Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 326/2020-T
Data da decisão: 2021-01-21  IRC  
Valor do pedido: € 74.259,92
Tema: IRC - Prestações acessórias; Gastos de financiamento; Dedutibilidade para efeitos fiscais.
Versão em PDF

Sumário:

I - A actividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

II - Estando em causa operações de financiamento de sociedades participadas, sob a forma de prestações acessórias a título gratuito, tem plena aplicação o entendimento jurisprudencial segundo o qual tais financiamentos não podem ser considerados como efectuados no âmbito da “actividade produtiva” e do interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, quando esta não seja uma sociedade gestora de participações sociais.

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., com o n.º pessoa colectiva..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IRC relativos a 2015 e 2016 e respectiva demonstração de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica a exploração de actividades concessionadas pelo Estado ou pela administração pública em geral, designadamente a concessão, construção, exploração e manutenção de concessões rodoviárias e outras obras públicas ou privadas, prestação de serviços administrativos e de consultoria empresarial e de gestão.

 

Detém 4.750.000 acções representativas de 95% do capital social da B..., S.A. (B...).

 

A B..., dedica-se, em especial, à actividade de execução de empreitadas de obras públicas e particulares, indústria de construção civil, fornecimento de obras públicas, concessões de obras públicas e a outras actividades complementares.

 

E detém participações na C..., S.A., D..., E..., F... e G..., que são nas sociedades subconcessionárias e operadoras de auto-estradas portuguesas.

 

A Requerente está, desde Janeiro de 2008, abrangida pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), e, nessa conformidade, consolida o lucro tributável do conjunto das sociedades suas participadas, no qual se insere a B... .

 

A Autoridade Tributária levou a cabo uma acção de inspecção à contabilidade da B... e, em resultado desse procedimento, praticou os  actos tributários impugnados, corrigindo o lucro tributável relativamente aos 2015 e 2016 por desconsideração dos gastos suportados com a realização de prestações acessórias nas sociedades, suas participadas, C... e E..., e a obtenção de financiamentos bancários em vista a realização dessas prestações acessórias e juros suportados com tais financiamentos bancários.

 

As correcções assentam no pressuposto erróneo de que os encargos em causa não estão relacionados com o exercício da normal actividade da B... e resultam de financiamentos concedidos a empresas participadas – consideradas terceiras, em relação à B... – e no interesse das mesmas.

 

Ora, a B... esclareceu, no âmbito do procedimento inspectivo, que, tal como a Requerente, inclui no seu objecto social a actividade de concessão de obras públicas,  actividade a que igualmente se dedicam as sociedades concessionárias, suas participadas, C... e E... .

 

Os encargos resultam do cumprimento de obrigações contratuais da B..., assumidas nas sociedades concessionárias suas participadas, em ordem à adjudicação dos respectivos contratos de empreitadas de construção das redes viárias.

 

Essas empresas, embora sendo autónomas, não poderão ser consideradas terceiros em relação à B..., dada a sua natureza instrumental em relação à concessão, construção e exploração dos conjuntos viários que lhes foram atribuídos pelo Estado.

 

O objectivo da B... com a realização dos investimentos não foi o de obter uma simples participação financeira nas sociedades concessionárias, mas assegurar um investimento de natureza exclusivamente industrial, com o fim empresarial de obter acesso à execução de empreitadas de obras públicas de construção rodoviárias, no âmbito dessas concessões rodoviárias.

 

As sociedades concessionárias foram constituídas com o intuito de construção da rede viária de auto-estradas em Portugal e, por isso, figuram obrigatoriamente como associadas nos Agrupamentos Complementares de Empresas conjuntamente com as construtoras accionistas das sociedades concessionárias.

 

As prestações acessórias de capital que a B... foi obrigada a realizar serviram directa e exclusivamente para financiamento das actividades das sociedades concessionárias, suas participadas.

 

Desde o ano de 2002 até 2014 a principal fonte de facturação e proveitos da B... resultou da sua actividade como membro dos Agrupamentos Complementares de Empresas construtoras de cada uma das concessionárias.

 

As duas sociedades concessionárias em causa (C... e E...) contribuíram desde o seu início e até ao exercício de 2013 com mais de metade do valor da facturação da B... .

 

É assim claro que os encargos financeiros em questão mostram-se indispensáveis para a prossecução do objecto social da B... estão integralmente relacionados com a sua actividade e foram aplicados na sua exploração e preenchem os requisitos de indispensabilidade dos gastos para efeitos do disposto no artigo 23º, n.º 1, do CIRC.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere o seguinte.

Em causa está a desconsideração ao abrigo do artigo 23º, nº 1, do CIRC dos encargos financeiros suportados pela B... com financiamento obtido junto de instituições financeiras comprovadamente utilizado para a realização de prestações acessórias gratuitas a favor de duas participadas, as quais não integram o Grupo de Sociedades da Requerente.

 

Os encargos financeiros associados aos financiamentos não foram suportados para o exercício da atividade normal do sujeito passivo, inscrita no seu escopo societário, antes se destinando ao exercício da regular atividade das sociedades beneficiárias das prestações acessórias de capital.

 

De facto, a Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, que integra as empresas H..., SA, I..., SA, J..., SGPS,  K..., SA  e L..., SA.

 

A B... contraiu diferentes empréstimos junto de instituições financeiras relativamente aos quais suportou encargos financeiros, que, em parte relevante, foram utilizados para conceder prestações acessórias a título gratuito a duas sociedades suas participadas, M..., SA. E C..., SA.

 

Ora, a sociedade B... tem como objeto social, execução de empreitadas de obras públicas e particulares, indústria de construção civil e outras atividades complementares, e não é uma sociedade gestora de participações sociais.

No entanto, os encargos financeiros respeitam a financiamentos que se não destinam ao desenvolvimento da respetiva atividade (construção, conservação) mas que são colocados à disposição das suas participadas M... e C..., sem qualquer remuneração associada, o que conduz a que essas sociedades possam utilizar esses financiamentos para as finalidades próprias que se não reflectem no objecto social da B... .

E, desse modo, os encargos financeiros que indevidamente oneraram o resultado líquido e o resultado fiscal da B..., deveriam ter sido suportados por essas sociedades beneficiárias.

Não de descortina, nestas circunstâncias, a racionalidade económica subjacente   à liberalidade concedida pela B..., que não encontra fundamento nos interesses da sociedade mas em interesses alheios e eventualmente, interesses do “grupo de sociedades” em que se encontra inserida, e, nesse sentido, não se verificam os requisitos da dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais.

 

2. No seguimento do processo, a Requerente prescindiu da produção de prova testemunhal arrolada na petição inicial e, por despacho arbitral de 7 de Dezembro de 2020, o tribunal dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por considerar que não existiam quaisquer novos elementos sobre que as partes de devessem pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23 de Setembro de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica a exploração de actividades concessionadas pelo Estado ou pela administração pública em geral, designadamente a concessão, construção, exploração e manutenção de concessões rodoviárias e outras obras públicas ou privadas, prestação de serviços administrativos e de consultoria empresarial e de gestão;

B)           E encontra-se abrangida, desde Janeiro de 2008, pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS);

C)           À data dos factos, a Requerente integrava as seguintes sociedades: H..., SA, I..., SA, J..., SGPS,  K..., SA  e L..., SA.

D)           A Requerente detém 4.750.000 acções representativas de 95% do capital social da B..., S.A. (B...);

E)            A B... dedica-se à actividade de execução de empreitadas de obras públicas e particulares, indústria de construção civil, fornecimento de obras públicas, concessões de obras públicas, trabalhos e elaboração de estudos de engenharia civil, fabricação e comercialização de materiais de construção e de produtos de betão, manutenção, conservação e exploração de sistemas de saneamento básico, recolha e tratamento de resíduos sólidos ou líquidos, exploração de fontes de energia renováveis, reciclagem de produtos metálicos e não metálicos, captação, tratamento e distribuição de água, indústria extractiva de pedra e outros minerais não metálicos, compra e venda, compra para revenda, e administração de bens imobiliários, construção, exploração e venda de empreendimentos imobiliários e turísticos, transporte rodoviário de mercadorias, podendo dedicar-se a outras actividades complementares do objecto principal;

F)            A B... detém as seguintes participações em sociedades concessionárias e operadoras de auto-estradas portuguesas:

(i) Oito mil acções representativas da participação de 4% do capital social da C..., S.A.

(ii) 400 acções representativas da participação de 0,8% do capital social da D...;

(iii) Sete mil e setecentas acções representativas da participação de 3,85% do capital social da E..., S.A.;

(iv) 385 acções representativas da participação de 0,77% no capital social da G...;

G) A B... efectuou prestações acessórias a favor da C..., até ao final de 2015, no montante de € 2.148.008,23 EUR, e a favor da E..., no montante de € 8.364.186,54;

H) Nos anos de 2015 e 2016, a B... recorreu a financiamentos bancários junto de instituições de crédito nos montantes de € 14.082.170,98 e de € 6.800.473,82, respetivamente;

I) Nesses mesmos anos, a B... suportou juros de financiamento nos montantes de € 978.322,46 e de € 679.487,83;

J)            A B... foi objecto de uma acção inspectiva referente aos períodos de tributação 2015 e 2016, credenciada pela OI 2018... e OI 2018..., com início, respectivamente, em 24 de setembro de 2018 e 15 de Janeiro de 2019;

K)           O Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito do procedimento inspectivo justificou as correcções aritméticas propostas nos seguintes termos.

 

III. 2. Implicações fiscais – desconsideração de gastos de financiamento

Na sequência do explicitado no ponto III.1 deste Relatório e da análise efetuada aos documentos constantes da contabilidade e outros fornecidos pelo sujeito passivo no decurso da ação inspetiva, constatámos que este tinha registado na sua contabilidade:

1.Prestações acessórias concedidas, no valor de 8.364.186,54 EUR em 2015 e 2016;

2.Financiamentos obtidos de instituições de crédito, no valor de 14.082.170,98 EUR em 2015 e de 6.800.473,82 EUR em 2016;

3.Juros suportados com financiamentos bancários, no valor de no valor de 988.872,27 EUR em 2015 e de 679.487,83 EUR em 2016 

EM TERMOS FISCAIS, para o apuramento do lucro tributável, deverão ser aplicadas os princípios gerais subjacentes à aceitação dos gastos, estabelecido pelo nº1 do artigo 23º do CIRC, onde se estipula que “1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”. 

Nestes termos, torna-se condição fundamental que exista uma correlação entre os gastos suportados pelo SP na prossecução da sua atividade e os rendimentos obtidos dessa atividade. Quer isto dizer que o gasto deve ter na sua origem e na sua causa um fim empresarial, por isso, há que distinguir entre o gasto efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar de gastos incorridos no interesse de terceiros.

A noção legal de indispensabilidade reprime atos que sejam estranhos, direta ou indiretamente, ao propósito da sociedade, não inseríveis no seu interesse social, tal como acontece no caso em apreço, porque não visam o lucro e porque o benefício de um terceiro se sobrepõe à própria sociedade, com custos para este.

De facto,

Da consulta efetuada à Certidão da Conservatória do Registo Comercial, o sujeito passivo tem como objeto social:

•             Execução de empreitadas de obras públicas e particulares;

•             Indústria de construção civil;

•             Fornecimento de obras públicas;

•             Concessões de obras públicas;

•             Trabalhos e elaboração de estudos de engenharia civil;

•             Fabricação e comercialização de materiais de construção e de produto;

•             Indústria extrativa de pedra e outros minerais não metálicos;

•             Compra e venda, compra para revenda, e administração de bens imobiliários,

•             Construção, exploração e venda de empreendimentos imobiliários e turísticos;

•             Transporte rodoviário de mercadorias;

•             Outras atividades complementares do objeto principal

 Ainda,

Da consulta efetuada ao cadastro da AT, constatámos que o sujeito passivo se encontra registado para o exercício da atividade de “CONSTRUÇÃO DE OUTRAS OBRAS DE ENGENHARIA CIVIL, N.E.” (CAE 42990), desde 2008-03-06.

Em síntese, verifica-se que atividade do sujeito passivo prende-se com obras de engenharia e construção civil. 

Assim, no caso concreto dos gastos referentes a juros suportados pelo SP, verifica-se que, nos períodos de 2015 e 2016, uma parte de tais encargos não estão relacionados com qualquer atividade do SP inscrita no seu objeto social, pelo que, coloca em causa a indispensabilidade de parte desses gastos para efeitos fiscais.

De facto, no caso em apreço, o sujeito passivo efetuou prestações acessórias a título gratuito a duas sociedades, nas quais participa. Simultaneamente, tem vindo a recorrer a crédito bancário, para financiar as necessidades financeiras ao longo do tempo. Significa isto que parte dos encargos financeiros associados aos financiamentos não foram suportados para o exercício da atividade normal do sujeito passivo, inscrita no seu escopo societário, antes se destinando ao exercício da regular atividade das sociedades participadas pelo sujeito passivo, beneficiárias das prestações acessórias de capital.

Dito de outro modo, se o sujeito passivo não tivesse incorrido na obrigação das prestações acessórias em causa, teria necessidades de financiamento inferiores e, consequentemente, alcançaria os seus objetivos operacionais, com gastos inferiores aos agora incorridos.

Assim, uma parte dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo não poderá ser considerada gastos indispensáveis para efeitos da sua dedutibilidade nos termos do art.º 23.º do CIRC, pelo facto de tais gastos serem efetuados e suportados por força das prestações acessórias gratuitas concedidas às empresas participadas e no interesse das mesmas. As quais, sendo sujeitos passivos autónomos, em termos fiscais, são terceiros em relação ao sujeito passivo, sendo ambas sujeitos passivos de IRC autónomos. 

Neste mesmo sentido extraísse aqui o sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. 01206, de 2018-02-28:

“I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.

II             - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade social da impugnante.

III- Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.

i. O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.”

 Nestes termos, será aqui determinado os gastos suportados com os financiamentos obtidos que não deverão concorrer para a formação do lucro tributável dos períodos de 2015 e 2016, conforme se fundamenta nos pontos seguintes.

III.2.1 - Cálculo dos valores não aceites

Para o cálculo do valor dos gastos não considerados, iremos ter em atenção a média mensal dos valores constantes da conta “4142 - EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS”. Com base nos elementos entregues pelo sujeito passivo foi elaborado o seguinte quadro: 

 

                SALDO ACUMULADO NO FINAL DO PERIODO

DATA     CONTA 414203 -E... –F..., S.A                  (a)            CONTA 414205 -

C...-

                PREST.ACESSOR       

(b)          VALOR NÃO COBERTO PELOS

FINANCIAMENTOS

 GRATUITOS            (a +b)

201501                6.216.178,31 € 974.685,64 €     7.190.863,95 €

201502                6.216.178,31 € 1.094.685,64 € 7.310.863,95 €

201503                6.216.178,31 € 1.094.685,64 € 7.310.863,95 €

201504                6.216.178,31 € 1.094.685,64 € 7.310.863,95 €

201505                6.216.178,31 € 1.094.685,64 € 7.310.863,95 €

201506                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201507                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201508                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201509                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201510                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201511                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201512                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

MÉDIA MENSAL                7.915.302,13 €

                 

                SALDO ACUMULADO NO FINAL DO PERIODO

DATA     CONTA 414203 -E... –F..., S.A                  (a)            CONTA 414205 -

C...-

                PREST.ACESSOR       

(b)          VALOR NÃO COBERTO PELOS

FINANCIAMENTOS

 GRATUITOS            (a +b)

201601                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201602                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201603                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201604                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201605                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201606                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201607                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201608                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201609                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201610                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201611                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

201612                6.216.178,31 € 2.148.008,23 € 8.364.186,54 €

MÉDIA MENSAL                8.364.186,54 €

 

Apurámos assim, que a média mensal do valor dos financiamentos, concedidos a título gratuito através de prestações acessórias, ascende a 7.915.302,13 € em 2015 e, 8.364.186,54 EUR em 2016.

Desta forma, os gastos suportados com os financiamentos obtidos, não deverão concorrer para a formação do lucro tributável na exata proporção entre o valor das prestações acessórias concedidas a título gratuito e o montante dos financiamentos obtidos, correspondendo a 57,07% em 2015 e 89,42%, em 2016. Esta percentagem foi obtida pela aplicação do quociente entre o saldo médio determinado no quadro anterior e o saldo médio mensal da conta “251 – Financiamentos obtidos”, conforme se sintetiza nos quadros seguintes:

                SALDO ACUMULADO NO FINAL DO PERIODO – 2015      

DATA     25111 - EMP. BANCÁRIOS

(CORRENTE)       2513 -

LOCAÇÕES

FINANCEIRAS    2514 - LETRAS DESCONTADAS   254231 -

VALOR RIB - EMP.

BANCARIOS       254233 -

VALOR RIB - LEASING     TOTAL DA CONTA

251 -

FINANCIAMENTOS OBTIDO

201501                13.259.039,17 €               433.974,46 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   13.693.013,63 €

201502                13.071.538,49 €               403.939,96 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   13.475.478,45 €

201503                12.431.500,30 €               382.947,94 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   12.814.448,24 €

201504                12.070.587,93 €               358.846,87 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   12.429.434,80 €

201505                12.314.516,52 €               328.423,62 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   12.642.940,14 €

201506                14.085.415,78 €               307.158,62 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   14.392.574,40 €

201507                14.617.534,27 €               282.780,25 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   14.900.314,52 €

                SALDO ACUMULADO NO FINAL DO PERIODO – 2015      

DATA     25111 - EMP. BANCÁRIOS

(CORRENTE)       2513 -

LOCAÇÕES

FINANCEIRAS    2514 - LETRAS DESCONTADAS   254231 -

VALOR RIB - EMP.

BANCARIOS       254233 -

VALOR RIB - LEASING     TOTAL DA CONTA

251 -

FINANCIAMENTOS OBTIDO

201508                14.526.059,05 €               267.987,45 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   14.794.046,50 €

201509                14.190.641,67 €               231.465,32 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   14.422.106,99 €

201510                14.398.342,08 €               214.695,68 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   14.613.037,76 €

201511                13.616.294,95 €               191.410,28 €     0,00 €    0,00 €   0,00 €   13.807.705,23 €

201512                13.904.608,13 €               177.562,85 €     0,00 €    344.236,85 €     17.691,59 €        14.444.099,42 €

(1) MÉDIA MENSAL DOS EMPRÉSTIMOS OBTIDOS            9.354.243,12 €

(2)  Média mensal do valor dos financiamentos concedidos a título gratuito através de prestações acessórias                 7.915.302,13 €

(3) Em % dos empréstimos obtidos = (2) / (1) *100          57,07%

 

                SALDO ACUMULADO NO FINAL DO PERIODO – 2016      

DATA     25111 - EMP. BANCÁRIOS

(CORRENTE)       2513 -

LOCAÇÕES

FINANCEIRAS    2514 - LETRAS DESCONTADAS   254231 - VALOR RIB - EMP.

BANCARIOS       254233 -

VALOR RIB - LEASING     TOTAL DA CONTA

251 -

FINANCIAMENTOS OBTIDO

201601                13.879.562,64 €               160.642,25 €     0,00 €    344.236,85 €     17.691,50 €        14.402.133,24 €

201602                13.678.005,29 €               141.210,25 €     0,00 €    344.236,85 €     17.691,50 €        14.181.143,89 €

201603                13.582.481,75 €               122.410,64 €     0,00 €    344.236,85 €     17.691,50 €        14.066.820,74 €

201604                13.700.239,48 €               111.369,95 €     0,00 €    344.236,85 €     17.691,50 €        14.173.537,78 €

201605                7.559.904,23 € 95.308,75 €        0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        8.017.141,33 €

201606                7.313.998,08 € 88.041,60 €        0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        7.763.968,03 €

201607                6.861.611,72 € 56.473,50 €        0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        7.280.013,57 €

201608                6.012.921,20 € 115.935,92 €     0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        6.490.785,47 €

201609                5.948.047,39 € 109.291,45 €     0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        6.419.267,19 €

201610                5.691.165,95 € 99.310,09 €        0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        6.152.404,39 €

201611                5.846.111,06 € 97.322,55 €        0,00 €   344.236,85 €      17.691,50 €        6.305.361,96 €

201612                5.181.022,91 € 95.330,81 €        1.524.120,10 € 185.676,22 €     12.189,84 €        6.998.339,88 €

(1) MÉDIA MENSAL DOS EMPRÉSTIMOS OBTIDOS            9.354.243,12 €

(2) Média mensal do valor dos financiamentos concedidos a título gratuito através de prestações acessórias                 8.364.186,54 €

(3) Em % dos empréstimos obtidos = (2) / (1) *100          89,42%

 

Assim, será aqui corrigido Lucro Tributável (LT) do período de 2015 e 2016, na proporção de 57,07% e 89,42%, respetivamente, do total dos gastos incorridos pelo SP com juros de financiamentos obtidos, correspondendo a 564.364,15 EUR em 2015 e 607.359,28 EUR em 2016, conforme se demonstra no quadro seguinte:

ID           DESCRIÇÃO         2015      2016

1             % DOS JUROS DE FINANCIAMENTOS NÃO ACEITES           57,07%                 89,42%

2             SALDO FINAL DA CONTA 6911 - JUROS DE FINANCIAMENTOS OBTIDOS:                988.872,27 €      679.487,83 €

3             CORREÇÃO AO LT = 1 * 2              564.364,15 €     607.570,58 €

 

 L) Na sequência da acção inspectiva, foram emitidos pela Autoridade Tributária os actos de liquidações adicionais nº 2019..., referente a 2015, no montante total de € 37.042,85, e nº 2019..., referente a IRC de 2016, no montante total de € 37.217,07;

M) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação que foi indeferida por despacho de Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., praticado ao abrigo de delegação de competências, de 24 de Outubro de 2019;

N) A reclamação graciosa foi inferida com informação dos serviços que, na parte relevante, refere o seguinte:

[…]

Da análise do requerimento endereçado para efeitos do direito de participação não se verifica a existência de argumentos que permitam uma decisão diferente daquela que já foi proposta.

De facto, a reclamante, além de reiterar o já legado na petição da reclamação graciosa, junta cópia de decisão proferida no processo 80/2017-T pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), referindo que esta decisão versa sobre a mesma matéria, concluindo que deve ser anulada a liquidação reclamada. Quanto a este ponto convém salientar que a atuação da AT não está vinculada à jurisprudência.

Pelo exposto, sou do parecer que a presente reclamação deve ser indeferida, pelos motivos e nos termos expostos no projeto de decisão em questão e na presente informação.

M) Em 25 de Novembro de 2019, a Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que não foi objecto de decisão no prazo legalmente previsto.

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.

           

Matéria de direito

 

5. A única questão em debate traduz-se em saber se os encargos financeiros suportados pela B... com os financiamentos bancários destinados a realizar prestações acessórias a título gratuito a favor de duas das suas sociedades participadas (C... e E...) devem ser tidos como custos para efeitos fiscais, nos termos previstos no artigo 23.º do Código do IRC, por se encontrarem relacionados com a exploração da sua própria actividade empresarial.

 

Para uma melhor compreensão do objecto do litígio, importa começar por referir que a Requerente é uma sociedade anónima que se dedica, entre outros empreendimentos, à concessão, construção, exploração e manutenção de concessões rodoviárias e é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

 

A B... é entidade participada da Requerente, tendo essencialmente por objecto a  execução de empreitadas de obras públicas e particulares, indústria de construção civil, fornecimento de obras públicas e concessões de obras públicas.

 

A B... incorreu em gastos de financiamento para efectuar prestações acessórias gratuitas às suas participadas C... e E..., que são concessionárias de construção de redes viárias, sendo que esses gastos foram desconsiderados pela Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspectivo contra ela dirigido, por se considerar que se não relacionam com a prossecução da sua normal actividade.

 

A Requerente alega que os encargos em causa resultam do cumprimento de obrigações contratuais que a B... assumiu perante as sociedades suas participadas, em vista a obterem adjudicação dos contratos de empreitada de construção das infraestruturas rodoviárias e, nessa medida, permitiriam à B... participar na execução das empreitadas e, desse modo, obter os rendimentos inerentes à sua actividade e sujeitos a tributação, reflectindo-se no lucro consolidado do grupo de sociedades.

 

Estando em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais, interessa ter presente, num primeiro momento, a referida disposição do artigo 23.º do Código de IRC.

Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, e aplicável aos períodos de tributação em análise, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, especificando o n.º 2, a título exemplificativo, os gastos e perdas que se encontram abrangidos por essa cláusula geral, e entre os quais se contam os “gastos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheio aplicados na exploração”, a que se refere agora à alínea c) do n.º 2.

Tem-se como assente e constitui entendimento jurisprudencial firme que da “noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).

                Em síntese conclusiva, deve entender-se que a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a actividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de actividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou actos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).

É nesse âmbito compreensivo   que se enquadra a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com actividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a actividade empresarial, independentemente da efectiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).

No caso vertente, o que está em causa são os gastos de financiamento suportados pela B... com prestações acessórias, a título gratuito, realizadas a favor de sociedades suas participadas que alegadamente tinham em vista satisfazer obrigações contratuais assumidas perante essas entidades em ordem à adjudicação de empreitadas de obras públicas que poderiam repercutir-se na actividade económica desenvolvida pela própria B... .

As prestações acessórias, a que aludem os artigos 209.º e 287.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicáveis às sociedades por quotas e às sociedades anónimas, têm de ser estabelecidas no contrato da sociedade, originariamente ou através da modificação do estatuto social, poderão ser conferidas a título gratuito ou oneroso, e não correspondem propriamente a um reforço de capital, distinguindo-se, neste ponto, das prestações suplementares. O conteúdo da obrigação das prestações acessórias poderá ser muito diverso, podendo traduzir-se não apenas em prestações pecuniárias, mas no fornecimento de bens à sociedade ou na aquisição de produtos desta, em assistência técnica, garantia de dívidas, prestação de serviços, exercício da actividade de gerente ou administrador ou atribuição do gozo de um prédio ou de um outro bem a favor da sociedade (sobre todos estes aspectos, cfr. PINTO FURTADO, Curso do Direito das Sociedades, 4.ª edição, Coimbra, págs. 219 e 320-321; COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol II, 6.ª edição, Coimbra, págs. 215 e 313 a 317; Rui Pinto Duarte, “Suprimentos, Prestações Acessórias e Prestações Suplementares – notas e questões”, in Problemas do Direito das Sociedades, Coimbra, págs.275 a 277).

 

6. Revertendo à situação do caso, a questão que cabe dirimir é saber se uma sociedade ao obter fundos e pagar juros para os entregar a uma sociedade participada sem qualquer remuneração causal e directa está ainda a exercer adequadamente a sua actividade com um ânimo lucrativo.

A jurisprudência do STA tem vindo a considerar como fiscalmente irrelevantes, e como tal não dedutíveis, os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, excepto quando estejam em causa empréstimos de sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) às sociedades por si participadas, atendendo que esse constitui o seu objeto social específico.

 

Nesse sentido, num caso em que estava em causa a realização de prestações suplementares a uma sociedade participada, por parte de uma entidade que não possuía a natureza de sociedade gestora de participações sociais, o acórdão do STA de 28 de Fevereiro de 2018 (Processo n.º 01206/17) refere o seguinte.

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas. O objecto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce actividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das acções de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir acções de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objecto social de uma SGPS.

Vindo a concluir, que o reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares não constitui o exercício da actividade empresarial da sociedade que suportou esse encargo quando ela não tem por objecto a gestão de participações, pelo que os custos em que incorra não são custos dedutíveis à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

E como se reconhece no mesmo aresto, não se trata, nessa circunstância, de aferir da adequação dos actos de gestão que tenham sido realizados, mas de verificar que sejam quais forem as operações financeiras que se realizem, encontrando-se elas fora do objecto social da sociedade e não podem ser tidos como inerentes à sua actividade empresarial  (no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STA de 21.02.2018, proferido no processo n.º 0473/13).

 

E na mesma linha de orientação, se posicionaram os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 80/2013-T e 264/2016-T.

A situação não é necessariamente diversa quando estejam em causa, não prestações suplementares, mas prestações acessórias.

As prestações suplementares são entradas em dinheiro com vista a reforçar o património da sociedade, eventualmente para cobrir perdas que se verifiquem, correspondendo a um reforço monetário que acresce ao capital, embora se não enquadre na estrita acepção do capital, nem se encontrem subordinadas ao respectivo regime jurídico. Constituem assim um possível meio de financiamento das sociedades por quotas. Mas esse mesmo objectivo é atingido através das prestações acessórias, que constituem um acréscimo do património da sociedade, ainda que não integrem o respectivo capital social, e mesmo que não se traduzam necessariamente numa prestação pecuniária (artigo 209.º, n.º 2, do CSC). Assumindo, em especial, essa natureza os suprimentos, quando estipulados no contrato de sociedade, que correspondem, no fundo, a financiamentos dos sócios sob a forma de empréstimos ou diferimento do vencimento dos créditos (cfr. PINTO FURTADO, ob. cit., págs. 223-225).

 

Estando em causa, no caso vertente, operações de financiamento de sociedades participadas, sob a forma de prestações acessórias a título gratuito, tem plena aplicação o entendimento jurisprudencial anteriormente exposto, segundo o qual tais financiamentos não podem considerados como efectuados no âmbito da “actividade produtiva” e do interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, quando esta não seja uma sociedade gestora de participações sociais (seguindo este mesmo entendimento num caso em que estavam em causa encargos financeiros suportados com  prestações acessórias realizadas segundo o regime das prestações suplementares a participadas, o acórdão proferido no Processo n.º 385/2018-T). 

Sendo certo que a B... detém participações sociais das concessionárias C... e E... e não está impedida de efectuar a favor dessas entidades prestações acessórias, a título gratuito, o ponto é que essa sua decisão, ainda que possa favorecer os objectivos que as entidades beneficiárias pretendem prosseguir, não se integra no exercício da sua normal actividade empresarial, visto que a gestão de participações sociais não se enquadra no seu objecto social.

Sendo para o caso irrelevantes, como também é assinalado no citado acórdão do STA de 28 de fevereiro de 2018, os acordos parassociais ou as estipulações contratuais que tenham sido celebrados entre a B... e as suas participadas em vista à atribuição de prestações acessórias, uma vez que não são esses acordos que alteram ou ampliam o objecto social da entidade participante nem lhe conferem o estatuto de sociedade gestora de participações.

É assim de concluir que as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária, relativamente aos períodos de tributação de 2015 e 2016, tendo por base a realização de prestações acessórias a participadas por parte da enferme de ilegalidade.

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, bem como as decisões de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido e de indeferimento tácito do subsequente recurso hierárquico. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 74.259,92, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de Janeiro de 2021,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Nuno Cunha Rodrigues

 

O Árbitro vogal

Rui Marrana