Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 165/2020-T
Data da decisão: 2021-01-22  ISV  
Valor do pedido: € 394,64
Tema: ISV – Extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral.
Natureza do prazo para a entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral. Valor do processo
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Sumário:

1.            O prazo para a entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo substantivo, pelo que segue as regras previstas no artigo 279.º do Código Civil. À mesma conclusão também se chega por aplicação subsidiária do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A..., PORTADORA DO NIF ...  e residente na ..., ..., ..., ..., ...-... Alcabideche (doravante, “REQUERENTE”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, requerer, em 12/3/2020, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação do Imposto sobre Veículos (“ISV”), respeitante à introdução no consumo do veículo usado identificado na DAV n.º 2019/..., praticado a 30/10/2019, pela AT, com a data limite de pagamento de 14/11/2019 (vd. PA apenso aos autos).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 5/8/2020.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            «[A Requerente] vem solicitar pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular [...] [relativamente] ao acto tributário n.º ... de 2019.

 

b)           [A Requerente] introduzi[u] em Portugal, com origem na Alemanha, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca ..., modelo ..., movido a combustível gasolina, [que] se destina ao [...] uso particular, sendo que o referido veículo tinha sido matriculado pela primeira vez, no seu país de origem, em 01.06.2017.

 

c)            O referido veículo foi adquirido no país de origem pelo preço de € 25.000,00, no cumprimento das obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu à declaração aduaneira n.º 2019/..., do referido veículo, tendo a AT liquidado o ISV pelo valor de € 4.653,56, tendo sido pago integralmente.

 

d)           Mais se informa que, do valor total de ISV liquidado, € 4.509,88 corresponde à componente cilindrada [e,] à componente ambiental [,] € 1.409,42 [...]. Sendo que, relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido pela quantia correspondente a 28% do seu montante, ou seja, € 1.262,77, de acordo com a redução que resulta do número de anos de uso do veículo.»

 

3.1. A Requerente termina o seu sucinto pedido de pronúncia arbitral pedindo «que a liquidação do ISV seja corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 4.261,88 no que diz respeito à parte do imposto que incide sobre a componente ambiental, devendo ser restituído o montante de € 394,64 pago a mais, acrescido dos juros indemnizatórios devidos.»

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “REQUERIDA” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a)            «O presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de ilegalidade do ato de liquidação resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2019/..., de 07.11.2019, relativo a Imposto Sobre Veículos (ISV), praticado pelo Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco.

 

b)           [O mesmo] vis[a] a restituição do montante de 394,64 € que declara ter sido pago a mais, pretende que seja efetuada a correção do ato de liquidação para o valor de 4.261,88€.

 

c)            A Requerente não atribui valor à causa. Todavia, considerando o teor da PI corrigida retira-se da mesma que a Requerente pretende a devolução/reembolso de parte do imposto pago, correspondente ao valor de 394,64 €, com referência a montante a reduzir para 4.261,88€, com referência ao total de 4.656,53 € liquidado. Visando a Requerente, com o presente pedido arbitral, a impugnação parcial do ato de liquidação por a entender que tem direito à aplicação de redução à componente ambiental no valor supra indicado, o qual pretende que lhe seja devolvido.

 

d)           [O] presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente.

 

e)           [O] pedido de pronúncia arbitral surge na sequência da notificação de liquidação de ISV, após admissão em território nacional de um veículo proveniente de outro Estado-membro, objeto de introdução no consumo através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), n.º 2019/..., relativa ao veículo automóvel da marca ..., modelo ... declarado pela Requerente. [A] introdução no consumo do identificado veículo deu origem ao ato de liquidação efetuado pela Alfândega do Jardim do Tabaco, cuja anulação parcial se pretende.

 

f)            A liquidação n.º 2019/..., de 31.10.2019, foi notificada ao sujeito passivo, ora Requerente, através da DAV supra identificada, em 07.11.2019, e do DUC (Receita aduaneira fiscalidade automóvel) que inclui notificação para pagamento, sendo que o termo de prazo para pagamento se verificou em 15.11.2019 (cf. informação constante da mesma DAV e do referido DUC, embora este se refira à primeira liquidação que foi objeto de anulação, cf. Processo Administrativo).

 

g)            Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária, que, no caso vertente, ocorreu, relativamente à liquidação em causa, em 15.11.2019, conforme foi, expressamente, notificado ao contribuinte.

 

h)           Face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do código de procedimento e de processo tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial, uma vez que a arbitragem tributária constitui um meio processual de natureza alternativa em relação à impugnação judicial (veja-se nesse sentido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/2011, que aprovou o Regime, bem como o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a instituir a arbitragem tributária).

 

i)             Assim, dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil. Deste modo, sendo o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral (prazo de propositura da ação) contínuo, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais (o que é corroborado pela jurisprudência do CAAD, designadamente pelo vertido nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 35/2012-T, 9/2014-T e 845/2014-T), no presente caso, o mesmo, terminou em 13.02.2020.

 

j)             Ora, o pedido de constituição de tribunal arbitral só foi apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 12.03.2020, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, a exceção de caducidade do direito de ação, o que se invoca.

 

k)            Para o enquadramento legal da questão ora submetida à sindicância do tribunal, releva, particularmente, o artigo 5.º do CISV, atinente ao facto gerador de imposto sobre veículos [bem como o disposto no] artigo 3.º do CISV, no que concerne à Incidência subjectiva [...]. Estabelecendo, complementarmente, o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do CISV, nas alíneas a) e b) do n.º 1, a aplicação das taxas previstas na Tabela A, que consagra as taxas de imposto tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, havendo, ainda, lugar à redução em função da desvalorização do veículo, conforme previsto no artigo 11.º do CISV.

 

l)             Estando em causa, nos presentes autos, a admissão de veículos usados, oriundo de outro Estado-membro, no caso, a Alemanha, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, o qual já foi sujeito a alterações desde a entrada em vigor do diploma que aprovou o mesmo código.

 

m)          Não obstante o artigo 11.º do CISV tenha sido objeto de várias alterações desde a sua entrada em vigor, para o caso em apreço releva, particularmente, a redação atual introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016 (Lei do OE para 2017) [...].

 

n)           A alteração em causa procedeu ao alargamento das percentagens de redução da tabela D, tendo sido criado o escalão “Até um ano”, a que corresponde uma percentagem de redução de 10%, sendo ainda criados novos escalões a partir dos cinco anos de uso, com percentagens de redução que atingem os 80 % para veículos com mais de 10 anos, permitindo estabelecer uma maior correspondência entre a desvalorização comercial média sofrida pelos veículos usados no mercado nacional e o seu nível de tributação, em sede de ISV, que na redação anterior se cifrava no máximo de 52 % para veículos com mais de 5 anos de uso.

 

o)           Relevando, também, no contexto da tributação automóvel, o disposto no artigo 1.º do CISV que consagra o Princípio da Equivalência [...]. E, não obstante o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE, afirme que: “Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. (...)”, [é] de destacar o estatuído no artigo 191.º do TFUE [...].

 

p)           No que concerne à presente relação jurídico-tributária, resulta claro que a Requerente é sujeito passivo do imposto, pois, no caso concreto, procedeu à admissão do veículo em questão no território nacional, tendo processado a DAV respetiva através do sistema eletrónico, com vista à regularização fiscal, de acordo com os procedimentos que se encontram estabelecidos, dando lugar, na sequência da apresentação da declaração supra identificada, à liquidação do imposto de acordo com o direito constituído, atualmente em vigor, em conformidade também com o estatuído no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

 

q)           [A] Requerente, pretendendo introduzir no consumo um veículo, usado, da sua propriedade, originário e adquirido num país da União Europeia, atuou em conformidade com a lei, e de acordo com os procedimentos prescritos no CISV.

 

r)            No caso concreto o imposto foi calculado de acordo com o previsto no artigo 7.º do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente ambiental nos termos deste artigo, não tendo sido aplicada outra/nova redução à componente ambiental porque tal redução não se encontra prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que prevê uma redução em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D. Efetivamente, de acordo com o previsto nos supracitados artigos 5.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a), 3.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º n.º 1 e n.º 3, todos do CISV, o veículo em questão foi admitido no território nacional, tendo sido apresentado à alfândega mediante a identificada DAV da Alfândega de Aveiro, introduzido no consumo e tributado em sede de imposto sobre veículos, nos termos da lei.

 

s)            [T]ratando-se de veículo ligeiro de passageiros, a admissão deste veículo automóvel encontra-se abrangida pela norma de sujeição do imposto por força da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º (Incidência Objetiva) do CISV, pelo que, como se referiu, houve lugar a tributação em sede de ISV. Acrescendo que, como mencionado, a introdução no consumo de um veículo depende da sua regularização fiscal encontrando-se, esta, para o efeito, sujeita ao processamento de uma Declaração Aduaneira de Veículo, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CISV, o que se verificou relativamente ao veículo em causa nos presentes autos.

 

 

t)            [C]onstitui facto assente que este veículo, tratando-se de veículo usado (cf. se retira da documentação que integra o PA), encontra-se, consequentemente, sujeito à taxa de imposto aplicável na introdução no consumo, que é a que resulta da aplicação dos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º do CISV. Pelo que, tratando-se de veículo ligeiro de passageiros, usado, movido a gasolina com emissão de gases CO2 indicados na respetiva DAV, os serviços aduaneiros efetuaram o cálculo do imposto devido, por aplicação da tabela A prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), recorrendo igualmente à aplicação da redução por anos de uso prevista na tabela D no n.º 1 do artigo 11.º do CISV para a componente cilindrada (cf. PA). Realçando-se, assim, que, em sede de regime de ISV, o veículo foi tributado de acordo com as normas ínsitas nos artigos 7.º, n.º 1, alínea a) e 11.º, n.º 1 e n.º 3.º do CISV, em vigor.

 

u)           Assim, atenta toda a documentação que integra o PA, resultam comprovados, face à lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, a liquidação de ISV que ora vem impugnada. E, de facto, a Requerente não põe em causa a liquidação, a qual foi efetuada de acordo com a lei em vigor, o artigo 11.º na sua atual redação, que lhe foi dada pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mas a conformidade daquele preceito com o artigo 110.º do TFUE.

 

v)            [N]ão obstante a alteração ao artigo 11.º do CISV tenha surgido após o acórdão proferido no Processo n.º C- 200/15 do TJUE, este não se pronuncia, em concreto, sobre a matéria em causa nos presentes autos, designadamente quanto à questão da percentagem de redução de ISV aplicável a veículo usado incidir apenas sobre o elemento específico de tributação (Cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV, limitando-se aquele a analisar a questão da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território nacional, no sentido de afirmar que um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes destes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.

 

w)          Sendo que, tal opção legislativa, pretendendo imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados, não contraria o direito comunitário nem aquela decisão do TJUE, antes visa respeitar as orientações comunitárias em matéria da redução das emissões de CO2, tendo em vista o cumprimento das responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto.

 

x)            A alteração ao artigo 11.º do CISV nos moldes acima mencionados encontra-se, assim, também em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”, nos termos do qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

y)            O que se constata é que, no âmbito da tributação automóvel, relativamente aos elementos sobre os quais assenta tal tributação, existe uma confusão de conceitos, que são, por natureza, distintos, não podendo estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

 

z)            [E]m nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios supra referidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

 

aa)         [O] modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em sintonia com o espírito deste artigo, na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma ação preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor-pagador.

 

bb)         Assim, da interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, como se referiu, direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais “amigos do ambiente” tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.

 

cc)          Em suma, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

 

dd)         [R]elativamente à liquidação ora impugnada, a mesma foi efetuada de acordo com as normas aplicáveis em vigor, o artigo 7.º e o artigo 11.º do CISV. Não sendo possível extrair da norma a aplicação de uma nova redução, além da prevista no artigo 7.º do CISV, relativamente à componente ambiental. De facto, não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º.

 

ee)         [A] posição da Requerente em face do artigo 11.º do CISV viola os princípios [...] da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto.

 

ff)           [N]o caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária. [Assim, e] face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, à Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.»

 

4.1. A AT conclui pedindo que seja julgado «totalmente improcedente» o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

5. Tendo sido invocada excepção pela Requerida, a Requerente foi convidada, por despacho de 31/12/2020, a pronunciar-se sobre a mesma. Após a referida pronúncia, e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 15/1/2021, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 22 de Janeiro de 2021 para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

8. O presente pedido de pronúncia arbitral é intempestivo (vd., infra, a análise da excepção de intempestividade do pedido arbitral, suscitada pela Requerida, no ponto V).

 

III. Valor da causa

 

9. Na sua petição arbitral, a Requerente não indica, explicitamente, qual o valor da causa.

 

10. Contudo, e como bem refere a Requerida, na sua Resposta, “considerando o teor da PI corrigida retira-se da mesma que a Requerente pretende a devolução/reembolso de parte do imposto pago, correspondente ao valor de 394,64 €, com referência a montante a reduzir para 4.261,88 €, com referência ao total de 4.656,53 € liquidado.”

 

11. Com efeito, fica claro, a partir da leitura da referida p.i., que a ora Requerente pretende, com o presente pedido arbitral, a impugnação parcial do acto de liquidação de ISV n.º 2019/..., de 31/10/2019, por entender ter direito à aplicação de redução à componente ambiental no valor supra referido de € 394,64 – o qual pretende que lhe seja devolvido.

 

12. Como refere o artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT, “o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ora, nos termos do mencionado artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, “os valores atendíveis [...] quando seja impugnada a liquidação, [são os] da importância cuja anulação se pretende”.

 

13. Assim sendo, conclui-se que o valor do presente pedido arbitral é € 394,64, nos termos do disposto no artigo 97.º-A do CPPT (ex vi art. 3.º, n.º 2, do RCPAT e art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

IV. Matéria de Facto

 

IV.1. Factos Provados

 

14. Com relevância para a decisão do presente processo, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. A Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2019/..., de 7/11/2019, que consta do PA apenso aos autos, foi apresentada na Alfândega do Jardim do Tabaco por transmissão eletrónica de dados, para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, proveniente da Alemanha.

B. Nos termos da referida DAV, apresentada pela ora Requerente, operador sem estatuto, foi declarado o veículo da marca ..., modelo ..., cujas características constam das inscrições dos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, para os quais se remete.

C. A liquidação do imposto em causa, relativa ao veículo identificado na DAV, foi efectuada a 31/10/2019, como indicado no Quadro T da declaração, constando desta a identificação do acto de liquidação (n.º 2019/...), bem como a data, montante e termo final do prazo de pagamento (15/11/2019), e a identificação do autor.

D. A Requerente interpôs o seu pedido de constituição de tribunal arbitral em 12/3/2020, peticionando a devolução parcial do montante de ISV pago no valor de € 394,64 (por entender que tem direito à aplicação de redução à componente ambiental nesse valor), acrescido de juros indemnizatórios.               

 

IV.2. Factos não provados

 

15. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a presente decisão arbitral.

IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

16. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

17. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

18. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

V. Questão prévia a decidir (excepção por intempestividade)

 

19. Na sua Resposta, a Requerida invocou a excepção da caducidade do direito de acção, por entender que “o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente.”

 

20. Em síntese, a Requerida alega, a este respeito, que, nos “termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária, que, no caso vertente, ocorreu, relativamente à liquidação em causa, em 15.11.2019, conforme foi, expressamente, notificado ao contribuinte.”

 

21. Ora, diz a Requerida, “face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do código de procedimento e de processo tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial, uma vez que a arbitragem tributária constitui um meio processual de natureza alternativa em relação à impugnação judicial (veja-se nesse sentido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/2011, que aprovou o Regime, bem como o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a instituir a arbitragem tributária).”

 

22. Assim, continua a Requerida, “dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil. Deste modo, sendo o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral (prazo de propositura da ação) contínuo, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais (o que é corroborado pela jurisprudência do CAAD, designadamente pelo vertido nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 35/2012-T, 9/2014-T e 845/2014-T), no presente caso, o mesmo, terminou em 13.02.2020. Ora, o pedido de constituição de tribunal arbitral só foi apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 12.03.2020, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo”.

 

23. Na sua resposta à excepção, a Requerente concorda que “o prazo para apresentação do pedido de constituição arbitral [é] de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária que ocorreu no dia 15.11.2019”, e admite, ainda, que, “por desconhecimento de causa, [...] solicitou pronúncia arbitral dentro dos 90 dias após a receção do DUA (Documento Único Automóvel), por julgar pertinente a junção do mencionado documento ao processo de pronúncia arbitral.” Por último, “considera que a liquidação do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, respeitante ao cálculo da componente ambiental” mas, atendendo à muito recente “alteração do n.º 1, art. 11.º do ISV, publicado no Diário da República 1.ª série N.º 253, de 31 de Dezembro de 2020”, “vem [...] dar por sem efeito o [presente] pedido de pronúncia arbitral”.

 

24. Com efeito, verifica-se que assiste razão à ora Requerida, pelas razões já acima apontadas (e que a ora Requerente não contestou na sua resposta à excepção), dado que: i) as partes concordam que o termo do prazo para pagamento da prestação tributária, quanto à liquidação em causa, ocorreu em 15/11/2019 (como foi expressamente notificado à Requerente); ii) o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias contados a partir daquela data, nos termos do disposto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT (e do art. 102.º, n.º 2, do CPPT); iii) não havendo regras quanto à contagem de prazos no RJAT, terá que se recorrer, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, ao art. 20.º, n.º 1, do CPPT, que considera que à data de interposição da impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil; iv) assim sendo, o referido prazo de 90 dias é contínuo, não sofrendo suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais – vd. parte final da al. e) do artigo 279.º do Código Civil; v) o prazo de 90 dias, contado nos termos acima referidos, terminou em 13/2/2020 (e o presente pedido arbitral foi apresentado em 12/3/2020).

 

25. A este respeito, é ainda importante notar que, ao prazo referido, não se aplica o CPA ou o CPC que surgem referidos no artigo 3.º-A do RJAT.

 

26. Com efeito, como bem refere Carla Castelo Trindade (em Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 2016, pp. 262-263), “a partir da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o artigo 3.º-A passou [...] a determinar que, «no procedimento arbitral, os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações»; e que «os prazos para a prática de actos no processo arbitral contam-se nos termos do Código de Processo Civil». Ora, o pedido de constituição de tribunal arbitral e o prazo para a sua apresentação vêm previstos neste artigo 10.º, sistematicamente inserido no Capítulo II, denominado de «Procedimento arbitral». À primeira vista, poderia retirar-se a conclusão, precipitada é certo, de que o acto de entrega do pedido arbitral é ainda um acto procedimental. Contudo, e em bom rigor, o prazo para entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo substantivo, da mesma forma que o é a entrega de uma qualquer petição inicial, mormente, de impugnação judicial. [...]. Assim, segundo uma interpretação teleológica, e porque, insista-se, o prazo para entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral é ainda um prazo substantivo, a contagem dos prazos previstos neste artigo 10.º [do RJAT] segue as regras previstas no art. 279.º do CC. À mesma solução se chegaria por aplicação subsidiária do art. 20.º, n.º 1, in fine do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) [do RJAT]. Significa isto que na contagem dos prazos para entrega do pedido de constituição do tribunal arbitral não se inclui o dia em que ocorre o evento – o chamado dia zero – a partir do qual o prazo começa a correr, de forma contínua”. (Sublinhados nossos.)

 

27. Sendo o prazo de 90 dias, como acima se referiu, contínuo, é inquestionável que o mesmo terminou a 13/2/2020. Assim sendo, conclui-se que o presente pedido arbitral foi apresentado extemporaneamente, dado que o mesmo foi interposto, conforme se afirmou no ponto D. da factualidade provada, a 12/3/2020.  

 

28. Em resumo, conclui-se que assiste razão à Requerida quando invoca a extemporaneidade do presente pedido arbitral, pelo que, a este Tribunal não resta senão considerar procedente a excepção invocada, em conformidade com o disposto no artigo 576.º do CPC (aplicável ex vi art. 29.º do RJAT), com a consequente absolvição da Requerida do pedido arbitral.

 

29. Deve assinalar-se, ainda, que o conhecimento da extemporaneidade do presente pedido de pronúncia arbitral (a qual, pelo que se disse, se mostra evidente) se impõe como prioritário a este Tribunal; e que a confirmação dessa extemporaneidade impede a apreciação do mérito do pedido da ora Requerente.

 

30. Como bem se refere, por ex., no Acórdão do STA de 25/3/2009 (proc. 0196/09): “aqui se acompanh[a] jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, [segundo a qual se entende que] a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito que tenham sido suscitadas na petição [...], na exacta medida em que, quanto ao mérito, a lide impugnatória não chega a ter o seu início (cfr. acórdãos de 21/05/08, 3/12/08 e 11/02/09, nos processos n.ºs 293/08, 803/08 e 802/08).” No mesmo sentido, ver, ainda, o Acórdão do STA de 20/6/2018 (proc. 0748/15): “é pacífico o entendimento da jurisprudência desta Secção no sentido de que a intempestividade do meio processual utilizado gera o indeferimento liminar da respectiva petição inicial, impossibilitando o conhecimento quanto ao mérito da causa de pedir.”

 

31. Assim sendo, conclui-se, como acima já se referiu, que assiste razão à Requerida quando a mesma invoca a extemporaneidade do presente pedido arbitral, pelo que a este Tribunal não resta senão considerar procedente a excepção dilatória invocada, em conformidade com o disposto no artigo 576.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), com a consequente absolvição da Requerida da instância (vd., também, art. 89.º, n.º 2, e n.º 3, al. k), do CPTA, e art. 278.º, n.º 1, al. e), do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT).

 

VI. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar procedente a excepção por intempestividade, dado que o pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente.

- Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 394,64 (trezentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VIII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2021.

 

O Árbitro

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.