Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 192/2020-T
Data da decisão: 2023-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 864.859,04
Tema: IRC - Grupo de sociedades. Declaração periódica individual. Correcção do prejuízo fiscal.
Pedido de reforma de decisão arbitral (anexa à decisão) por lapso manifesto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

 

 

1. A..., S.A., já identificada nos autos, vem requerer a reforma da decisão arbitral de 26 de janeiro de 2021, nos termos do disposto nos artigos 614.º, n.º 1, e 616.º, n.º 2, alínea a), do CPC, por manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos.

 

Alega, em síntese, que a Requerente nunca foi notificada de qualquer liquidação referente às correções efetuadas pela Autoridade Tributária no âmbito dos procedimentos inspetivos desencadeados relativamente ao exercício de 2007 e de que resultou uma redução do prejuízo fiscal do Grupo para € 17.962.277,29, e, por esse motivo, se manteve válida, no ordenamento jurídico, a liquidação originária de IRC do Grupo, nesse exercício, que apurou um prejuízo fiscal de € 18.827.136,33.

 

Vindo a concluir que a decisão arbitral, ao considerar irrelevante a falta de notificação da liquidação na esfera individual da Requerente, na medida em que não afeta a matéria coletável do Grupo, incorpora um erro flagrante na interpretação dos preceitos legais.

 

Notificada para se pronunciar quanto ao pedido de reforma da decisão arbitral, a Autoridade Tributária veio dizer que não ocorreu qualquer erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos, e a Requerente se limitou, no pedido de reforma, a repetir os argumentos já invocados no pedido de pronúncia arbitral, mais não fazendo do que discordar do decidido.

 

Cabe apreciar e decidir

 

 

 

2. No processo arbitral discutia-se se a falta de notificação à Requerente, enquanto sociedade integrante do Grupo de sociedades, do ato de liquidação da correção tributária que resultou da ação inspetiva que incidiu sobre a sua esfera individual, relativamente ao período de tributação de 2007, pode gerar a ineficácia da correção realizada e, consequentemente, determinar que se mantenha como válida, na ordem jurídica, a autoliquidação efetuada na declaração individual de rendimentos.

 

O tribunal arbitral julgou improcedente o pedido arbitral, fundamentando a sua decisão, na parte que mais releva, nos seguintes termos.

 

 Ora, como se deixou entrever, o regime especial de tributação visa assegurar que o grupo de sociedades seja tributado pelo resultado global, que é calculado pela sociedade dominante através dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades integrantes. Fixando-se o imposto a pagar através da agregação dos resultados individuais.

Sendo assim, não tem relevo para o caso que não tenha havido - como se alega -, a notificação do ato de liquidação resultante da correção ao prejuízo fiscal efetuada no âmbito do procedimento inspetivo que incidiu sobre a Requerente, enquanto sociedade individual. O que interessa considerar é que o prejuízo fiscal corrigido, sendo imputável à situação fiscal da Requerente como membro do grupo societário, terá de ser tomado em conta para a determinação do lucro tributável do grupo.

E, por outro lado, o resultado fiscal do grupo foi apurado no âmbito de um procedimento inspetivo em que foram analisadas as declarações individuais das sociedades pertencentes ao Grupo relativamente aos diversos períodos de tributação em causa, e que foi validamente notificado.

Como é claro, a alegada falta de notificação do ato de liquidação subsequente à correção ao prejuízo fiscal apurado na declaração individual da Requerente, não afeta a determinação da matéria coletável do grupo de sociedades, quando o resultado fiscal resulta da análise ponderada das declarações individuais no âmbito de um procedimento inspetivo autónomo. Não sendo ao caso aplicáveis as disposições dos artigos 36.º, n.º 1, do CPPT e 77.º, n.º 6, da LGT.

Tendo sido deduzida impugnação da decisão arbitral com fundamento em violação do princípio do contraditório, o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA Sul), pelo acórdão de 8 de julho de 2021, reproduzindo a fundamentação constante da decisão arbitral e acima transcrita, julgou improcedente a impugnação, considerando que o tribunal arbitral «se limitou a apreciar a questão que lhe foi dirigida centrada na apreciação da violação dos artigos 36.º, n.º1, do CPPT e 77.º, n.º 6 da LGT» e «conheceu da questão tal como a recorrente a colocou».

 

No presente pedido de reforma da decisão arbitral, a Requerente vem retomar a argumentação já aduzida no pedido arbitral, insistindo em considerar que nunca foi notificada de qualquer liquidação referente às correções efetuadas pela Autoridade Tributária, e, por conseguinte, manteve-se válida na ordem jurídica a liquidação originária de IRC do Grupo, nesse exercício, que apurou um prejuízo fiscal de € 18.827.136,33.

 

E, sendo assim, a Requerente limita-se a discordar do sentido decisório adotado pelo tribunal arbitral, que considerou irrelevante a ausência de notificação da liquidação na esfera individual da Requerente por entender que o incumprimento da formalidade não afeta a matéria coletável do Grupo.

 

Sendo ao tribunal arbitral que cabe definir o direito e tendo decidido com base na interpretação jurídica que considerou aplicável ao caso concreto, a divergência da Requerente quanto à solução jurídica adotada não significa que o tribunal tenha incorrido em erro de qualificação jurídica, mas apenas que a parte não se conforma com o julgado.

 

Sucede que o mérito da decisão arbitral apenas poderia ser sindicado através de recurso para o STA, caso se verificasse oposição quanto à mesma questão de direito com outra decisão arbitral ou acórdão do TCA ou do STA (artigo 25.º, n.º 2, do RJAT), e tendo sido interposto, pela Requerente, recurso de uniformização de jurisprudência para o STA, este Tribunal, por acórdão de 26 de janeiro de 2022, não tomou conhecimento do recurso por se não se verificarem os respetivos requisitos de admissão.

 

Ora, não tendo sido admitido o recurso que permitiria a reapreciação em sede jurisdicional da decisão de fundo proferida pelo tribunal arbitral, não é o pedido de reforma de decisão com base em lapso material ou lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos – que não tem aplicação ao caso – que pode permitir a alteração do julgado.

 

Termos em que se decide indeferir o pedido de reforma da decisão arbitral.

 

Notifique.

 

Lisboa, 25 de setembro de 2023

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

                                          

                                               Cristiana Leitão Campos

 

O Árbitro vogal

 

                                                              

Luís Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 192/2020-T

Tema: IRC - Grupo de sociedades. Declaração periódica individual. Correcção do prejuízo fiscal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sumário:

I - O regime especial de tributação caracteriza-se pela possibilidade de um grupo de sociedades ser tributado pelo resultado fiscal do grupo, que, relativamente a cada um dos períodos abrangidos, é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo;

II – A falta de notificação do acto de liquidação subsequente à correcção ao prejuízo fiscal apurado na declaração individual de uma das sociedades do grupo não impede que o valor corrigido seja considerado para determinar o resultado fiscal global.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., n.º..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2016..., referente ao período de 1 de Outubro de 2012 a 30 de Setembro de 2013, no montante de € 864.859,04, mantido na sequência do despacho de indeferimento do recurso hierárquico da Subdirectora-Geral da Direcção de Serviços do IRC, de 18 de Dezembro de 2019, requerendo ainda a condenação da Autoridade tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é sociedade dominante de um Grupo de Sociedades ao qual era aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS).

 

A Autoridade Tributária desencadeou uma acção inspectiva interna referente ao período de 2012 em vista à análise da declaração periódica de rendimentos do Grupo de Sociedades, que determinou a correcção ao prejuízo fiscal do grupo entre 1 de Outubro de 2012 a 30 de Setembro de 2013, e em que foram analisados os prejuízos fiscais do Grupo desde o início da sua tributação, em 2006.

 

Em particular, no que se refere ao exercício de 2007, a Autoridade Tributária sustentou, no âmbito da acção inspectiva, que o valor do prejuízo fiscal do Grupo ascendia ao montante de € 17.962.277,29, resultante de um prejuízo fiscal na esfera individual da Requerente e da B... Lda., nos valores parcelares de € 18.346.752,41 e € 10.709,57, e de um lucro tributável, na esfera individual da C... S.A., no valor de € 395.184,69.

 

No entanto, o valor do prejuízo fiscal do Grupo, tal como assumido pela Autoridade Tributária, não corresponde ao valor inscrito na declaração de rendimentos entregue pela Requerente, em que se reportou um prejuízo fiscal individual no montante de € 19.211.611,45.

 

E nesse sentido, o prejuízo fiscal suportado pela Requerente, e registado no exercício de 2007, corresponde a € 19.211.611,45, e não a € 18.346.752,41, e o prejuízo fiscal consolidado do Grupo, nesse mesmo exercício, corresponde a € 18.827.136,33 e não a € 17.962.277,29, pelo que é ilegal a correcção efectuada aos prejuízos fiscais dedutíveis no período entre 1 de Outubro de 2012 e 30 de Setembro de 2013, no valor de € 864.859,04, correspondente à diferença entre os apontados montantes de € 19.211.611,45 e € 18.346.752,41.

 

No entanto, embora tenha sido notificada, em 16 de Agosto de 2010, do Relatório de Inspecção, que reduzia o prejuízo fiscal do Grupo para € 17.962.277,29, em virtude da alteração do prejuízo fiscal da Recorrente de € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41, o certo é que nunca a Requerente foi notificada de uma qualquer liquidação correctiva com referência ao exercício de 2007, mantendo-se válida na ordem jurídica a liquidação originária de IRC, resultante da autoliquidação efectuada pela Requerente, visto que as correcções resultantes dos relatórios inspectivos carecem de eficácia.

 

E ainda que a Autoridade Tributária invoque que foram enviadas cartas registadas sob os registos RY...PT e RY..., com data de 10 de Setembro de 2010, para notificação dos actos de liquidação em causa e que se encontram referenciadas  no sistema informático da Autoridade Tributária na situação de “recebido”, com data de 13 de Setembro seguinte, esses são meros documentos internos correspondentes a prints extraídos do sistema informático de gestão de comunicações que não são aptos a provar o envio e o recebimento de notificações por parte dos contribuintes, sendo que na base de dados dos CTT inexiste qualquer referência aos mencionados registos.

 

Por outro lado, na sequência do Relatório de Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada, em 18 de Março de 2016, da liquidação n.º 2016... e da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., da qual resultava um montante de imposto a pagar no valor de € 3.304.564.87, e, em 12 de Abril de 2016, foi notificada do reacerto da liquidação n.º 2016 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., e só  em 19 de Maio de 2016 é que foi notificada de um novo reacerto a liquidação n.º 2016..., bem como do correspondente acerto de contas n.º 2016..., que constituem os actos tributários ora impugnados.

 

No termos dos artigos 36.º do CPPT e 77.º, n.º 6, da LGT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos quando lhe sejam validamente notificados, pelo que, as correcções promovidas pela Autoridade Tributária, com referência ao exercício de 2007, são ineficazes na medida em que a Requerente não foi notificada de qualquer liquidação correctiva de IRC.

 

Sendo que cabe à Autoridade Tributária, à luz do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova da efectivação da notificação da liquidação, sendo irrelevantes, para esse efeito, os documentos internos que foram apresentados.

 

Não se demonstrando que houve uma notificação validamente efectuada dos actos de liquidação e compensação resultantes das correcções propostas pelo Relatório de Inspecção Tributária, deve entender-se que o prejuízo fiscal do Grupo, no exercício de 2007, corresponde a € 18.827.136,33, e não a € 17.962.277,29, como resulta da declaração originária apresentada pela Requerente, pelo que deve ser aquele o valor considerado para efeitos de reporte em exercícios posteriores.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a incompetência do tribunal arbitral para condenar a Requerida a proceder à reforma da liquidação, com a consequente devolução do imposto pago em excesso, porquanto a pretensão jurídica formulada reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um acto devido, que não poderão ser obtidos por via arbitral, na medida em que não pode o tribunal arbitral substituir-se à Administração no exercício das suas competências próprias.

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária considera que houve lugar à notificação, após a ação de inspeção, da liquidação nº 2016..., bem como da demonstração de reacerto de contas 2016... da qual resultava imposto a pagar de € 3.304.564,87, incluindo juros compensatórios e de mora. Posteriormente, a Requerente foi notificada da liquidação oficiosa e acerto de contas nº 2016... .

 

A Requerente apresentou reclamação graciosa, na qual contesta a referida liquidação adicional de IRC, bem como a demonstração de reacerto financeiro e de acerto de contas n.º..., de onde resultou a correção aos prejuízos fiscais do Grupo apurados no exercício de 2007, no montante de € 864.859,04, e deduzidos no período de 1 de Outubro de 2012 a 30 de Setembro de 2013, e contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentou recurso hierárquico.

 

Como a própria Requerente admite, foi notificada, em 16 de Agosto de 2010, do Relatório de Inspecção, que reduzia o prejuízo fiscal do Grupo para € 17.962.277,29, em virtude da alteração do prejuízo fiscal da € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41, pelo que não podia desconhecer que tal correcção se consolidou na sua esfera jurídica. Pelo que, quando a Autoridade Tributária procede a novo procedimento inspectivo do qual resulta a liquidação impugnada, a Requerente não ignorava que aquele era o montante de prejuízos fiscais do grupo a considerar no exercício de 2007.

 

Por outro lado, a Requerente foi efectivamente notificada quer das correcções referentes ao exercício de 2007, quer da respectiva liquidação, sendo que esta foi remetida através do registo n.º RY ... PT e o respetivo documento de reembolso através do registo n.º RY ... PT, de 10 de setembro de 2010, que se encontravam na situação de recebidos à data de 13 de setembro seguinte.

 

Conclui no sentido da procedência da excepção dilatória e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, a Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo que no pedido de pronúncia arbitral identificou o objecto do pedido como correspondendo à declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional em IRC, que se enquadra no âmbito da competência do tribunal arbitral, e o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago é a consequência da anulação do acto tributário impugnado, que sempre seria exigível em sede de execução de julgado, alegando subsidiariamente que, mesmo que se verificasse a excepção de incompetência do tribunal para conhecer desse pedido, isso não importava a absolvição da instância, não ficando prejudicado o conhecimento do pedido principal.

 

Por despacho arbitral de 20 de Novembro de 2020, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, dado não haver quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, e relegou-se para final a apreciação da excepção dilatória.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 5 de Agosto de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Saneamento

 

4. A Autoridade Tributária suscitou a excepção dilatória da incompetência do tribunal arbitral relativamente ao pedido de reembolso do imposto no montante apurado de € 221.901,50, por considerar que esse pedido na parte em que visa a devolução do imposto indevidamente pago, ainda que possa constituir uma consequência da declaração de ilegalidade de actos de liquidação impugnados, no plano executivo, não se enquadra na competência do tribunal arbitral tal como se encontra definida no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT.

 

Na petição inicial a Requerente deixa claro que a sua pretensão tem por objecto o acto de liquidação de IRC referente ao período de 1 de outubro de 2012 a 30 de Setembro de 2013, bem como a decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra o indeferimento da reclamação graciosa. No entanto, na formulação do pedido, a impugnante requer não apenas a anulação do acto de liquidação e do despacho de indeferimento, mas também, como necessária consequência legal, o reembolso no montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Deve começar por dizer-se que embora a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreenda as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos das referidas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a Administração Tributária deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

 

Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (artigo 179.º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exactos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração ou a requerimento do particular (artigo 172.º do CPA).

 

No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de acto devido ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral. 

 

Nesse sentido aponta ainda o facto de nada obstar a que o tribunal profira condenação, se for o caso, no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito. Sendo que o pagamento de juros indemnizatórios se torna exigível sempre que a prestação tributária indevida resulte de erro imputável aos serviços verificável quer em impugnação administrativa quer em impugnação judicial.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

E, do mesmo modo, o tribunal arbitral não está impedido de incluir no dispositivo as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do acto tributário, como seja a condenação no reembolso do imposto indevidamente pago.

 

É assim improcedente a invocada excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral.

 

III - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente é sociedade dominante do grupo de sociedades A..., anteriormente designado Grupo D..., e que em 2012 integrava as sociedades A..., S.A., E..., S. A., F..., S.A., G..., S.A., C... S.A. e B..., LDA;
  2. Ao passarem a integrar o grupo H..., as várias sociedades do grupo alteraram o seu período de tributação para ter início em 1 de Outubro e fim em 30 de Setembro, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2012;
  3. O Grupo H... foi alvo de uma acção inspectiva interna, ao período de 2012, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2015..., com vista à análise da declaração periódica de rendimentos do Grupo, tomando-se em consideração os exercícios de 2006 a 2012;
  4. Em 2007, o Grupo H... integrava as sociedades A..., S.A., C... S.A. e B..., LDA;
  5. Analisando os prejuízos fiscais gerados pelo grupo e pelas sociedades que compõem o grupo individualmente consideradas, desde o início da sua tributação (2006) e após a sujeição ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, os serviços inspectivos concluíram, no projecto de Relatório de Inspecção Tributária, enviado ao contribuinte em 2 de Dezembro de 2015, que, no período de 1 de Outubro de 2012 a 30 de Setembro 2013, os prejuízos fiscais declarados eram de € 7.410.759,16 e os prejuízos  fiscais efectivamente dedutíveis eram de € 4.845.195,78, pelo que havia lugar à correcção à matéria tributável no montante de  € 2.565.563,38;
  6. No que se refere à situação individual da Requerente, no projecto de Relatório de Inspecção Tributária, relativamente ao exercício de 2007, foi considerado um prejuízo fiscal de € 18.346.752,41, em substituição do prejuízo fiscal declarado de € 19.211.611,45, o que originou uma correcção da matéria tributável no montante de € 864.859,04 (€ 19.211.611,45 - € 18.346.752,41);
  7. Em consequência da redução do prejuízo fiscal da Requerente, mencionado na antecedente alínea F), o prejuízo fiscal consolidado do Grupo, em 2007, foi fixado em € 17.962.277,29, correspondendo a um prejuízo fiscal, na esfera individual da Requerente e da B... Lda., no valor de € 18.346.752,41 e € 10.709,57, respectivamente, e a um lucro tributável, na esfera individual da C... S.A., no valor de € 395.184,69;
  8. Para efeito do apuramento dos prejuízos fiscais dedutíveis, os serviços inspectivos consideraram para cada período e sociedade a última declaração de rendimentos que tenha sido entregue pelo próprio sujeito passivo ou a declaração oficiosa da Autoridade Tributária na sequência de procedimento inspetivo;
  9. A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo, referente ao exercício de 2007, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2009..., cujo início ocorreu em 24 de Setembro de 2009, de que resultou a notificação, em 16 de Junho de 2010, do Relatório de Inspecção Tributária, no âmbito do qual se promoveu uma correcção à matéria colectável, em sede de IRC, no montante de € 864.859,04, resultante da redução do prejuízo fiscal individual declarado de € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41;
  10. As correcções efectuadas relativamente à Requerente foram repercutidas no apuramento dos prejuízos fiscais do Grupo, através da Ordem de Serviço n.º OI2010..., tendo sido a Requerente notificada, em 16 de Agosto de 2010, do Relatório de Inspecção Tributária, que corrigiu o prejuízo fiscal do Grupo para € 17.962.277,29, em virtude da redução do prejuízo fiscal da Requerente de € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41;
  11. No exercício do direito de audição relativamente ao Relatório de Inspecção Tributária titulado pela Ordem de Serviço n.º OI2015..., a que se refere a antecedente alínea C), a Requerente alegou que, no exercício de 2007, o seu prejuízo fiscal individual ascendia ao montante de € 19.211.611,45, tendo a B... Lda. registado um prejuízo fiscal de € 10.709,57 e a C... S.A. registado um lucro tributável no montante de € 395.184,69, pelo que o prejuízo fiscal global era € 18.346.752,41;
  12. Ainda no âmbito do exercício do direito de audição, a Requerente invocou não ter sido notificada de qualquer liquidação correctiva que tivesse resultado dos Relatórios de Inspecção Tributária elaborados no âmbito dos procedimentos inspectivos instaurados relativamente ao exercício de 2007, entendendo que se mantém como válida, na ordem jurídica, a autoliquidação originária de IRC, referente a esse ano, resultante da declaração de rendimentos entregue pela Requerente;
  13. O Relatório de Inspecção tributária elaborado no âmbito da acção inspectiva, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2015..., a que se refere a antecedente alínea C), na parte que mais releva, refere o seguinte:

 

III.5 – Correcções efectuadas aos prejuízos fiscais do Grupo: período de 2012/10/01 a 2013/09/30

Da análise à declaração de rendimentos do grupo, para o período de 2012/10/01 a 2013/09/30, constatou-se que foram deduzidos ao lucro tributável, através do campo 309 do quadro 09 da declaração de rendimentos, prejuizos fiscais no montante de 7.410.759,16 EUR.

Refere o n.º 1 do artigo 52º do CIRC que "Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, são deduzidos aos lucros tributáveis havendo-os, de um ou mais dos seis períodos de tributação posteriores" (redação aplicável aos prejuízos fiscais gerados até 2010).

A dedução referida no n.º 1 do artigo 52º do CIRC não é aplicável, de acordo com o disposto no n.º 8 do mesmo artigo (anterior n.º 8 do artigo 47º da mesma disposição legal) "quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o obiecto social da entidade a que respeita ou alterada de forma substancial a natureza da actividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto"

A dedução de prejuízos é ainda limitada, a partir de 2012, pelo disposto no n.º 2 do artigo 52º que dispõe que "A dedução a efetuar em cada um dos períodos de tributação não pode exceder o montante correspondente a 75 % do respectivo lucro tributável não ficando, porém, prejudicada a dedução da parte desses prejuízos que não tenham sido deduzidos, nas mesmas condições e até ao final do respetivo período de dedução (Redação dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-8/2011, de 30 de Dezembro).

Como regra na dedução de prejuízos dispõe ainda o n.º 15 do artigo 52º que "devem ser deduzidos em 1.º lugar os preiuízos fiscais apurados há mais tempo", regra igualmente inscrita no n.º 3 do artigo 71º do CIRC.

Relativamente ao regime específico de dedução de prejuízos fiscais nos grupos de sociedades, dispõe o n.º 1 do artigo 71º do CIRC que "Quando seja aplicável o regime estabelecido no artigo 69.º [RETGS], na dedução de prejuízos fiscais prevista no artigo 52.º, observa-se ainda o seguinte:

  1. Os prejuízos das sociedades do grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo, nos termos e condições previstos no n.º 2 do artigo 52.º, até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam;
  2. Os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada período de tributação em que seja aplicado o regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo, nos termos e condições previstos no n.º 2 do artigo 52.º;

Atendendo à dedução de prejuízos efetuada pelo sujeito passivo na declaração de grupo. foi realizada a análise dos prejuízos fiscais gerados pelas sociedades que o compõem antes da sua entrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), bem como dos prejuízos fiscais gerados pelo próprio grupo desde o início da sua tributação como tal (2006) e das deduções de prejuízos fiscais aos lucros tributáveis do grupo.

Após a análise efetuada, e à luz da legislação aplicável a esta matéria, concluiu-se que os prejuízos fiscais dedutíveis no período de 2012/10/01 a 2013/09/30 eram no montante de 4.845.195,78 EUR.

Tendo em atenção que o sujeito passivo deduziu ao lucro tributável apurado prejuízos fiscais no valor de 7.410.759,16 EUR, será de corrigir a diferença, no montante de 2.565.563,38 EUR.

Dada a complexidade dos cálculos efetuados para o apuramento dos prejuízos dedutíveis (de 4.845.195,78 EUR), foram elaborados mapas, por período de tributação (entre 2006 e 2012), que se incluem no anexo 1 deste relatório e através dos quais é possível analisar os prejuízos fiscais gerados e a sua dedução aos lucros tributáveis do grupo.

De referir ainda que no apuramento dos prejuízos fiscais dedutíveis foram consideradas para cada período e sociedade a última declaração de rendimentos entregue, quer tenha sido entregue pelo próprio sujeito passivo quer tenha sido declaração oficiosa recolhida pela AT na sequência de procedimento inspetivo.

[…]

I

II.7. Resumo das correcções propostas

Em resumo do exposto ao longo do presente capítulo, apresentam-se os quadros seguintes, com a indicação das correções propostas e da matéria coletável corrigida para ambos os períodos do exercício de 2012

 

Quadro X— Resumo do total das correções propostas — Período 2012/01/01 a 2012/09/30

 

Valores declarados

Correções IT

Valores corrigidos

Matéria Coletável:

 

 

Lucro tributável do grupo

15.165.453,71

-5.477,88

15.159.975,83

Dedução de prejuízos

1 1.374.090,28

4.108,41

11.369.981

Imposto:

 

 

 

Dupla tributação internacional

81.581

58.055,80

e 23.525,69

Tributação autónoma

323.957,39

3.816,36

327.773,75

 

Quadro XI — Resumo do total das correções propostas — Período 2012/10/01 a 2013/09/30

 

Valores declarados

Correções IT

Valores corrigidos

Matéria Coletável:

 

 

Lucro tributável

11.800.948,63

2.053, 135,01

13.854.083,64

Dedução de prejuízos

7.410.759,16

2.565.563,38

4 845.195,78

 

IX. Direito de audição

Em 2015/12/03 foi enviada notificação do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção ao sujeito passivo, através do ofício n.º..., da mesma data, enviado sob o registo postal n.º RC ... PT, para que este pudesse exercer o direito de audição prévia, conforme disposto no art. 60º do RCPITA, no prazo de 15 dias (Anexo 9),

Em 2015/12122 deu entrada nesta Direção de Finanças resposta do sujeito passivo à notificação efetuada, na qual veio exercer o seu direito de audição. No documento entregue vem a A... discordar das correções propostas no ponto III.5 do projeto de relatório ("Correções efetuadas aos prejuízos fiscais do grupo — período de 2012/10/01 a 2013/09/30"), com as alegações que seguidamente se expõem e analisam. Relativamente às correções propostas nos restantes pontos do projeto de relatório, o sujeito passivo optou por não se pronunciar (Anexo 9).

Alega a A... que, relativamente ao exercício de 2007, foi considerado nos cálculos de apuramento dos prejuízos fiscais deduzidos do projeto de relatório (ver anexo 1) o prejuízo do grupo no valor de 17.962.277,29 EUR.

Este prejuízo resultou da soma algébrica dos resultados das sociedades que integravam o grupo, nos seguintes valores:

Quadro XII — Apuramento pela IT do prejuízo do grupo em 2007

Sociedades que integram o grupo em 2007

Resultados Fiscais

A... SA

-18.346.752 41

B... Lda

-10.709 57

C... SA

395.184 69

GRUPO

-17.962.277,29

Nota: Designada de I... SA naquela data

Vem o contribuinte referir que os valores indicados não são, no entanto, os valores que constam das declarações de rendimento por si entregues, nem constam de qualquer declaração oficiosa recolhida pela AT na sequência de procedimento inspetivo.

Com efeito, considera o sujeito passivo que o montante a considerar com prejuízo do grupo em 2007 é 18.827.136,33 EUR, resultando dos seguintes resultados individuais das sociedades que integram o grupo:

 

Quadro XIII — Apuramento pelo s.p. do prejuízo do grupo em 2007

 

Sociedades que integram o grupo em 2007

Resultados Fiscais

A... SA

-19.211.611

B... Lda

-10.709,57

C... SA

395.184 69

GRUPO

-18.827.136,33

 

 

No entanto, segue a A... referindo não ignorar que o exercício de 2007 foi objeto de procedimento inspetivo, do qual resultaram correções ao prejuízo fiscal apurado, na ótica da A... enquanto sociedade individual (à data I...) no montante de 864.859,04 EUR.

As correções efetuadas na sociedade individual foram igualmente repercutidas no apuramento dos prejuízos fiscais do grupo, através da ordem de serviço n.º..., tendo sido notificado o sujeito passivo do Relatório de Inspeção em 2010/08/16, no qual era apurado o prejuízo fiscal do grupo de 17.962.277,29 EUR.

No entanto, refere o sujeito passivo que nunca foi notificado de qualquer liquidação corretiva com referência ao exercício de 2007 pelo que se mantém válida a liquidação originária de IRC, uma vez que "as conclusões vertidas num relatório de inspeção não são, por si só, suscetíveis de produzirem quaisquer efeitos na esfera individual do contribuinte'.

Concluiu a A... referindo que é ilegal a correção que vem proposta no ponto III.5 do Projeto de Relatório em análise uma vez que assume um valor (...) referente a prejuízos fiscais suportados em 2007 resultante de uma correção que carece de eficácia no ordenamento jurídico".

Da análise às alegações produzidas pelo sujeito passivo somos de referir que o prejuízo fiscal de 2007 considerado no apuramento dos prejuízos fiscais dedutíveis do grupo (no montante de 17.962.277,29 EUR) resulta efetivamente das correções efetuadas no âmbito de procedimento inspetivo àquele exercício (inicialmente na ótica da A..., anterior I..., enquanto sociedade individual e posteriormente repercutido no apuramento do imposto do grupo).

Relativamente à liquidação que resultou do documento de correção (DC) elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária na sequência do procedimento inspetivo ao grupo, exercício de 2007, e após análise ao sistema informático da AT, refira-se que:

  1. A liquidação tem a identificação n.º 2010..., de 2010/08/25 a qual teve origem na declaração de rendimentos identificada com o n.º ... 2010 ...(Anexo 10, fl. 1);
  2. Da liquidação resultou o apuramento do valor a reembolsar de 48,66581 EUR (Anexo 10, fl.  1 vs);
  3. Da análise ao detalhe do reembolso, concluiu-se que este está identificado pelo n.º 2010..., estando a situação do reembolso "regularizado" à data de 2010/09/04 (Anexo 10, fl. 2);
  4. Da análise aos dados de emissão de documentos relacionados com o reembolso acima identificado, verifica-se terem sido enviadas duas comunicações. em cartas registadas sob os registos RY...PT e RY...PT, ambas de 2010/09/10 (Anexo 10, fl. 2 vs.);
  5. Da análise à gestão de comunicações efetuadas ao sujeito passivo, verifica-se que constam os registos acima identificados, associados às demonstrações de liquidação e compensação, ambos em situação de "recebido" com data de 2010/09/13 (Anexo 10, fl. 3);
  6. Analisando o detalhe dos registos identificados na alínea d) concluiu-se que foram ambos recebidos em 2010/09/13 (Anexo 10, fl. 3 vs. e fl. 4).

Pelo referido, e que está conforme os documentos que se juntam no anexo concluiu-se que o sujeito passivo foi efetivamente notificado das liquidação e compensação resultante da ação inspetiva ao exercício de 2007, não estando assim suportadas as alegações expostas pela A... .

 

N) A Requerente foi notificada, em 19 de Maio de 2016, do reacerto financeiro da liquidação n.º 2016... e da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., de que resultou a anulação de um montante no valor de € 1.882.337,42 e o pagamento de imposto no valor global de € 1.422.227,45, resultante da diferença entre € 3.304.564,87 e € 1.882.337,42, e que constitui o acto tributário impugnado (documentos n.ºs 6 e 7 juntos ao pedido);

O) Requerente apresentou, em 15 de Setembro de 2016, reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2016... a que se refere a antecedente alínea N), que foi indeferida por despacho da do Director de Finanças, praticado por delegação de competências, de 29 de Dezembro de 2017;

P) O despacho de indeferimento manifestou concordância com a informação dos serviços que, na parte relevante, refere o seguinte:

 

 Quanto às correcções efectuadas aos prejuízos fiscais do Grupo no período de 2007

 

Tendo analisado os prejuízos desde o início da tributação pelo RETGS (2006), concluiu a IT que a reclamante deduziu de prejuízos fiscais de € 7.410.759,16, quando os prejuízos dedutíveis no período de 01.10.2012 a 30.09.2013 seriam de € 4.845.195,78, pelo que será de corrigir a diferença de € 2.565.563,38.

Vem o sujeito passivo questionar a correcção efetuada pela IT em referência aos prejuízos do ano de 2007, alegando ser ilegal a correcção efectuada aos prejuízos fiscais dedutíveis no período de 01.10.2012 a 30.09.2013, no valor de € 864.859,04 (€19.211.611,45 - € 18.346.752,41), corrigindo-se a matéria colectável em conformidade e a consequente devolução do imposto pago em excesso

Embora não ignore que no âmbito das acções de inspecção ao exercício de 2007, no âmbito de da OI 2009..., foi notificada do RI em 16.06.2010, no âmbito do qual se promovia uma correcção à matéria colectável, em sede de IRC, no montante de € 864.859,04, e no âmbito da OI 2010... foi notificada em 16.08.2010 do RI que reduzia o prejuízo fiscal do Grupo para € 17.962.277,29, em virtude da alteração do prejuízo fiscal da reclamante de € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41

Mais alega que nunca a reclamante foi notificada de uma qualquer liquidação correctiva em relação ao exercício em questão

Pelo que entende que se mantém válida a liquidação originária de IRC resultante da autoliquidação efectuada pela reclamante .

Ora sempre se dirá que, em sede de audição prévia ao projecto do RI, a reclamante se pronunciou quanto às correcções efectuadas aos prejuízos fiscais do Grupo no período de 01.10 2012 a 30.09 2013, no que respeita ao ano 2007, dizendo que os valores indicados não são os valores que constam nas declarações de rendimento por si entregues, nem constam de qualquer declaração oficiosa recolhida pela AT na sequência do procedimento inspectivo, alegação que reitera em sede da presente reclamação (fls. 37 dos autos).

Mais se verifica que foi efectivamente notificado da repercussão das correcções dos prejuízos de 2007 no Grupo de acordo com os Quadros XII e XIII a fls 37.

Vindo alegar do mesmo modo que nunca foi notificado de qualquer liquidação correctiva com referência ao ano 2007.

É inequívoco que os actos praticados pela Autoridade Tributária susceptíveis de afetarem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes devem ser sempre fundamentados, nos termos previstos no art. 77º da LGT.

Ora, no RI demonstra-se a identificação da liquidação (... de 25 08 2010) que o reembolso foi de € 48.665,81 e que se encontra regularizado à data de 04.09.2010, que foram enviadas cartas registadas com os registos RY...PT e RY...PT datados de 10.09.2010 e recebidos em 13.09.2010 e que as Demonstrações de liquidação e compensação se encontram na situação de recebidos em 13.09.2010 (fls. 37 vs e Anexo 10 RI a fls 217 a 220 dos autos)

In casu, o relatório explicita devidamente todos os quadros legais aplicáveis à situação em análise, bem como os factos que justificam o apuramento das referidas correcções Tanto mais que em termos jurisprudenciais tem sido pacificamente entendido que a fundamentação pode variar conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu, como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

 

Pelo exposto, é de concluir que a reclamante teve perfeito conhecimentos das razões que deram origem à correcção dos prejuízos, não lhe assistindo razão quanto à alegada falta de fundamentação do ato de liquidação de IRC .

Aproveita-se ainda para notar que, ainda que assim não fosse, o que não se concede, sempre a falta ou insuficiência de fundamentação da notificação poderia ser suprida nomeadamente nos termos previstos no artigo 37 º do CPPT .

 

Q) A Requerente apresentou, em 5 de Fevereiro de 2018, recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi indeferido por despacho de 18 de Dezembro de 2019, da Subdirectora‑Geral da Direcção de Serviços do IRC, praticado por subdelegação de competências;

R) A informação de serviços em que se baseia a decisão de indeferimento reproduz essencialmente as considerações já formuladas na informação a que se refere a antecedente alínea P), e acrescenta o seguinte:

 

A informação de gestão disponível nas aplicações informáticas da AT, mais precisamente no sistema SECIN, Sistema Eletrónico de Citações e Notificações, permite concluir que a citada liquidação foi remetida à Recorrente através do registo no RY ... PT e a respetivo Documento de Reembolso através do registo no RY ... PT, ambos de 10.09.2010, encontrando-se, ambas, na situação de recebidos com data de 13.09.2010.

Invoca a Recorrente que a notificação da liquidação e nota de reembolso referência não foi recebida no seu domicílio, nem aí avisada, pelo que, correções promovidas pela Autoridade tributária, com referência ao exercício 2007, são ineficazes.

Acrescenta que a única prova que a Administração Tributária apresenta são prints extraídos do seu sistema informático de gestão de comunicações.

Sendo que os elementos, que constam dos autos, indicam a data em que foram emitidas as notificações a que nos vimos referindo, o número do registo postal dessas notificações, e a indicação da data da receção.

Acresce, ainda, que a Recorrente recebeu e arrecadou o valor do reembolso apurado na sequência da liquidação que contesta não ter tido conhecimento desse facto não apresentou qualquer contestação, nem solicitou qual esclarecimento.

S) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido em resultado da liquidação n.º 2016... e da demonstração de acerto de contas n.º 2016 ... a que se refere a antecedente alínea N);

T) O pedido arbitral foi apresentado em 20 de Março de 2020.


Factos não provados

 

Não se encontra provado que a Autoridade Tributária tenha procedido à notificação à Requerente da liquidação de imposto resultante do procedimento inspectivo titulado pela Ordem de Serviço n.º OI2015... a que se refere a alínea C) da matéria de facto.

 

 

Motivação da matéria facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.

 

As referências aos registos da remessa postal da notificação ao contribuinte dos actos de liquidação e demonstração de acerto de contas, bem como à data da sua recepção, que constam do sistema de gestão de comunicações da Autoridade Tributária, não são convincentes sobretudo quando não há uma indicação fidedigna do trânsito dessa correspondência através dos CTT, sendo que é à Autoridade Tributária que cabe o ónus da prova da efectivação da notificação, e, em caso de non liquet probatório, a prova dos factos deve ser aferida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus processual.

 

Matéria de direito

 

6. A única questão em debate reconduz-se a saber se a não notificação da liquidação resultante da acção inspectiva de que a Requerente foi objecto, com referência ao exercício de 2007, determina a ineficácia da correcção ao prejuízo fiscal apurado na declaração individual de rendimentos, de tal modo que o ulterior procedimento dirigido à verificação do cumprimento das obrigações do grupo de sociedades não poderia ter em consideração essa correcção para efeito de alterar o prejuízo fiscal global do grupo.

 

Para melhor compreensão dos contornos da questão que vem colocada, importa reter o se segue e que resulta da matéria de facto dada como assente.

 

A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo, referente ao exercício de 2007, que originou uma correcção à matéria colectável, em sede de IRC, no montante de € 864.859,04, em resultado da redução do prejuízo fiscal individual declarado de € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41, e que foi notificada ao contribuinte, com o Relatório de Inspecção Tributária, em 16 de Agosto de 2010.

 

A correção efectuada foi reportada no apuramento dos prejuízos fiscais do Grupo de Sociedades, no âmbito de um outro procedimento inspectivo, que alterou o prejuízo fiscal global para € 17.962.277,29, em virtude da redução do prejuízo fiscal verificado na esfera individual da Requerente, sendo que o respectivo Relatório foi igualmente notificado ao sujeito passivo.

 

O Grupo H... foi, entretanto, alvo de uma outra acção inspectiva, com referência ao período de 2012, em que se tomaram em consideração os exercícios de 2006 a 2012, e que determinou a correcção da matéria tributável no montante de € 864.859,04, resultante da diferença entre o prejuízo fiscal individualmente declarado pela Requerente, em 2007 (€ 19.211.611,45) e o prejuízo fiscal imputado pela Autoridade Tributária (€ 18.346.752,41).

 

Na sequência da correcção proposta, a Requerente foi notificada, em 18 de Março de 2016, do acto de liquidação n.º 2016..., bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2016..., sendo estes os actos tributários que constituem objecto de impugnação judicial.

 

Ainda que o procedimento inspectivo tivesse tido outras consequências, a Requerente apenas discute a correcção ao prejuízo fiscal do Grupo, no valor de € 864.859,04, em decorrência da redução do prejuízo fiscal individual de € 19.211.611,45 para € 18.346.752,41, com referência ao exercício de 2007.

 

Interessa ainda ter presente que a Requerente suscitou a ilegalidade da correcção aquando do exercício do direito de audição relativamente ao projecto de Relatório de Inspecção Tributária, invocando não ter sido notificada de qualquer liquidação correctiva que tivesse resultado do procedimento inspectivo instaurado quanto ao exercício de 2007.

 

Em resposta a essa questão, os serviços inspectivos referem que, segundo o sistema de gestão de comunicações da Autoridade Tributária, as notificações foram efectuadas através de cartas enviadas sob os registos RY...PT e RY...PT, de 10 de Setembro de 2010, e que se encontravam em situação de "recebido" à data de 13 de setembro seguinte.

 

No entanto, a mera menção em documentos administrativos internos às cartas registadas não constitui prova bastante do envio da notificação e da sua efectiva recepção pelo interessado, sendo que, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, do CPPT, a presunção legal de que a notificação por carta registada foi efectuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte é ilidível mediante informação dos serviços de correios sobre a data da efectiva recepção, sendo que a informação que, a esse título, consta dos autos não permite sequer localizar o seguimento dado à correspondência (doc. n.º 9 junto ao pedido).

 

Competindo à Administração o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga e, neste caso, da efectivação da notificação do acto de liquidação ao contribuinte, não é possível entender, sem mais, que houve lugar à emissão do acto tributário de liquidação e este foi levado ao conhecimento do interessado.

 

 7. O regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), regulado nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC, permite que entidades residentes pertencentes a um grupo, e que preencham os demais requisitos legalmente previstos, sejam tributadas globalmente através da entrega da declaração modelo 22 de IRC global.

 

Em termos genéricos, este regime especial de tributação caracteriza-se pela possibilidade de um grupo de sociedades ser tributado pelo resultado fiscal do grupo, que, nos termos do artigo 70.º, relativamente a cada um dos períodos abrangidos, é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

 

Deve ainda sublinhar-se que, no regime jurídico português, a substância económica do regime de tributação especial dos grupos de sociedades assenta na possibilidade de determinação de uma base de tributação comum e não se assume como um modelo de consolidação total e pleno. Aquilo que existe é um modelo de Group Pooling que permite a agregação dos resultados individuais de cada membro do grupo societário (rendimentos e perdas) por forma a permitir-se a compensação. A gestão dessa agregação é da competência da sociedade dominante, mas não implica a perda da existência jurídica individual e das obrigações fiscais individuais de cada uma das sociedades dominadas.

 

Assim se compreende que a passagem de uma entidade de grupo empresarial para outro grupo empresarial não implica dissolução da entidade nem afasta os seus direitos e as suas obrigações, uma vez que a entidade continua a ser juridicamente autónoma, transportando consigo todo o seu universo de direitos e obrigações para o novo grupo societário.

 

E esta concepção coaduna-se com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Código do IRC, que prevê que, não obstante a agregação dos resultados, cada entidade pertencente ao grupo tem de apresentar declaração periódica individual, sendo com base nessas múltiplas declarações individuais – devidas por cada um dos membros do grupo – que a sociedade dominante poderá calcular o lucro tributável do grupo. Ou seja, não há a criação de um novo sujeito passivo de imposto, mas antes a sujeição a um regime especial de tributação (sobre estes aspectos, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 133/19-T).

 

Na situação do caso, o que está em causa é a falta de notificação à Requerente, enquanto sociedade integrante do Grupo, do acto de liquidação da correcção que resultou da acção inspectiva que incidiu sobre a sua esfera individual, relativamente ao período de tributação de 2007, pretendendo a Requerente que a ausência de notificação determina que se mantenha como válida, na ordem jurídica, a autoliquidação efectuada na declaração individual de rendimentos.

 

Ora, como se deixou entrever, o regime especial de tributação visa assegurar que o grupo de sociedades seja tributado pelo resultado global, que é calculado pela sociedade dominante através dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades integrantes. Fixando-se o imposto a pagar através da agregação dos resultados individuais.

 

Sendo assim, não tem relevo para o caso que não tenha havido - como se alega -, a notificação do acto de liquidação resultante da correcção ao prejuízo fiscal efectuada no âmbito do procedimento inspectivo que incidiu sobre a Requerente, enquanto sociedade individual. O que interessa considerar é que o prejuízo fiscal corrigido, sendo imputável à situação fiscal da Requerente como membro do grupo societário, terá de ser tomado em conta para a determinação do lucro tributável do grupo.

 

E, por outro lado, o resultado fiscal do grupo foi apurado no âmbito de um procedimento inspectivo em que foram analisadas as declarações individuais das sociedades pertencentes ao Grupo relativamente aos diversos períodos de tributação em causa, e que foi validamente notificado.

 

Como é claro, a alegada falta de notificação do acto de liquidação subsequente à correcção ao prejuízo fiscal apurado na declaração individual da Requerente, não afecta a determinação da matéria colectável do grupo de sociedades, quando o resultado fiscal resulta da análise ponderada das declarações individuais no âmbito de um procedimento inspectivo autónomo. Não sendo ao caso aplicáveis as disposições dos artigos 36.º, n.º 1, do CPPT e 77.º, n.º 6, da LGT.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

 

Pedidos de conhecimento prejudicado

 

8. Face à solução a que se chega, fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

III – Decisão

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os actos de liquidação impugnados e as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 864.859,04, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Janeiro de 2021

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

Cristiana Leitão Campos

 

O Árbitro vogal

 

Luís Oliveira