedução se concretiza, no caso em apreço terá transcorrido o prazo de caducidade, pois a declaração mais recente refere-se ao período 2013 11 e a liquidação foi emitida em 29-11-2018 e notificada em 04-12-2018 (quase cinco anos depois do início dos prazos de caducidade, mesmo contados do início do ano civil subsequente, se se entender aplicável a regra do n.º 4 do artigo 45.º).

 

2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo

 

A solução a que se chegou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0303/07, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, é diferente, quanto à possibilidade de, no momento em que é pedido o reembolso, poderem ser averiguados os pressupostos em que assenta o crédito que lhe está subjacente, sem qualquer limitação temporal.

Na verdade, nesse acórdão entendeu-se que

O prazo de caducidade do direito liquidação, actualmente previsto no art. 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária (...).

                É apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados.

               Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.

                Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.

                Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.

                Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º.

                Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.

 

Mas, esse acórdão foi proferido em relação a factos anteriores a 2005 (   ), a que não era aplicável o regime especial de caducidade do direito de liquidação nos casos de indevida dedução ou crédito de imposto, que veio a ser introduzido no n.º 3 do artigo 45.º da LGT pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro. (   )

Por outro lado, essa jurisprudência refere-se a pedidos de reembolso de IVA e o Supremo Tribunal Administrativo entende que as situações deste tipo são diferentes daquelas em que não houve meramente indeferimento de pedido de reembolso, mas sim uma liquidação adicional de IVA, como pode ver-se pelo acórdão de 05-02-2020, processo n.º 0844/12.0BELRA 01175/17: 

 

Ora, como resulta da factualidade antes descrita, no caso em apreço não estamos perante um acto de recusa de reembolso dos montantes declarados pelo sujeito passivo com fundamento em correcções efectuadas às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso (caso que foi analisado e discutido no acórdão de 12 de Julho de 2007, exarado no processo 303/07, invocado pela Recorrente), mas sim perante verdadeiros actos de liquidação adicional de imposto, praticados na sequência de uma inspecção tributária motivada pelo pedido de reembolso. Quer isto dizer que, tratando-se da prática de um acto tributário fundado em correcções quantitativas à matéria colectável determinadas por uma avaliação directa, por ocasião ou no âmbito de um procedimento de inspecção tributária e com base em dados contabilísticos apurados também por inspecção tributária à empresa relativamente à qual os actos de liquidação de IVA em falta haviam sido praticados, não existem razões que possam afastar a aplicação da regra da caducidade do direito à liquidação consagrada no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

É certo que o IVA em falta é imputado ao último período de 2010, mas o Tribunal a quo entende, e com razão, que esse facto não é relevante para o efeito, uma vez que o prazo de caducidade se conta, segundo o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, “a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2007. Assim, a liquidação daquele IVA em falta (por omissão de operações tributárias) teria de ter sido efectuada e o respectivo acto notificado ao sujeito passivo até 31 de Dezembro de 2010, o que só veio a acontecer em 4 de Setembro de 2011.

 

                Na mesma linha, distinguido as duas situações, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 27-02-2019, processo n.º 02/18.0BALSB, que a situação analisada no referido acórdão de 2007 e a que foi objecto do acórdão arbitral de 27-06-2018, proferido no processo n.º 494/2017-T (em que se estava perante situação em que não houve apenas indeferimento de pedido de reembolso, mas também uma liquidação), não têm «suficientes pontos em comum para que se possa concluir ocorrer uma efectiva contradição entre ambas».

                Por isso, sendo o acto que é objecto de impugnação uma liquidação adicional (um acto ablativo de uma quantia do património da Requerente e não um mero indeferimento de uma pretensão), haverá que aplicar-lhe este regime e não o que o Supremo Tribunal Administrativo entendeu aplicar-se, à face de outro regime normativo, relativamente a pedidos de reembolso.

 

3. Conclusão

 

Assim, tendo a liquidação sido emitida em 29-11-2018 e notificada em 04-12-2018 (documento n.º 16 e artigo 53.º do pedido de pronúncia arbitral) e efectuando uma correcção relativa ao período 201401, tem de se concluir que em relação a todas as deduções de IVA, quer as iniciais, quer a referida declaração de reporte de IVA, transcorreu o prazo de caducidade do direito de liquidação, antes de a notificação da liquidação ter sido efectuada.

 

4.  Vício procedimental

 

Quanto ao vício procedimental da extensão do procedimento de inspecção, entendo que, como no acórdão, não há obstáculo a que, sem extensão de uma inspecção relativa a determinado período, sejam examinados documentos relativos a outros períodos, inclusivamente «relativos a situações tributárias já abrangidas pelo prazo de caducidade», como se refere no artigo 36.º, n.º 1, do RCPITA.

Diferente desse exame de documentos será dar relevo a factos tributários ocorridos para além do prazo de caducidade (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-05-2017, processo n.º 0699/16), mas esta relevância, a ser ilegal, será vício de violação de lei e não procedimental, que é o que neste processo foi imputado à liquidação.

 

Lisboa, 30-12-2020

 

(Jorge Lopes de Sousa)