SUMÁRIO:
a) Dizendo o n.º3 do artigo 23.º do CIRC que “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para o efeito”, significa que não se exige que o documento comprovativo seja uma fatura ou um recibo admitindo-se que possa assumir outra natureza, ponto é que tais suportes documentais contenham os elementos exigidos pelo n.º 4 do mesmo preceito;
b) Recaindo sobre a Requerente o ónus da prova, quer quanto à existência de um documento de suporte dos gastos que pretende deduzir, quer da verificação dos requisitos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIR, é de considerar despesas não devidamente documentadas, se a Requerente faz prova da existência de suporte documental, mas não prova os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 23.º e, noutros casos, não faz sequer prova da existência de suporte documental adequado;
c) Determinante para que uma entidade possa inscrever um ativo no seu balanço é que detenha o controlo desse ativo, de forma a poder obter benefícios económicos futuros que fluam do recurso subjacente e o poder de restringir a acesso a terceiros a esses benefícios, pelo que não tendo a Requerente feito prova do controlo efetivo dos ativos em causa não pode contabilizar as respetivas amortizações como gastos para efeitos fiscais;
d) Despesas não documentadas, para efeitos do artigo 88.º do CIRC, são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique, não se subsumindo nesse conceito uma despesa em relação ao qual existe suporte documental, ainda que este não reúna os requisitos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC.
Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Jónatas Machado e Nina Aguiar (árbitros auxiliares) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-01-2020, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. Requerimento e constituição do tribunal
A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., ...-... Guimarães, doravante designada por "Requerente", apresentou, em 31-10-2019, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) e ao abrigo do art. 11º, nº 1 do Decreto-lei nº 81/2018, de 11 de outubro, pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista:
- A anulação de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRC:
- Número 2018..., relativa a lucros do ano de 2014.
- Número 2018..., relativa a lucros do ano de 2015.
- Número 2018..., relativa a lucros do ano de 2016.
- A anulação das mesmas liquidações.
É Requerida a ATA - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-11-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 23-12-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22-01-2020.
2. Fundamentos do Pedido
A Requerente baseia o seu pedido, resumidamente, nos seguintes fundamentos:
AQUISIÇÕES DE SERVIÇOS A B...
- A Requerente contratou em janeiro de 2014 B..., cidadão de nacionalidade espanhola, detentor de um sólido conhecimento do negócio de couros, mediante o pagamento de uma quantia fixa mensal de 1.500,00 EUR.
- Tendo em 31.12.2014 contabilizado na conta SNC-62252 – Comissões pagas a não residentes, o gasto do montante de 16.175,39 EUR incorrido com a contratação desse agente, tendo como documentos de suporte quer o contrato de prestação de serviços quer os recibos passados pelo prestador do serviço, tal gasto encontra-se documentado e justificado, pelo que é fiscalmente aceite.
AQUISIÇÕES DE SERVIÇOS À SOCIEDADE C...
- Em meados do ano de 2014, a Requerente contratou uma agência local boliviana, a C..., com quem outorgou um contrato de prestação de serviços mediante o pagamento de uma avença mensal de 2.000,00 EUR acrescidos das despesas suportadas com deslocações e outras.
AMORTIZAÇÕES SOBRE IMÓVEL E BENFEITORIAS
- Em 2006 adquiriu, pelo preço de 700.000,00 EUR, um imóvel que registou (com base no contrato de promessa de compra e venda) como componente do seu ativo fixo tangível, tendo registado na contabilidade, nos anos 2014, 2015 e 2016, gastos de amortizações respeitantes a esse edifício no montante anual de 17.306,00 EUR.
- Na qualidade de legítima possuidora, a Requerente outorgou em 01.03.2006 com a Associação G... um contrato de arrendamento do imóvel em causa mediante o pagamento de uma renda anual de 60.000,00 EUR, rendas essas que foram reconhecidas anualmente.
- Em 2006 realizou obras [no mesmo imóvel] no montante de 33.000,00 EUR que também registou em imobilizado e do qual também registou amortizações nos anos em causa.
- Pese embora a falta de registo predial, o imóvel é de modo público e pacífico propriedade da Requerente, que o prometeu comprar, que pagou o preço e que o registou na sua contabilidade como um ativo seu.
- Os gastos com as amortizações estão relacionados com um imóvel que, pese embora não esteja na posse jurídica da Requerente está na sua posse de facto, que o utiliza para a produção de rendimentos sujeitos a imposto, pelo que tais amortizações devem ser aceites como gastos fiscais.
- A decisão de exclusão dos gastos e da manutenção dos rendimentos contraria o princípio tributário da prevalência da substância sobre a forma, os princípios da justiça e da proporcionalidade.
- Acresce que os gastos revelam uma relação causal evidente e notória com os rendimentos proporcionados pela fruição do imóvel em causa.
OFERTAS A FORNECEDORES
- A Requerente registou, nos anos de 2014 e 2015, na conta “6234 -Artigos para ofertas” gastos que ascendem aos montantes, respetivamente de 4.450,00 EUR e 5.900,00 EUR, os quais correspondem a ofertas a fornecedores, realizadas no exercício da atividade e no interesse da Requerente apresentando uma relação inequívoca de causa e efeito com a produção dos rendimentos, e que se encontram provadas por comunicações escritas de agradecimento.
- Não tendo a AT logrado fazer prova de que os gastos com ofertas não se mostram comprovados e não foram efetuados no interesse da Requerente, estes reúnem os requisitos para, nos termos do art.º 23.º do CIRC, serem considerados como encargos para efeitos fiscais.
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE ACESSO AO MATADOURO D...
- A fim de garantir o fornecimento dos couros em quantidade e qualidade necessários ao desenvolvimento do seu negócio, a Requerente negociou a sua admissão na organização boliviana “União sindical de trabalhadores em carne de mercados, tendas e ferias”, com o que adquiriu uma garantia de compra mensal de couros, que se traduz no direito de comprar os couros diretamente no matadouro e acompanhar todo o processo de preparação até a saída.
- Por esse direito, o valor final pago pela Requerente foi de USD 120.000,00, preço este que foi pago em dinheiro.
- A relação direta, imediata e causal deste gasto com a atividade da empresa é inquestionável, preenchendo os requisitos legais para ser considerada como gasto fiscal nos termos do art.º 23.º do CIRC.
AQUISIÇÕES DE SERVIÇOS À SOCIEDADE E... SA
- Em 2016 contratou os serviços da sociedade E... SA, a fim de com ela alargar o seu mercado a todo o território da Bolívia e Peru, acedendo ao couro designado por “altiplano”, considerado como o couro da mais alta qualidade no mercado e por isso o mais procurado, tendo sido estipulada a título de remuneração uma avença mensal bruta de 8.890,00 E... SA, que incluía o preço do serviço e o reembolso das despesas de deslocação e outras.
- Pela prestação de serviços contratada com a Requerente, a empresa boliviana obrigou-se a emitir uma fatura mensal, tendo tais faturas sido emitidas.
- Tais faturas foram pagas a dinheiro, o que segundo a AT contraria o disposto no n.º 3 do art.º 63.º da LGT.
- Em relação a estes pagamentos a Autoridade Tributária conclui que “(...) em relação a estes gastos existem indícios muito fortes de que as faturas emitidas por aquelas entidades configuram operações simuladas que, em parte, terão como objetivo servir de suporte a outras despesas não documentadas, como por exemplo despesas com aquisição de mercadorias em que são ocultados os verdadeiros fornecedores”.´
- A AT efetuou o teste de conformidade entre as quantidades vendidas e as quantidades compradas, ajustadas em função da variação de inventários, e concluiu pela inexistência de exceções.
- Nem podia haver porque, não obstante tratar-se de couros, tal como supra se referiu, todas as entradas em território português são objeto de controlo sanitário, pelo que a autoridade aduaneira tem um controlo absoluto das quantidades importadas.
- Assim, a conclusão de que as faturas em causa “encobrem” aquisição de mercadorias ocultadas por verdadeiros fornecedores não tem substrato racional porque se houvesse compras de mercadorias sem fatura do fornecedor teria de haver mais quantidades vendidas do que compradas.
- O facto de terem sido emitidas doze faturas todas com a indicação do número de ordem da encomenda, com a mesma descrição e alterando apenas o mês, não prova que as mesmas sejam simuladas.
- No que se refere aos meios de pagamento, importa ter em conta que as operações se realizam em mercados da América Latina, onde a regra é o pagamento a dinheiro.
- A Autoridade Tributária alega ainda que as faturas levantam duvidas acerca da sua veracidade, designadamente, pelo valor anormalmente elevado dos gastos, a data de emissão ser sempre o dia 17 de cada mês e as faturas serem sequenciais.
- A AT não expressa de forma clara, suficiente e congruente as razões em que se funda para concluir que “valor é anormalmente elevado”.
- A AT não logrou provar, como lhe competia, que os gastos incorridos são alheios a atividade da Requerente.
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS: DIREITO DE ACESSO AO MATADOURO D... E SERVIÇOS CONTRATADOS À SOCIEDADE E...
- A propósito dos gastos suportados com os serviços contratados a entidades estrangeiras, designadamente o direito de acesso ao matadouro negociado com o F...– intermediado pela C..., a AT considerou aquelas despesas como “não documentadas” nos termos da aliena b) do n.º 1 do art.º 23.º- A do CIRC.
- E, nessa medida considerou as mesmas para efeitos de incidência da tributação autónoma por aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, erradamente, pois um dos pressupostos de aplicação do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC é o tratar-se de “despesas não documentadas”, isto é, de despesas que não estão suportadas em documentos emitidos na forma legal.
- No caso dos autos os gastos com o matadouro estão suportados por documentos.
- Quanto aos gastos incorridos com a contratação de prestação de serviços à sociedade E... estão os mesmos suportados por faturas emitidas na forma legal.
- Efetivamente, as despesas estão documentadas, estão suportadas por documentos que a AT analisou e qualificou de acordo com o seu sentimento e sentido pessoal e reputou de “valor anormalmente elevado”.
- Ora, o escopo da norma do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC é o de sujeitar a tributação autónoma as despesas que, registadas como gastos, não se mostrem suportadas por documentos.
- A jurisprudência tem entendido que despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico.
- No caso dos autos as despesas estão documentadas, pese embora a AT considere que as mesmas não são indispensáveis nos termos do art.º 23.º do CIRC.
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS: OBRAS DE CONSTRUÇÃO
- A Requerente registou, por lapso, como gasto, uma fatura proforma relativa a obras a realizar no prédio dado de arrendamento à associação G....
- Fatura pró-forma que a Requerente não pagou.
- O registo da fatura pró-forma afetou apenas o resultado corrigido por exclusão do gasto com que a Requerente concordou.
- Não se provando a existência de um ex-fluxo financeiro não é facto suscetível de incidência de tributação autónoma e, consequentemente, não cai na previsão do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.
VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
- Os atos impugnados estão feridos de vício de falta de fundamentação substancial, na parte em que a Autoridade Tributária decidiu excluir as despesas porque considera que as mesmas não têm cabimento no art.º 23º do CIRC, por entender, designadamente, que são despesas de valor anormalmente elevado.
- No caso inexistem os pressupostos reais ou os motivos concretos susceptíveis de suportarem a decisão de exclusão para efeitos fiscais dos custos suportados pela Requerente.
- O mesmo vício se verifica na parte em que a AT decide considerar os gastos que excluiu para efeitos de determinação do lucro tributável de cada um dos exercícios em causa, como despesas confidenciais e, em consequência, decide sujeitá-los a tributação autónoma por aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, sem que expresse os pressupostos reais e os motivos concretos daqueles atos.
- Os atos tributários controvertidos são assim ilegais por preterição de formalidades essenciais – ausência de fundamentação substantiva.
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS – INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
- No caso dos autos a AT não provou os pressupostos legais legitimadores da sua atuação.
- Concretamente não provou como lhe competia por força do disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT que as despesas registadas não têm uma relação direta com a atividade da Requerente e não se mostram documentadas.
- Os atos tributários controvertidos são ilegais por preterição de formalidades essências – ilegal inversão do ónus da prova.
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
- Os atos impugnados enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
3. Resposta
Na sua resposta, a Autoridade Tributária pugna pela legalidade dos atos impugnados nos termos que resumidamente se expõem.
GASTOS COM A CONTRATAÇÃO DE B...
- De acordo com o contrato de prestação de serviços, é função do segundo fornecedor dos serviços prestar “serviços de verificação técnica dos produtos a adquirir pela primeira outorgante junto dos seus fornecedores, nomeadamente conferindo a qualidade destes produtos e a sua adequabilidade aos fins comerciais ... bem como colaborar na pesquisa de novos fornecedores de matéria prima...".
- A realização de serviços de verificação técnica dos produtos terá necessariamente que constar de relatórios, ou outro suporte documental, dirigidos à Requerente, não se encontrando junto aos autos referência ou prova da existência desses relatórios.
- A Requerente, apesar de alegar que fez ao longo do ano diversas entregas em dinheiro a B... para pagamento dos honorários deste e para reembolso das despesas, não junta qualquer elemento que prove tais afirmações, não existindo na contabilidade uma conta corrente com este prestador de serviços onde essas entregas seriam registadas, mesmo que, estranhamente, feitas a dinheiro.
- A cláusula 8ª do contrato subdivide-se em duas alíneas: a) O presente contrato tem a duração de 60 meses, com início na data da outorga do mesmo, sendo renovável por igual período, salvo acordo diverso entre as partes; e b) Deverá qualquer uma delas manifestar a sua intenção de cessação com um aviso prévio de 6 meses do respetivo termo ou da renovação.
- Admitindo que o contrato teve a duração de pelo menos um ano, até ao fim do ano de 2014, o montante dos honorários ascenderia a um total de 18.000,00 EUR, correspondentes a 1.500,00 EUR durante 12 meses.
- No RIT faz-se referência a um único valor de 16.175,39 EUR, "suportado por documento que não passa de uma folha elaborada num processador de texto do tipo Microsoft Word, datado de 2014-12-31, desconhecendo-se a natureza dos gastos sendo que somente o descritivo do lançamento da contabilidade revela pistas de que terá sido a título de comissões".
- Esta discrepância de valores poderia ser explicada pelo facto de o contrato de prestação de serviços ter tido uma duração inferior a 12 meses, portanto ter terminado antes do final de 2014, não obstante, o documento de quitação é datado de 2014-12-31, o que deita por terra tal justificação.
- E, se, este valor de 16.175,39 EUR corresponde a comissões não se sabe em que conta da contabilidade registou a Requerente as despesas com deslocações e estadas e onde estão as provas da sua existência, pois, segundo a cláusula 7ª do contrato, o segundo outorgante tinha direito ao reembolso dessas despesas. Não há provas de que o prestador tenha efetuado despesas ao serviço da Requerente, nem há provas de que a Requerente tenha reembolsado o prestador dessas despesas.
- Como prova da efetiva prestação dos serviços contratados, a Requerente juntou cópia de emails trocados durante o período da prestação de serviços, entre os quais um email datado de 23 de junho de 2015, relacionado com análise de qualidade e % de crómio aos couros Bolívia.
- Este email foi enviado quase seis meses após o fecho do exercício de 2014, e, de acordo com o valor mensal contratado, o contrato de prestação de serviços terá tido uma duração inferior a 12 meses.
- Acresce que, se houve serviços prestados em 2015, não há qualquer prova da realização desses serviços.
- Não se compreende que não existam prova documentais da atividade desenvolvida por um consultor técnico a trabalhar em regime de exclusividade e da concreta remuneração que o mesmo obteve.
- Por tudo o exposto, e ao contrário do que defende a Requerente, não se mostram cumpridos os requisitos de comprovação dos gastos exigidos pelos números 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC.
GASTOS COM AMORTIZAÇÕES
- Nos anos de 2014, 2015 e 2016, a Requerente contabilizou gastos com reintegrações e amortizações que se referem a um edifício no valor de 700.000,00 EUR adquirido em 2010 (ano que consta no mapa de 2014) ou 2013 (ano que consta no mapa de 2015 e 2016), sendo que no sistema de informação da AT, a Requerente não consta como sendo proprietária de qualquer imóvel.
- Nos mapas de reintegrações e amortizações, consta ainda, em 2014 e 2015, o valor de 3.306,00 EUR correspondente à amortização de obras na sede no ano de 2006, no valor de 33.060,00 EUR.
- A Requerente, notificada para apresentar a identificação do respetivo artigo matricial e para juntar cópia dos documentos comprovativos do valor de 33.060,00 EUR, declarou que “... efetuou o registo contabilísticos do imóvel com base no contrato de promessa de compra e venda embora o imóvel não se encontra registado na C R Predial em nome da Requerente e que contratou um empréstimo bancário e pagou o preço do imóvel e entrou na posse imediata do imóvel;
- Imóvel que, segundo a Requerente, foi objeto de um contrato de arrendamento, celebrado em 01.03.2006, com a Associação G..., mediante o pagamento de uma renda anual de 60.000,00 EUR.
- Da análise do contrato de arrendamento, junto aos autos, é possível identificar o bem objeto do contrato, neste caso o prédio urbano de cave e rés-do-chão, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do registo Predial de Guimarães, sob o n.º ...-..., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., com o alvará de licença de utilização n.º..., passado pela Câmara Municipal de Guimarães.
- Ora, o prédio correspondente ao artigo matricial n.º ... tem como titulares H... e I..., respetivamente sócio-gerente e sócia da Requerente.
- Portanto, o imóvel não é propriedade da Requerente, sendo que o empréstimo bancário contraído terá sido utilizado para pagar um imóvel que é propriedade dos sócios.
- Os gastos e perdas com depreciações do ativo fixo tangível são dedutíveis para a determinação do lucro tributável, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, no entanto a sua dedução pressupõe que o sujeito passivo tenha na sua posse o documento comprovativo da aquisição do bem sujeito a depreciação, nos termos do n.º 4 do referido artigo, o que não se verifica na situação presente.
- Relativamente ao valor de € 3.306,00 deduzido nos exercícios de 2014 e 2015 a título de amortização de obras na sede, a Requerente, de acordo com o RIT, terá respondido, de uma forma informal, que o valor em causa era relativo a obras na sede realizadas no ano de 2006 e que já não possuía esses documentos.
- Sobre esta questão importa referir que a Requerente declarou como data de início de atividade o dia 12 de dezembro de 2005 e a sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Guimarães.
- Da consulta à IES do exercício de 2006, resulta que a Requerente declarou na demostração de resultados, a título de amortizações do imobilizado corpóreo (Edifícios e outras construções), o valor de 3.306,00 EUR, e que o valor de 33.060,00 EUR constituía a única rubrica registada no balanço a título de imobilizações corpóreas (agora ativo fixo tangível).
- Não constando nenhum bem imóvel na contabilidade, as obras a que a Requerente se refere terão sido realizadas em propriedade alheia.
- No dia 2 de outubro de 2008 a Requerente entregou no serviço de finanças de Guimarães ... uma declaração de alteração de atividade em que, entre outras alterações ao contrato de sociedade, alterava a sua sede para a morada atual, sita na Avenida..., sala..., n.º ...-..., ..., ...-... Guimarães, instalações que são propriedade do sócio-gerente H... .
- Da consulta à IES de 2008 verifica-se que a Requerente reconheceu apenas a quota anual de amortização relativa às obras da sede.
- Assim, com a mudança da sede, as obras realizadas em propriedade alheia deixaram de ter para a Requerente qualquer função instrumental, a menos que essas obras fossem constituídas por elementos removíveis passiveis de serem utilizados, prova que a Requerente não fez.
- Face à mudança da sede, não é possível aceitar para os exercícios de 2009 e seguintes, a dedução para efeitos fiscais de qualquer valor a título de amortização por obras em edifícios alheios e, sendo assim, andou bem a Inspeção Tributária ao corrigir o valor de 3.306,00 EUR, deduzido pela Requerente nos exercícios de 2014 e 2015.
GASTOS COM AQUISIÇÃO DE ARTIGOS PARA OFERTAS
- A Requerente pretende a dedução de valores despendidos com a aquisição de artigos de joalharia, ourivesaria e relojoaria, sustentando que as ofertas comerciais constituem uma prática corrente e que os bens foram oferecidos no interesse comercial da Requerente.
- Argumenta a Requerente que a sociedade J... Lda. é um dos seus maiores fornecedores, razão pela qual foi contemplada com ofertas de valores elevados.
- Não obstante, esta argumentação não pode ser validada através da análise das contas correntes de fornecedores, pois, como se refere no RIT “... a contabilidade não espelha a integralidade das operações do sujeito passivo, ... exemplo disso, é o facto de terem sido detetados os chamados movimentos caldeirão, na conta de Fornecedores (conta essa que agrega vários fornecedores sem os identificar e não uma conta especifica para cada fornecedor identificado como deveria ser) na qual se vão debitando (registando os custos) ao longo do ano, sendo que num único movimento, datado do último dia do ano, a conta é creditada pelo valor remanescente de modo a ficar saldada, sendo que esses lançamentos não possuem o respetivo documento de suporte, mas apenas e somente o verbete interno (documento interno que diz quais as contas creditadas e debitadas).”
- Assim, ao contrário do que afirma, a Requerente não conseguiu comprovar, através da sua contabilidade, “...a relação comercial que mantém com aqueles beneficiários e consequentemente a relação das ofertas com o interesse comercial da Requerente e não com interesses alheios".
- E a inexistência de qualquer documentação contabilística impede a Requerente de fazer prova de que os gastos com ofertas foram incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, pelo que, nos termos do art. 23.º do CIRC, não podem ser aceites para efeitos fiscais.
GASTOS COM AQUISIÇÃO DE DIREITO DE ACESSO AO MATADOURO D...
- A Requerente, tendo contabilizado um gasto de 114.052,18 EUR (120.000,00 USD) que descreve como despesas suportadas com a aquisição do direito de acesso ao Matadouro, argumenta que o gasto em causa corresponde ao pagamento de uma "joia" para ter direito de acesso ao matadouro e garantir o fornecimento de couros em quantidade e qualidade necessários ao desenvolvimento do seu negócio.
- E que esse direito adquirido à F... (entidade gestora do matadouro) foi pago, mediante entregas em dinheiro, sendo esta uma condição imposta pelo Matadouro, através da sociedade C... que, na qualidade de intermediário, se encarregou de as entregar àquela entidade.
- Perante esta verba extraordinária de USD 120.000,00, os SIT notificaram a Requerente para apresentar os comprovativos dos meios de pagamento dos gastos em causa, contabilizados em 2016.
- Em resposta a Requerente apresentou uma relação de cheques, emitidos no período de julho de 2015 a dezembro de 2016, no valor total de 191.692,98 EUR, e que terão sido usados para pagar aos prestadores C... e E..., S.A
- Segundo o gerente estes cheques terão sido levantados ao balcão, e transportados por si de avião, até à Bolívia, para serem entregues a esses dois prestadores de serviços, já que naquele país era prática usual fazer pagamentos em numerário, e que os USD 120.000,00 foram o valor que a C..., mediante entregas em dinheiro, se encarregou de entregar à entidade gestora do matadouro.
- Ora, cumpre recordar que o n.º 1 do artigo 63º-C da LGT obriga a Requerente a ter uma conta bancária exclusiva para os pagamentos e recebimentos respeitantes à sua atividade.
- Sendo que é difícil de aceitar que um valor tão elevado tenha sido pago a dinheiro, dinheiro que segundo a relação de cheques começou a ser levantado a partir de julho de 2015 para pagar serviços que só em 2016 foram "prestados".
- Acresce que não existe qualquer conta corrente deste prestador de serviços que evidenciasse as entregas efetuadas pela Requerente, fragilidade apontada pelos Serviços de Inspeção Tributária no seu relatório, ao denominar "... os chamados movimentos caldeirão, na conta de fornecedores (conta essa que agrega vários fornecedores sem os identificar e não uma conta especifica para cada fornecedor identificado como deveria ser)...".
- E, se, como argumenta, "Os gastos do montante de USD120.000,00 reconhecidos em 2016, apesar de entregues à sociedade C... não se destinaram a remunerar os serviços desta entidade, mas a pagar a F..., gestora do Matadouro, o direito a aceder ao Matadouro e comprar couros de qualidade..." porque não comprovou esses gastos com uma fatura, ou documento equivalente, emitido pela entidade gestora do matadouro?
- Assim, andaram bem os Serviços de Inspeção Tributária ao proporem que os gastos em causa fossem corrigidos para efeitos fiscais, considerando-os despesas não documentadas, nos termos da alínea b) do no 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
- Tanto mais que, o gerente da Requerente afirmou que os pagamentos ao prestador de serviços C..., eram, por norma, efetuados por transferência bancária, e os SIT recolheram evidência de pagamentos para fornecedores da Bolívia, por transferência bancária.
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS PAGAS A E... SA
- De acordo com o relatório inspetivo, este valor está suportado em 12 faturas mensais, de janeiro a dezembro de 2016, emitidas pelo prestador de serviço E..., S.A, com origem na Bolívia, no valor mensal de 8.890,00 EUR cada uma delas;
- Notificada a Requerente para exibir os documentos que suportam este movimento contabilístico, veio a mesma declarar que os documentos que não constam das pastas decorrem de acerto de contas de tesouraria (clientes e fornecedores) e que surgem no final do ano por só nesse momento se ter feito a validação das contas correntes dos terceiros.
- Observam os SIT que o descritivo das faturas é sempre o mesmo, que foram emitidas sempre no dia 17 de cada mês e que a sua numeração é contínua correspondendo a fatura n.º 1 a janeiro e a fatura n.º 12 a dezembro.
- Argumenta a Requerente que contratou a E... SA, no inicio do ano de 2016, com vista a obter couros de melhor qualidade, de produtores das zonas altas dos mercados da Bolívia e Peru, e que os encargos registados se referem à avença mensal acordada de 8.890,00 EUR, pois todos os encargos associados à prestação dos serviços contratados eram de conta da E...; e que, quanto ao pagamento ser realizado a dinheiro, é preciso perceber que as operações se realizam em mercados da América Latina, e que o dinheiro era transportado pelo gerente ou por outros profissionais do ramo que colaboravam entre si.
- Tal como já referido em relação à correção anteriormente apreciada, as alegacões da Requerente não fazem qualquer referência à emissão de cheques para pagar aos prestadores C... e E..., o que mostra uma atitude substancialmente diferente da que foi tomada em sede de procedimento inspetivo, quando após ter sido notificada, apresentou uma relação de cheques emitidos no período de julho de 2015 a dezembro 2016, supostamente levantados ao balcão e com destino a estes dois prestadores.
- Não parece, pois, que se deva aceitar como argumento válido que o pagamento a estes dois prestadores tenha sido efetuado a dinheiro, pois não só os SIT referem no seu relatório que o gerente havia afirmado que os pagamentos ao prestador de serviços C..., eram, por norma, efetuados por transferência bancária, como os mesmos SIT recolheram evidência de pagamentos para fornecedores da Bolívia, por transferência bancária, evidência que também está espelhada nas declarações Modelo 38, submetidas pelas instituições de crédito, relativamente aos exercícios de 2014 e 2016 e já referidas anteriormente.
- Sendo de referir, novamente, o que se disse sobre os outros dois prestadores de serviços, B... e C..., quanto à inexistência de relatórios respeitantes à execução da tarefa de avaliação da qualidade dos couros.
- Ora, nada disso a Requerente juntou para provar o trabalho desenvolvido por este prestador de serviços, assim como não juntou provas de contactos com novos fornecedores e compras efetuadas.
- Se, como argumenta a Requerente, a contratação deste prestador de serviços tinha em vista obter couros de melhor qualidade, de produtores das zonas altas dos mercados da Bolívia e Peru, sempre seria de esperar que se encontrasse essas evidências nos relatórios efetuados.
- Depois, também para este prestador de serviços, não juntou qualquer conta corrente que evidenciasse as entregas efetuadas pela Requerente para este fornecedor.
- Por fim não deixa de ser relevante observar que os prestadores de serviços em causa neste ponto e no ponto anterior (C... e E...) não constam como beneficiários das transferências efetuadas e declaradas nas declarações Modelo 38 e que têm a Bolívia como país de destino.
- Perante estes factos, como bem consideram os SIT, existem fundados e sérios indícios de que estas faturas não traduzem operações efetivas, considerando os gastos despesas não documentadas, nos termos da alínea b) do no 1 do artigo 23.º-A do CIRC,
- A Requerente não fez prova das vantagens destes gastos para a sua atividade, existem sérias dúvidas da veracidade das faturas emitidas, e o pagamento de um valor tão elevado, ainda para mais a dinheiro, constituem indicadores claros da fragilidade da contabilidade do sujeito passivo e levantam a dúvida sobre o verdadeiro destino dos dinheiros em causa, se para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, ou se para fins alheios aos interesses da sociedade.
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA POR DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS
(1) DIREITOS DE INGRESSO NO MATADOURO E SERVIÇOS CONTRATADOS A E...
- Em função das correções propostas no ponto anterior entenderam os SIT que os gastos com os prestadores de serviços estrangeiros C... e E..., S.A, registados no exercício de 2016, no valor de € 220.732,18, deveriam ser sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 50%, nos termos do nº 1 do artigo 88.º do CIRC, sem prejuízo de não poderem ser aceites como encargos dedutíveis para efeitos fiscais, por serem consideradas despesas não documentadas, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
- Defende a Requerente que “... os gastos com o matadouro estão suportados por documentos e quanto aos gastos incorridos com a contratação da E... estão os mesmos suportados por faturas emitidas na forma legal... e, estando documentadas não caem na previsão do n.º 1 do art. 88º do CIRC”.
- Relativamente ao valor de USD 120.000,00, reconhecidos como gasto em 2016, parece ter ficado evidente que a Requerente não conseguiu provar que as quantias em dinheiro, supostamente entregues à sociedade C..., que na qualidade de intermediária, as terá feito chegar à F..., gestora do Matadouro, tiveram como fim o pagamento de qualquer serviço prestado por esta entidade pois em momento algum a Requerente comprovou esses gastos com uma fatura, ou documento equivalente, emitido pela entidade gestora do matadouro.
- Quanto aos gastos incorridos com a contratação da E..., remete-se para as fragilidades apontadas pelos SIT ao referirem que o descritivo das faturas é sempre o mesmo, que foram emitidas sempre no dia 17 de cada mês e que a sua numeração é continua correspondendo a fatura n.º 1 a janeiro e a fatura n.º 12 a dezembro levando a admitir que "... existem fundados e sérios indícios de que estas faturas não traduzem operações efetivas...”
- A que acresce a inexistência de qualquer prova apresentada pela Requerente de que os serviços em causa foram efetivamente prestados, pois competindo à E... avaliar a qualidade dos couros e o contacto com novos fornecedores, deveria a Requerente ter provas de que esse trabalho se realizou, pois, sem essa prova não justifica a remessa de dinheiro para esse prestador de serviços.
- Em função dos valores envolvidos, em ambos os casos superiores a 100.000,00 EUR, era dever da Requerente demostrar cabalmente que as despesas efetivamente ocorreram, e teve várias oportunidades para o fazer (procedimento inspetivo, direito de audição e reclamação graciosa), e deveria também identificar os efetivos beneficiários dos pagamentos a dinheiro.
- Não devendo esquecer-se que nas declarações Modelo 38 submetidas estão identificadas várias transferências de valores bem inferiores aos aqui em causa, com destino à Bolívia e em que os destinatários estão perfeitamente identificados.
- Não é, pois, de acolher o argumento de que o pagamento teria de ser realizado a dinheiro, atendendo a que as operações se realizavam em mercados da América Latina.
- Até porque a contabilidade da sociedade não pode estar organizada segundo a geografia das operações, mas, conforme determina o artigo 17.º do CIRC, deve estar "organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor” e na execução dessa contabilidade deve acolher as recomendações do artigo 123.º do mesmo código, que observa que: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos.
- E a Requerente também não podia desconhecer o que determina o artigo 63.º-C da LGT, que obriga os sujeitos passivos de IRC a possuir conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, "movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida," bem como "todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos".
- Aliás, o n.º 3 deste mesmo artigo determina que os pagamentos de valor igual ou superior a € 1.000,00 sejam efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário.
- A Requerente ao referir que o valor em causa (220.732,18 EUR) foi pago a dinheiro escolheu um meio de pagamento que não permite a identificação dos beneficiários e sendo assim, afigura-se que andou bem a Inspeção Tributária ao considerar este valor como despesas não documentadas.
- Constitui doutrina e jurisprudência firmadas que as despesas não documentadas são despesas que não têm qualquer suporte documental ou, tendo esse suporte, este não especifica ou identifica a despesa quanto à natureza, origem e finalidade como acontecia com as antigas despesas confidenciais.
- Essencial para a qualificação é que seja desconhecido o destinatário da despesa, o que justifica a sua tributação autónoma.
- In casu, estamos perante pagamentos a dinheiro de alegadas despesas que não têm qualquer suporte documental ou esse suporte não se mostra credível, pelo que deverá manter-se a tributação autónoma sobre estas despesas nos termos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
(2) DESPESAS COM OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL
- Quanto aos gastos de construção civil que pretende deduzir, a Requerente, notificada para exibir o documento de suporte do registo contabilístico, limitou- se a apresentar o verbete de lançamento contabilístico.
- Perante a situação os SIT consideraram que o gasto não estava documentado, e como tal não poderia ser aceite fiscalmente, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 23.º - A do CIRC, a que acresceria a sujeição a tributação autónoma, à taxa de 50%, por força do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.
- No PPA a Requerente limita-se a referir que não pagou a fatura pró-forma e não se provando a existência de um efluxo financeiro não é facto susceptível de incidência de tributação autónoma e, consequentemente não cai na previsão do n.º 1 do art. 88.º do CIRC.
- Na redacção em vigor à data, do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC não resulta como condição prévia à tributação autónoma das despesas não documentadas que as mesmas se encontrem pagas.
- Mas ainda que assim fosse, o que só por mero exercício se equaciona, a Requerente não demostrou que esse valor se encontrava por pagar e voltou a não exibir o documento em causa, demonstração que se afigura difícil face à inexistência de contas correntes para fornecedores, com os lançamentos a serem efetuados na denominada conta "caldeirão", como bem demostra o RIT.
- Os atos contestados não padecem de falta de fundamentação, nem formal nem substancial.
- O relatório do procedimento inspetivo justifica perfeitamente as razões que levaram os SIT a não aceitar os gastos com os prestadores de serviços estrangeiros, C... e E..., no valor de 220.732,18 EUR, e a considerá-los como despesas não documentadas.
- Não é pelo facto de essas despesas serem elevadas que foram desconsideradas, mas sim por não estarem documentadas ou estarem suportadas em documentos pouco credíveis, como se demonstrou no relatório e nos pontos anteriores.
- Sendo que a Requerente mostra ter conhecimento, desde o início, das razões que conduziram às correções propostas pelos SIT.
- E, tanto assim é que, notificado para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções, o sujeito passivo não veio demonstrar nenhuma dúvida sobre as correções propostas, antes vindo pedir um prazo acrescido para exercer o direito de audição, prazo esse que lhe foi concedido e só depois de esse prazo se ter esgotado e se verificar que não exerceu o direito de audição, é que as propostas de correções contidas no projeto de relatório se converteram em definitivas.
- Argumenta a Requerente que a AT não procedeu a uma adequada e proporcional averiguação da verdade material e que não provou como lhe competia por força do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT que as despesas registadas não têm uma relação direta com a atividade da Requerente e não se mostram documentadas.
- Sobre esta questão importa lembrar as obrigações da Requerente na organização da sua contabilidade e a relevância desta como ponto de partida para a determinação do lucro tributável.
- Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 123.º do CIRC, as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º permita o controlo do lucro tributável.
- Dispondo a alínea a) do n.º 2 da mesma norma que, na execução da contabilidade todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.
- Por sua vez o artigo 23.º do CIRC estabelece no seu n.º 1, que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
- E, acrescenta a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, que para efeitos de determinação do lucro tributável, não podem ser dedutíveis os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º.
- Em suma, para efeitos de IRC, a prova dos valores reais incorridos pela sociedade deve ser feita através da apresentação da contabilidade devidamente organizada, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 17.º e 123.º, ambos do CIRC, uma vez que só conhecendo os valores ai inscritos, os documentos que lhe servem de suporte e sua forma de contabilização é possível aferir da regularidade da situação fiscal.
- Ora, no caso em apreço tais requisitos legais não foram cumpridos, como se demonstrou, não sendo por isso possível conferir a efetiva existência dos gastos contabilizados pela Requerente e respetivos pagamentos.
- A essas imposições legais de escrituração e documentação acresce que o artigo 75.º, n.º 1 da LGT consagra a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, presunção que assenta basicamente no pressuposto de que, ao apresentar as suas declarações nos termos da lei, lançar e registar todos os acontecimentos comerciais e arquivar todos os documentos justificativos, denuncia uma genuína vontade de colaboração com a administração tributária na revelação da sua verdadeira situação tributária.
- Sendo verdade que, enquanto beneficiar dessa presunção, a lei consagra a preferência pelo conteúdo das declarações dos contribuintes e dos dados da sua contabilidade ou escrita na aferição dos pressupostos de facto da tributação.
- Porém, no presente caso, a Requerente não beneficia de tal presunção, desde logo porque não deu cumprimento aos seus deveres de colaboração no decurso da inspeção, visto que apesar de ter sido notificada para apresentar documentos obrigatórios de suporte aos gastos em causa, que estava obrigada a possuir e conservar, não forneceu esses documentos.
- Com efeito, a presunção da verdade da escrita também pressupõe que a Requerente colaborasse ativamente com a inspeção, dando assim cumprimento ao estipulado no n.º 4 do artigo 59.º da LGT o qual dispõe que "A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros."
- Sendo certo que essa colaboração assume particular relevância em matérias de gastos, uma vez que o artigo 23.º do CIRC impõe ao contribuinte o dever de comprovar os gastos suportados e justificar a sua relação com a fonte produtora.
- No caso, e sendo manifesto que os elementos disponibilizados pelo sujeito passivo eram insuficientes para comprovar a existência dos gastos e, consequentemente, a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, era-lhe exigido um papel mais ativo na exposição da sua situação tributária.
- Do exposto se conclui que nem os elementos da escrita da sociedade beneficiavam da presunção de verdade, nem os valores mencionados estavam devidamente justificados para se revelarem como gasto do exercício, nem a sociedade suplantou a sua insuficiência com dados adicionais fornecidos no decurso da inspeção e que pudessem ser objeto de verificação externa.
4. Tramitação subsequente
Por despacho de 29-02-2020, o Tribunal ordenou a notificação da Requerida para juntar o processo administrativo no prazo de dez dias e a Requerente para, querendo, também no prazo de dez dias, concretizar os artigos referentes a aspetos de facto relativamente aos quais pretendesse produzir prova testemunhal e que não fossem suscetíveis de prova documental.
Em 06-03-2020, a Requerida dirigiu requerimento ao Tribunal, informando já ter juntado o processo administrativo, mas também informando da falta de remessa de certos documentos integrantes do mesmo, e solicitando a sua junção.
Tendo-se verificado que o processo administrativo foi efetivamente junto em 28-02-2020, o Tribunal, por despacho de 10-03-2020 deferiu o pedido de junção de documentos.
Em 13-03-2020, a Requerente dirigiu requerimento ao Tribunal indicando a matéria de facto que pretendia provar através de prova testemunhal.
Por despacho de 29-05-2020, o Tribunal fixou a data de 19-06-2020, pelas 10:00 horas, para a realização da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT, com o fim de proceder à inquirição de testemunhas a apresentar pelas partes, e fixar data para alegações escritas.
Em 05-06-2020, a Requerida dirigiu requerimento ao Tribunal requerendo que a testemunha por si arrolada fosse ouvida através de videoconferência, por razões relacionadas com a pandemia de Covid-19.
Por despacho de 06-06-2020, o Tribunal ordenou a notificação da Requerente para exercício do contraditório quanto ao requerimento da Requerida.
Em 15-06-2020, a Requerente pronunciou-se através de requerimento dirigido ao Tribunal em que disse: “notificada do douto despacho (...) pronuncia-se no sentido de que não concordar com a diligência por videoconferência, não se opondo que o senhor inspetor tributário arrolado como testemunha pela Requerente e pela AT possa prestar depoimento por teleconferência”.
Por despacho de 15-06-2020, o Tribunal deferiu o solicitado pela Requerida, autorizando que a testemunha por esta indicada fosse inquirida na audiência de julgamento com o recurso a meios de comunicação à distância.
Por despacho de 17-06-2020, o Tribunal determinou o adiamento da audiência de julgamento fixando como nova data para a mesma o dia 19-06-2020 pelas 14:30 horas.
Em 18-06-2020, a Requerente dirigiu requerimento ao Tribunal alegando impossibilidade de conseguir acomodar o reagendamento por indisponibilidade de ajuste de agenda num espaço tão curto de aviso.
Por despacho de 18-06-2020, o Tribunal deu sem efeito a marcação da data de 19 de Junho às 14,30 para audiência de julgamento, procedendo ao seu reagendamento para o dia 3 de Julho às 14, 30 horas.
No dia 03-07-2020 realizou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT.
A Senhora Presidente do Tribunal Arbitral, Conselheira Fernanda Maçãs, o Prof.º Doutor Jónatas Machado e a Dra. Maria Júlio Saramago (representante da Requerida), participaram na reunião presencialmente, nas instalações do CAAD em Lisboa.
A Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitro), a Dra. Paula A. Mota (mandatária da Requerente) e as testemunhas arroladas pela Requerente e pela Requerida, participaram na reunião por videoconferência.
Na reunião foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas Partes.
Concluída a inquirição das testemunhas, o Tribunal notificou as Partes para apresentarem alegações escritas no prazo de quinze dias sucessivos e a iniciar pela Requerente, determinou a prorrogação por dois meses do prazo fixado no art. 21º, nº 1 do RJAT, e fixou o dia 22 de setembro de 2020 como termo do prazo para prolação da decisão arbitral.
5. Alegações da Requerente
No dia 01-09-2020, a Requerente apresentou alegações escritas.
Do conteúdo destas alegações, aquele que acrescenta algo ao já alegado na petição inicial pode sintetizar-se como segue:
PAGAMENTOS AO PRESTADOR DE SERVIÇOS ESPANHOL B...
- A contratação deste prestador de serviços não é um facto controvertido, primeiro porque para além dos pagamentos em dinheiro mostram-se contabilizadas algumas transferências bancárias, segundo porque constam da contabilidade as despesas de deslocação, terceiro porque existe vasta correspondência eletrónica trocada entre aquele prestador de serviços e a Requerente e quarto porque o endereço eletrónico do Sr. B... mostra-se copiado em diversos emails.
- A questão controvertida reside no facto de a AT ter entendido que o referido Sr. B..., pelo facto de possuir um NIF português, era residente em Portugal e como tal sujeito de IRS em Portugal e consequentemente obrigado ao cumprimento das obrigações fiscais portuguesas.
- Nesse pressuposto, entendeu a AT que não se mostram cumpridas as referidas obrigações fiscais, designadamente porque o documento de quitação global emitido pelo referido B..., em Dez de 2014, não reúne os requisitos do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC. Por esse facto entendeu a AT que o gasto não podia ser considerado para efeitos fiscais em sede de tributação da Requerente.
- Para o caso de se entender que o cidadão espanhol B... não tinha, para efeitos fiscais, residência fiscal em Portugal, “(...) estar-se-ia na presença de pagamentos a não residentes pelo que aquele valor não seria considerado por força da alínea f) do n.º 1 do art.º 18.º do CIRS, um rendimento obtido em Portugal, motivo pelo qual o imposto teria que ser retido a titulo definitivo nos termos da al a) do n.º 4 do art.º 71.º do CIRS à taxa de 25% ( o acréscimo ao lucro tributável está sujeito a uma taxa máxima de 23%) para além de uma infração autónoma cuja penalidade está prevista no art. 126º do RGIT”
- Conforme resulta provado pelos documentos juntos ao Pedido de Pronúncia Arbitral, aquele cidadão de nacionalidade espanhola foi considerado nos anos de 2014/2018 como residente em Espanha, onde foi tributado em imposto sobre o rendimento.
- Considerando que entre Portugal e Espanha foi assinada uma CDT (Convenção para eliminar a dupla tributação), só haveria lugar a retenção na fonte se não fosse acionada a referida convenção.
- Assim, a posse, por um cidadão nacional de outro país, de um NIF em Portugal não permite, sem mais, presumir a sua residência em Portugal, pelo que, ao abrigo do dever de investigação ou procura da verdade material se impunha a AT o dever de confirmar os pressupostos exigidos pelo art. 18.º do CIRS.
- Destarte, não sendo residente em Portugal, os documentos emitidos pelo beneficiário do rendimento não estão sujeitos aos requisitos constantes do n.º 4 do art. 23.º do CIRC.
- Contudo, para o caso de se entender que os documentos emitidos por não residentes devem possuir os requisitos exigidos pelo n.º 4 do art. 23º do CIRC, a conjugação do recibo global emitido em 31/12/2014 com o contrato de prestação de serviços outorgado entre o referido B... e a Requerente, permite concluir que se mostram verificados todos os requisitos previstos na norma citada.
GASTOS INCORRIDOS COM AS AMORTIZAÇÕES DE EDIFÍCIOS E OUTRAS CONSTRUÇÕES
- A Requerente contabilizou na rubrica de Ativos Fixos Tangíveis, a aquisição, prometida, do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo preço de 700.000,00 EUR, com base no contrato de promessa de compra e venda, com clausula de execução especifica.
- O preço fixado para a compra do imóvel mostra-se pago.
- A Requerente efetuou obras de adaptação que registou como componentes do custo de aquisição.
- Em 01-03-2006, a Requerente deu de arrendamento o prédio prometido adquirir, à “Associação ...”, pelo prazo de 15 (quinze) anos e mediante a renda anual de 60.000,00 EUR, rendimentos que reconheceu em proveitos em cada um dos exercícios e sujeitou a tributação em sede de IRC.
- Nos exercícios de 2014, 2015 e 2016 a Requerente reconheceu na sua contabilidade e declarou para efeitos fiscais:
(i) Os rendimentos provenientes das rendas cobradas à Associação G... no montante, anual, de 60.000,00 EUR;
(ii) Os gastos anuais nos montantes de 17.306,00 EUR, de 17.306,00 EUR e de 14.000,00 EUR, respetivamente, com as amortizações de “edifícios e outras construções”, que registou na conta do SNC, “6422 - Gastos de Depreciação e de Amortização – Ativos fixos Tangíveis” calculadas sobre o valor da aquisição.
- A Requerente ainda não outorgou a escritura pública por questões burocráticos, e por esse facto não detém a propriedade Jurídica.
- No caso sub judice não está em causa a comprovação da efetividade do custo (os custos estão registados e comprovados pelo mapa de amortizações e a aquisição está suportada pelo contrato de promessa relativamente ao qual se mostra pago o preço e do qual consta de forma expressa a clausula de execução específica) mas apenas a sua indispensabilidade.
- O que resulta da conjugação do n.º 1 e 3 do art. 23.º do CIRC é que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados.
- Na norma citada não se impõe aos documentos comprovativos dos gastos especiais exigências de forma, pelo que os mapas de amortizações e as notas de lançamento são em regra e de acordo com as normas os documentos adequados a comprovar os gastos com as amortizações, que apresentados demonstram a ilegalidade da correção proposta.
GASTOS COM OFERTAS
- Notificada para justificar os gastos com ofertas, a Requerente informou que os bens adquiridos foram oferecidos a pessoas relacionadas com os seus fornecedores de couros que identificou exibindo cópia dos emails através dos quais os destinatários agradeceram a oferta. (Docs. 10 e 11 juntos ao Pedido de Pronuncia Arbitral).
- Do teor dos referidos documentos ressalta a relação empresarial mantida com os respetivos beneficiários e consequentemente a sua realização no interesse social da Requerente, ou seja, a relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.
GASTO COM A AQUISIÇÃO DO DIREITO DE ACESSO AO MATADOURO D....
- Em 25-07-2015 o Matadouro aceitou o pedido de admissão que a C... negociou pelo preço final de 120.000,00 USD a pagar pela Requerente, em dinheiro (meio de pagamento privilegiado pelos diversos intervenientes no mercado). Tendo em conta o montante do investimento em causa, a Requerente acordou com a C... que seria esta a faturar o custo do investimento e a receber o preço a entregar ao Matadouro.
- Com efeito, de acordo com as regras que os operadores ditam ao mercado, à Requerente restavam duas alternativas: (a) aceitar realizar o investimento nas condições impostas e passar a dispor de informação privilegiada e antecipada sobre o momento e a quantidade a abater, selecionar no momento e no local do abate as quantidades e as qualidades do couro que pretende comprar ou (b) não aceitar a proposta e continuar a comprar os couros que os fornecedores lhe disponibilizam.
- A Requerente há muito que vinha tentando essa admissão pelo que uma vez conseguida não hesitou e ao longo dos anos de 2015 e 2016, muniu-se dos meios monetários necessários à concretização integral do preço acordado. No final do pagamento, a C... emitiu a fatura relativa aquela admissão que designou por “serviço de revisão de couros”.
CREDIBILIDADE DA CONTABILIDADE
- A AT ao designar a conta “2212110999 - Fornecedores diversos” como “conta caldeirão” parece pretender indiciar que a contabilidade da Requerente não estava organizada nos termos da lei comercial e fiscal e que, em certo modo, aquele facto afeta a sua credibilidade, legitimando assim a apreciação que fez dos gastos referidos no ponto anterior e as decisões que tomou.
- Credibilidade que objetivamente parece não reconhecer quando afirma que notificou o representante da Requerente para vir aos autos informar quem foram, efetivamente, os fornecedores dos bens e serviços, suportados documentalmente com as faturas emitidas pela C... e pela E... (de acordo com a fundamentação da AT a Requerente suportou gastos com aquisição de bens e de serviços para a produção dos seus proveitos, que não foram prestados por aquelas entidades).
- A AT não demonstrou a falta de credibilidade da contabilidade, confundindo, objetivamente, indícios sindicáveis (evidencias, provas ou vestígios, segundo o dicionário de língua portuguesa) com sentimento ou sentido pessoal do investigador (não sindicáveis).
- Na Decisão Arbitral de 06 de Setembro de 2013, proc. 54/2013 – T decidiu-se que quando a contabilidade das empresas não merece credibilidade, quando os lançamentos efetuados não têm o devido e necessário suporte documental, determina a lei que deve a AT recorrer à aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria coletável (al. b) do artigo 87º e art. 88º da LGT) o que não se verificou.
- A AT não provou a falta de credibilidade da contabilidade que a existir, corroborada com o reconhecimento expresso da indispensabilidade dos gastos para a produção dos rendimentos sujeitos a imposto sobre o rendimento, impunha-se a AT que procedesse conforme previsto na lei e defendido pelo Tribunal Arbitral na decisão citada.
TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS
- As despesas incorridas com a contratação do acesso ao Matadouro e com a prestação de serviços contratados à E... estão suportadas por facturas e estas contêm todos os elementos exigidos por lei.
6. Alegações da Requerida
No dia 23-09-2020, a Requerida apresentou as suas alegações escritas.
Do conteúdo destas alegações, aquele que acrescenta algo ao já alegado na resposta pode sintetizar-se como segue:
- Não obstante ter sido produzida prova testemunhal, as testemunhas arroladas pela Requerente limitaram-se a reproduzir a argumentação de direito constante do pedido de pronúncia arbitral e a confirmar as insuficiências de que padece a organização da sua contabilidade, bem como a inexistência de documentação de suporte dos gastos declarados, o que vem demostrar cabalmente que as correções efetuadas pela Inspeção Tributária têm total fundamento legal.
- Aliás, é curioso notar que, nas suas doutas alegacões, a Requerente não faça qualquer referência aos depoimentos das testemunhas por si arroladas, com exceção do depoimento da testemunha H... .
- Não obstante, o depoimento da testemunha H... é, no mínimo, surpreendente, devendo dele retirar-se todas as consequências jurídicas, mormente a falta de prova que contrarie as conclusões alcançadas pela Inspeção Tributária.
- Com efeito, afirmou perentoriamente a testemunha que procedia ao pagamento de milhares de dólares aos fornecedores da América do Sul em dinheiro, que o próprio transportava na bagagem aquando das deslocações aéreas.
- Depoimento que contraria as declarações do gerente da Requerente que, no âmbito da ação inspetiva afirmou que os pagamentos ao prestador de serviços C..., eram, por norma, efetuados por transferência bancária;
- Bem como a prova recolhida pelos SIT que evidencia a existência de pagamentos para fornecedores da Bolívia efetuados por transferência bancária.
- Acresce que, é no mínimo insólito e pouco crível alguém afirmar que efetua deslocações com origem nos aeroportos portugueses, onde todos os passageiros são sujeitos a operações de controlo de bagagem, transportando malas com avultadas quantias de dinheiro, com a justificação de que se trata de mercados informais, que se caracterizam pela inexistência de controlo por parte das autoridades.
- Quanto à alegada informalidade do mercado, não se contesta os benefícios que possam advir para a atividade da Requerente operar em tais mercados.
- O que não se pode aceitar é a total ausência de documentação que comprove os custos declarados.
- E também não se pode aceitar que a Requerente não cumpra as suas obrigações acessórias, mormente que não disponha, como determina o n.º 1 do artigo 63.º-C da LGT, de uma conta bancária exclusiva para os pagamentos e recebimentos respeitantes à sua atividade.
- A Requerente optou por contratar com fornecedores que operam num mercado informal, situação que a impossibilita de comprovar a veracidade dos valores inscritos nas declarações submetidas, de acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT.
- De igual forma, o depoimento de K..., na qualidade de TOC, confirma a legalidade das correções, mormente quando faz referência à existência de prova documental que, como demostrado no RIT e na Resposta, é manifestamente insuficiente para provar os custos declarados.
- Salienta-se, também, que a testemunha confessou que incorreu em erro quando elaborou o mapa de amortizações e quando contabilizou gastos com amortizações a respeitantes a um imóvel que não é propriedade da Requerente.
- Ora, a situação de insuficiência e anomalia da informação contabilística com que se deparou Inspeção Tributária foi agravada pela falta de disponibilização, no âmbito da ação inspetiva, da documentação de suporte dos registos contabilísticos que permitisse validar os registos efetuado na contabilidade, como resulta plenamente provado quer pelo teor do RIT, quer pelos depoimentos das testemunhas.
- Com efeito, não obstante afirmarem as testemunhas da Requerente que disponibilizaram todos os documentos e informações solicitados, tais afirmações foram contraditadas pela testemunha L..., Inspetor Tributário, o qual deu conta ao Tribunal das imensas dificuldades com que se deparou ao longo do procedimento inspetivo em virtude da insuficiente documentação que lhe foi facultada e da necessidade de analisar uma contabilidade que não espelha a integralidade das operações do sujeito passivo, agravada pela existência de contas "caldeirão" de clientes e fornecedores.
- Quanto aos gastos com a contratação de B... é falso que «A questão controvertida reside no facto de a AT ter entendido que o referido B... pelo facto de possuir um NIF português, era residente em Portugal e como tal sujeito de IRS em Portugal e consequentemente obrigado ao cumprimento das obrigações fiscais portuguesas.».
- O que está em causa não é uma correção respeitante a retenções na fonte mas, isso sim, o cumprimento dos requisitos de comprovação dos gastos declarados por uma sociedade com sede em Portugal, tal como determinam os números 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC.
- Pelo que é totalmente desprovido de sentido vir a Requerente invocar a disciplina jurídica constante do artigo 18.º do CIRS ou a que «Considerando que entre Portugal e Espanha foi assinada uma CDT (Convenção para eliminar a dupla tributação), só haveria lugar a retenção na fonte se não fosse acionada a referida convenção.».
- Nem se vislumbra qual é a base legal que sustenta a afirmação da Requerente no sentido de que «não sendo residente em Portugal, os documentos emitidos pelo beneficiário do rendimento não estão sujeitos aos requisitos constantes do n.º 4 do art. 23.º do CIRC», quando, como é consabido, a dedutibilidade de qualquer gasto pela sociedade que o suporta depende da verificação dos pressupostos consagrados neste preceito legal.
- Afirma ainda a Requerente: «quando a contabilidade das empresas não merece credibilidade, quando os lançamentos efetuados não têm o devido e necessário suporte documental, determina a lei que deve a AT recorrer à aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria coletável (al. b) do art. 87º e art. 88º da LGT) o que não se verificou.»
- Tal afirmação é falsa, referindo a Requerente no pedido arbitral que «não discute a correção de 18.292,68 EUR oriunda da aplicação de métodos indiretos, incluída na liquidação adicional do ano de 2015, pelo que circunscreve o pedido de anulação a parte da liquidação adicional relativa a correção das amortizações do edifício e outras construções, do montante de 17.306,00 EUR».
- O Código do IRC introduziu no ordenamento jurídico as regras atinentes à determinação do lucro tributável, tendo o legislador adotado o princípio da declaração do contribuinte como regra, limitando a aplicação de métodos indiretos aos casos expressamente previstos, como resulta do seu Preâmbulo, no ponto 9, do qual consta: «Em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efetivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Como corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria coletável. A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorreções da contabilidade, se não for de todo possível efetuar esse cálculo
- Cumpre, ainda referir, quando à invocada aplicação do artigo 100.º do CPPT que, como plenamente demostrado, incumbia à Requerente provar a alegada inexistência do facto tributário, atento ao regime do ónus da prova constante dos artigos 342.º do Código Civil e 74.°, n.º 1 da LGT, prova que não logrou fazer.
- Como refere o Ilustre Professor Vieira de Andrade (...), «há de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos».
- Buscando, novamente o auxílio da jurisprudência sobre a interpretação do artigo 100.º do CPPT, transcreve-se, desta vez, o douto Acórdão do TCA Sul, de 10-05-2011, proferido no processo no 04284/10:
«A «dúvida fundada» a que alude o referido art. 100.º do CPPT, que implica a anulação do ato impugnado, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de facto tributário. Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível pelo fundamento daquela dúvida. Como aliás também entendem, A. José de Sousa e José da Silva Paixão (...) "O impugnante tem, por conseguinte, o ónus da alegacão dos factos integradores da ilegalidade do ato tributário a anular"...E na nota 10., pág. 293: Sem embargo do ónus da prova de tais factos que recai sobre o impugnante (art. 342.º do Código Civil)"... A produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respetiva. (...) Cabia à impugnante alegar tal matéria, como em parte alegou – (...) mas também prová-la, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria do art. 342.º do CC, que dispõe que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado». Princípio que hoje encontra expressa guarida na norma do art. 74.º da LGT. (...) E não tendo feito tal prova em contrário, e nem tendo colocado em dúvida séria, fundada, a conclusão tirada pela Administração Fiscal baseada naqueles indícios supra de que tal lançamento se reporta a operação simulada, tem a causa de ser decidida contra a impugnante (...).»
II. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. QUESTÕES A DECIDIR
Constituem questões a decidir:
1) Se os gastos no montante de 16 175,39 EUR, contabilizados pela Requerente no exercício de 2014, alegadamente relacionados com a contratação do cidadão de nacionalidade Espanhola B..., para a prestação de serviços de controlo de qualidade de couros, são fiscalmente dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC.
2) Se os gastos nos montantes de 14 000,00 EUR, contabilizados pela Requerente nos exercícios de 2014, 2015 e 2016, a título de amortizações de custo de aquisição de um imóvel são fiscalmente dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC.
3) Se os gastos no montante de 3.306,00 EUR, contabilizados a título de amortização de obras em imóvel, nos exercícios de 2014 e de 2015, são fiscalmente dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC.
4) Se os gastos nos montantes de 4.450,00 EUR e 5.900,00 EUR contabilizados pela Requerente, respetivamente, nos exercícios de 2014 e 2016, com aquisição de artigos para ofertas, são fiscalmente dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC.
5) Se o gasto no montante de 114.052,18 EUR, contabilizado como custo da aquisição do direito de contratar compras de couros no Matadouro D..., constitui gasto fiscalmente dedutível nos termos do art. 23º do CIRC.
6) Se o gasto no montante de 106.680,00 EUR, contabilizado como preço pago à sociedade E..., S.A por prestações de serviços constituem constitui gasto fiscalmente dedutível nos termos do art. 23º do CIRC.
7) Se se verificam os pressupostos legais para a liquidação de tributação autónoma, ao abrigo do art. 88º, nº 1 do CIRC, sobre despesas não documentadas, sobre a despesa contabilizada pela Requerente no ano de 2015 com obras em imóvel, no valor de 25.000,00 EUR.
8) Se se verificam os pressupostos legais para a liquidação de tributação autónoma, ao abrigo do art. 88º, nº 1 do CIRC, sobre despesas não documentadas, sobre a despesa contabilizada pela Requerente no ano de 2016 com prestações de serviços pagas às sociedades C... e E..., S.A, no valor de total de 220.732,18 EUR.
9) Se as liquidações impugnadas enfermam do vício de inversão do ónus da prova.
IV. Fundamentação
1. Matéria de facto
São os seguintes os factos considerados provados:
A. A Requerente encontrava-se, ao tempo dos factos relevantes, coletada pelo exercício da atividade principal de comércio por grosso de couro e peles.
B. Ao abrigo das ordens de serviço n.º OI 2017..., OI 2017... e OI 2017... a AT a Requerente foi sujeita a procedimento inspetivo, de natureza externa, de âmbito geral e com incidência temporal aos exercícios de 2014, 2015 e 2016.
C. Em consequência daquele procedimento inspetivo a Requerente foi notificada das liquidações adicionais do IRC e correspondentes juros compensatórios seguintes:
Período Liquidação Montante de imposto + juros compensatórios
2014 2018... 14 603,35
2015 2018... 33 603,30
2016 2018... 180 566,52
D. A atividade desenvolvida pela Requerente consistia em comprar, nos países da América Latina, tradicionalmente na Bolívia e mais recentemente em outros países como o Peru, os couros destinados à indústria de curtumes, objeto do seu negócio.
E. No ano 2014, a Requerente contabilizou um gasto de 16.175,39 EUR, tendo como documento de suporte um recibo de quitação assinado por B... .
F. A Requerente contabilizou, nos períodos de 2014, 2015 e 2016, gastos no montante de 14.000,00 EUR em cada um desses anos, com amortizações do custo de aquisição do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do registo Predial de Guimarães, sob o n.º ...-..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo... .
G. A Requerente contabilizou, nos períodos de 2014 e 2015, gastos no montante de 3.306,00 EUR em cada um desses anos, com amortizações de benfeitorias realizadas no prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do registo Predial de Guimarães, sob o n.º ...-..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo... .
H. No ano 2014, a Requerente contabilizou como gasto o valor de aquisição de brincos e canetas para oferta no valor total de 4450,00 EUR.
I. No ano 2016, a Requerente contabilizou como gasto o valor de aquisição de dois relógios para oferta no valor total de 5900,00 EUR.
J. No ano 2016, a Requerente contabilizou um gasto relativo a prestações de serviços efetuadas pela sociedade boliviana denominada C... S.A., no valor de 114.052,18 EUR.
K. O registo mencionado em J tem como documento de suporte uma fatura emitida pela sociedade boliviana denominada C... S.A., com o descritivo “1 quantidade de servicio Dez ano 2016: Curtiembre ...; Curtiembre ..., Cueros..., Curtiembre ... e Curtiembre ...”.
L. No ano 2016, a Requerente contabilizou um gasto (na conta 221110999 “Fornecedores Diversos”), no valor global de 106.680,00 EUR, relativo a prestações de serviços efetuadas pela sociedade boliviana E..., S.A.
M. O registo referido em L tem como documentos de suporte doze faturas emitidas pela sociedade E..., S.A.
N. As doze faturas mensais emitidas pela sociedade E..., S.A. à Requerente são numeradas de “nº 1” a “nº 12”.
O. As doze faturas referem-se, todas elas, à encomenda nº 2/10.022A1, e são sempre emitidas no dia 17 de cada mês.
P. Em outubro de 2016, a Requerente outorgou um contrato de prestação de serviços continuados com a sociedade boliviana E..., S.A., pelo qual esta sociedade passou a tratar, para a Requerente, da aquisição de couros na Bolívia e no Peru.
Q. Como comprovativos dos pagamentos dos gastos referidos em J e L, a Requerente apresentou uma relação de cheques que foram, todos eles, descontados pelo seu gerente ao balcão do banco sacado e que perfazem o montante de 191.692,98 EUR.
R. Os cheques mencionados em P. foram descontados entre 29-07-2015 e 24-12-2016.
S. Em 1 de janeiro de 2014, a Requerente contratou B..., cidadão de nacionalidade espanhola, para lhe prestar o serviço de verificação técnica dos produtos a adquirir aos seus fornecedores.
T. No contrato mencionado em S ficou estipulada uma remuneração, a pagar mensalmente pela Requerente ao prestador do serviço, no valor de 1500,00 EUR e ainda o pagamento das despesas suportadas com deslocações e estadias.
U. No ano 2014 a Requerente contabilizou gastos referentes a despesas de viagens efetuadas por B..., prestador de serviços da Requerente, no valor de 2.970,00 EUR.
V. A Requerente contratou, dentro do período abrangido pelos anos a que respeitam as liquidações impugnadas, a sociedade boliviana C... S.A. para tratar da aquisição de couros na Bolívia por conta da Requerente.
W. Desde Julho de 2014 até dezembro de 2016, a Requerente pagou à sociedade mencionada em V uma remuneração mensal de 2.000,00 EUR, acrescida do pagamento de despesas suportadas com deslocação e outras.
X. Em 2016 a Requerente efetuou um gasto de 5.900,00 EUR com a compra de dois relógios que ofereceu a M... da sociedade boliviana N... .
Não se consideram provados os seguintes factos:
Y. Que em dezembro de 2014 a Requerente gastou a quantia de 4.450,00 em ofertas a O... e respetiva família.
Z. Que a Requerente tenha sido admitida como membro da organização boliviana F... em carne de mercados, tendas e férias.
AA. Que tenha sido acordado entre a Requerente e a organização boliviana F... um preço de admissão de 120.000,00 USD (dólares americanos).
BB. Que a Requerente tenha pago um prémio de 120.000,00 USD (114.052,18 EUR), como contrapartida da aquisição do direito a comprar couros diretamente ao matadouro D..., Bolívia.
CC. Que a Requerente tenha adquirido um imóvel pelo preço de 700.000,00 EUR.
DD. Que a Requerente tenha contratado um empréstimo bancário para pagamento do preço de um imóvel a adquirir pelo preço de 700.000,00 EUR.
EE. Que a Requerente tenha pago o preço de 700.000,00 EUR para aquisição de um imóvel.
2. Matéria de Direito
2.1. Dedutibilidade de gastos
A norma central nesta matéria é o nº 1 do art. 23.º do Código de IRC, que determina que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Esta norma por sua vez, articula-se com os números 3 e 4 do mesmo preceito que se transcrevem:
3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
E finalmente o art. 23º-A, nº 1 als. b) e c) que igualmente se transcrevem:
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(...)
b) As despesas não documentadas;
c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;
Temos então três requisitos para que um gasto possa ser deduzido.
O primeiro requisito encontra-se na primeira parte do nº 1 do art. 23º e consiste em que o gasto tenha efetivamente ocorrido. Trata-se do requisito da “efetividade” do gasto, que a jurisprudência há muito estabeleceu (ac. STA de 22-01-2014, proc. nº 01632/13). Ter o gasto efetivamente ocorrido implica que tenha sido efetuado um pagamento, ou a obrigação de pagamento tenha sido satisfeita e extinta por outra forma que não o pagamento (compensação ou dação em pagamento, por exemplo), ou que tenha sido criada na esfera do sujeito passivo uma obrigação de pagamento.
Assim sendo, de uma forma genérica, não é possível aos sujeitos passivos deduzirem um gasto, ainda que bem documentado e ainda quando os documentos de suporte mostrem que tal gasto seria perfeitamente justificado pelo fim de realização do lucro, se não se demonstrar que o gasto é real, seja por existir um pagamento, seja por se ter extinguido por outra forma a dívida respetiva (vg. por compensação de créditos), seja ainda por ter sido gerada para o sujeito passivo uma obrigação de pagamento.
O segundo requisito encontra-se na segunda parte do nº 1 do art. 23º-A, sendo este um requisito de natureza finalística, que consiste em que o gasto deve ter sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, exigindo agora que o gasto tenha sido incorrido para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Determinante para a dedutibilidade do gasto na atualidade é que o gasto tenha como objetivo contribuir para de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A este segundo requisito, a fim de facilitar a exposição, daremos a designação de “justificação do gasto”.
O terceiro requisito diz respeito à documentação do gasto, subdividindo-se em dois aspetos.
Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto.
Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha todos os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do nº 4 do art. 23º.
Quando a documentação que suporta o gasto não contenha todos estes elementos, tal gasto não será, em princípio e de acordo com o art. 23º-A, nº 1 al. c), dedutível.
Apliquemos então estas normas aos gastos desconsiderados pela Requerida no caso dos autos.
2.1.1. Gastos relativos a serviços adquiridos a B...
Sobre o gasto, no montante de 16.175,39 EUR, contabilizado pela Requerente no ano 2014, a título de pagamento de serviços, a Requerida entendeu que o mesmo não é aceitável como gasto fiscal, por o documento que lhe serve de suporte – um recibo de quitação – não observar os requisitos do nº 4 do art. 23º do CIRC.
Diz o nº 4 do art. 23º CIRC:
4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
Analisado o documento em causa (anexo 3 do RIT) verifica-se que o mesmo contém a identificação do seu emissor bem como o número de contribuinte deste. O documento indica ainda o nome do adquirente dos serviços, não mencionando, porém, o respetivo número de identificação fiscal. Contém ainda o valor da contraprestação, mas não faz qualquer menção à denominação usual dos bens adquiridos ou à sua quantidade ou a qualquer elemento quantitativo. Também não se encontra no recibo de quitação indicação da data em que os serviços foram realizados.
Pelo que há que concluir que o recibo que suporta o gasto não cumpre os requisitos impostos pelo art. 23º nº 4 do CIRC, tornando-se assim necessário determinar as consequências desse facto.
Por outro lado, a Requerida alega que, possuindo o emitente do recibo um número do contribuinte português, o mesmo é residente em Portugal, estando sujeito às obrigações decorrentes do art. 23º do CIRC referentes à forma dos documentos.
A Requerente contra-alega, por seu turno, que a pessoa em causa é residente em Espanha, para o que junta um comprovativo de residência fiscal emitido pela administração fiscal espanhola em julho de 2018, e que por esse facto não está sujeito às regras do art. 23º do CIRC.
Não se nos afigura poder proceder, nesta parte, a alegação da Autoridade Tributária, uma vez que o ter um número do contribuinte português não faz do seu titular residente fiscal em Portugal, como se deduz dos números 5 e 6 do art. 19º da LGT; nem tem, a nosso ver, razão a Requerente, pois ser o cidadão em causa residente fiscal em Espanha em 2018 não prova que o mesmo era residente em Espanha em 2014. E aliás, mesmo que a pessoa em causa fosse residente fiscal em Espanha em 2014 – o que não está provado – tal não afastaria automaticamente a sua condição de residente fiscal em Portugal, como resulta das normas sobre residência fiscal em Portugal (art. 16º do CIRS).
Por outro lado, as regras do art. 23º do CIRC não têm como destinatários os emissores das faturas ou recibos, mas sim, e apenas, os sujeitos passivos que pretendam deduzir os gastos titulados por tais documentos, o que torna improfícua a indagação sobre se o emitente estava ou não obrigado a emitir a fatura de acordo com o nº 4 do art. 23º do CIRC.
O que importa determinar é se pode um sujeito passivo de IRC deduzir um custo com base num recibo que não cumpre os requisitos do art. 23º, nº 4 (não sendo o emitente sujeito passivo de IVA) e, se sim, em que condições o poderá fazer.
Na vigência da redação do Código do IRC em vigor previamente à reforma de 2014, a questão era regulada pelo art. 45º, que na al. g) do nº 1 dizia apenas que [não eram dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável] “os encargos não devidamente documentados”.
No domínio desta norma (bem como na do art. 42º, nº 1, al. g) da versão do Código republicado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07), consolidou-se o entendimento jurisprudencial e doutrinal de que “em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova” (Ac. do STA de 05-07-2012, proferido no processo 0658/11; vd., citando o mesmo acórdão, a Decisão no processo arbitral (CAAD) nº 233/2015-T, de 16-12-15).
Considerava-se assim que “as insuficiências do descritivo de uma determinada fatura, para efeitos de consideração do custo como sendo indispensável nos termos e para os efeitos do art.º 23.º do CIRC, podem ser colmatadas através de outros meios de prova, testemunhal ou documental” (TCAS, acórdão de 07-05-2020, processo nº 543/05.0BELSB).
Contudo, com a reforma do CIRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, o legislador deu ao art. 23º, nº 4 uma nova redação, já transcrita supra.
E uma vez que a alteração passou a aplicar-se aos períodos de tributação com início, ou aos factos tributários ocorridos, em ou após 1 de janeiro de 2014 (art. 14º da Lei n.º 2/2014), é esta a versão da norma que se aplica ao caso dos autos.
Ora, nesta nova versão, em vez de dizer apenas que os gastos devem estar “devidamente documentados”, como anteriormente, a norma passou a enumerar de forma taxativa os elementos que se devem encontrar nos documentos que servem de comprovativo aos gastos.
Em face desta alteração das disposições legais, afigura-se não ser já aplicável na sua integralidade a doutrina jurisprudencial a que se aludiu anteriormente.
Na atualidade, os elementos enumerados no nº 4 do art. 23º do CIRC têm de constar do “documento” que comprova o gasto, sob pena da sua indedutibilidade.
Contudo, é importante notar que o nº 3 começa por dizer que “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
O que significa que o nº 3 do art. 23º não exige que o documento comprovativo do gasto seja uma fatura ou recibo, admitindo que ele possa ter outra natureza.
Assim sendo, parece-nos que, no caso dos autos, pode considerar-se que o conjunto formado pelo recibo e pelo contrato de prestação de serviços cabem no conceito de “documento” para efeitos dos nºs 3 e 4 do art. 23º do CIRC.
Esta interpretação da norma atual, sendo consentânea com a letra da lei, representa também uma continuidade com a doutrina jurisprudencial anterior, em que se sustentava que “do facto de a fatura não conter todos os elementos necessários à justificação do custo não deriva que o encargo não se encontre devidamente documentado para os efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, se existirem e forem exibidos outros documentos que concorram para a justificação da operação contabilística em causa” (ac. STA, 21-11-2019, proc. nº 0306/12.6BELLE 01136/16).
Esta possibilidade que a norma abre para que o gasto possa ser provado por outros documentos além da fatura ou recibo deixa de existir quando, nos termos do nº 6, “o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA” caso em que “o documento” comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.
Mas não é este o caso. Independentemente da questão, discutida pelas Partes, de o emissor do recibo ser ou não ser residente em Portugal, não está em causa que ele seja sujeito passivo de IVA em Portugal.
Cremos, portanto, poder avançar, admitindo que a Requerente poderia provar o gasto através do conjunto de documentos que constam da sua contabilidade como respetivos documentos de suporte, como, aliás, sustenta a Requerente.
Ora, já vimos que o recibo que a Requerente exibe, como prova do gasto, não contém todos os elementos exigidos pela norma legal. Falta-lhe, nomeadamente, o número de identificação fiscal do adquirente, a menção à denominação usual dos serviços prestados ou à sua quantidade e a data em que os serviços foram realizados.
Porém, o contrato de prestação de serviços permite completar, em parte, o conteúdo do recibo. O contrato contém a descrição detalhada dos serviços a prestar: “a verificação técnica dos produtos a adquirir pela Primeira Outorgante junto dos seus fornecedores, nomeadamente conferindo a qualidade destes produtos e a sua adequabilidade aos fins comerciais prosseguidos pela Primeira, bem como colaborar na pesquisa de novos fornecedores de matéria prima objeto da atividade da Primeira Outorgante”. Esta descrição detalhada vai além da simples “denominação usual dos serviços prestados” que a lei exige. Cumpre considerar, por conseguinte, que o requisito de indicação da “denominação usual dos serviços prestados” se encontra verificado.
Contudo, o contrato não supre nem a falta de indicação da quantidade dos serviços prestados, nem das respetivas datas.
Como observa a Autoridade Tributária, o quantitativo que figura no recibo (16.175,39 EUR) não corresponde ao valor dos honorários estipulados no contrato. Tendo o fornecedor emitido o recibo em 31-12-2014, presume-se que prestou os seus serviços durante os doze meses do ano, pelo que o valor dos honorários deveria ser de 18.000,00 euros; se apenas prestou os seus serviços durante onze meses, o valor deveria ser de 16.500,00 euros; e se apenas prestou os seus serviços durante dez meses, o valor deveria ser de 15.000,00 euros. Ora, o montante contabilizado não corresponde a nenhum desses valores.
Há assim que concluir que, através do conjunto dos documentos que servem de suporte ao gasto e que são exibidos pela Requerente, não é possível saber com segurança nem que quantidades do serviço contratado foram adquiridas, nem quais as datas em que o foram.
É certo que a Requerente prestou esclarecimentos, sobre este gasto em particular, em sede de procedimento de inspeção, impondo-se que o Tribunal se pronuncie quanto a esse facto.
Mantendo-nos dentro da posição assumida anteriormente, relativa à interpretação dos números 3 e 4 do art. 23º do CIRC – a qual assenta em dois pressupostos: i) que hoje, a comprovação dos gastos contabilizados pelo sujeito passivo e todos os elementos enumerados no nº 4 do art. 23º têm de resultar dos documentos que servem de base à contabilização do gasto; e ii) que a expressão “documento” deve ser entendida no sentido de poder abranger todos os documentos que, na contabilidade do sujeito passivo, suportam o gasto – ainda assim, os esclarecimentos do sujeito passivo podem ser relevantes, não como meio alternativo de prova da existência do gasto ou dos seus elementos conformadores, mas exatamente para esclarecer os elementos conformadores que já resultam dos documentos.
Ora, tendo a Requerente sido notificada para esclarecer a justificação do gasto contabilizado, esta apenas afirmou que o valor “corresponde a uma despesa relativa a trabalhos realizados nas instalações de fornecedores da empresa ao nível do controlo da qualidade”, sem esclarecer os aspetos em que os documentos se revelam insuficientes: que quantidades do serviço contratado foram adquiridas, nem quais as datas em que o foram.
Em suma, não resultando, de forma explícita e direta, do conjunto dos documentos que suportam o gasto – do “documento” em sentido lato – a que correspondem os valores pagos, os esclarecimentos da Requerente tão-pouco permitiram colmatar tais lacunas, em nenhuma fase, de tal modo que o próprio tribunal não tem elementos que lhe permitam saber a que se referem, de forma quantificada, os valores em causa.
Assim, haverá que concluir que, mesmo considerando “documento”, para efeitos dos números 3 e 4 do art. 23º do CIRC, no sentido amplo que deixámos exposto, podendo o termo abarcar um conjunto de documentos que se encontram na contabilidade, há que concluir que, no caso concreto, o documento de suporte do gasto em causa não permite conhecer os elementos exigidos pelo nº 4 do art. 23º.
Assim sendo, não se verificam em relação ao gasto em causa os requisitos formais relativos à sua documentação, estabelecidos nos números 3 e 4 do art. 23º do CIRC, pelo que o mesmo não é dedutível, nos termos do art. 23º-A nº 1, al. c) do mesmo código.
Não se verifica assim qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito em relação à correção em causa.
O ato também não enferma, nesta parte, de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois a fundamentação que de facto quer de direito, existe, como se deixou patente, e é clara, deixando perceber o itinerário cognitivo que levou à prática do ato.
2.1.2. Gastos relativos a amortizações de “edifícios e outras construções”
A Requerente registou, nos períodos de 2014, 2015 e 2016, gastos com amortizações de “edifícios e outras construções” nos montantes de 14.000,00 EUR em cada um desses anos, referentes ao custo de aquisição do prédio urbano sito no Lugar de ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do registo Predial de Guimarães sob o n.º...- ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
A Requerente reconhece que não adquiriu a propriedade deste imóvel, não sendo, pois, sua proprietária.
Alega, contudo, que outorgou contrato-promessa de compra e venda do referido prédio, na qualidade de promitente adquirente, e que pagou por esse contrato-promessa de aquisição o valor de 700.000,00 EUR, com recurso a um empréstimo bancário.
Com base nesta alegada factualidade, a Requerente sustenta que detém a posse legítima do prédio, constituindo tal posse, no seu entender, base suficiente para que possa deduzir gastos de amortização sobre o valor da respetiva aquisição.
Em reforço do argumento de que tem a posse legítima do prédio, a Requerente alega e prova que outorgou, na qualidade de locadora, contrato de arrendamento do referido prédio, com a associação G..., mediante uma renda anual de 60.000,00 EUR.
A Requerente alega também que sempre contabilizou tais rendas como rendimentos, tendo sido tributada sobre os mesmos.
Sustenta ainda que não está obrigada a provar o custo com a aquisição do prédio, pois o mesmo se prova simplesmente pelos próprios mapas de amortizações.
Em nosso entender, a Requerente tem razão quando alega que não é necessário deter a propriedade de um bem para que possam ser contabilizadas amortizações sobre o custo de aquisição do mesmo (embora, na fundamentação da decisão sobre a reclamação graciosa, afirme que “contabilisticamente, a propriedade jurídica do bem é requisito fundamental para se efetuar o registo do gasto com amortizações”, a Autoridade Tributária não fundamenta tal afirmação).
De acordo com a Norma Internacional de Contabilidade nº 38 (aprovada pelo Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro de 2008, que adota determinadas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) nº. 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho), um ativo é “um recurso: a) controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados; e b) do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade.”
E ainda de acordo com a mesma norma, “uma entidade controla um ativo se a entidade tiver o poder de obter benefícios económicos futuros que fluam do recurso subjacente e puder restringir o acesso de outros a esses benefícios. A capacidade de uma entidade de controlar os benefícios económicos futuros de um ativo intangível enraíza-se nos direitos legais que sejam imponíveis num tribunal. Na ausência de direitos legais, é mais difícil demonstrar controlo sobre o ativo. Porém, o cumprimento legal de um direito não é uma condição necessária para o controlo porque uma entidade pode ser capaz de controlar os benefícios económicos futuros de alguma outra maneira.”
Embora a norma (NIC 38) seja respeitante a ativos intangíveis, a definição transcrita é de “ativo”, pelo que deve aplicar-se quer a ativos tangíveis quer a ativos intangíveis.
Além disso, a regulação contabilística portuguesa contém idêntica definição, no parágrafo 49, al a) da “Estrutura Conceptual” que diz: “Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros”.
Da definição conclui-se que o que é determinante para que uma entidade possa inscrever um ativo no seu balanço é que detenha o controlo desse ativo. O controlo do ativo inclui necessariamente o poder de obter benefícios económicos futuros que fluam do recurso subjacente e o poder de restringir o acesso de terceiros a esses benefícios.
Ora, a Requerente não demonstra que tem o controlo do ativo em causa.
Concretamente, se o prédio está registado no nome do sócio-gerente e de uma outra sócia da Requerente, pessoas que, em princípio, estão em posição de exercer todos os direitos sobre o imóvel e de o retirar à posse da Requerente, cabia a esta provar que se encontra em posição de reivindicar a manutenção da posse do imóvel, sem qualquer custo acrescido, contra os proprietários. Para provar que se encontra nessa posição, seria necessário exibir o contrato-promessa que a Requerente reclama ter outorgado (o que, aliás, está em sintonia com o texto da norma de contabilidade citada, na parte em que esta diz que “a capacidade de uma entidade de controlar os benefícios económicos futuros de um ativo intangível enraíza-se nos direitos legais que sejam imponíveis num tribunal”).
Ora, a requerente não juntou aos autos, nem aos autos chegou por qualquer outro meio, o contrato-promessa em que a Requerente diz apoiar-se o seu direito sobre o ativo.
O facto de a Requerente ter dado o imóvel de arrendamento e dele receber rendas, só por si, não prova que tenha o poder de o fazer. Uma vez que os proprietários do imóvel são o sócio-gerente e outra sócia, é possível que a Requerente apenas exerça a posse por permissão informal destes, tornando-se necessário provar que a sociedade conseguiria, em tribunal, manter essa posição jurídica de locadora mesmo contra a vontade dos proprietários.
Assim sendo, em relação aos gastos com amortização do prédio, não se verifica o requisito do art. 17º, nº1 e nº 3, al. a) do CIRC, pelo que não está a Autoridade Tributária vinculada a aceitar o tratamento contabilístico adotado pela Requerente.
A Requerente não provou que pode, na sua contabilidade, amortizar o valor de aquisição do prédio, pois não provou que tem controlo sobre o ativo em causa, pelo que também não pode contabilizar tais amortizações como gastos para efeitos fiscais.
Não se verifica assim qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito em relação às correções em causa.
Os atos também não enfermam, nesta parte, de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois a fundamentação que de facto quer de direito, existe, como se deixou patente, e é clara, deixando perceber o itinerário cognitivo que levou à prática dos atos.
2.1.3. Gastos no montante de € 3.306,00, contabilizados a título de amortização de obras em imóvel, em cada um dos exercícios de 2014 e de 2015
Lê-se no RIT (pág. 9/37):
“Ainda de acordo com os mapas de reintegrações e amortizações, este valor é influenciado em 2014 e 2015 em 3.306,00 EUR pela correspondente amortização de obras na sede no ano de 2006, no valor de 33.060,00 EUR.
O sujeito passivo foi notificado pessoalmente, na pessoa do seu gerente, no dia 2018-02-15 (ponto 4 da notificação) para apresentar a identificação do respetivo artigo matricial, e caso esse valor resulte de obras e melhoramentos, juntar cópia do(s) documento(s) que comprove(m) esse valor.
No dia 2018-03-06, o sujeito passivo declarou estar ainda a localizar o contrato do imóvel para ser apresentado, mas até à presente data nada foi ainda apresentado. Quanto às obras, disse informalmente que são de 2006 e já não possui documentos.”
Por seu turno, na petição inicial, a Requerente diz:
“83. A Requerente registou, nos períodos de 2014, 2015 e 2016, gastos com amortizações de “edifícios e outras construções” do montante anual de € 17.306,00.
84. Em 2006 a Requerente adquiriu, pelo preço de € 700.000,00, um imóvel que registou como componente do seu ativo fixo tangível.
85. Em 2006 realizou obras que imobilizou no montante de € 33.000,00.
86. A Requerente efetuou o registo contabilístico do imóvel com base no contrato de promessa de compra e venda.”
Desta forma, o que a Requerente diz na sua petição inicial, no que se refere a obras objeto de amortização, não coincide com o que se afirma no RIT que a Requerente terá dito nessa sede.
Segundo o RIT, a Requerente teria afirmado, em sede de procedimento de inspeção que as obras em causa, haviam sido efetuadas no imóvel da sua sede, enquanto na sua p.i. a Requerente afirma que as obras foram efetuadas no imóvel que prometeu adquirir e que deu de arrendamento à associação G... .
Também o valor das obras cuja amortização é reclamada pela Requerente não condiz no RIT (33.060,00 EUR) e na p.i. (33.000,00 EUR).
Assumimos, quanto ao valor, que se trata de lapso da p.i. e que a correção em causa é a que consta da pág. 9 do RIT.
Tendo as obras em causa sido realizadas no imóvel descrito na Conservatória do registo Predial de Guimarães, sob o n.º ...-..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... – como alega a Requerente na sua p.i. – vale para a correção a elas respeitantes tudo o que se disse sobre as amortizações do custo de aquisição do mesmo imóvel.
Não pertencendo o imóvel à Requerente, e não tendo esta provado que, apesar de não ter a propriedade do imóvel, detém o seu controlo, tais obras tão-pouco constituem um ativo da Requerente que esta possa amortizar.
Pelo que, pelas mesmas razões, não podem tais amortizações ser aceites como gasto fiscal nos termos do art. 23º do CIRC.
Se, ao invés do que afirma a Requerente na sua p.i. e em conformidade com o RIT, os gastos em causa se referem a obras realizadas no edifício que, à data das obras, em 2006, servia de sede à Requerente, então tais obras foram realizadas em propriedade alheia, como se diz no RIT, pois esse imóvel não era propriedade da Requerente (facto não contestado).
Tendo o imóvel em causa deixado de servir de sede à Requerente em outubro de 2008 (facto igualmente não contestado), a partir desse ano as benfeitorias em causa cessaram de ser para a Requerente um recurso gerador de rendimento, além de não serem um ativo controlado por esta, pelo que também não poderia a Requerente contabilizar quaisquer amortizações sobre esse ativo.
Não se verifica assim qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito em relação à correção em causa.
O ato também não enferma, nesta parte de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois a fundamentação que de facto quer de direito, existe, como se deixou patente, e é clara, deixando perceber o itinerário cognitivo que levou à prática do ato.
2.1.4. Gastos com aquisição de artigos para ofertas.
No ano 2014, a Requerente contabilizou a título de “gastos com ofertas” o montante de 4.450.00 EUR, que, segundo o RIT (pág. 10), se refere à aquisição de brincos de joalharia no valor de 1.800,00 EUR, brincos de ouro no valor de 3.000,00 EUR, uma caneta de ouro no valor de 415,00 EUR e duas canetas “diversas” no valor de 375,00 EUR e 435,00 EUR.
No ano de 2016, a Requerente contabilizou a título de “gastos com ofertas” o montante de 5.900.00 EUR, que, segundo o RIT (pág. 10), se refere à aquisição de dois relógios ..., um no valor de 3.200,00 e outro no valor de 4.100,00 EUR.
Considerou a Autoridade Tributária que a Requerente não demonstrou a indispensabilidade destes gastos, com a seguinte justificação:
“O sujeito passivo foi notificado pessoalmente, na pessoa do seu gerente, no dia 2018-02-15 (...) para justificar (...) a indispensabilidade destes gastos nos termos do art. 23º do CIRC.
No dia 2018-03-06, o sujeito passivo limitou-se a dizer que foram bens adquiridos para serem oferecidos a clientes e fornecedores, e que foram necessários para a formação do lucro na medida em que, por exemplo a nível dos fornecedores, existe uma forte pressão por parte da procura, pelo que é preciso manter uma forte presença comercial.
Os gastos e perdas suportados com ofertas a clientes e ou a fornecedores, adquiridas especificamente para oferta, são consideradas como gastos, fiscalmente, desde que exista o correspondente documento externo, emitido de forma legal, e que sejam conhecidos quer os beneficiários quer os fundamentos dessas ofertas de modo a que possa ser comprovada a indispensabilidade dos mesmos, conforme determina o art. 23º do Código do IRC.
Estes gastos têm de estar devidamente comprovados incluindo a identificação das entidades a quem as ofertas foram efetuadas de modo a comprovar a relação com a atividade da empresa.
E não sendo demonstrada a sua indispensabilidade, o que exigia não só a identificação, no respetivo documento, do(s) dessa(s) ofertas assim como a comprovação de eu foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não serão os mesmos aceites como gastos fiscais, apesar de terem sido contabilizados como tal.”
Sobre a correção efetuada pela Requerida, diz a Requerente na sua p.i.:
“(...) Os artigos adquiridos foram oferecidos aos fornecedores J... Lda e N... . Com efeito,
(...) Os artigos adquiridos em 2014 foram oferecidos à esposa e filhos de O... da sociedade J... Lda., um dos maiores fornecedores da A... .
(...) Oferta que se comprova pelo email de agradecimento de que se junta copia e dá como reproduzido o seu conteúdo para os devidos e legais efeitos – Doc. 10
(...) Em 2016 a Requerente adquiriu dois relógios para oferecer a M... e P... da sociedade “N...” também fornecedor - a maior e mais importante empresa de couros da Bolívia.
(...) A oferta comprova-se pelo email de agradecimento de que se junta copia e dá como reproduzido o seu conteúdo para os devidos e legais efeitos – Doc. 11”.
Nas suas alegações acrescenta a Requerente a propósito desta correção:
“Da prova documental (a correspondência remetida pelos beneficiários comprova não apenas a realização mas também a relação com a atividade da Requerente) e testemunhal produzida (a testemunha H... no seu depoimento deu conta da importância das boas relações com os seus fornecedores, porque destes depende a boa e pronta execução das suas encomendas fatores com influencia significativa nos resultados da empresa), resulta provado o business purpose, a racionalidade empresarial de tais gastos.”
Embora não se encontrem expressamente previstas entre os gastos enumerados no art. 23º do CIRC, as ofertas a fornecedores, quando tenham fim comercial, são gastos que têm a função de gerar rendimento, e como tal podem ser deduzidos ao lucro tributável (Ac. TCA-Sul de 13-12-2019, proc. nº 81/03.5BTSNT).
Embora a Autoridade Tributária afirme, no RIT, que “estes gastos têm de estar devidamente comprovados incluindo a identificação das entidades a quem as ofertas foram efetuadas de modo a comprovar a relação com a atividade da empresa”, não existe qualquer base legal para se exigir que, no caso de gastos com ofertas, o documento que os suporta inclua, como formalidade especial, a identificação dos beneficiários.
Com efeito, os gastos com ofertas cabem no conceito geral de gastos do art. 23º, nº1 (Ac. TCA-Sul de 13-12-2019, proc. nº 81/03.5BTSNT), sendo os requisitos para a sua dedutibilidade os mesmos que a lei exige para os gastos em geral: efetividade, justificação e documentação, sendo que, em relação a este último requisito, as exigências formais dos documentos serão as estabelecidas no art. 23º, nºs 3, 4 e 6. Concretamente sobre se existe ou não uma exigência de que os documentos que suportam este tipo de gastos mencionem os seus destinatários, pronunciou-se recentemente o TCA-Sul ac. TCA-Sul de 13-12-2019, proc. nº 81/03.5BTSNT), dizendo que “para que uma determinada despesa com a natureza de oferta seja dedutível, não é necessário, em regra, que se encontrem perfeitamente identificados os destinatários concretos da mesma”.
Sendo assim, e uma vez que se verifica existirem para os gastos em causa documentos de suporte, e não questionando a Autoridade Tributária que estes documentos preencham os devidos requisitos – para além da aludida falta de menção aos destinatários das ofertas – conclui-se que a questão a apreciar não é a da falta ou insuficiência da documentação do gasto, mas sim a justificação do gasto. O que está de acordo com a fundamentação do ato, pois o que se afirma no RIT é que a identificação das entidades a quem as ofertas foram efetuadas é necessária a fim de “comprovar a relação com a atividade da empresa”.
Clarificado que não se está perante um problema de insuficiente documentação do gasto, mas perante um problema de comprovação da relação do gasto com a atividade empresarial, a primeira questão que há que responder é a de saber se é necessário, para comprovar essa relação, e tal como a AT sustenta, identificar todos os destinatários das ofertas (já não, necessariamente, através dos documentos mencionados nos nºs 3 e 4 do art. 23º, mas através de qualquer meio de prova).
Recentemente, o TCA-Sul considerou que, “para que uma determinada despesa com a natureza de oferta seja dedutível, não é necessário, em regra, que se encontrem perfeitamente identificados os destinatários concretos da mesma, desde logo porque a lei não faz depender a dedutibilidade do gasto da existência dessa identificação concreta” (ac. TCA-Sul de 13-12-2019, proc. nº 81/03.5BTSNT). Mas acrescenta o acórdão que “é no contexto da fundamentação das correções que essa identificação poderá casuisticamente se revelar necessária”. Ou seja, o Tribunal não afastou a possibilidade de, em concreto, se tornar necessária a identificação dos destinatários das ofertas, a fim de provar a relação do gasto com o fim empresarial, sendo tal necessidade a apreciar casuisticamente.
Parece-nos que, no caso concreto, é manifesto que tal necessidade se verifica.
No caso concreto, estamos perante ofertas constituídas por objetos adquiridos a entidades terceiras, em reduzido número (sete no total) e de elevado valor. Não estamos, portanto, perante a mais usual situação de brindes promocionais. Não resultando da natureza das próprias ofertas a sua conexão com a atividade comercial (como aconteceria se estivéssemos perante “brindes” promocionais ou outro tipo de ofertas mais banais), só podem as mesmas ser justificadas pela relação particular com os beneficiários das mesmas, razão por que se torna necessária a respetiva identificação.
Tal interpretação é corroborada pela jurisprudência.
No acórdão do TCA-S de 21-04-1998 no proc. nº 00080/97 diz-se: “A lei exige que a empresa prove, não só que adquiriu os bens que contabilizou como "ofertas", mas que os ofereceu e que essas ofertas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da força produtora ( não havendo qualquer indispensabilidade " ex lege", isto ainda que se considerem tais custos enquadráveis na alínea b) do nº l do artigo 23 do CIRC, já que a enumeração exemplificativa dos encargos referidos nas diversas alíneas deste preceito legal, tal como já acontecia dantes com as diversas alíneas do artigo 26 do CCI, não dispensa a prova da indispensabilidade desses encargos, exigida no corpo dos citados preceitos legais), e, como vimos, tal só é possível, se a empresa provar quem foram os beneficiários de tais bens e a relação entre essas ofertas e a actividade desta, e nenhuma prova foi feita nesse sentido.”
Em acórdão mais recente (TCA-Sul, 22-05-2012, proc. nº 05133/11), o mesmo tribunal judicia: “Os montantes incorridos pela contribuinte em gastos com artigos ofertados a clientes e fornecedores não podem constituir custos fiscais quando, pela ausência de identificação destes, não é possível aferir da sua relação com os proveitos ou ganhos ou com a manutenção da fonte produtora” (a mesma doutrina emana do acórdão do TCA-Norte, de 12-01-2006, proc. nº 00373/00).
Conclui-se assim que, dada a natureza das ofertas em causa, é razoável que o órgão de inspeção tributária exija conhecer os destinatários das ofertas, pois só essa identificação permitirá demonstrar a “relevância” dos gastos, uma vez que só essa identificação permitiria provar uma relação especial entre a Requerente e as entidades recetoras das ofertas. Uma vez que não está em causa o requisito de documentação dos gastos, é de admitir que a prova daquela relevância seja feita por qualquer meio admissível em direito.
A respeito desta questão, a Requerente alegou que as ofertas se destinaram a pessoas relacionadas com dois dos seus mais importantes fornecedores – as empresas J... Lda. e N... .
Ao que o órgão de inspeção Tributária contra-alegou que “esta argumentação não pode ser validada através da análise das contas correntes de fornecedores”. A Requerida considerou não provado que as entidades indicadas sejam fornecedoras da Requerente, uma vez que a contabilidade desta não individualiza as contas de fornecedores. Antes, contabiliza os gastos com fornecedores numa “conta caldeirão” em que os fornecedores não são individualizados.
Com efeito, não basta, para provar a justificação dos gastos em causa, alegar que as ofertas tiveram como destinatários X e Y, fornecedores “importantes”, mas é necessário ainda provar que tais entidades são efetivamente fornecedoras do sujeito passivo.
Perante esta contra-alegação, a Requerente poderia, quer em sede de reclamação graciosa quer em sede já de processo de impugnação contenciosa, ter exibido faturas emitidas pelas entidades fornecedoras, sendo esse o meio normal de se provar a relação de fornecimento no contexto de uma atividade comercial.
Ao invés, a Requerente apresenta apenas duas comunicações por correio eletrónico trocadas com tais entidades.
Quanto à comunicação com a entidade N..., resulta das mesmas, apesar de tudo com alguma segurança, que não só a entidade em causa é fornecedora da Requerente, mas também que efetivamente foram ofertados dois relógios a dois dos seus agentes, como alega a Requerente. Assim sendo, apesar de a prova ser efetuada por meios informais, considera-se existir prova bastante de que: i) os gastos foram efetivamente realizados; ii) as entidades indicadas como beneficiárias são fornecedoras da Requerente; e iii) as entidades indicadas como beneficiárias efetivamente receberam as ofertas.
Quanto a esta correção – desconsideração de gastos com ofertas contabilizados em 2016 – prova-se que o ato impugnado enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Já quanto à comunicação com a sociedade J... Lda., aí se mencionam apenas três pessoas beneficiárias de ofertas: a esposa, a filha e o filho do Sr. O... . O mesmo é confirmado pela Requerente que diz, na sua p.i.: “Os artigos adquiridos em 2014 foram oferecidos à esposa e filhos de O...”.
Ora, nesse ano de 2014, na rubrica “gastos com ofertas”, a Requerente contabilizou a compra de cinco objetos de elevado valor: brincos de joalharia, brincos de ouro, caneta de ouro e duas canetas.
Perante esta factualidade, há que concluir que a Requerente não demonstrou a justificação dos gastos com ofertas contabilizados no ano de 2014, uma vez que não identificou os destinatários das cinco alegadas ofertas, nem fez prova de que as mesmas se destinaram a fornecedores na sua totalidade. E também não esclareceu quais, do conjunto das cinco aquisições, não se teriam destinado a fornecedores, sendo esse o caso.
Não se verifica assim qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito em relação à correção em causa.
O ato também não enferma, nesta parte de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois a fundamentação que de facto quer de direito, existe, como se deixou patente, e é clara, deixando perceber o itinerário cognitivo que levou à prática do ato.
2.1.5. Gasto com a aquisição do direito de acesso ao Matadouro D... .
No ano de 2016, a Requerente contabilizou um gasto no montante de 114.052,18 EUR, a título de gastos com prestadores de serviços estrangeiros.
De acordo com o RIT (pág.14), “o documento que suporta este movimento é um documento de um prestador de serviços da Bolívia, C... (...) com o descritivo de 1 quantidade de ‘serviço Dez ano 2016: Curtiembre ...; Curtiembre ..., Cueros ..., Curtiembre ... e Curtiembre...’ no valor de 120.000,00 USD, datado de 30 de dezembro de 2016. (...) A contrapartida do movimento A foi um pagamento de caixa (crédito na conta caixa) de igual valor, ou seja, esta fatura terá sido paga em dinheiro”.
Tendo sido a Requerente notificada para comprovar os fluxos financeiros correspondentes a estes registos, a Requerente apresentou uma lista de cheques, cheques estes que, segundo o RIT, foram, todos eles, descontados pelo seu gerente ao balcão do banco sacado e que perfazem o montante de 191.692,98 EUR, entre 29-07-2015 e 24-12-2016.
A Requerente explicou, em sede de procedimento inspetivo que os valores em causa tinham sido transportados em numerário, pelo seu gerente, até à Bolívia, onde se efetuavam os pagamentos, tendo o mesmo sido corroborado por depoimento testemunhal já em sede de processo arbitral.
A Requerente justificou este procedimento com o facto de, na Bolívia, ser prática usual efetuar pagamentos em dinheiro.
A Requerida considera que esta explicação entra em contradição com outras provas que mostram pagamentos efetuados a fornecedores na Bolívia através de transferência bancária.
A Requerida aponta ainda a inverosimilhança da hipótese de a Requerente ter começado a efetuar levantamentos no dia 29-07-2015 para um pagamento que só iria efetuar em 2016 (data da fatura).
O órgão de inspeção alega que as faturas levantam várias dúvidas quanto à sua veracidade, nomeadamente: 1) o valor anormalmente elevado das mesmas; (...) 3) contradição na explicação avançada acerca dos pagamentos em numerário por exigência dos prestadores de serviços daquele país; 4) terem sido recolhidos comprovativos de transferência bancária para fornecedores localizados na Bolívia; 5) os levantamentos terem sido iniciados cerca de seis meses antes da primeira fatura a que os mesmos se destinariam.
Com base nestes argumentos, o órgão de inspeção desconsiderou o referido gasto.
Impugnando esta correção, a Requerente alega:
- que o gasto em causa se refere ao preço por si pago pela aquisição do direito de acesso ao Matadouro D... (para aí contratar a compra de couros);
- que o preço foi pago em dinheiro, por ser essa uma condição imposta “pelo Matadouro”;
- que a operação foi intermediada pela sociedade boliviana C... S.A., que recebeu as quantias destinadas ao pagamento.
Em primeiro lugar, torna-se necessário proceder a uma correta colocação da questão jurídica que cumpre apreciar.
O gasto em causa, no montante de 114.052,18 EUR, encontra-se documentado, através de uma fatura emitida pela sociedade boliviana C... S.A., datada de dezembro de 2016, com o descritivo de “1 quantidade de ‘serviço Dez ano 2016: Curtiembre ...; Curtiembre ..., Cueros ..., Curtiembre ... e Curtiembre ...”.
No entanto, quando o órgão de inspeção tributária, em face, por um lado, do elevado valor do gasto (comparado com o montante pago mensalmente à mesma entidade) e, por outro, do facto de o mesmo ter sido registado por contrapartida de um movimento de caixa, pediu esclarecimentos à Requerente, esta declarou que o gasto em causa se refere ao preço por si pago pela aquisição do direito de acesso ao Matadouro D..., pago através de numerário, por sua vez levantado através de descontos de cheques entre 29-07-2015 e 24-12-2016.
Com estas declarações, a Requerente manifestou que nada do que consta do documento de suporte do gasto, à exceção do valor, é verdadeiro: o gasto não se refere a um serviço adquirido à sociedade C... S.A., mas a um serviço adquirido ao Matadouro de D...; a substância do gasto não consiste em “1 quantidade de ‘serviço Dez ano 2016: Curtiembre ...; Curtiembre ..., Cueros ..., Curtiembre ... e Curtiembre...”, mas sim na aquisição do direito de acesso ao Matadouro D...; e finalmente, o gasto não foi realizado em dezembro de 2016, mas em julho de 2015.
Assim sendo, ao problema inicial da prova de efetividade do gasto, veio a somar-se, na sequência das declarações da Requerente, o da inexistência de documento de suporte para o gasto que a Requerente reclama ter efetuado. Pois, com efeito, o documento de quitação emitido pela entidade prestadora do serviço - o Matadouro D...- não foi emitido, conforme se infere das declarações da própria Requerente, assim como não existe um contrato, ainda que minimamente documentado, com o Matadouro D... . O gasto que, em substância, a Requerente alega ter existido, não se encontra documentado. O gasto que se encontra documentado, a Requerente declara que não existiu. A isto acresce que o fluxo financeiro correspondente ao gasto não está documentado.
Ora, como já se disse anteriormente, não se afigura hoje admissível, em face da redação atual quer dos nºs 3 e 4 do art. 23º quer das als. b) e c) do nº 1 do art. 23º-A, que a existência do gastos, bem como os seus elementos conformadores sejam dados por provados unicamente por prova testemunhal, sem um mínimo suporte documental.
Em sede de reclamação e de impugnação contenciosa, a Requerente apresenta dois outros documentos, sendo o primeiro uma comunicação escrita (carta), remetida pela F...– e tendo como destinatários Q... e R..., na qualidade de gerentes da sociedade U... .
Nessa carta lê-se: “mediante la presente el directorio de la Union Sindical de Trabajadores en Carne y Ramas Anexas del Sector Sur, le hacemos llegar um saludo muy cordial y respectuoso su distinguida persona y desarles éxitos en las labores que desempeñan em su empresa. Em razón de seguir manteniendo el compromisso de venta de cuero según nuestro contrato firmado y no quedar nulo el contrato suscrito y en razón de la oferta y demanda de nuestros demás clientes como ser S..., T..., mucho agradeceré passar por las oficinas de F... para que usted pueda dejar um adelanto de USD 200.000. – (Doscientos mil 00/100 Dólares Americanos) para garantizar la compra mensual de cueros. Esto a fin de que el día martes 27-07-2015 a horas 10:15 am, passe por nuestra oficinas para reunirnos con todo el directorio y definir el tema del antecipo para que usted pueda hacer el depósito em el trascurso del día. Con este motivo y agradecido por su valiosa atención reiteramos nuestros más cordiales saludos. Atentamente El directorio.”
O segundo documento é uma comunicação eletrónica endereçada por Q... para várias pessoas entre as quais a Requerente e o seu gerente, com o assunto “Carta Matadero”, onde se lê: “H... Em archivo adjunto envio una carta, que nos enviarion del Matadero de ..., indicando que tenemos que hacer um antecipo de USD 200000. – Doscientos mil 00/100 Dólares Americano) para garantizar la compra mensual de cueros. Favor te pido que puedan analizar esta situación ya que en vista a ello, mi persona necesitara que ustedes nos puedan enviar cash como un antecipo de reserva de cuero Altiplano para os próximos contenedores. También estaremos atentos a la llegada del Dr H..., para conversar el tema económico. Agradecido por su valiosa atención, reitero mis más cordiales saludos. Atte. Q...SRL.”
Atendendo ao que anteriormente se disse, estas comunicações não poderiam ter apenas uma função esclarecedora do documento de suporte do gasto, uma vez que tal documento nem sequer existe. Estas comunicações teriam de servir, elas próprias, de documento de suporte, função que claramente não podem ter por não conterem as indicações requeridas no nº 4 do art. 23º. Mas, ainda assim, vejamos se estas comunicações são de molde a permitir formar a convicção da realidade dos factos invocados: que a Requerente adquiriu onerosamente o direito a realizar compras de couros no Matadouro de D... e que pagou por esse direito o montante de 114.052,18 EUR (120 000,00 USD).
De acordo com o disposto no n.º 1 do artº 75.º da LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”. Portanto, em regra, os sujeitos passivos não têm de fazer mais nada para provar os seus gastos, além de manterem a sua contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal em vigor (Ac. TCA-Sul. de 11-10-18, proc. nº. 1594/09.OBELRA; Ac. TCAS de 11-02-2016, proc. nº 00080/03-Porto).
Contudo, e nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, esta presunção cessa quando, entre outras situações, “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (Ac. TCA-Sul. de 11-10-18, proc. nº. 1594/09.OBELRA).
É à administração tributária que, por força do art. 74º nº 1 da LGT, e no caso de não aceitar os gastos contabilizados, cabe o ónus de provar a existência das omissões, erros, ou inexatidões que fazem cessar a presunção de veracidade estabelecida no nº 1 do art. 75º. Para tanto, é suficiente que a administração tributária demonstre a existência de “indícios fundados”, para fazer cessar a presunção de veracidade estabelecida a favor do contribuinte no n.º1 do art.º75.º da LGT, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam (STA, ac. de 27-02-2019, proc. nº 1424/05).
No caso concreto, a administração tributária demonstra à evidência que a contabilidade da Requerente contém omissões, erros e inexatidões que impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, ficando a Requerente, por esse facto, onerada com o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à sua contabilidade.
Demonstrando a administração tributária a existência de tais omissões, erros ou inexatidões, a lei faz cessar a presunção de boa-fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à faturação indiciada (Ac. TCA-Sul. de 11-10-18, proc. nº. 1594/09.OBELRA).
Como se sabe, na operação de valoração da prova, vigora o princípio da livre apreciação do juiz. Sem prejuízo, a valoração da prova impõe ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência.
Ora, objetivamente, não resulta provado nas comunicações juntas que a Requerente adquiriu onerosamente o direito a comprar couros no Matadouro D..., pois nos documentos em causa não se menciona esse direito, mas sim um contrato entre o F... e a sociedade U... cujo conteúdo não se esclarece. E também não se prova que a Requerente se tenha obrigado a pagar ao Matadouro D..., através da sociedade C... S.A., a quantia de 120 000,00 USD, pois essa quantia não é mencionada, nem nesses documentos se prova que a Requerente se tenha obrigado a pagar qualquer quantia, pois não consta dessas comunicações uma declaração da Requerente nesse sentido.
Ou seja, se, por um lado, o documento de suporte do gasto, o principal documento comprovativo quer da existência do gasto quer da sua justificação, não contém nenhum elemento que permita formar a convicção de que o gasto se refere ao pagamento da aquisição do direito ao Matadouro D..., as comunicações juntas tão-pouco provam a factualidade invocada.
Como já se disse anteriormente, na atualidade, os elementos enumerados no nº 4 do art. 23º do CIRC têm de constar do “documento” que comprova o gasto, sob pena da sua indedutibilidade.
O termo “documento”, como também já foi dito, poderá ser entendido de forma bastante ampla, abrangendo todos os documentos constantes da contabilidade dos sujeitos passivos relacionados com o gasto.
O que não pode, hoje, à luz do atual art. 23º do CIRC, é pretender-se provar quer a existência do gasto (efetividade do gasto) quer os factos que justificam o gasto (justificação do gasto) quer os elementos que conformam o gasto apenas com recurso a prova testemunhal.
Conclui-se que o gasto de 114.052,18 EUR, contabilizado como custo da aquisição do direito de acesso ao Matadouro D..., não se encontra documentalmente provado nos termos que a lei atualmente impõe, pelo que não é dedutível.
Não se verifica assim qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito em relação à correção em causa.
O ato também não enferma, nesta parte de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois a fundamentação que de facto quer de direito, existe, como se deixou patente, e é clara, deixando perceber o itinerário cognitivo que levou à prática do ato.
2.1.6. Gasto com a aquisição de serviços à sociedade E..., S.A.
A Requerente contabilizou no exercício de 2016 um gasto no valor de 106.680,00, tendo como documento de suporte doze faturas emitidas pela sociedade boliviana E..., S.A.
A Autoridade Tributária alega, sobre estes gastos:
- que não se consegue, através da contabilidade, perceber o fluxo financeiro associado ao gasto, porquanto o gasto se encontra registado numa conta de “fornecedores diversos”, com um valor global de 1.543.784,72 EUR.
- que o descritivo dos doze documentos é sempre o mesmo – “servicios de enero del año 2016, revisão de cueros” – variando apenas o respetivo mês.
- que o número da fatura de janeiro é o 1, o número da fatura de fevereiro é o 2 e assim sucessivamente até à fatura de dezembro, que é a nº 12, de onde se conclui que o prestador de serviços trabalhou, desde janeiro até 12-12-2016, exclusivamente para a Requerente.
- que a indicação da encomenda também é sempre a mesma: 2/10.022A 1.
- que as faturas são sempre emitidas no dia 17 de cada mês, mesmo quando este dia é um domingo.
Notificada a Requerente para apresentar os comprovativos dos meios de pagamento correspondentes ao gasto, a Requerente apresentou uma lista de cheques, cheques estes que, segundo o RIT, foram, todos eles, descontados pelo seu gerente ao balcão do banco sacado e que perfazem o montante de 191.692,98 EUR, entre 29-07-2015 e 24-12-2016.
A Requerente explicou, em sede de procedimento inspetivo que os valores em causa tinham sido transportados em numerário, pelo seu gerente, até à Bolívia, onde se efetuavam os pagamentos, tendo o mesmo sido corroborado por depoimento testemunhal já em sede de processo arbitral.
A Requerente justificou este procedimento com o facto de, na Bolívia, ser prática usual efetuar pagamentos em dinheiro.
A Requerida considera que esta explicação entra em contradição com outras provas que mostram pagamentos efetuados a fornecedores na Bolívia através de transferência bancária.
Em conclusão, o órgão de inspeção alega que as faturas levantam várias dúvidas quanto à sua veracidade, nomeadamente: 1) o valor anormalmente elevado das mesmas; 2) a data de emissão sempre no dia 17 de cada mês (incluindo 3 domingos), faturas sequenciais de doze números para os respetivos meses; 3) contradição na explicação avançada acerca dos pagamentos em numerário por exigência dos prestadores de serviços daquele país; 4) terem sido recolhidos comprovativos de transferência bancária para fornecedores localizados na Bolívia; 5) os levantamentos terem sido iniciados cerca de seis meses antes da primeira fatura a que os mesmos se destinariam. E que, desta forma, existem fundados e sérios indícios de que as faturas em causa não traduzem operações efetivas, fazendo cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte prevista no art. 75º LGT.
Tendo sido pedido à Requerente que apresentasse o suporte documental alusivo às efetivas operações comerciais realizadas com outros fornecedores ou a outros encargos suportados no âmbito da atividade produtiva, a Requerente não apresentou tais documentos.
Sobre este gasto, afirma a Requerente:
- Que contratou a sociedade E..., S.A. no início de 2016 para “direcionar as compras para o produtor, com especial incidência dos produtores das zonas altas dos mercados da Bolívia e do Peru, tendo sido convencionada a título de remuneração uma avença mensal de 8.890,00 EUR.
- Que as faturas emitidas identificam a encomenda pelo seu número de ordem, sendo o número de ordem sempre o mesmo, em todas as doze faturas, por se tratar de uma avença.
- Que as faturas foram pagas a dinheiro, porque na Bolívia a regra é o pagamento em dinheiro e porque o fornecedor assim o impôs.
- A AT efetuou o teste de conformidade entre as quantidades vendidas e as quantidades compradas, concluindo pela inexistência de exceções.
- A violação da norma do n.º 3 do art. 63.º-A da LGT não tem nem pode ter como consequência o levantamento de dúvidas sobre a efetivação do gasto e, consequentemente fundamentar a sua exclusão para efeitos do Código do IRC.
Vejamos.
O gasto em causa encontra-se documentado através de doze faturas, não questionando a Autoridade Tributária a conformidade das faturas com o nº 4 do art. 23º do CIRC.
Não estamos, pois, perante um problema nem de falta, nem de insuficiente documentação do gasto.
A questão que a Autoridade Tributária levanta é o da efetividade do gasto, baseando-se num conjunto de indícios de irregularidades.
Em primeiro lugar, alega a Requerida que não é possível perceber através da contabilidade o fluxo financeiro correspondente ao gasto. Com efeito, como se disse anteriormente, a prova da efetividade do gasto requer que se demonstre que o mesmo originou uma variação patrimonial negativa, sem a qual o gasto não existe. Pelo que, se a contabilidade não revela o fluxo financeiro, esse facto é suscetível de pôr em dúvida a existência do gasto (veja-se neste sentido, o acórdão do TCA-Sul de 30-09-2019, proc. nº 447/04.3BESNT em que se judicia que “se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário, tal ónus implica a demonstração do circuito económico-financeiro das despesas em presença, bem como os beneficiários das mesmas”).
Contudo, o RIT não é conclusivo no sentido de que não ocorreu uma variação patrimonial negativa associada ao gasto, dizendo apenas que “não se percebe o fluxo financeiro associado ao gasto”. Ora, afirmar que “não se percebe o fluxo financeiro” é muito diferente de afirmar que não se verificou uma variação patrimonial negativa, para o que seria necessário demonstrar que nem as disponibilidades nem as responsabilidades do sujeito passivo foram afetadas quantitativamente pelo gasto. E não afirmando que a variação patrimonial negativa não se verificou, a Autoridade Tributária não põe em causa a efetividade do gasto. Aliás, ao tributar a despesa (correspondente ao gasto) através de tributações autónomas, a título de despesa confidencial, como também faz no ato impugnado, a Requerida admite que a despesa (a variação patrimonial negativa) existiu.
Aponta em seguida o RIT uma série de características dos documentos de suporte que reputa de “fragilidades”: o descritivo é sempre o mesmo, variando apenas o mês, as faturas estão numeradas de 1 a 12, sendo sempre emitidas no dia 17, e a indicação do número de encomenda é também sempre o mesmo.
Ora, todos estes aspetos são explicados pela Requerente de forma plausível: trata-se de um contrato de avença, pelo que existe apenas uma “encomenda”; o descritivo é sempre o mesmo pois todos os meses é prestado o mesmo serviço em execução do contrato, não existindo razão para mudar o descritivo.
Quanto ao facto de as faturas serem emitidas sempre no dia 17, não se afigura uma irregularidade já que, sendo o contrato de execução continuada, a data da fatura é apenas uma formalidade. Quanto ao facto de a sociedade emitente não ter emitido mais nenhuma fatura ao longo de todo o ano, é também plausível, pois a sociedade pode simplesmente não passar faturas do que recebe, e emiti-las apenas à Requerente por exigência desta, não podendo ser exigido à Requerente que justifique a numeração que o seu fornecedor faz das faturas que emite. Pelo que não se afiguram também estas características das faturas suscetíveis de levar à desconsideração do gasto.
Ainda assim, admitindo que a Autoridade Tributária demonstrou que a escrita da Requerente revela erros ou inexatidões que impedem o conhecimento da matéria tributável real da Requerente, cabia a esta provar a dedutibilidade do gasto, com base na verificação dos seus três requisitos: efetividade, justificação e documentação suficiente.
Ora, no que diz respeito à efetividade do gasto, já se viu que a Autoridade Tributária a põe em dúvida, mas sem fundamentar tal juízo de forma suficiente, dizendo apenas que não se percebe o fluxo financeiro associado ao gasto”. Mas, aliás, tal efetividade resulta suficientemente demonstrada através de vários factos provados: a existência do contrato de prestação de serviços que prevê o pagamento de uma remuneração mensal correspondente exatamente à que é registada como gasto; a existência das correspondentes faturas; e ainda a existência de correspondência comercial entre a Requerente e o fornecedor em causa que atesta a efetiva a prestação dos serviços.
Quanto à documentação do gasto, já se viu ser a mesma existente e suficiente.
Quanto à justificação do gasto, prova-se pelo contrato exibido pela Requerente que esta contratou a sociedade E..., S.A. para “procurar fornecedores de couro fresco, salgado ou transformado em Wet Blue de que a Requerente necessite, dentro dos seus padrões de qualidade em todo o território da Bolívia e Peru, em particular couro altiplano situado nas zonas de grande altitude”.
Logo, pode concluir-se que o gasto está relacionado com a atividade da Requerente e plenamente justificado, uma vez que a atividade da Requerente consiste na importação de couros e sua revenda, o que implica a necessidade de procurar fornecedores para essa mercadoria e desenvolver negociações com vista à conclusão de contratos.
Argui ainda a Requerida que “acresce a inexistência de qualquer prova apresentada pela Requerente de que os serviços em causa foram efetivamente prestados, pois competindo à E... avaliar a qualidade dos couros e o contacto com novos fornecedores, deveria a Requerente ter provas de que esse trabalho se realizou, pois, sem essa prova não justifica a remessa de dinheiro para esse prestador de serviços.”
Contudo, examinada a prova documental carreada pela Requerente, já em sede de reclamação graciosa, verifica-se que a Requerente junta efetivamente várias comunicações eletrónicas trocadas entre o seu gerente e a sociedade E..., através de um seu agente de nome V..., sendo tais comunicações de conteúdo comercial, e estando esse conteúdo de acordo com o conteúdo do contrato de prestação de serviços. Existe, por conseguinte, correspondência comercial, que atesta, ao contrário do que alega a Requerida, que os serviços foram efetivamente prestados.
O pagamento das faturas em numerário é, efetivamente, ilegal, à luz do art. 63º-C, nº 3 LGT (em vigor à data dos factos). Contudo, como bem observa a Requerente, a inobservância da obrigação imposta naquela disposição legal não se encontra entre as causas que legitimam a desconsideração dos gastos, enumeradas no art. 23º-A do IRC.
Em conclusão, a correção ao lucro em causa, através da desconsideração do gasto, assenta em erro de direito e de facto, sendo por esse motivo ilegal.
2.2. Tributações autónomas
Considerando não se encontrarem tais despesas documentadas, a Autoridade Tributária, com base no art. 88º, nº 1 CIRC, fez incidir tributação autónoma sobre as seguintes despesas:
- Despesa com obras de Construção Civil no montante de 25,000,00 EUR.
- Despesa no montante de 114.052,18 EUR, registada pela Requerente como custo da aquisição do direito de acesso ao Matadouro D...;
- Despesa no montante de 106.680,00 EUR contabilizada como preço pago à sociedade E..., S.A.
Vejamos em primeiro lugar o enquadramento legal da tributação autónoma de despesas não documentadas no âmbito do IRC.
As despesas não documentadas previstas no art. 88º, nº 1 CIRC são, antes de mais, “despesas.” A existência de uma despesa implica uma saída efetiva de meios de pagamento a favor de terceiros ou, pelo menos, a assunção de uma dívida para com terceiros.
Com efeito, é com esse sentido, de saída efetiva de meios de pagamento (ou de assunção de responsabilidades financeiras) que o Código do IRC emprega o termo “despesa”, por oposição a “gasto”, em múltiplos locais, como, a título de exemplo, nos arts. 23º-A, nº 1 d), 31º, nº 2 a), 32º, nº 2 ou 43º, nº 2.
Sendo conceitos próximos, “gasto” e “despesa”, na terminologia do CIRC, não se confundem, pois enquanto o “gasto”, no código do IRC, é o consumo de um bem ou serviço no processo produtivo, “despesa” é a designação que se utiliza para o facto financeiro em si mesmo, e que consiste num pagamento ou numa assunção de uma dívida (Rogério Fernandes Ferreira, Conceitos de custos e proveitos do exercício – confronto com outras noções, Revista TOC nº 83, Fev. 2007, p. 37, considerava que a despesa era o desembolso, ou a assunção de uma responsabilidade financeira, enquanto o “custo” [hoje “gasto”] se verificava num momento posterior e consistia na incorporação da utilidade económica adquirida no processo produtivo).
O entendimento de “despesa” como saída efetiva de meios de pagamento ou assunção de uma responsabilidade financeira decorre também do ratio da própria tributação autónoma estabelecida no art. 88º. Com efeito, a despesa, por consistir num efluxo de meios financeiros (ou a assunção de uma dívida) a favor de um terceiro, gera para este um rendimento que deveria ser sujeito a tributação na esfera deste, não sendo possível tal tributação na esfera do terceiro beneficiário exatamente por não se conhecer a sua identidade.
Tal é a doutrina que emana, entre muitos outros arestos, do acórdão do STA de 27-09-2017 (proc. nº 0146/16), em cujo sumário é sintetizada do seguinte modo: “I - As tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma II - Estando em causa tributações autónomas respeitantes a “encargos com viaturas”, “despesas de representação” e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalho”, i.e., respeitantes a despesas dedutíveis, a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.”
Em segundo lugar, voltando ao conceito de “despesas não documentadas”, e como resulta do próprio termo, as despesas em causa são indocumentadas, importando também tentar precisar o que deve entender-se por despesa indocumentada.
Atendendo à mesma ratio acima descrita, a falta de documentação relevante é a que impede o conhecimento da natureza, origem e finalidade das despesas, conforme tem sido afirmado pelos tribunais superiores (STA, 5/7/2000, proc. nº 24.632; TCA-Sul, 27-04-2017, proc. nº 1514/13.8BELRA; TCA-Norte, 20-01-2005, proc. nº 305/04), ao que devemos acrescentar a identidade dos beneficiários.
Ou seja, para que a despesa não possa ser considerada indocumentada para efeitos do art. 88º, nº1, o que importa é que a documentação existente dê a conhecer a razão (natureza, origem, finalidade) da despesa, para que se possa avaliar a sua justificação, e o respetivos beneficiários, para que estes possam ser tributados.
Desta forma, não é a existência de um qualquer documento relativo à despesa, como por exemplo um extrato bancário, que mostre o fluxo financeiro associado à despesa, que impede que a mesma se considere não documentada, pois esse documento nada diz sobre a razão da despesa e pode nada dizer sobre os respetivos beneficiários.
Mas a documentação necessária não tem por que obedecer aos requisitos dos nºs 3 e 4 do art. 23º, não sendo obrigatório que contenha os elementos aí previstos, e isto porque, para efeitos da aplicação das tributações autónoma previstas no art. 88º, não há que apurar qualquer relação entre a despesa e o fim lucrativo. Por outras palavras não é relevante saber se a despesa se traduz num verdadeiro gasto.
Apliquemos estes conceitos e esta doutrina aos factos que a Autoridade Tributária, no caso dos autos, considerou como despesas não documentadas.
2.2.1. Despesa com obras de Construção Civil no valor de 25,000,00 EUR.
No RIT, a páginas 12, lê-se:
“No ano de 2015, foi detetado o seguinte gasto:
Conta Descrição Data Diário Nº Doc Descrição Gasto
62262 Reg isenção ou PR 31-12-2015 BN 120074 Reparação ... 25.000,00
No decurso da inspeção, não foi detetado o documento que suporta este movimento, pelo que o sujeito passivo foi notificado pessoalmente, na pessoa do seu gerente, no dia 2018-02-15 (...) para exibir esse documento.
No dia 2018-03-06, o sujeito passivo limitou-se a apresentar o verbete de lançamento contabilístico. Até à presente data ainda não apresentou esse documento, o que equivale a dizer que se está na presença de gastos não documentados, pelo que nos termos da al. b) do nº 1 do art. 23º-A do CIRC o mesmo não é aceite como gasto.”
Quanto a este gasto e à sua desconsideração, a Requerente alega, por sua vez, na reclamação graciosa:
“No exercício de 2015 a Reclamante foi instada pela G... a realizar obras de adaptação do prédio de que é legítima possuidora.
Para o efeito solicitou um orçamento tendo-lhe sido apresentada uma fatura pro forma indicativa do custo da intervenção de 25.000,00 EUR.
Por lapso tura pro-forma foi registada na contabilidade, o que confere legitimidade à correção proposta.
Contudo o valor da referida fatura pro-forma não saíu de nenhuma das contas bancárias utilizadas pela ora reclamante como aliás foi confirmado pela AT.
Assim, o registo daquele documento configura um erro a corrigir para efeitos de IRC, como de facto já foi.
Contudo, e porque daquele erro não resultou qualquer ex-fluxo de capitais da empresa, não pode do mesmo resultar a aplicação do art. 88º do CIRC”.
Ora, em face do enquadramento legal e conceptual que antes deixámos exposto acerca da tributação autónoma de despesas não documentadas, uma despesa que seja contabilizada por lapso mas que não exista realmente, pois não se verificou nem a saída de meios de pagamento nem a assunção de uma responsabilidade financeira, não pode ser considerada uma despesa não documentada sujeita a tributação autónoma.
Contudo, já em sede de decisão sobre a reclamação graciosa, a Autoridade Tributária havia argumentado contra a tese da Requerente nos seguintes termos:
“Ao contrário do que é afirmado, foi evidenciado pelos SIT, através dos documentos contabilísticos, a despesa efetuada, nomeadamente através do verbete exibido pela reclamante. A junção de extratos bancários mencionados não comprova que a despesa não foi realizada, até porque a própria reclamante admite que efetua pagamentos em dinheiro. Para além disso, releva também o facto de se proceder no final do ano a registos contabilísticos por montantes globais correspondentes a acertos de contas de tesouraria, ou seja, a despesa poderia ter sido efetuada em outras datas que não as dos extratos apresentados.”
Desde logo, a exibição de extratos bancários, dos quais não consta a despesa, nada prova, efetivamente, quando é prática usual da sociedade efetuar levantamentos de cheques ao balcão para pagamentos em numerário.
Por outro lado, se no final do ano a Requerente procede a lançamentos globais para acerto de contas de tesouraria, tal mostra que existem ao longo do ano movimentos de tesouraria que não são contabilizados especificamente.
Finalmente, ao contabilizar o gasto, a Requerente declarou que efetuou a correspondente despesa, presumindo-se que tal declaração é verdadeira. Neste caso, a presunção de veracidade da escrita aproveita à Autoridade Tributária, que não tem de provar que a despesa foi efetuada, bastando-lhe invocar a contabilidade da Requerente, transferindo-se para esta o ónus de demonstrar que, em contrário da sua própria declaração, não a realizou a despesa.
Ora, não só a forma como a Requerente contabiliza os movimentos de tesouraria não lhe permitem provar que não realizou a despesa, como a Requerente não exibe a fatura pro-forma que diz ter sustentado, por lapso, o movimento, com o que deixa por provar o principal facto em que alicerça a sua alegação.
Sendo assim, há que concluir que, competindo à Requerente, no caso, provar a inveracidade da sua escrita, não logrou fazê-lo.
Pelo que o ato tributário impugnado não enferma, nesta parte, dos alegados vícios de erro sobre os pressupostos de erro de direito ou de facto.
O ato também não enferma, nesta parte de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois a fundamentação quer de facto quer de direito, existe, como se deixou patente, e é clara, deixando perceber o itinerário cognitivo que levou à prática do ato.
2.2.2. Despesa com a aquisição do direito de acesso ao Matadouro D...
A Autoridade Tributária entendeu fazer incidir a tributação autónoma prevista no art. 88°, n.º 1 do CIRC sobre a despesa contabilizada pela Requerente com a aquisição do direito de acesso ao Matadouro D..., no valor de 114.052,18 EUR, considerando-a uma despesa não documentada.
Na fundamentação desta decisão, o órgão inspetivo remete para o exposto no ponto 3.3.11 do RIT, em que justifica a desconsideração da mesma despesa como gasto, fundamentação esta que já foi analisada em ponto 2.1.5 da Fundamentação da presente decisão arbitral.
Tal como aí foi dito, o gasto em causa encontra-se documentado, através de uma fatura emitida pela sociedade boliviana C... S.A., datada de dezembro de 2016, com o descritivo de “1 quantidade de ‘serviço Dez ano 2016: Curtiembre...; Curtiembre ..., Cueros..., Curtiembre ... e Curtiembre ...”.
No entanto, quando o órgão de inspeção tributária, em face, por um lado, do elevado valor do gasto e, por outro, do facto de o mesmo ter sido registado por contrapartida de um movimento de caixa, pediu esclarecimentos à Requerente, esta declarou que o gasto em causa se refere ao preço por si pago pela aquisição do direito de acesso ao Matadouro D..., pago através de numerário, por sua vez levantado através de sucessivos descontos de cheques efetuados entre 29-07-2015 e 24-12-2016.
Desta forma, a Requerente declarou que nada do que consta do documento de suporte do gasto, à exceção do valor, é verdadeiro: o gasto não se refere a um serviço adquirido à sociedade C... S.A, mas a um serviço adquirido ao Matadouro D...; a substância do gasto não consiste em “1 quantidade de ‘serviço Dez ano 2016: Curtiembre ...; Curtiembre..., Cueros..., Curtiembre ... e Curtiembre ...”, mas sim na aquisição do direito de acesso ao Matadouro D...; e finalmente, o gasto não foi realizado em dezembro de 2016, mas em julho de 2015.
O gasto, que a Requerente alega existir em substância, não se encontra documentado, pois não tem correspondência com o documento existente, e por essa razão considerámos que o mesmo não era de aceitar.
Contudo, em sede de tributações autónomas sobre despesas não documentadas, não interessa já saber se o “gasto” - enquanto incorporação dobem ou serviço adquirido no processo produtivo - existe e é dedutível (pois essa questão já foi resolvida em sede de correção do lucro), mas se a “despesa” está documentada, de modo a que se possa conhecer a sua natureza, finalidade e, sobretudo, os seus destinatários.
Importa lembrar que, como se diz no acórdão do STA de 17-04-2013, proc. nº 166/13, “a tributação autónoma relativa a despesas não documentada, embora inserida no CIRC, respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (...). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal (...). Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento.”
O facto tributário, no caso da tributação autónoma sobre despesas não documentadas, é a despesa que não esteja documentada, sendo indiferente se ela tem ou não relação com a obtenção do lucro. Quanto à documentação da despesa, para efeitos do art. 88º, não têm qualquer relevância as regras estabelecidas nos nºs 3 e 4 do art. 23º CIRC, não existindo um conjunto de elementos mínimos que o documento deva obrigatoriamente conter.
A jurisprudência é unânime em considerar que a simples insuficiência da documentação da despesa não permite a conclusão de que estamos em presença de despesas sem suporte documental, e como tal sujeitos a tributação autónoma (ver, entre muitos outros, os acórdãos TCA-Sul, 04-06-2020, proc. nº 847/07.7BESNT; TCA-Norte, 12-01-2006, proc. nº 373/00-Coimbra).
Recentemente, o TCA-Sul enunciou esta doutrina da seguinte forma (TCA-S 08-05-2019, proc. nº 1119/16.1BELRA):“ 1) «Despesas não documentadas» são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique. 2) «Despesas invidamente documentadas» são aquelas que têm suporte documental, mas o mesmo, só por si, não permite identificar, em termos quantitativos e qualitativos quais os bens ou serviços que determinaram certo pagamento a determinada entidade. 3) As despesas não documentadas ou despesas confidenciais são sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. Por seu turno, as despesas não devidamente documentadas apenas são consideradas custos não dedutíveis – artigo 23.º-A/1/c), do CIRC. 4) O objectivo da tributação autónoma das despesas confidenciais parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto.”
Ora, no caso em apreço, a despesa encontra-se documentada através de uma fatura emitida pela sociedade C..., datada de dezembro de 2016, sabendo-se quem são os beneficiários da mesma.
Todos estes aspetos conduzem à conclusão de que, pelo menos, existem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário, pelo que o ato deve ser anulado, ao abrigo do art. 100º do CPPT, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
2.2.3. Despesa no montante de 106.680,00 EUR contabilizado como preço pago à sociedade E..., S.A
A Autoridade Tributária entendeu fazer incidir a tributação autónoma prevista no art. 88°, n.º 1 do CIRC sobre a despesa contabilizada pela Requerente como preço pago à sociedade E..., S.A por prestação de serviços, considerando-a por como despesa não documentada.
Também neste caso o RIT remete para a argumentação usada para justificar a desconsideração do respetivo gasto, pelo que também remetemos para a fundamentação que expusemos nessa sede.
O gasto em causa encontra-se documentado através de doze faturas. A Requerida não logrou demonstrar que as faturas contenham qualquer irregularidade. Finalmente, as faturas estão de acordo com o contrato de prestação de serviços também ele documentado, firmado entre a Requerente e a entidade emitente, pelo que não pode concluir-se estar-se perante uma despesa não documentada.
Pelo que, nesta parte, deve o ato ser anulado com base em erro sobre os pressupostos de direito e de facto.
2.3. Vícios de falta de fundamentação, inversão do ónus da prova, erro sobre os pressupostos de facto e de direito e inexistência do facto tributário
Depois de ter impugnado, especificamente e cada uma por si, as correções efetuadas ao lucro e as tributações autónomas aplicadas, a Requerente, a partir do ponto G da sua p.i., autonomiza uma série de vícios:
“G. 1. Preterição de formalidades essenciais – vício de fundamentação formal e substantiva
G.2. Preterição de formalidades essenciais – inversão do ónus da prova
G.3. Ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito
H. Inexistência do facto tributário”
Quanto aos vícios de falta de fundamentação formal e substantiva, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto ou de direito e de inexistência do facto tributário, afigura-se mais adequado que os mesmos sejam apreciados em relação a cada parte dos atos tributários que é impugnada.
Assim considerando, procedeu-se à devida apreciação no local próprio.
No que diz respeito à falta de fundamentação formal e substancial, a primeira traduz-se na enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo, enquanto a segunda existe quando se verifica correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (STA, 14-03-2018, proc. nº 0512/17).
No caso dos autos, considera-se que em nenhuma das partes impugnadas dos atos tributários foi preterido o dever de fundamentação formal, pois não há nenhuma correção ao lucro tributável ou tributação autónoma que não esteja fundamentada, como também se deixou patente ao longo da presente discussão da matéria de direito.
Quando à falta de fundamentação substancial, ela confunde-se, na prática, não sempre mas frequentemente, com a procedência dos argumentos invocados na fundamentação do ato, à luz da sua concordância com a lei e com os factos, pelo que a sua apreciação se funde, também frequentemente, com a apreciação dos pressuposto de facto e de direito em que assenta o ato.
Desta forma, considera-se que a apreciação da questão da falta de fundamentação substancial foi apreciada, ao longo da decisão, para cada parte impugnada dos atos tributários, a propósito da verificação dos pressupostos de direito e de facto respetivos.
Quanto à ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito, considera-se a questão apreciada em relação a cada parte impugnada dos atos tributários.
Quanto à inexistência do facto tributário:
No caso das correções ao lucro, entende-se que não se pode falar verdadeiramente em existência ou inexistência do facto tributário. O facto tributário é o lucro, ao qual a Autoridade Tributária efetuou correções por desconsideração de gastos.
Sendo a Requerente que alega a existência dos gastos, é a Requerente quem tem de os provar. Em princípio, a Requerente prova a existência dos gastos, simplesmente, através da sua inclusão na contabilidade, que goza de uma presunção de veracidade, nos termos do n.º 1 do artº 75.º da LGT.
Contudo, e nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, esta presunção cessa quando, entre outras situações, “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Quando tal aconteça, é o sujeito passivo quem tem de provar os factos que invoca.
Assim, em relação às correções ao lucro tributável, não cabe discutir se o facto tributário se verifica, mas apenas, num primeiro momento, se a administração fiscal demonstra a existência de omissões, erros, ou inexatidões que impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, e num segundo momento se a Requerente consegue provar, apesar de tais omissões, erros ou inexatidões, que o gasto efetivamente ocorreu. Questão que foi apreciada em relação a cada correção.
Quanto às tributações autónomas, cada uma delas pressupõe um facto tributário também autónomo. A existência desse facto tributário foi apreciada em relação a cada uma das tributações autónomas.
Quanto à alegada “ilegal inversão do ónus da prova”, cremos que se trata de uma errada colocação da questão já que, através da sua atuação, a administração tributária não pratica, legal ou ilegalmente, a inversão do ónus da prova. A distribuição do ónus da prova encontra-se estabelecida por lei, nomeadamente pelos arts. 74º e 75º LGT, e não é suscetível de ser alterada por ato administrativo.
A Requerente deve, sim, alegar e procurar demonstrar que a Autoridade Tributária não provou os factos que lhe cabia provar, o que a Requerente fez em relação a cada parte impugnada dos atos tributários e o que foi também apreciado no respetivo local.
2.4. Juros indemnizatórios
Tendo procedido ao pagamento do IRC liquidado, a Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência parcial do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente, em excesso, pela Requerente, relativamente às partes anuladas dos atos tributários.
Nos casos das partes anuladas dos atos impugnados, é manifesto que a ilegalidade é imputável à AT, que, por sua iniciativa, praticou as correções e aplicou as tributações autónomas anuladas sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem indevidamente efetuados, e calculados com base no respectivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT), à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil.
V. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar:
a) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2014, na parte referente à desconsideração do gasto com a aquisição de serviços a B..., no montante de 16 175,39 EUR.
b) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2014, na parte referente à desconsideração do gasto com amortização de imóvel, no valor de 14.000,00 EUR.
c) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2014, na parte referente à desconsideração do gasto com amortização de obras em imóvel, no valor de 3.306,00 EUR.
d) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2014, na parte referente à desconsideração do gasto com aquisição de objetos para ofertas, no montante de 4.450,00 EUR.
e) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2015, na parte referente à desconsideração do gasto com amortização de imóvel, no valor de 14.000,00 EUR.
f) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2015, na parte referente à desconsideração do gasto com amortização de obras em imóvel, no valor de no valor de 3.306,00 EUR.
g) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2016, na parte referente à desconsideração do gasto com amortização de imóvel, no valor de 14 000,00 EUR.
h) Procedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2016, na parte referente à desconsideração do gasto com aquisição de objetos para ofertas, no montante de 5.900,00 EUR.
i) Improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2016, na parte referente à desconsideração do gasto com aquisição do direito de acesso ao Matadouro D..., no montante de 114.052,18 EUR.
j) Procedente o pedido de anulação do ato de liquidação nº 2018..., relativa aos lucros do ano de 2016, na parte referente à desconsideração do gasto com aquisição de serviços à sociedade E..., S.A, no montante de 106.680,00 EUR.
k) Improcedente o pedido de anulação da liquidação de tributação autónoma, efetuada ao abrigo do art. 88°, n.º 1 do CIRC, no montante de 12.500,00 EUR, referente ao exercício de 2015, sobre a despesa contabilizada pela Requerente com a realização de obras em imóvel, no montante de 25.000,00 EUR.
l) Procedente o pedido de anulação da liquidação de tributação autónoma, efetuada ao abrigo do art. 88°, n.º 1 do CIRC, no montante de 110.366,09 EUR, referente ao exercício de 2016, sobre as despesas contabilizadas pela Requerente com a aquisição do direito de acesso ao Matadouro D... no montante de 114.052,18 EUR e com a aquisição de serviços à sociedade E... S.A., no montante de 106.680,00 EUR.
m) Procedente o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto indevidamente pagos relativo aos atos de liquidação impugnados na parte em que são anulados.
Decide-se ainda:
n) Condenar a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento;
o) Condenar a Requerida e a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 228.773,17 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284.00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar:
a) Pela Requerida, em 2506,14 euros;
b) Pela Requerente, em 1777,86 euros.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2020
O Árbitro Presidente
(Fernanda Maçãs)
O Árbitro Vogal
(Jónatas Machado)
O Árbitro Vogal
(Nina Aguiar)