SUMÁRIO:
Uma sequência de transações em que se inclui a criação de uma empresa veículo, desprovida de substância económica, que serviu apenas para a transmissão de participações sociais de uma outra sociedade, através de prestações acessórias, e pelas quais foram ulteriormente pagos, a título de restituições dessas prestações, os dividendos distribuídos pela participada para ela transmitida, constitui objetivamente um esquema abusivo enquadrável na cláusula geral antiabuso (CGAA), quando seja possível considerar que a finalidade principal das operações societárias foi a de evitar a tributação em IRS de rendimentos de capitais.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... ..., município de ..., distrito de Aveiro, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRS n.º 2018..., no montante de € 68.233,33 e n.º 2018..., no montante de € 637.639,10, referentes ao ano de 2014, e do ato de liquidação adicional do IRS n.º 2018..., no montante de € 124.364,83, referente ao ano de 2015, bem como da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa contra eles deduzida.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Os atos de liquidação adicional do IRS impugnados reportam-se aos anos de 2014 e de 2015 e resultam de um procedimento inspetivo desencadeado em 2018 para aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).
O artigo 63.º do CPPT, que regulava o procedimento próprio para aplicação da cláusula geral antiabuso, fixava para a sua abertura, no seu n.º 3, o prazo de três anos após a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições antiabuso, que, na redação resultante da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, passou a ser contado a partir do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico.
Tendo em conta que a realização, em espécie, das prestações acessórias, mediante a entrega das ações da B..., SA, que constitui o negócio jurídico a que é imputável um propósito evasivo, ocorreu em 2007, o prazo de três anos, contado a partir do início do ano civil de 2008, encontrava-se já extinto quando o procedimento foi instaurado, em 2018, concluindo-se que se verifica a caducidade do direito à aplicação da cláusula geral antiabuso.
Por outro lado, não se encontram reunidos os pressupostos legais da aplicação da cláusula geral antiabuso.
Os factos resumem-se à entrega à C..., SGPS de ações detidas pelo Requerente no capital social da B..., SA através da realização, em espécie, de prestações acessórias, na doação pelos seus pais das prestações acessórias de que eram titulares na C..., SGPS e à restituição em 2014 e 2015 de parte das prestações acessórias, próprias ou recebidas por doação.
A criação da sociedade gestora de participações sociais não teve uma motivação fiscal, mas visou o objetivo de constituir uma sociedade de cúpula que pudesse melhorar a gestão dos meios, a redução dos encargos e a criação de valor, através da detenção de participações sociais de outras sociedades, nada obstando a que a forma escolhida para cumprimento da obrigação de entradas de capital o fosse mediante a realização em espécie de prestações acessórias.
O Requerente deixou de ser acionista das sociedades D..., LDA e B..., SA e passou a ser acionista da C..., SGPS, sendo que a contrapartida da transmissão das ações que detinha nessas sociedades passou a ser a titularidade de capital próprio por via das entradas a título de prestações acessórias de capital.
A restituição aos sócios de parte das prestações acessórias, tal como se verificaria numa redução de capital, não constitui um novo “rendimento”, mas antes uma entrada no património do Requerente de meios monetários líquidos em substituição de um direito de crédito de que já era titular.
Com a realização das prestações acessórias o Requerente deixou de possuir, no seu património, a participação social que detinha na B..., SA e, em substituição, passou para o seu património um crédito, a título de prestações acessórias, sobre a sociedade gestora de participações sociais, do montante de € 1.498.158,50, representativo de 10% da totalidade dos créditos que os sócios passaram a deter sobre a C..., SGPS.
Esse rendimento configurou um ganho de mais valias, que não se encontra sujeito a IRS por expressa opção do legislador, pelo que no momento em que é reembolsado o seu titular não pode ser sujeito a imposto de capitais.
Não se verificando, no caso, os pressupostos legais de aplicação da CGAA, os actos de liquidação adicional do IRS são ilegais.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a interposição da sociedade C... SGPS entre os acionistas A... e E... e a sociedade B..., S.A., através da transmissão das ações da B..., S.A. para a sociedade gestora de participações sociais sob a forma de prestações acessórias constituídas em espécie, teve como objetivo a retirada dos lucros da B..., S.A. e a sua transformação em restituição das prestações acessórias por meio de uma operação que se encontra excluída de tributação em sede de IRS por força da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.
Havendo de sublinhar-se a relação familiar existente entre os acionistas de ambas as entidades e a prevalência da família F... na respetiva estrutura societária.
O contrato de constituição da C... SGPS já previa a obrigação dos acionistas de realizarem prestações acessórias em espécie, por via da transmissão das participações sociais detidas na B..., S.A., e as ações foram entretanto valorizadas em valor muito superior ao nominal.
Por outro lado, por via da doação efetuada por G... e H... á a favor dos seus filhos A... e E..., estes últimos passaram a dispor de 97,56% do capital social da C... SGPS.
A distribuição de resultados efetuada pela B..., S.A. nos anos de 2008, 2010, 2014 e 2015 ascendeu a um total de € 5.851.500,00, traduzindo-se numa “poupança” de imposto de IRS relativo a rendimentos da categoria E de € 1.415.300,00.
O ativo da sociedade C..., SGPS é composto quase exclusivamente pela participação financeira na B..., S.A., que representa a totalidade dos seus investimentos financeiros nos anos compreendidos entre 2011 e 2016, e o único ativo fixo tangível respeita ao imóvel onde a sociedade tem a sua sede, que se encontra arrendado à sua participada, e que proporcionam os únicos rendimentos que aufere.
O mecanismo anti-abusivo que originou as liquidações adicionais reconduz-se, nos termos expostos, ao seguinte: entrega de acções de uma empresa familiar rentável a uma SGPS, dominada pela mesma família, a título de realização de prestações acessórias, excluídas de tributação ao nível incidência de mais-valia; retenção de lucros da B..., SA durante o intervalo temporal em que a sociedade foi detida por pessoas singulares e distribuição de lucros, durante o período em que a empresa passou a ser detida pela C... SGPS, SA beneficiando do regime de eliminação da dupla tributação económica, estipulado no artigo 51.º do CIRC; restituição das prestações acessórias aos acionistas, sem qualquer tributação.
Por outro lado, a vantagem fiscal decorre da ausência de tributação das prestações acessórias, que, noutras circunstâncias, configurariam dividendos distribuídos aos acionistas E... e A..., não se vislumbrando qualquer outra vantagem económica na realização das prestações acessórias.
No que se refere à alegada caducidade do procedimento de aplicação da cláusula antiabuso, a Autoridade Tributária refere que as operações que são objeto da medida anti-abuso compreendem uma sucessão de atos coordenados entre si que podem ocorrer em momentos temporais diversos e que têm um objetivo comum de obter uma vantagem fiscal, e, nesse sentido, só o reembolso das prestações acessórias aos sócios E... e A..., em 2014 e 2015, é que serve de referência temporal à aplicação da CGAA, sendo que as normas atinentes à CGAA, revestindo natureza procedimental, são de aplicação imediata.
Tendo entretanto sido revogado, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o n.º 3 do artigo 63.º do CPTT, que fixava um prazo de três anos para o início do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, aplica-se o prazo geral de caducidade do direito à liquidação de quatro anos a que se refere o artigo 45.º, n.º 1, da LGT, e, estando em causa pagamentos realizados em 22 de setembro de 2014 e 11 de junho de 2015, os actos de liquidação, tendo sido emitidos ainda no decurso de 2018, não enfermam do apontado vício.
2. No seguimento do processo, houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal indicada pelas partes, tendo determinado o tribunal, na sequência, a remessa do processo para alegações por prazo sucessivo.
Em alegações, a Requerente manteve a sua anterior posição. A Autoridade Tributária não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de Agosto de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos que o Tribunal considera provados, com pertinência para a aplicação do Direito, são os que seguidamente se elencam, tendo o Tribunal formado a sua convicção sobre os mesmos com base na prova documental junta aos autos, incluindo pela respetiva inclusão como documentos juntos pelo Requerente e pela junção ao Relatório de Inspeção constante do Processo Administrativo.
O Tribunal teve igualmente em conta, na formação da convicção sobre a matéria de facto, os depoimentos das testemunhas arroladas e apresentadas pelo Requerente e pela Requerida, as quais foram ouvidas na audiência realizada no dia 24.11.2020.
Inexistem factos que o Tribunal considere com pertinência para a aplicação do Direito mas não provados.
Consideram-se provados os seguintes factos:
I - Relativamente à B..., S. A.
a) Em 12.06.1981, foi esta sociedade registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de ..., com sede na Zona Industrial do ..., freguesia de ..., município de ..., tendo como objeto social o “exercício da indústria e comércio, importação, exportação, representações, comissões e consignações de brinquedos, quinquilharias, jogos didáticos, artigos de desporto, máquinas e equipamentos de escritório”.
b) Tem, desde 11.11.2004, um capital social de EUR 2.385.000, representado por 477.000 ações com o valor nominal unitário de EUR 5.
c) Até 27.08.2007, foram seus acionistas:
G..., com 286.200 ações, no valor nominal total de EUR 1.431.000, correspondentes a 60% do capital social;
H..., com 47.700 ações, no valor nominal total de EUR 238.500, correspondentes a 10%;
A..., com 47.700 ações, no valor nominal total de EUR 238.500, correspondentes a 10%;
E..., com 47.700 ações com 47.700 ações, no valor nominal total de EUR 238.500, correspondentes a 10%;
I..., com 47.700 ações, no valor nominal total de EUR 238.500, correspondentes a 10%.
d) A partir de 27.08.2007, na sequência de operações referidas adiante, passou a ter como única acionista C..., SGPS, S. A., com 477.000 ações, portanto no valor nominal total igual ao do capital social, isto é, EUR 2.385.000.
II - Relativamente à J..., LDA / C... SGPS, S. A.
a) Em 15.04.1995, foi esta sociedade constituída e em 3.4.1995 foi registada, na mesma Conservatória do Registo Predial/Comercial de ... . Fixou igualmente sede na Zona Industrial do ..., freguesia de ..., município de ..., tendo como objeto social fixado a transformação de matérias-primas plásticas, comércio geral, importação e exportação.
b) Foi constituída com o capital social de 4.000.000$00, sendo seus sócios:
G..., com uma quota correspondente a 60% do capital social;
H..., com uma quota correspondente a 10% do capital social;
A..., com uma quota correspondente a 10% do capital social;
E..., com uma quota correspondente a 10% do capital social;
I..., com uma quota correspondente a 10% do capital social.
c) O capital social foi aumentado em 46.000.000$00 em 26.05.1998, por entradas em dinheiro, aumento este realizado por todos os sócios na proporção das suas quotas, passando portanto a ser de 50.000.000$00.
d) Em 30.03.2006, teve lugar novo aumento de capital, no valor de EUR 601,07, subscrito por todos os sócios na proporção das quotas e realizado em dinheiro, levando ao arredondamento do valor de EUR 249.398,93, resultante da conversão monetária de escudos para euro, para o valor de EUR 250.000, passando o capital social a estar representado por 50.000 ações com o valor nominal de EUR 5.
e) Foi então também transformada em sociedade anónima, com alteração do objeto social para gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas, tendo mudado a denominação para C... SGPS, S. A.
f) Manteve-se a estrutura de sócios acima, agora acionistas:
G..., com 30.000 ações, no valor nominal total de EUR 150.000, correspondentes a 60% do capital social;
H..., com 5.000 ações, no valor nominal total de EUR 25.000, correspondentes a 10% do capital social;
A..., com 5.000 ações, no valor nominal total de EUR 25.000, correspondentes a 10% do capital social;
E..., com 5.000 ações, no valor nominal total de EUR 25.000, correspondentes a 10% do capital social;
I..., com 5.000 ações, no valor nominal total de EUR 25.000, correspondentes a 10% do capital social.
g) Em 5.05.2007, o capital social foi aumentado em EUR 1.800.000, através da emissão de 360.000 novas ações, com o valor nominal unitário de EUR 5, passando assim para EUR 2.050.000, representado por 410.000 ações, no valor nominal unitário de EUR 5.
h) Este aumento de capital foi subscrito e realizado mediante entradas em espécie de todos os acionistas, constituídas pelas ações de que estes eram titulares na K..., S. A..
i) O capital social ficou assim distribuído:
G...: 246.000 ações, no valor nominal total de EUR 1.230.000, correspondentes a 60% do capital social;
H... de Sá: 41.000 ações, no valor nominal total de EUR 205.000, correspondentes a 10% do capital social:
A...: 41.000 ações, no valor nominal total de EUR 205.000, correspondentes a 10% do capital social;
E...: 41.000 ações, no valor nominal total de EUR 205.000, correspondentes a 10% do capital social;
I...: 41.000 ações, no valor nominal total de EUR 205.000, correspondentes a 10% do capital social;
j) Em 27.08.2007, uma Assembleia Geral Extraordinária delibera a exigência de prestações acessórias aos acionistas, a realizar em espécie, através da transmissão para a sociedade da totalidade das ações de que estes eram titulares na B..., S. A.
k) É então que a B..., S. A., passa a ter como acionista única C... SGPS, S. A., titular das 477.000 ações, portanto com o valor nominal total igual ao capital social, EUR 2.385.000.
l) Em 31.08.2011, realiza-se uma série de operações, entre os pais G... e H... e os seus três filhos, A..., E... e I..., na sequência das quais o capital social, mantido em EUR 2.050.000, passa a ter o seguinte quadro de titularidade:
A...: 200.000 ações, no valor nominal total de EUR 1.000.000, correspondentes a 48,78% do capital social;
E...: 200.000 ações, no valor nominal total de EUR 1.000.000, correspondentes a 48,78% do capital social;
G...: 10.000 ações, no valor nominal total de EUR 50.000, correspondentes a 2,44% do capital social.
III - Relativamente à K..., S. A.
a) Em 30.12.1998 foi constituída e em 27.01.1999 foi registada, na mesma Conservatória do Registo Predial/Comercial de ... . Fixou também sede na Zona Industrial do ..., freguesia de ..., município de ..., tendo como objeto social a realização e gestão de investimentos imobiliários; compra e venda de imóveis para si ou para revenda; construção, urbanização e loteamento de terrenos; arrendamento, gestão e administração de bens imóveis; empreendimentos turísticos.
b) O capital social inicial era de 5.000.000$00, dividido em cinco mil ações com o valor nominal de 1.000$00.
c) Após aumento de capital realizado em 14.09.2005, o capital social passou a ser de EUR 90.000, representado por 18.000 ações com o valor nominal de EUR 5, assim distribuídas:
G...: 10.800 ações, no valor nominal total de EUR 54.000, correspondentes a 60% do capital social;
H...: 1.800 ações, no valor nominal total de EUR 9.000, correspondentes a 10% do capital social;
A...: 1.800 ações, no valor nominal total de EUR 9.000, correspondentes a 10% do capital social;
E...: 1.800 ações, no valor nominal total de EUR 9.000, correspondentes a 10% do capital social;
I...: 1.800 ações, no valor nominal total de EUR 9.000, correspondentes a 10% do capital social;
d) Em 5.05.2007, o capital passou a ser integralmente detido pela C... SGPS, S. A., como resultado da transmissão para esta feita por todos os acionistas, para realização do aumento de capital em espécie, referida na alínea e) do ponto II: C... SGPS, S. A., titular das 18.000 ações, portanto com o valor nominal total igual ao capital social, EUR 90.000.
e) Em 31.08.2011, no âmbito da série de operações acima referida, o capital social passou a ter a seguinte distribuição:
C... SGPS, S. A.: 9.900 ações, no valor nominal total de EUR 49.500, correspondentes a 55% do capital social
I...: 8.100 ações, no valor nominal total de EUR 40.500, correspondentes a 45% do capital social.
f) Em 28.02.2012, o capital social passou integralmente para nome da acionista I...: 18.000 ações, portanto com o valor nominal total igual ao capital social, EUR 90.000.
g) Em 25.10.2013, foi deliberada a transformação em sociedade por quotas, adotando a denominação social de D..., LDA, e mantendo o objeto e a sede social.
h) O capital social manteve-se em EUR 90.000, mas a estrutura societária foi também alterada. O capital social passou a estar representado por duas quotas, assim distribuídas:
I..., com uma quota no valor nominal de EUR 89.900, correspondente a 99,89% do capital social.
G..., com uma quota no valor nominal de EUR 100, correspondente a 0,11% do capital social.
i) Os quadros-resumo dos balanços da K..., S. A. /D..., LDA, para os períodos 2005-2009, 2010-2013 e 2014-2016, constantes do R.I. (fls. 11 a 13/106 do P. A.), expressam a respetiva posição financeira naqueles períodos e suportam a seguinte factualidade:
j) K..., S. A., possuiu no período 2005-2007 uma estrutura de capitais assente no financiamento bancário, passando, depois, a suportar-se nas prestações acessórias realizadas pela acionista única C... SGPS, S. A., nos exercícios de 2008 e 2010 (as quais somaram EUR 3. 219.500 no conjunto daqueles dois anos).
k) As prestações acessórias foram utilizadas pela K..., S. A. para saldar todo o seu passivo bancário durante os anos 2008 (EUR 1.616.000 junto do L... e do M...) e 2010 (EUR 2.000.000 junto da N...).
l) A K..., S. A. apresentou valores de capitais próprios de EUR –26.033 em 31.12.2005, EUR 230.118 em 31.12.2006, EUR 105.827 em 31.12.2007.
m) Este valor passou a EUR 1.637.480 em 31.12.2008 e EUR 1.630.569 em 31.12.2009, em resultado das referidas prestações acessórias da acionista única C... SGPS, S. A., no valor de EUR 1.751.500.
n) No final dos exercícios de 2010 e 2011, as prestações acessórias ascendiam a EUR 3.319.500, em resultado de novo reforço das mesmas que teve lugar em 2010, no valor de EUR 1.568.000.
o) Durante o ano 2012, foram restituídas à então acionista única I... EUR 340.000 de prestações acessórias, passando o respetivo saldo desta rubrica a cifrar-se em EUR 2.979.500 desde então, e mantendo-se inalterado até final do período de tributação de 2016.
p) Após esta operação de reembolso de prestações acessórias, a K..., S. A. foi transformada em sociedade por quotas, na qual G... ficou com uma quota minoritária de 0,11%.
IV - Relativamente às pessoas singulares com titularidade de capital nas sociedades acima identificadas e referenciadas:
a) Todas as pessoas singulares com titularidade, direta ou indireta, nas sociedades acima identificadas e referenciadas integram uma família: G... e H... são casados entre si, sendo A..., E... e I... os filhos do casal.
b) Em sinopse, é o seguinte o quadro de participações (diretas e indiretas), e também de cargos de administração ou gerência, para os exercícios objeto do presente processo:
Participações de capital Cargos de administração / gerência
C... SGPS, S. A. G...: 48,78%
E...: 48,78%
G...: 2,44% A...
E...
B..., S. A. A...: 48,78%
E...: 48,78%
G...: 2,44%
(via C... SGPS, S.A.) A...
E...
D..., LDA I...: 99,89%
G...: 0,11% I...
G...
V - Relativamente a uma série de operações realizadas, com indiciária relevância para a apreciação e decisão:
V. 1. Transformação da J..., LDA, em C... SGPS, S. A., em março de 2006
a) Das demonstrações financeiras apresentadas para efeitos fiscais, resulta que nos exercícios compreendidos entre 2002 e 2006 a J..., LDA, evidenciou atividade reduzida, que deixou mesmo de existir (em termos de volume de negócios) nestes dois últimos anos.
b) Os valores de vendas e serviços prestados reportados nas Demonstrações dos Resultados anuais foram de EUR 315.854 em 2002, EUR 541.443 em 2003, EUR 2.368 em 2004, EUR 0 em 2005, EUR 0 em 2006.
c) Os únicos rendimentos que se mantiveram ao longo deste quinquénio foram as rendas recebidas da B..., S. A., pela utilização do imóvel correspondente ao artigo matricial urbano n.° ... da União das Freguesias de ..., ..., ... e ..., resultantes de ‘Contrato de Arrendamento’ celebrado em junho de 2002, as quais ascendem a cerca de EUR 60.000 por ano, relevadas na conta “Outros Rendimentos e Ganhos”.
d) Decorre dos Balanços relativos aos mesmos exercícios que, durante o referido período, a J..., LDA, teve como principal o Ativo Fixo Tangível composto pelo imóvel acima referido.
e) A rubrica de Investimentos Financeiros patenteou sempre saldo nulo.
f) Em 30 de março de 2006, teve lugar o aumento de capital atrás referido, do valor em Escudos correspondente a EUR 249.398,95 para o de EUR 250.000, realizado em dinheiro, subscrito por todos os sócios na proporção das suas quotas, cumprindo imposição legal decorrente da introdução do euro.
g) Simultaneamente, foi transformada em sociedade anónima e foi alterado o objeto social, para gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas, tendo sido adotada a denominação C... SGPS, S. A., passando o capital social a estar representado por 50.000 ações, com o valor nominal de EUR 5 cada, mas mantendo-se a anterior estrutura societária.
h) Quando da transformação em sociedade anónima de gestão de participações sociais, o Contrato de Sociedade fixou a obrigação de os acionistas efetuarem “prestações acessórias, em espécie, através da transmissão das participações sociais que sejam titulares na firma B..., S.A. para a sociedade” (artigo 4 – 5).
i) E no mesmo Contrato se dispôs também: “A exigência das prestações acessórias será feita mediante prévia deliberação da Assembleia-geral, convencionando-se, desde já que tais prestações serão onerosas e o seu reembolso ao acionista poderá ser em dinheiro” (artigo 4 – 6).
V 2. Aumento de capital da C... SGPS, S. A., realizado em espécie com ações da K..., S. A., em maio de 2007
a) Passado aproximadamente um ano, por deliberação de uma Assembleia Geral Extraordinária da C... SGPS, S. A., realizada no dia 5.05.2007, o capital social foi aumentado em EUR 1.800.000, através da emissão de 360.000 novas ações com o valor nominal unitário de EUR 5, passando o capital social a cifrar-se em EUR 2.050.000, representado por 410.000 ações.
b) O aumento foi realizado mediante entradas em espécie de todos os acionistas, com as ações de que estes eram titulares na K..., S. A.: G... subscreveu 216.000 ações, que realizou mediante transferência de 10.800 ações da K..., S. A., às quais foi atribuído o valor de EUR 1.080.000; cada um dos restantes quatro acionistas – H..., A..., E... e I...– subscreveu 36.000 ações, que realizou mediante transferência de 1.800 ações da K..., S. A., às quais foi atribuído o valor de EUR 180.000.
c) As ações da K..., S. A., entregues para a realização do aumento de capital da C... SGPS S. A. foram portanto valorizadas em EUR 100 cada. O respetivo valor nominal era de EUR 5.
d) A operação encontrava-se excluída de tributação em sede de IRS, por força do disposto na alínea a) do n°. 2 do artigo 10.º do CIRS (alienação de ações detidas há mais de 12 meses), conforme consta dos anexos G1 das declarações Modelo 3 de IRS apresentadas por todas as pessoas acima referidas.
V 3. Constituição de prestações acessórias convertíveis em suprimentos na C... SGPS, S. A., por contrapartida da transferência de prestações acessórias na K..., S. A.
a) No mesmo dia 5.05.2007, foi celebrado “Acordo” entre as pessoas singulares acima referidas e a C... SGPS, S. A., mediante o qual aquelas, tendo transferido para a segunda todas as ações que detinham na K..., S. A., cederam igualmente à referida C... SGPS, S. A., as prestações acessórias que tinham na mesma K..., S. A., por preço igual ao valor nominal, no total de EUR 100.000, assim distribuídas (em EUR):
G...: 60.000;
H...: 10.000;
A...: 10.000;
E...: 10.000;
I...: 10.000.
b) Dispõe a cláusula 2 do referido ‘Acordo’ que a contrapartida da transferência para a C... SGPS, S. A., dos direitos dos ex-acionistas da K..., S. A., às prestações acessórias que detinham nesta é ser-lhes reconhecido idêntico direito na C... SGPS, S. A., podendo, em alternativa, optar por direito de igual montante a título de suprimentos não remunerados e não exigíveis antes de decorrido o prazo mínimo de dois anos, contados da data da assinatura do Acordo.
V 4. Constituição de prestações acessórias na C... SGPS, S. A., mediante entradas em espécie com ações da B..., S. A., em agosto de 2007
a) Em 27.08.2007, a Assembleia Geral Extraordinária da C... SGPS, S. A., delibera a exigência de prestações acessórias aos acionistas, igualmente em espécie, através da transmissão para esta sociedade das ações de que aqueles eram titulares na B..., S. A.
b) Assim, G... transferiu 286.200 ações, às quais foi atribuído o valor de EUR 8.988.951; cada um dos restantes quatro acionistas – H..., A..., E... e I...– transferiu 47.700 ações, às quais foi atribuído o valor de EUR 1.498.159.
c) As ações da B..., S. A., entregues para realização em espécie de prestações acessórias na B... SGPS, S. A., foram valorizadas em EUR 31,41 cada. O respetivo valor nominal era de EUR 5.
d) As ações foram avaliadas por peritos independentes, com referência a 31.12.2006, com recurso ao “Método dos Fluxos de Caixa Atualizados”, o qual atribuiu o referido valor de EUR 31,41 por ação.
e) Em 31.12.2006, o capital próprio (situação líquida) da B..., S. A., era de EUR 6.715.740, conforme cópia do balanço que integra a IES/DA apresentada como referência ao exercício findo naquela data. Considerando que o capital social era representado por 477.000 ações, o valor patrimonial por ação era de EUR 14,08.
f) A operação encontrava-se excluída de tributação em sede de IRS por força do disposto na alínea a) do n°. 2 do artigo 10.º do CIRS (alienação de ações detidas há mais de 12 meses), conforme consta dos anexos G1 das declarações Modelo 3 de IRS apresentadas por todas as pessoas acima referidas.
VI - Síntese intercalar das operações
a) Após as operações descritas nos pontos anteriores – (1) aumento de capital da C... SGPS, S. A., realizado em espécie com ações da K..., S. A., em maio de 2007, (2) constituição de prestações acessórias na C... SGPS, S. A., por contrapartida das prestações acessórias transferidas pelos ex-acionistas da mesma K..., S. A., igualmente em maio de 2007, (3) constituição de prestações acessórias na C... SGPS, S. A., mediante entradas em espécie com as ações da B..., S. A., em agosto de 2007 – a C... SGPS, S. A., passou a relevar, a partir do exercício económico de 2007, na rubrica de Investimentos Financeiros, a verba de EUR 16.781.585 (que inclui as partes de capital da K..., S. A., e da B..., S. A., obtidas através das entradas em espécie descritas), tal como se mostra no quadro seguinte (em EUR):
Ano Ativos fixos tangíveis Ativos
intangíveis Participações
financeiras Ativo Não Corrente
2002 516.545 0 0 516.545
2003 505.529 28.699 0 534.227
2004 494.513 0 0 494.513
2005 483.523 0 0 483.523
2006 480.093 0 0 480.093
2007 470.051 0 16.781.585 17.251.636
2008 460.009 0 18.433.085 18.893.094
2009 449.967 0 7.750.851 8.200.818
2010 439.925 0 8.489.995 8.929.920
2011 423.319 0 6.106,519 6.529.838
2012 413.277 0 6.455.622 6.868.899
2013 403.235 0 7.297.326 7.700.561
2014 393.193 0 6.071.532 6.464.725
2015 383.151 0 5.719.653 6.102.804
2016 373.949 0 6.482.681 6.856.630
b) No ano 2008, a rubrica de Investimentos Financeiros do Balanço da C... SGPS, S. A., registou um acréscimo de EUR 1.651.500, passando a cifrar-se em EUR 18.433.085, em resultado da atribuição, no decurso desse exercício, de adiantamentos por conta de lucros do próprio exercício pela B..., S. A., os quais foram aplicados na totalidade na constituição de suprimentos na K..., S. A..
c) A quebra no valor de balanço das participações financeiras da C... SGPS, S. A., – no montante de EUR 10.682.234 – verificada entre 2008 e 2009 decorre da entrada em vigor do novo referencial contabilístico, o SNC, com reflexo nos Capitais Próprios (via Resultados Transitados) e resulta da soma dos seguintes ajustamentos:
nova mensuração de ativos: EUR 7.030.734;
recebimento de dividendos da participada B..., S. A.: EUR 1.651.500 em 2008 e EUR 2.000.000 em 2009.
d) No Balanço da C... SGPS, S. A., que consta da IES referente a 2010 (que contém os valores do próprio ano e os comparáveis do ano anterior e constitui o primeiro balanço apresentado em ambiente SNC por esta entidade), o valor da rubrica de Investimentos Financeiros referente a 2009 ascende apenas a EUR 7.750.851, e resulta da reexpressão dessa rubrica à data de abertura do exercício de 2010. A mesma rubrica, no balanço que consta da IES referente a 2009 e se reporta à data do encerramento do exercício de 2009, exibia o valor de EUR 18.433.085 (ainda em ambiente POC).
VII - Transmissões de ações, cessões de créditos, doação de pais a filhos e outras operações, datadas de 30 e 31 de agosto de 2011
a) Nos dias 30.08.2011 e 31.08.2011, realizou-se uma série de operações entre G... e H..., por um lado, A..., E... e I..., filhos do casal, por outro, e ainda as sociedades por eles detidas e administradas, C... SGPS, S. A., B..., S. A., e K..., S. A.. Especificadamente:
Doações a favor de A... e E..., feitas por G... e H..., das ações da C... SGPS, S. A., mediante “Contrato de Doação de Bens Mobiliários”: (1) G... doou a cada um dos filhos, A... e E..., 118.000 ações, representativas de 28,78% do capital daquela sociedade, no total de 236.000 das 246.000 ações, o que correspondeu à doação de 57,56% do capital da C... SGPS, S. A.; (2) H... doou a cada um dos mesmos filhos 20.500 ações, representativas de 5% do capital da sociedade, no total de 41.000 ações (a totalidade das ações de que era titular), o que correspondeu à doação de 10% do capital da C... SGPS. (Anexo 11 ao R.I.)
Doações, a favor de A..., E... e I..., feitas por G... e H..., do crédito por prestações acessórias detidas na C... SGPS, S. A., mediante “Doação de Prestações Acessórias”: (1) G... doou um crédito de EUR 7.853.595,22 e (2) H... doou um crédito de EUR 1.306.937,54, no total de EUR 9.160.533, e recebendo cada filho EUR 3.053.511. (Anexo 12 ao R.I.)
Alienação onerosa, a favor de A... e E..., feita por I..., das ações por esta detidas na C... SGPS, S. A., mediante “Contrato de Compra e Venda de Ações”: I... vendeu a cada um dos seus irmãos, A... e E..., 20.500 ações, portanto 41.000 ações no conjunto, perfazendo a totalidade da sua posição acionista, de 10%, pelo preço correspondente ao valor nominal, EUR 205.000. Recebeu de cada um dos irmãos, como pagamento do preço, parte, no montante de EUR 102.500, do crédito relativo a prestações acessórias na C... SGPS, S.A. . (Anexo 13 ao R.I.)
Cessões onerosas, a favor de I..., feitas por G..., H..., A... e E..., dos créditos por prestações acessórias na C... SGPS, S. A., no montante global de EUR 90.000, mediante “Acordo”, pelo preço igual ao valor nominal. No Acordo nada é convencionado acerca do pagamento do preço. (Anexo 8 ao R.I.)
Alienação onerosa, a favor de I..., feita pela C... SGPS, S. A., de 8.100 ações, representativas de 45% do capital, da K..., S. A., mediante “Contrato de Compra e Venda de Ações”, pelo preço de EUR 587.250 (correspondente a EUR 72,50 por ação). (Anexo 7 ao R.I.)
Cessão onerosa, a favor de I..., feita pela C... SGPS, S. A., do crédito de suprimentos na K..., S. A., no montante de EUR 3.319.500, pelo preço igual ao valor nominal, mediante “Acordo”. (Anexo 9 ao R.I.)
b) Este conjunto de operações – «um conjunto de contratos, nomeadamente: compra e venda de participações sociais, doação de participações sociais, doação de prestações acessórias e cessões de créditos» – foi definido como «tendo em vista reorganizar o Grupo Económico Familiar “F...”, ao qual todos pertencem, bem como partilhar "em vida" alguns bens que pertencem aos primeiro e segunda outorgantes» (Anexo 10 ao R.I.).
c) Foi operada a compensação de todos os créditos e dívidas gerados entre a C... SGPS, S.A. e I..., mediante “Declaração de Compensação”, pela qual a segunda se declarou devedora e, simultaneamente, credora, perante a primeira de certos valores (que a seguir se apresentam em tabela), tendo sido calculado, por encontro de contas, que I... tinha direito a receber da C... SGPS, S. A., o valor de EUR 758.698, estipulando-se o final do exercício económico de 2011 como data limite para esta sociedade proceder ao pagamento. (Anexo 14 ao R.I.)
Dívidas de I... perante a C... SGPS, S. A. Créditos de I... sobre a C... SGPS, S. A.
Crédito sobre K..., S. A., por suprimentos
EUR 3.319.500
EUR 1.306.937 Prestações acessórias na C... SGPS, S. A.
Preço de compra de 45% das ações da K..., S. A.
EUR 587.250
EUR 3.123.511 Valor das doações recebidas dos pais, mais valor dos créditos na K..., S. A. cedidos pelos pais (EUR 70.000)
EUR 205.000 Créditos utilizados pelos irmãos para lhe adquirirem as ações da C... SGPS, S. A.
EUR 20.000 Valor dos créditos na K..., S. A. cedidos pelos irmãos
Totais EUR 3.906.750 EUR 4.655.448
EUR 748.698 Valor a receber por I..., da C... SGPS, até 31-12-2011
I... acaba por receber mais EUR 10.000, respeitantes às prestações acessórias na K..., S. A., que já lhe pertenciam.
[Na Nota de Lançamento n.° 8000003, de 31.08.2011, que consta da contabilidade da C... SGPS, S. A., encontram-se relevados todos os movimentos contabilísticos associados às operações acima descritas (Anexo 15 ao R.I.].
VIII - Operações datadas de 28.02.2012
a) Foi operada a alienação dos restantes 55% do capital da K..., S. A., a favor de I..., feita pela C... SGPS, S. A., mediante “Contrato de Compra e Venda de Ações”: foram transmitidas 9.900 ações, representativas de 55% do capital da K..., S. A., pelo preço de EUR 758.698,73.
b) Este preço estipulado corresponde precisamente ao valor apurado como em dívida pela C... SGPS, S. A., pelo que I... adquiriu a titularidade da totalidade do capital da K..., S. A., sem efetivo desembolso monetário a favor da sociedade vendedora, antes como contrapartida da sua saída do acionariado da mesma e, indiretamente, do da B..., S. A..
IX - Diagramas da evolução da distribuição das participações sociais, em função das operações descritas e de uma operação de 25 de outubro de 2013 (anteriormente referida)
Até 27.08.2007:
C... SGPS S. A. B..., S. A. K..., S. A.
G... 60% 60% --
H... 10% 10% --
A... 10% 10% --
E... 10% 10% --
I... 10% 10% --
C... SGPS S.A. -- 100%
Entre 27.08.2007 e 31.08.2011:
C... SGPS S.A. B..., S. A. K..., S. A.
G... 60% -- --
H... 10% -- --
A... 10% -- --
E... 10% -- --
I... 10% -- --
C... SGPS S.A. 100% 100%
Entre 31.08.2011 e 28.02.2012:
C... SGPS S.A. B..., S. A. K..., S. A.
G... 2,44% -- --
H... -- -- --
G... 48,78% -- --
E... 48,78% -- --
I... -- -- 45%-
C... SGPS S.A. 100% 55%
A partir de 28.02.2012:
C... SGPS S. A. B..., S. A. K..., S. A.
G... 2,44% -- --
H... -- -- --
A... 48,78% -- --
E... 48,78% -- --
I... -- -- 100%-
C... SGPS S.A. 100% --
A partir de 25.10.2013:
C... SGPS S. A. B..., S. A. D..., LDA
G... 2,44% -- 0,11%
H... -- -- --
A... 48,78% -- --
E... 48,78% -- --
I... -- -- 99,89%
C... SGPS S.A. 100% --
X - Relativamente à política de distribuição de resultados da B..., S. A.
a) Os resultados líquidos dos exercícios de 2005 a 2016 tiveram as seguintes aplicações, deliberadas em assembleia geral:
Exercício Resultado líquido (EUR) Aplicação do resultado líquido (EUR)
Reserva legal Reservas livres Resultados transitados
2005 788.142 39.500 748.642
2006 939.296 47.000 892.2960
2007 995.419 49.800 945.619
2008 1.318.192 1.318.192
2009 731.163 36.558 694.605
2010 544.999 27.250 517.749
2011 780.984 39.050 741.934
2012 430.288 17.027 413.261
2013 841.704 841.704
2014 774.206 774.206
2015 448.121 448.121
2016 763.028 763.028
Totais 9.355.542 256.185 2.012.797 7.086.560
b) Relativamente aos mesmos anos foram feitas as seguintes distribuições, a favor da acionista única, C... SGPS S.A. (R.I. e Docs. 9, 10, 11 e 12 juntos pelo Requerente):
Exercício Resultado líquido (EUR) Distribuições (EUR)
Adiantamento por conta de lucros Distribuição de resultados transitados Distribuição de reservas livres
2005 788.142
2006 939.296
2007 995.419 1.651.500
2008 1.318.192
2009 731.163 1.400.000
2010 544.999
2011 780.984
2012 430.288
2013 841.704 2.000.000
2014 774.206 800.000
2015 448.121
2016 763.028
Totais 9.355.542 1.651.500 3.400.000 800.000
Total distribuído 5.851.500
c) Num horizonte temporal mais alargado, entre os exercícios de 2000 e 2016, os resultados líquidos acumulados da B..., S. A., somaram EUR 11.684.589, tendo sido aplicados em reservas (EUR 4.465.942, dos quais EUR 4.175.257 reservas livres) e transferidos para resultados transitados (EUR 7.218.647):
Aplicação de resultados
Resultado líquido Reserva legal Reservas livres Resultados transitados
2000 227.313 95.226
2001 323.326 323.326
2002 462.647 462.647
2003 627.630 627.630
2004 688.131 34.500 653.631
2005 788.142 39.500 748.642
2006 939.296 47.000 892.296
2007 995.419 49.800 945.619
2008 1.318.192 1.318.192
2009 731.163 36.558 694.605
2010 544.999 27.250 517.749
2011 780.984 39.050 741.934
2012 430.288 17.027 413.261
2013 841.704 34.500 841.704
2014 774.206 39.500 774.206
2015 448.121 47.000 448.121
2016 763.028 49.800 763.028
Totais 11.684.589 290.685 4.175.257 7.218.647
d) A B..., S. A., não distribuiu dividendos entre 2000 e 2008 (a distribuição evidenciada em 2007 no quadro acima foi feita como adiantamento por conta do lucro do exercício de 2008).
e) Após a realização das operações descritas acima, ocorridas em agosto de 2007 – constituição de prestações acessórias na C... SGPS, S. A., realizadas em espécie mediante entrega da totalidade do capital da B..., S. A., pelos até então acionistas desta, pessoas singulares –, a partir do ano 2008 a B..., S. A., passou a distribuir dividendos à sua acionista C... SGPS, S. A.
f) Estas distribuições tiveram o benefício da eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, prevista no artigo 51.° do CIRC.
g) Nos períodos de tributação entre 2005 e 2016, a B..., S. A., acumulou Resultados Transitados (EUR 7.086.560) e Reservas Livres (EUR 2.012.797), no montante global de EUR 9.099.357, dos quais não fez distribuições até 2007.
h) Até esse ano, a composição acionista foi integralmente constituída por pessoas singulares (G..., titular de 60%, H..., A..., E... e I..., cada um destes titulares de 10%).
i) Passou, a partir do ano 2008, a distribuir dividendos à nova acionista única, C...SGPS, S. A., que ascenderam a EUR 5.851.500 no cômputo dos anos 2008, 2010, 2014 e 2015, como já referido acima.
j) Estas distribuições nos referidos anos 2008, 2010, 2014 e 2015, quando a acionista detentora da totalidade do capital era pessoa coletiva, beneficiando da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, traduziu-se, caso se faça análise por comparação com uma virtual distribuição direta aos acionistas indiretos, todos pessoas singulares, numa poupança de imposto (IRS retido na fonte relativo a rendimentos da categoria E), estimada em EUR 1.415.300 no conjunto daqueles anos:
Resultados distribuídos (EUR) Taxas liberatórias em IRS sobre rendimentos da categoria E IRS não retido na fonte (EUR)
2008 1.651.500 20% 330.300
2010 1.400.000 21,5% 301.000
2014 2.000.000 28% 560.000
2015 800.000 28% 224.000
Totais 5.851.500 1.415.300
k) Os dividendos distribuídos pela B..., S.A., à C... SGPS, S. A., em 2008 (EUR 1.651.500) e em 2010 (EUR 1.400.000) foram aplicados por esta última exclusivamente no reforço de prestações acessórias junto da sua participada K..., S. A., as quais, como referido acima, quando ascendiam a EUR 3.319.500, foram cedidas a I..., em agosto de 2011, pelo preço igual ao valor nominal, mediante “Acordo” (Anexo 9 ao R.I.)
l) Por sua vez, estas prestações acessórias serviram na K..., S. A., para amortizar a dívida bancária contraída, recebendo I... (após a segunda operação de alienação dos restantes 55% do capital pela C... SGPS, S. A., em fevereiro de 2012) a totalidade do capital daquela sociedade sem qualquer passivo.
m) Os dividendos distribuídos pela B..., S. A., à C... SGPS, S. A., em 2014 (EUR 2.000.000) e em 2015 (EUR 800.000) foram de imediato utilizados pela segunda para restituir prestações acessórias aos seus acionistas A... e E... (50% daqueles montantes a cada um).
XI - Relativamente à C... SGPS, S. A.
a) A C... SGPS, S. A., nunca teve outros acionistas além de membros da família F... e sempre foi uma sociedade holding puramente familiar.
b) Também nunca a C... SGPS, S. A. foi titular de outras participações em sociedades comerciais que não as das duas sociedades que os membros da família F... já detinham e para ela transferiram e sempre foi uma sociedade holding limitada às sociedades de titularidade prévia da família.
XII - Demonstrações financeiras e declarações fiscais
a) Nos exercícios compreendidos entre 2007 e 2016 (após a transformação em sociedade anónima e a alteração do seu objeto social para gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas), apresentou as demonstrações financeiras sintetizadas no R.I (págs. 27 e 28/106), das quais se extrai, com interesse para o presente processo, o seguinte:
Apresentou resultados líquidos positivos em todos os anos em análise, os quais tiveram forte acréscimo a partir do ano 2009 e resultaram, direta e quase exclusivamente, dos rendimentos gerados pela participação financeira na B..., S. A., para ela transferida em 2007 (em EUR):
Ganhos imputados de subsidiárias (gerados na B..., S. A.)
Resultado líquido
2007 0 19.656
2008 0 23.594
2009 851.109 880.673
2010 571.144 608.350
2011 613.274 650.006
2012 117.802 162.411
2013 841.704 889.107
2014 774.206 815.134
2015 448.121 485.250
2016 763.028 798.141
Neste horizonte temporal, a C... SGPS, S. A., nunca distribuiu resultados aos acionistas, tendo acumulado resultados transitados no montante de EUR 3.509.007 até 31.12.2016.
Caso tivesse feito distribuições, os beneficiários destas seriam todos pessoas singulares, sujeitas a tributação em IRS relativamente a esses rendimentos: os cinco membros da família F... acionistas até 30.08.2011; após esta data, A..., E... e G... .
De 2010 em diante, mantiveram-se os acima mencionados rendimentos associados às rendas do imóvel pagas pela B..., S. A., com as respetivas depreciações.
De 2010 em diante, deixaram de existir ‘gastos com o pessoal’.
Para a J..., LDA, e para a C... SGPS, S. A., que daquela resultou por transformação, não se mostra, relativamente aos anos 2007 a 2016, ter havido necessidades de financiamento, o que se constata pela ausência de encargos financeiros, mostrando os balanços que o passivo é quase inexistente.
Os valores de prestações acessórias acompanham, grosso modo, os das participações financeiras (em EUR):
Participações financeiras / método da equivalência patrimonial Total do ativo ‘Outros Instrumentos de Capital Próprio’ (prestações acessórias) Total do passivo mais situação líquida
2007 16.781.585 17.323.706 15.081.345 17.323.706
2008 16.781.585 19.007.126 15.081.345 19.007.126
2009 7.750.851 8.355.504 13.081.345 8.355.504
2010 8.489.995 8.964.397 13.081.345 8.964.397
2011 6.106.519 6.608.202 8.515.897 6.608.202
2012 6.455.622 7.003.708 8.515.897 7.003.708
2013 7.297.326 7.892.806 8.515.897 7.892.806
2014 6.071.532 6.712.923 6.515.897 6.712.923
2015 5.719.653 6.372.663 5.715.897 6.372.663
2016 6.482.681 7.169.157 5.715.897 7.169.157
O ativo da C... SGPS, S. A., é composto quase exclusivamente pela participação financeira na B..., S. A., que representa a totalidade dos seus Investimentos Financeiros nos anos compreendidos entre 2011 e 2016. Entre 2007 e 2010, também pelos 55% do capital da K..., S. A..
Os ganhos obtidos pela C... SGPS, S. A., nos exercícios de 2014 e 2015 tiveram origem essencialmente nos dividendos distribuídos pela B..., S. A., (EUR 2.000.000 em 2014, EUR 800.000 em 2015), então sua única participada (tais dividendos recebidos não foram contabilizados na classe 7, mas registados numa conta da classe 4 - Investimentos Financeiros).
A diminuição da rubrica ‘Outros Instrumentos de Capital Próprio’ no montante agregado de aproximadamente EUR 2.800.000 entre 2011 e 2016 decorreu da restituição de prestações acessórias aos acionistas A... e E... durante os anos 2014 e 2015.
A diminuição desta mesma rubrica entre 2010 e 2011, no valor de EUR 4.565.448, não decorreu de restituições, mas do encontro de contas acima referido, associado às operações relacionadas com I... .
b) Evolução dos valores de participações financeiras (contabilizadas pelo método da equivalência patrimonial), de capital social e de prestações acessórias, registados na escrituração da C... SGPS, S. A., entre 2005 e 2016 (em EUR):
Participações financeiras / método da equivalência patrimonial Capital social ‘Outros Instrumentos de Capital Próprio’ (prestações acessórias)
2005 0 249.399
2006 0 250.000
2007 16.781.585 2.050.000 15.081.345
2008 16.781.585 2.050.000 15.081.345
2009 7.750.851 2.050.000 13.081.345
2010 8.489.995 2.050.000 13.081.345
2011 6.106.519 2.050.000 8.515.897
2012 6.455.622 2.050.000 8.515.897
2013 7.297.326 2.050.000 8.515.897
2014 6.071.532 2.050.000 6.515.897
2015 5.719.653 2.050.000 5.715.897
2016 6.482.681 2.050.000 5.715.897
c) Por acionista, foi a seguinte a evolução do valor das prestações acessórias (em EUR):
G... H... A... E... I... Total
2005 64.644 8.779 8.779 8.779 8.779 99.760
2006 64.644 8.779 8.779 8.779 8.779 99.760
2007 9.048.807 1.508.134 1.508.134 1.508.134 1.508.134 15.081.344
2008 9.048.807 1.508.134 1.508.134 1.508.134 1.508.134 15.081.344
2009 7.853.595 1.306.938 1.306.938 1.306.938 1.306.938 13.081.344
2010 7.853.595 1.306.938 1.306.938 1.306.938 1.306.938 13.081.344
2011 0 0 4.257.948 4.257.948 0 8.515.896
2012 0 0 4.257.948 4.257.948 0 8.515.896
2013 0 0 4.257.948 4.257.948 0 8.515.896
2014 0 0 3.257.948 3.257.948 0 6.515.896
2015 0 0 2.857.948 2.857.948 0 5.715.896
2016 0 0 2.857.948 2.857.948 0 5.715.896
d) Tinham sido constituídas em anos anteriores junto da C... SGPS, S. A., prestações acessórias no montante de EUR 99.760, distribuídas entre os acionistas na proporção das suas participações.
e) Em 27.08.2007, a Assembleia Geral deliberou a exigência de prestações acessórias aos acionistas, a realizar em espécie, através da transmissão para a sociedade das partes de capital de que eram titulares na B..., S. A., as quais foram avaliadas em EUR 14.981.586 (correspondendo a EUR 31,41 por ação), cabendo EUR 8.988.951 a G... e EUR 1.498.159 a cada um dos restantes quatro acionistas, passando as prestações acessórias a totalizar EUR 15.081.344.
f) À data do encerramento do exercício de 2009, as prestações acessórias cifravam-se em EUR 13.081.344 (numa redução de EUR 2.000.000), repartidas entre EUR 7.853.595 de G... e EUR 1.306.938 7,54 de cada um dos restantes quatro acionistas.
g) No final do ano 2011, evidenciam o montante de EUR 8.515.896, respeitando a redução de EUR 4.565.448 ao encontro de contas associado às operações relacionadas com I... .
h) Os abatimentos no valor das prestações acessórias em 2014 (EUR 2.000.000) e 2015 (EUR 800.000) decorrem de restituições aos acionistas A... e E... .
XIII - Dividendos distribuídos à C... SGPS, S. A. pela B..., S. A.
a) No período compreendido entre 2008 e 2015, foram distribuídos pela B..., S. A., à sua acionista C...SGPS, S. A., dividendos no total de EUR 5.851.500:
2008 1.651.500 Adiantamento por conta de lucros do exercício
2009
2010 1.400.000 Distribuição de resultados transitados
2011
2012
2013
2014 2.000.000 Distribuição de resultados transitados
2015 800.000 Distribuição de reservas livres
XIV - Prestações acessórias restituídas pela C... SGPS, S. A., a A... e E...
a) Durante os anos 2014 e 2015, a C... SGPS, S. A., restituiu prestações acessórias aos seus acionistas no montante total de EUR 2.800.000 (EUR 2.000.000 em 2014 e EUR 800.000 em 2015, respetivamente).
b) Os extratos bancários referentes à C... SGPS, S. A. (conta com o IBAN...), dos respetivos registos contabilísticos na conta 12101 - Depósitos a Ordem –O..., evidenciam a proveniência e o fluxo dos fundos, nos termos seguintes (Anexos 19 a 25 ao R.I.):
No dia 22.09.2014, foi depositado na referida conta bancária da C... SGPS, S. A., o cheque n.° ..., sacado pela B..., S. A., à ordem da C... SGPS, S. A., no montante de EUR 2.000.000, a título de dividendos.
No mesmo dia 22.09.2014, foram sacados pela C... SGPS, S. A., dois cheques à ordem dos acionistas A... e E..., sobre a referida conta domiciliada no O..., entregues a título de restituição parcial das prestações acessórias por estes detidas, cada um no valor de EUR 1.000.000 (cheque n.º..., à ordem de A..., e cheque n.º..., à ordem de E...).
No dia 9.06.2015, foi ordenada pela B..., S. A., uma transferência bancária a favor da C... SGPS, S. A., no valor de EUR 800.000, a título de dividendos
No mesmo dia 9.06.2015, foram sacados pela C... SGPS, S. A., dois cheques à ordem dos aos acionistas A... e E..., sobre a referida conta domiciliada no O..., entregues a título de restituição parcial das prestações acessórias por estes detidas, cada um no valor de EUR 400.000 (cheque n.°..., à ordem de A..., e cheque n.º..., à ordem de E...).
c) Ou seja, os valores recebidos por estes acionistas, e portanto especificamente pelo Requerente, A..., em 2014 e 2015, a título de restituição parcial de prestações acessórias na C... SGPS, S. A., são precisamente os valores de dividendos pagos pela B..., S. A..
Matéria de direito
Caducidade do direito à liquidação
5. Defendem os Requerentes que se verifica a caducidade do direito à liquidação pelo decurso do prazo de três anos previsto no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, contado a partir do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico, segundo a redação resultante da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, porquanto a realização das prestações acessórias a que é atribuído um propósito evasivo reporta-se a 2007 ao passo que o procedimento destinado à aplicação da cláusula geral antiabuso só se iniciou em 2018, num momento em que se encontrava já extinta, pelo decurso do prazo, a liquidação com base em disposições antiabuso.
Começando por analisar esta questão, cabe referir que o facto tributário visado pela cláusula geral antiabuso é, em si, um facto jurídico complexo que corresponde a um esquema negocial adotado pelo contribuinte com o propósito de obter um ganho fiscal que não ocorreria se ele tivesse recorrido às formas jurídicas ou às práticas negociais comuns.
Reportando-nos à situação do caso, não basta, por conseguinte, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação que for devida, tomar como ponto de referência a data em que foi efetuada a transmissão de ações através de prestações acessórias em espécie já que estas operações não consubstanciam em si mesmo um meio artificioso ou fraudulento ou um abuso de formas jurídicas. O que poderá ter justificado a aplicação da cláusula geral antiabuso – na perspetiva da Autoridade Tributária - é o facto de o retorno do crédito gerado pelas prestações acessórias vir a ocorrer através de pagamentos que dissimulam uma distribuição de dividendos que não foram objeto de tributação, e, por isso mesmo, o esquema negocial que é objeto da cláusula geral antiabuso apenas se completa com o acréscimo patrimonial que é obtido indevidamente por esse meio.
O artigo 63.º, n.º 3, do CPPT determinava, na sua redação originária, que o procedimento de aplicação da cláusula antiabuso poderia ser aberto no prazo de três anos após a realização do negócio jurídico objeto das disposições antiabuso, que, por efeito da alteração introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, passou a ser contado a partir do início do ano civil seguinte à realização do negócio. Essa norma foi entretanto revogada pela nova redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, pelo que deverá entender-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação, mesmo nesse caso, é agora o prazo geral de quatro anos constante do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, que o n.º 4 explicita contar-se, nos impostos periódicos, “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.
Considerando o já anteriormente exposto, o facto tributário a ser tido em atenção para efeito da contagem do prazo de caducidade, no caso de aplicação da cláusula geral antiabuso, é o dito facto complexo, que se não reduz à mera operação de transmissão de participações sociais por meio de prestações acessórias, mas culmina com o rendimento auferido e o modo como foi auferido.
Sendo assim – como é bem de ver -, o prazo de caducidade não se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreram as prestações acessórias (2007), mas da data em que foram efetuados os pagamentos.
Tratando-se de pagamentos realizados em 22 de Setembro de 2014 e em 11 de Junho de 2015, e, portanto, nos exercícios de 2014 e de 2015, o prazo de caducidade conta-se a partir de um 1 de janeiro de 2015, no primeiro caso, e 1 de janeiro de 2016, no segundo caso, e tendo sido emitidas as liquidações adicionais em 12 de Dezembro de 2018 e 17 de Dezembro de 2018, não havia decorrido ainda o prazo de quatro anos fixado no falado artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
Improcede, por conseguinte, o invocado vício de caducidade do direito à liquidação.
Cláusula geral antiabuso
6. A disposição do artigo 38.º, n.º 2, da LGT declara como “ineficazes, no âmbito tributário, os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”. E, nesse caso, determina que a tributação se efetue de acordo com as normas que seriam aplicáveis se esses meios não tivessem sido utilizados, não se produzindo as vantagens fiscais que se pretendia obter.
Segundo assinala SÉRGIO VASQUES, a cláusula geral antiabuso consagrada na LGT é composta de três elementos essenciais. “Em primeiro lugar exige-se a prática de ato ou negócio artificioso ou fraudulento e que exprima abuso das formas jurídicas, no sentido de estarmos perante esquemas negociais que ocultem os seus verdadeiros propósitos e aos quais seja dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum. Em segundo lugar, exige-se o objetivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objetivos económicos reais. Em terceiro lugar, exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens em causa, nos mesmos termos em que estes seriam tributados se tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e práticas negociais mais comuns” (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2018, pág. 369).
O sentido geral da norma é, nestes termos, o de permitir a desqualificação para efeitos fiscais de um qualquer ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte com o único, ou principal, objetivo de obtenção de uma vantagem fiscal, que possa consubstanciar uma fraude à lei fiscal. O efeito jurídico que resulta do funcionamento da cláusula antiabuso é o de considerar os actos como praticados de acordo com o padrão normal do comércio jurídico para obter o mesmo resultado económico, determinando-se a obrigação tributária em função dos actos equivalentes que pudessem ser praticados.
Resulta de todas as precedentes considerações que a cláusula geral antiabuso se destina a eliminar as vantagens fiscais ilegítimas obtidas na esfera jurídica pelo contribuinte através de actos ou negócios abusivos praticados com o intuito de obviar ao pagamento do imposto que seria devido caso se tivesse recorrido às formas negociais comuns.
A aplicação da cláusula antiabuso depende, por outro lado, de uma apreciação casuística, havendo que ponderar a atuação concreta imputável ao sujeito passivo em função das circunstâncias de facto que possam ser tidas como assentes (cfr. acórdão do TCA Sul de 15 de fevereiro de 2011, Processo n.º 04255/10, e acórdão arbitral proferido no Processo n.º 377/2014).
No caso vertente, a vantagem fiscal ilícita que justificou a aplicação da disposição antiabuso traduziu-se na evitação de pagamento de imposto relativamente à distribuição de dividendos a título de reembolso de prestações acessórias a dois dos sócios, um dos quais o Requerente, que, normalmente, seria objeto de tributação como rendimentos de capitais, nos termos da alínea h) do n.º 2 artigo 5.º do Código do IRS, e que foi alcançada através de um conjunto sucessivo de operações societárias que, na parte que diretamente interessa considerar, se encontram assim descritas.
Em 30 de Junho de 2006, a sociedade J..., LDA. foi transformada em sociedade anónima, alterando o seu objeto social para gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, e passando a adotar a denominação C..., SGPS, mantendo-se a anterior estrutura societária.
Nessa mesma data, foi outorgado um novo contrato de sociedade pelo qual se previa, no artigo 4.º, que os acionistas ficam obrigados a efetuarem prestações acessórias, em espécie, através da transmissão das participações sociais que sejam titulares na firma B..., S.A., para a sociedade (§ 5.ª) e a exigência será feita mediante prévia deliberação da assembleia-geral, convencionando-se que tais prestações serão onerosas e o reembolso ao acionista poderá ser em dinheiro (§ 6.º).
Em 27 de agosto de 2007, a Assembleia Geral Extraordinária da C... SGPS, convocada para o efeito, deliberou a exigência aos acionistas de prestações acessórias, em espécie, através da transmissão para a sociedade, das ações que aqueles são titulares na sociedade B..., SA, que se concretizaram da seguinte forma: o acionista G... transmite à C..., SGPS, 286.200 ações às quais foi atribuído o valor global de € 8.988.951; os restantes quatro acionistas – H..., A..., E... e I...- transmitem cada um 47.700 ações correspondentes ao valor individual de 1.498.158,50.
Por doação outorgada em 31 de agosto de 2011, G... e H... doaram aos filhos A... e E..., respetivamente, 118.000 ações e 20.500 ações de que eram titulares na C..., SGPS, representativas de 28,78% e 5% do capital daquela sociedade.
Nos anos de 2008, 2010, 2014 e 2015 a B..., SA distribuiu resultados à sua participante C... SGPS, nos seguintes montantes: € 1.651.500,00 (31 de março de 2008) € 1.400.000,00 (11 de outubro de 2010), € 2 000.000,00 (15 de setembro de 2014) e € 800.000.00 (30 de abril de 2015), no valor global de € 5.851.500,00.
Os dividendos distribuídos pela B..., SA à C... SGPS em 2014, no montante de € 2.000.0000,00, e em 2015, no montante de € 800.000,00, destinaram-se à restituição das prestações acessórias realizadas pelos acionistas A... e E..., que, no caso do Requerente, correspondem, em cada um desses anos, aos montantes de € 1.000.000,00 e € 800.000,00.
7. A referência a atos ou negócios jurídicos que podem ser tidos como ineficazes por aplicação da cláusula antiabuso deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo quaisquer esquemas negociais que possam considerar-se finalisticamente relacionados e que, por ausência de racionalidade económica, devam ser tidos como visando obviar ao pagamento do imposto que normalmente seria devido. Ademais, as formas negociais que tenham sido utilizadas devem ser aferidas em termos objetivos, a partir da substância económica das transações segundo um padrão de razoabilidade económica e comercial.
Não podendo perder-se de vista que o sentido geral da Diretiva Antielisião Fiscal (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, sugere que uma montagem (ou série de montagens) será considerada como não genuína na medida em que não coloque em prática um propósito comercial válido baseado em razões que reflitam a realidade económica.
No caso, as operações de modificação do capital social levadas a efeito e a constituição de um direito à restituição a favor dos acionistas da B..., SA de prestações acessórias em espécie realizadas através da transmissão das ações que detinham nessa sociedade para a C... SGPS, não revelam um objetivo suficientemente definido e justificado do ponto de vista financeiro, nem encontram uma explicação bastante na alegada pretensão de reorganização societária de modo a melhorar a gestão dos meios, a redução dos encargos e a criação de valor, através da detenção de participações sociais de outras sociedades.
De facto, a C... SGPS, desde o momento em que assumiu a forma jurídica de sociedade gestora de participações sociais (em março de 2006) apenas integrou as participações sociais das sociedades K..., SA, entre 5 de maio de 2007 e 28 de fevereiro de 2012, e na B..., SA, desde 27 de agosto de 2007, que eram detidas pelos membros da família F... e que para ela as transferiram.
A C... SGPS, não foi titular de outras participações em sociedades comerciais para além daquelas que encontravam na titularidade da família e não teve qualquer outra atividade como sociedade gestora de participações sociais.
Os únicos rendimentos auferidos pela C... SGPS proveem das rendas pagas pela B..., SA pela utilização do imóvel onde possui a sua sede, com base num contrato de arrendamento celebrado entre as partes, pelo que o ativo da sociedade é composto essencialmente pela participação financeira na B..., SA que representa a totalidade dos seus investimentos financeiros nos anos compreendidos entre 2011 e 2016, sendo que os ganhos obtidos nos exercícios de 2014 e 2015 tiveram origem nos dividendos distribuídos pela B..., SA sua participada.
Por outro lado, desde 2010, a C... SGPS não apresenta gastos com pessoal e nunca teve qualquer efetiva atividade na gestão de participações sociais, visto que os seus acionistas continuam a deter o controlo de 100% do capital e direitos de voto da C... SGPS sua única participada. Permitindo concluir que a constituição da sociedade gestora de participações sociais não tem qualquer substância económica e visou o único objetivo de proceder a uma mera alteração da titularidade direta pela titularidade indireta do capital da B..., SA.
E não pode ignorar-se que as sociedades intervenientes nas diversas operações de recomposição do capital constituem um grupo de empresas familiar cujas estruturas societárias e cargos de administração e gerência sempre se mantiveram no seio da família F... .
Importa ter presente, por fim, que a realização de prestações acessórias, em espécie, para efeito de concretizar a transmissão das participações sociais para a C... SGPS se encontrava excluída, à data, de tributação em mais-valias, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do Código de IRC, por se tratar de ações detidas pelo seu titular há mais de 12 meses, e a distribuição de dividendos beneficiava igualmente do regime de eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas, conforme o previsto no artigo 51.º do Código do IRC. O que conduz a considerar, como resulta da matéria de facto dada como assente (cfr. X, alíneas i) e j)), que a distribuição de dividendos à nova acionista única, no cômputo dos anos 2008, 2010, 2014 e 2015, que ascenderam a € 5.851.500, originaram uma poupança de IRS em rendimentos da categoria E) estimada em € 1.415.300,00.
Como se impõe concluir, o único efeito prático da constituição da C... SGPS, enquanto sociedade gestora de participações sociais, foi o de permitir o reconhecimento de uma dívida por uma outra sociedade como contrapartida da transmissão de participações sociais através de prestações acessórias e que teve em vista o pagamento planeado através de distribuição de dividendos entre as empresas mas que eram atribuídos a título de reembolso.
Assistiu-se, nestes termos, a uma série de transações por passos (“step transaction”) com um efeito consequencial que é o de permitir que os sócios da C... SGPS passassem a deter apenas um crédito resultante da transmissão de ações que lhes assegura a possibilidade de auferirem rendimentos a título de pagamento que, na realidade, provêm de distribuição de dividendos.
Subsistem, em todo este contexto, factos indiciários suficientes para considerar que o conjunto articulado de operações, não tendo tido um objetivo que se torne justificável no plano da racionalidade económica e da atividade empresarial, teve o único propósito de obstar à tributação em sede de IRS dos rendimentos de capitais, havendo fundamento bastante para a declaração de ineficácia dos negócios jurídicos em aplicação da cláusula geral antiabuso a que se refere o artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os actos de liquidação impugnados, bem como a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa.
Valor da causa
O Requerente indicou como valor da causa o montante de € 759.922.08, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11.016,00, que fica a cargo do Requerente.
Notifique.
Lisboa, 28 de janeiro de 2021,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Leonor Fernandes Ferreira
O Árbitro vogal
Luís Oliveira