Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 433/2020-T
Data da decisão: 2021-01-13  Selo  
Valor do pedido: € 1.327.731,08
Tema: Imposto do Selo – Taxa Multilateral de Intercâmbio e comissões interbancárias pela utilização de ATM´s. Aplicação da lei fiscal no tempo.
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SUMÁRIO:

1 – As comissões cobradas a título de Taxa Multilateral de Intercâmbio e as comissões interbancárias pela utilização de ATM’s não estavam sujeitas a Imposto do Selo antes da redacção da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, passando a estar enquadradas nesta verba a partir da entrada em vigor desta Lei.

2 – A redacção da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, apesar de lhe ter sido atribuída natureza interpretativa, tem natureza inovadora, pelo que não pode ser aplicada a factos ocorridos anteriores da sua entrada em vigor, por força do princípio da irretroactividade das normas fiscais criadoras de impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP).

3 - A aplicação de juros compensatórios depende de o atraso na liquidação ser imputável ao contribuinte a título de culpa.

4 – Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por            lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo, por ela em regra estar associada ao carácter ilícito-típico do facto respectivo, o que se reconduz a só ser afastada quando se demonstrar qualquer causa de exclusão da culpa.

5 - Não são devidos juros indemnizatórios, por não se apurar a existência de erro imputável à Administração sobre os pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação, que foi anulado com exclusivo fundamento em vício de forma por falta de fundamentação.

Decisão Arbitral

 

                Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-11-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º ..., ...-..., Lisboa doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2019..., datada de 30.12.2019, referente ao ano de 2016, e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., da mesma data.

O Requerente pede ainda anulação parcial das liquidações, quanto ao valor de € 1.327.731,08, e o reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-09-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22-10-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23-11-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 08-01-2021, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

                2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

A.           O Requerente é uma instituição de crédito;

B.            O Requerente foi objecto de uma ação inspectiva externa de âmbito geral realizada ao abrigo da ordem de serviço OI 2017..., respeitante ao exercício de 2016;

C.            Nessa inspecção foram, além do mais, realizadas correcções em sede de imposto do selo, entre as quais, uma no montante de € 1.168.948,43, respeitante à «taxa multilateral de intercâmbio» (TMI) e comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas (ATM’s), que é objecto de impugnação no presente processo;

D.           Esta correcção teve por fundamento a não liquidação de imposto do selo em outras comissões e contraprestações por serviços financeiros – taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s;

E.            No Relatório da Inspeção Tributária, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, dando-se o seu teor por reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

III.2.3. Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros - taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's com cartões (n.º 1 do artº 1, n.º 1 do art. 9.º e n.º 1 do art. 22.º, todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS)

-€ 1.168.948,43-

Apurou-se Imposto do Selo em falta, relativamente às comissões taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em caixas automáticas, no montante de € 1.168.948,43, em resultado da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), às bases tributáveis das comissões acima referidas.

 

Para uma melhor compreensão da presente correção e dos seus fundamentos dever-se-ão ter presentes os seguintes aspetos

 

a) Dos elementos solicitados ao A... e das suas respostas

Por forma a validar a liquidação de Imposto do Selo sobre a comissão designada por Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) também conhecida por Multilateral Interchange Fee, bem como sobre as comissões cobradas pelos bancos detentores de caixas automáticas (adiante também designadas por caixas multibanco ou ATM) aos bancos emissores de cartões bancários - [relativamente às operações (com os cartões bancários) efetuadas pelos clientes dos bancos emissores dos cartões bancários nos acima referidos ATM] -, através da notificação efetuada a 16 de abril de 2018, foram solicitados ao A... diversos elementos, que passamos a transcrever:

"1. Considerando que:

i. os clientes dos Bancos efetuam diversos pagamentos com cartões (seja de débito seja de crédito) existindo, pelos serviços prestados inerentes (ou que possibilitam) estes pagamentos, a cobrança de diversas comissões tal como, a título meramente indicativo, se retira do Caderno n.º 10 do Banco de Portugal - "Terminais de Pagamento e Caixas Automáticas";

li. existem pagamentos de bens e/ou serviços que são efetuados através da utilização de cartões bancários, se/a em terminais de pagamento - os vulgarmente designados TPA (existentes, por exemplo, na quase totalidade dos estabelecimentos comerciais) - seja em caixas automáticas (vulgarmente designadas por caixas multibanco ou ATM):

iii. os TPA permitem ao cliente detentor de um cartão de débito (ou de um cartão de crédito), aquando da aquisição de um bem ou serviço, fazer o seu respetivo pagamento por via eletrónica;

iv. o pagamento (através de cartões bancários) efetuado num TPA, passa pelas seguintes etapas:

iv.a) O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA e para a sua autenticação marca um código secreto ou é solicitada a sua assinatura;

iv.b) A informação é transmitida pelo adquirente (ou "acquirer") ao emissor do cartão, pedindo a respetiva automação;

iv.c) O emissor do cartão dá uma "garantia" de pagamento através de uma autorização;

iv.d) O adquirente (ou "acquirer") paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão, geralmente chamada de "taxa de serviço do comerciante".

iv.e) O adquirente (ou "acquirer") é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão geralmente intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (ou "multilateral interchange fee");

iv.f) O emissor do cartão cobra o valor da transação ao titular do cartão.

 

v. tal como sucede com os TPAs, os clientes anualmente efetuam diversos pagamentos com cartões (seja de débito seja de crédito) - logo pagamentos efetuados por cartão - através das Caixas Automáticas (ATM)";

vi. existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, tal como referido aquando da análise dos TPA, também aqui é cobrada uma comissão - neste caso, pelo Banco detentor do ATM ao Banco detentor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) - pelo serviço prestado;

vii. de igual modo, quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro Banco [Banco detentor do ATM], o Banco detentor do ATM cobra uma comissão ao banco detentor ou emissor do cartão bancário/SIBS, pelo serviço prestado;

viii. e, ainda, quando o cliente de um banco efetua qualquer outra

 operação não contemplada nos pontos supra

 (nomb.1eadamente, consulta de saldos e W/B, alterações de PIN, transferências, cancelamento de débitos diretos, etc.) numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro Banco [Banco detentor do ATM], o Banco detentor do ATM, por este serviço que presta, cobra uma comissão ao banco detentor ou emissor do cartão bancário/SIBS, pelo serviço prestado.

Tendo presente as operações efetuadas com cartões (supra referidas) e as correspondentes comissões cobradas pelos serviços prestados, pretende-se, relativamente ao período de tributação de 2016, os seguintes elementos:

a) Indicação, por mês de cobrança, do valor das comissões referidas no ponto iv.e) supra [a entidade que contrata com o comerciante a aceitação da marca que representa e que autoriza a realização da transação, depois de pagar ao comerciante, é reembolsado pela entidade emitente do cartão (de débito ou de crédito), remunerando (através de uma comissão) a entidade emitente desse cartão (de débito ou de crédito)];

b) Indicação, por mês de cobrança, do valor das comissões referidas no ponto vi) supra existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, é cobrada uma comissão - neste caso, pelo Banco detentor do ATM ao Banco detentor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) - pelo sen/iço prestado];

c) Indicação, por mês de cobrança, do valor das comissões referidas no ponto vii) supra quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro Banco [Banco detentor do A TM], o Banco detentor do A TM cobra uma comissão ao banco detentor ou emissor do cartão bancário/SIBS"', pelo serviço prestado);

d) indicação, por mês de cobrança, do valor das comissões referidas no ponto viii) supra [quando o cliente de um banco efetua uma qualquer outra operação não contemplada nos pontos [vi) e vii)] numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro Banco [Banco detentor do ATM], o Banco detentor do ATM cobra uma comissão ao banco detentor ou emissor do cartão bancário/SIBS, pelo serviço prestado];

e) Discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que o Banco teria apurado, tendo por base a verba 17.3.4, caso não tivesse considerado que as comissões referidas na alínea iv.e) supra estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou (H) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto;

f) Discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que o Banco teria apurado, tendo por base a verba 17.3.4, caso não tivesse considerado que as comissões referidas na alínea vi) supra estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto;

g) Discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que o Banco teria apurado, tendo por base a verba 17.3.4, caso não tivesse considerado que as comissões referidas na alínea vii) supra estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto;

h) Discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Se/o que o Banco teria apurado, tendo por base a verba 17.3.4, caso não tivesse considerado que as comissões referidas na alínea viii) supra estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto;

i) Reflexo contabilístico - conta de réditos - onde são refletidas as comissões referidas na alínea iv. e) supra;

j) Reflexo contabilístico - conta de réditos - onde são refletidas as comissões referidas na alínea vi) supra;

k) Reflexo contabilístico - conta de réditos - onde são refletidas as comissões referidas na alínea vii) supra;

l) Reflexo contabilístico - conta (s) de réditos - onde são refletidas as comissões referidas na alínea viii) supra"

 

Em resposta ao solicitado, na Notificação acima indicada, o banco, a 27 de abril de 2018, apresentou a seguinte explicação:

 

Alíneas a) - Relativamente à Taxa Multilateral Intercâmbio (Multilateral Interchange Fee), foram facultados os saldos mensais das rubricas "#8135000.7 - CQM.COMERCIANTES CARTÕES DE CRÉDITO" e "#81353101.2 - COM. T. PAG. AUT-UTILIZ.DO SISTEMA", os quais totalizam € 9.374.128,23, como se pode observar no quadro infra:

 

Estamos aqui, pois, perante comissões auferidas pelo banco na qualidade de emitente de cartões de crédito e débito, com a particularidade de que as contrapartes nas operações são instituições financeiras.

O banco salientou ainda que "os valeres das comissões registados nas rubricas em causa incluem montantes relativos a operações efetuadas com cartões bancários emitidos pelo A... que são também contabilizados enquanto gasto do exercício pelo facto de este ser o acquirer do TPA, não existindo neste momento mecanismos internos que permitam expurgar os mesmos".

Alínea b) - Relativamente às comissões pela utilização de ATM, o A... entregou um ficheiro com os saldos mensais da rubrica "#0)353001-6 - COM.CX.AUT-PAG.SERVICOS-B.EMISSOR". como se pode observar no quadro abaixo:

 

Neste caso, estamos perante comissões auferidas pelo Banco na qualidade de detentor de terminais de pagamentos (TPA), com operações de compras e pagamentos, com a particularidade de que as contrapartes nas operações são instituições financeiras.

Alínea c) - De acordo com a informação prestada pelo A..., as comissões relativas à utilização de ATM do Banco, para levantamentos de numerário, por parte de cartões pertencentes a outros bancos, encontram-se registadas contabilisticamente na rubrica "#81353000.8 - COM-CX.AUT-LEV. C/CART. O/EMISSOR".

Os saldos mensais evidenciados no extrato da referida rubrica, para o período de tributação de 2016, são os seguintes:

 

Estamos, assim, perante comissões auferidas pelo banco na qualidade de detentor da Caixa Automática (ATM), pelos levantamentos efetuados, com a particularidade de que as contrapartes nas operações são instituições financeiras.

Relativamente a estas comissões, o banco refere que o valor registado na rubrica inclui montantes relativos a operações efetuadas com cartões bancários emitidos pelo A... que são também contabilizados enquanto gasto do exercício pelo facto de este ser a entidade de apoio ao terminal, justificando ainda que não têm (neste momento) mecanismos internos que permitam expurgar os mesmos.

Note-se, contudo, que na resposta o banco apenas responde às alíneas b) e c) uma vez que não indicou a (s) rubrica (s) onde regista as comissões referidas na alínea d) [comissões cobradas ao banco emissor dos cartões bancários pelas operações efetuadas no banco detentor do ATM não contempladas nos pontos vi) e vii)].

Como resposta às alíneas e), f), g) e h), o A... esclareceu o seguinte: "(...) solicitando os serviços de inspeção tributária a discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que o Banco teria apurado no ano de 2016, tendo por base a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, relativamente (i) à denominada taxa multilateral de intercâmbio cobrada enquanto banco emitente dos cartões bancários nas operações de compras de bens e serviços através de TPA (ou "multilateral interchange fee")t [cf. al. iv.e)], (ii) às comissões cobradas aos bancos emitentes dos cartões bancários nas operações de pagamento de serviços efetuados através de ATM [cf. al. vi)]t (til) às comissões cobradas aos bancos emitentes dos cartões bancários nas operações de levantamento de numerário efetuadas através de ATM [cf. al. vii)], e noutras operações efetuadas através de ATM [cf. al. viii)]t respetivamente, caso o Banco não tivesse considerado que tais taxas ou comissões estavam fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição a Imposto do Selo ou isentas ao abrigo do artigo 7.º do respetivo Código, refira-se que o A... não poderá corresponder ao ora solicitado.

Desde logo, o A... não dispõe de tal quantificação precisamente em virtude da não sujeição e isenção consideradas no ano de 2016. Com efeito, e sem prejuízo do dever de colaboração que impende sobre o contribuinte e de se encontrar disponível para facultar todos os elementos e documentos de que disponha, externos ou internos, não pode o mesmo, entendendo que ao caso não cabia qualquer sujeição a Imposto do Selo (...) das comissões em causa, calcular agora, em 2018, o imposto que seria devido em 2016 se tivesse diferente entendimento.

Efetivamente, as diversas análises, valorações, apuramentos e correções com base em diferente interpretação da lei e correspondentes papéis de trabalho, sendo legitimas competências da inspeção tributária, são contudo tarefas que se encontram vedadas ao contribuinte por extravasarem o cumprimento das obrigações legais que lhe incumbem.

Mais se refira que, através das prerrogativas que assistem aos serviços de inspeção tributária (cf. artigo 29.º do RCPIT e artigo 63.º da LGT), podem, e devem, querendo, os mesmos examinar, aceder ou consultar todos os elementos suscetíveis de relevar a situação tributária do contribuinte e, em consequência, dessa análise e exame extrair, fundamentadamente, as conclusões que tiverem por convenientes.

Em face do exposto, a impossibilidade objetiva de fornecer os elementos solicitados nos pontos e), f), g) e h) do presente pedido de elementos não poderá, de alguma forma, ser entendida como falta de cumprimento do dever de cooperação do contribuinte para com os serviços de inspeção tributária"

Da observação ao Balancete Antes do Apuramento de Resultados, verificou-se ainda a existência de uma rubrica passível de se encontrar sujeita a Imposto do Selo - #81350410.4 INTERCHANGE FEE MASTERCARD - pelo que se questionou o Banco quanto às realidades aí registadas e ao enquadramento fiscal aplicado.

Como resposta, o Banco esclareceu que na rubrica contabilística #81350410.4 INTERCHANGE FEE MASTERCARD, o Banco regista as "interchange fees devidas ao banco emissor dos cartões relativas às transações efetuadas na rede MasterCard", e que as "interchange fees recebidas pelo Banco em 2016

foram consideradas isentas de imposto do selo ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artº 7º do Código do Imposto do Selo".

De acordo com a informação prestada, os saldos mensais das comissões "interchange fees devidas ao banco emissor dos cartões relativas às transações efetuadas na rede MasterCard", evidenciados no extrato da referida rubrica, para o período de tributação de 2016, são os seguintes:

 

Ad introitum, por forma a melhor compreender as comissões aqui retratadas ("multilateral interchange fee" ou taxa multilateral de intercâmbio) - taxa cobrada pelo emissor dos cartões bancários [A...] ao banco de apoio ao terminal do TPA e as comissões/taxas cobradas pelo detentor dos ATM [A...] ao banco emissor do cartão bancário (relativamente às operações efetuadas com cartões bancários junto dos referidos ATM, pelos clientes do banco emissor do cartão bancário), dever-se-ão ter presentes os seguintes aspetos-

b) Das comissões "multilateral Interchange fee" e das comissões cobradas pelo detentor dos ATM ao Banco emissor do cartão bancário (relativamente às operações efetuadas com cartões bancários junto dos referidos ATM, pelos clientes do Banco emissor do cartão bancário).

Para uma melhor compreensão deste ponto, vamos subdividi-lo nos seguintes subpontos-. "Terminal de Pagamento Automático (TPA) e Caixas Automáticos (CA) e "Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee e Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos em operações efetuadas com cartões bancários'.

 

b.1) Terminal de Pagamento Automático (TPA) e Caixas Automáticos (CA)

O Banco de Portuga) (BdP), como entidade de supervisão e de regulação das instituições de crédito e outras entidades financeiras, publica no seu sítio na internet (site), na área de "Publicações", os "Cadernos do Banco de Portugal, que têm por finalidade exclusiva prestar informações especificas do setor bancário ao público em geral.

Num dos Cadernos publicados no site Caderno n.º 10, intitulado "Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos", que se junta no Anexo n.º 8 (22 fls.) -, o BdP debruça-se sobre os Terminais de Pagamento Automático (TPA) e sobre os Caixas Automáticos (CA), conforme seguidamente se sintetiza;

 

b.1.1) Terminais de Pagamento Automático (TPA)

Relativamente ao Terminal de Pagamento Automático (TPA), aquele documento define-o como "...um dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via eletrónica. Efetua a leitura dos dados do cartão para autorização da operação e recolha dos elementos da transação para processamento. Possibilita ainda a autenticação eletrónica da operação (digitação do código secreto) e a emissão de talões com informações sobre os dados da transação".

Em traços gerais, o TPA é um terminal que permite fazer pagamentos por via eletrónica em estabelecimentos comerciais, através de cartões bancários, em alternativa ao pagamento através de numerário.

Nessa publicação, o Banco de Portugal vem esclarecer a forma como é efetuado um pagamento no TPA, operação composta pelas seguintes etapas:

1. O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA, que autentica através da marcação de um código secreto ou assinatura;

2. A informação é transmitida pelo adquirente (ou "acquirer") ao emissor do cartão, pedindo a respetiva autorização;

3. O emissor do cartão dá uma "garantia" de pagamento através de uma autorização;

4. O adquirente paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão, chamada de "taxa de serviço do comerciante"',

5. O adquirente é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (ou "multilateral interchange fee").

6. O emissor do cartão cobra o valor da transação ao titular do cartão.

Por igualmente abordar esta matéria e entrecruzar-se com os conceitos aqui abordados, recordamos o disposto no Regulamento (UE) n.º 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões que "deverá aplicar-se à emissão e à aceitação de operações de pagamento com cartões a nível transfronteiriço e nacional" (cfr. Considerando 15 do Regulamento).

Este Regulamento estabelece uma definição para esta taxa de intercâmbio. Assim, na alínea 10) do seu artigo 2.º podemos constatar que a «taxa de intercâmbio» consiste numa "(...) taxa paga direta ou indiretamente (ou seja, através de terceiros), por cada operação realizada entre o emitente e o adquirente das operações de pagamento baseadas em cartões. A compensação líquida ou qualquer outra remuneração acordada faz parte da taxa de intercâmbio."

A este respeito, dispõe o Considerando 10 do Regulamento (UE) n.º 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, que "As taxas de intercâmbio são habitualmente aplicadas entre os prestadores de serviços de pagamento adquirentes e os prestadores de serviços de pagamento emitentes de cartões pertencentes a um determinado sistema de pagamento com cartões. As taxas de intercâmbio constituem uma parte importante das taxas cobradas aos comerciantes pelos prestadores de serviços de pagamento adquirentes por cada operação de pagamento associada a um cartão. Por sua vez, os comerciantes incorporam esses custos do cartão, tal como todos os seus outros custos, nos preços dos bens e serviços."

A cobrança deste tipo de comissão nasce no âmbito de operações de pagamento baseadas em cartões suportadas nos dois principais modelos de negócio, os chamados sistemas tripartidos de pagamento com cartões (titular do cartão-adquirente e emitente-comerciante) e sistemas quadripartidos de pagamento com cartões (titular do cartão-banco emitente -banco adquirente -comerciante).

De acordo com o Considerando 29 do Regulamento (UE) n.º 2015/751 acima referido, "serviço de emissão baseia-se numa relação contratual entre o emitente do instrumento de pagamento e o ordenante, independentemente da circunstância de o emitente deter ou não os fundos em nome do ordenante. O emitente coloca cartões de pagamento à disposição do ordenante, autoriza a realização de operações em terminais ou dispositivos equivalentes e pode garantir ao adquirente o pagamento das operações que estejam em conformidade com as regras do sistema em causa. Por conseguinte, não constitui emissão a mera distribuição de cartões de pagamento ou a prestação de serviços técnicos, tais como o mero processamento e armazenamento de dados.".

O emitente, neste âmbito, é claramente um prestador de serviços de pagamento [cfr. alínea 24) do art.º 2.º do Regulamento acima citado)].

 

b.1.2) Caixas Automáticos (CA)

Um Caixa Automático (CA), também vulgarmente designado de caixas multibanco ou de ATM, é definido como "um terminal de uma rede do sistema bancário que permite ao cliente efetuar diversos tipos de operações em regime de autosserviço, sem necessidade de recorrer aos balções das agências bancárias.

Os Caixas Automáticos permitem que operações correntes, como levantamentos, consultas, pagamentos e depósitos, ou outras operações normalmente realizadas junto do caixa da instituição, possam ser realizadas pelos clientes, mesmo que a instituição não esteja aberta. Isso possibilita o acesso a esses serviços de forma mais rápida e cómoda, evitando filas de espera nos balções.".

"Em Portugal existem dois tipos de CA: os pertencentes a redes partilhadas (como a Rede Multibanco) e os pertencentes a redes privativas. Nos CA de redes partilhadas, o acesso faz-se através de um cartão de pagamento de uma marca aceite no terminai (Multibanco, American Express, Maestro, MasterCard, Visa, Visa Electron, entre outros), emitido por qualquer entidade devidamente autorizada para tal. Na maioria das operações é exigida a introdução do código secreto.

Nos CA pertencentes a redes privativas, a utilização é restrita aos clientes da instituição proprietária do Caixa Automático, podendo o acesso ser efetuado através de um cartão emitido pela própria instituição ou, em algumas instituições e para alguns CA, através de caderneta. Na maioria das operações é exigida a introdução do código secreto".

Refira-se que no Glossário do Banco de Portugal, consta, para Caixa Automático, a seguinte definição: "Equipamento automático que permite aos titulares de cartões bancários com banda magnética e/ou chip aceder a serviços disponibilizados a esses cartões, designadamente, levantar dinheiro de contas, consultar saldos e movimentos de conta, efetuar transferências de fundos e depositar dinheiro. Os caixas automáticos podem funcionar em sistema real-time, com ligação ao sistema automático da entidade emitente do cartão, ou em on line, com acesso a uma base de dados autorizada que contém informação relativa à conta de depósitos à ordem associado ao cartão de crédito."

 

b.2) Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee e Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários

Na continuidade das operações de pagamento de compras realizados através de TPA - conforme já se referiu, - o adquirente (ou "acquirer") uma vez efetuado o pagamento da compra ao comerciante, é depois reembolsado pelo emissor do cartão bancário e paga-lhe uma comissão intitulada de Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee.

Por outro lado, existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, é cobrada uma comissão pelo banco detentor do ATM ao banco emissor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) pelo serviço prestado; e, de igual modo, quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro banco [Banco detentor do ATMJ, este cobra uma comissão ao banco emissor do cartão bancário pelo serviço prestado com aquela operação. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de CA em operações de pagamentos com cartões, de levantamentos de numerário, de consultas de saldos ou de movimentos, de carregamentos de telemóveis, de compra de bilhetes, de adesões a serviços, etc.

c) Do enquadramento em sede de IVA das comissões em apreço [Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) ou Multilateral Interchange Fee e Interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários]

Sendo o IVA um imposto geral sobre o consumo que pretende tributar toda a atividade económica, então as operações bancárias e financeiras - que pela sua natureza são normalmente desenvolvidas por entidades bancárias: prestações de serviços exercidas/efetuadas por sujeitos passivos - são operações sujeitas a IVA.

Relativamente às operações financeiras, "...a regra acolhida no regime comum do IVA, constante do artigo 13º, B, alínea d) da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de maio de 1977, transposta para o direito português através do n.º 28 [atual alínea 27)] do artigo 9.º do Código do IVA, é a da isenção, sem direito a dedução do imposto suportado a montante.

Assim, o (então] art.º 13.º, ponto B, da Sexta Diretiva previa:

"Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correia e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

(...)

d) As seguintes operações:

1. A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

2. A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu esses créditos;

3. As operações, incluindo a negociação relativa a depósitos de fundos, contas-correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

4. As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, com exceção de moedas e notas de coleção; consideram-se de coleção as moedas de ouro, de prata ou de outro metal, e bem assim as notas, que não são normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentam um interesse numismático;

5. As operações, incluindo a negociação, mas excetuando a guarda e a gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão:

- dos títulos representativos de mercadorias,

- dos direitos ou títulos referidos no n, º 3 do art. º 5.º;

6. A gestão de fundos comuns de investimento, tal como são definidos pelos Estados membros.

A então alínea d) do ponto B, do art.º 13.º da Sexta Diretiva 77/388/CEE154, do Conselho, de 17 de maio de 1977, passou a constar nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artº 135.º do Capítulo 3 - "Isenções em benefício de outras entidades" da Diretiva n.º 2006/1 12/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema do imposto comum sobre o valor acrescentado.

"1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

b) A concessão e a negociação de créditos, e bem assim a gestão de créditos efetuada por parte de quem os concedeu;

c) A negociação e a aceitação de compromissos, fianças e outras garantias, e bem assim a gestão de garantias de crédito efetuada por parte de quem concedeu o crédito;

d) As operações, incluindo a negociação relativas a depósitos de fundos, contas-correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

e) As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou outro metal, e bem assim as notas que não são normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

f) As operações, incluindo a negociação, excluindo a guarda e gestão, relativas às apões, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias, os direitos ou títulos referidos non.c2 do artigo 15.º;

g) A gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estados-Membros? .

A redação deste preceito - tanto na Diretiva 77/388/CEE, como na Diretiva n.º 2006/1 12/CE - teve assim correspondência no atua) n.º 27) (anterior n.º 28) do art º 9.º do CIVA,

O referido normativo do CIVA [atual n.º 27) do art.º 9.º do CIVA], "...identifica as operações bancárias e financeiras abrangidas pela isenção, referindo expressamente outras que lhes sendo próximas são delas excluídas", pelo que estão, assim, isentas de IVA, as "...operações seguintes:

a) A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efetuada por quem os concedeu;

b) A negociação e a prestação de fianças, avales, cauções e outras garantias, bem como a administração ou gestão de garantias de créditos efetuada por quem os concedeu;

c) As operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com excepção das operações de simples cobrança de dívidas;

d) As operações, incluindo a negociação, que tenham por objeto divisas, notas bancárias e moedas, que sejam meios legais de pagamento, com exceção das moedas e notas que não sejam normalmente utilizadas como tal, ou que tenham interesse numismático;

e) As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a ações, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efetuadas por um prazo inferior a 20 anos;

f) Os serviços e operações relativos à colocação tomada e compra firmes de emissões de títulos públicos ou privados;

g) A administração ou gestão de fundos de investimento;".

Em face do que antecede, temos de concluir que, quer a comissão intitulada taxa multilateral de intercâmbio, quer as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas ou ATM em operações efetuadas com cartões bancários, são prestações de serviços (remuneradas por comissões) enquadráveis na isenção prevista na subalínea c) da alínea 27) do art.º 9.º do CIVA, a qual, isenta deste imposto as"(...) operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com exceção das operações de simples cobrança de dívidas".

d) Da sujeição a Imposto do Selo da comissão Taxa Multilateral de Intercâmbio e das Comissões Interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos

No Preâmbulo do Código do Imposto do Selo (Cl S), aprovado pela Lei n.º 150/99, de 1 1 de setembro, é referido que;

"O imposto do selo é o imposto mais antigo do sistema fiscal português (foi criado por alvará de 24 de dezembro de 1660) e era considerado, até à sua reforma, operada em 2000, um imposto anacrónico.

A reforma de 2000 marcou uma tendência para a alteração de uma das suas mais ancestrais características, que de imposto sobre os documentos se tende a afirmar cada vez mais como imposto sobre as operações que independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza".

De acordo com o n.º 1 do art.º 1.º do CIS, "o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens",

O referido artigo, após incluir no campo da incidência objetiva do imposto, qualquer ato ou facto previsto na Tabela Geral, acrescenta, no seu n.º 2, um critério geral de delimitação negativa do imposto, ao estabelecer que "Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas", excluindo da incidência, deste tributo, todas as operações sujeitas ao IVA e dele não isentas.

Esta delimitação negativa no campo de incidência do imposto do selo tem como objetivo evitar a dupla tributação, isto é, destina-se a evitar que uma dada transmissão de bens ou prestação de serviços, ainda que constitua um facto ou ato previsto na TGIS, possa ser tributada em sede de imposto do selo quando já o é em sede de IVA. Com efeito, este imposto apenas incide sobre atos ou factos que, para além de estarem previstos na TGIS, não estejam sujeitos a IVA, ou que, estando-o, dele estejam isentos.

Ou seja. na "... definição do âmbito de incidência do imposto do selo nas operações financeiras imporia ter-se presente o. disposto no nº 2 do artigo 1.º do Código, que no sentido de evitar a sobreposição de tributações, afasta da incidência deste tributo as operações sujeitas ao IVA e dele não isentas".

Pelo que, em concreto, a comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (TMI) e as comissões interbancárias em análise (cobradas pela utilização de Caixas Automáticos), encontram-se sujeitas a Imposto do Selo nos termos do n.º 1 do art.º 1.º do respetivo código (não sendo de aplicar o n.º 2 do art.º1.ºdoCIS).

Destarte, constituindo as verbas previstas na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) normas de incidência objetiva deste imposto, importa primeiramente analisar as verbas aí constantes. E, dessa análise, rapidamente se conclui que a verba "17- Operações financeiras", mais concretamente a verba "17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

Sobre este assunto, João Espanha e Marta Gaudêncio (2010) concluem que são sujeitas a imposto "(...) b) as comissões auferidas em razão da prestação de serviços financeiros; c) todas as demais contraprestações auferidas em razão da prestação de serviços financeiros, desde que as comissões e contraprestações sejam relativas a operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras (e ainda entidades legalmente equiparadas e, bem assim, quaisquer outras instituições financeiras) ou por elas intermediadas".

Deste modo, a verba 17.3.4. da TGIS prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas, nomeadamente as decorrentes das prestações de serviços financeiros (aqui em estudo) cobradas pelo A... .

Ainda a propósito da verba 17.3.4 da TGIS, convém referir que "diversamente do que dispunha o artigo 120-A da Tabela anterior, que limitava o âmbito de incidência às comissões, a norma atua! alarga-o, pois, a todas e quaisquer contraprestações por serviços financeiros, desde que, naturalmente, não se trate de serviços sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado e não isentos deste imposto".

Estando preenchidos tanto o pressuposto de natureza objetiva que se prende com a natureza de "serviços financeiros" atribuída às comissões aqui em crise, como o pressuposto de natureza subjetiva que tem a ver com a qualificação de "instituição de crédito" que resulta do art.º 3.º do RGICSF, de que gozam os prestadores de serviços de pagamento/transferências (instituições de crédito e instituições de pagamento), não subsistem quaisquer dúvidas de que encontram cabimento na verba 17,3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, da TGIS.

Estando sujeitas a Imposto do Selo, também se dirá que estas comissões não se encontram deste imposto isentas.

Com efeito, no que respeita a estas comissões, estando as mesmas sujeitas à verba 17.3.4 da TGIS como vimos supra, às mesmas não é aplicável a isenção a que alude a alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do Cl S na medida em que as comissões em apreço, embora cobradas por e entre bancos não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre eles.

De facto, quanto ao alcance da alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, o mesmo vai no sentido de que só estarão isentos de Imposto do Selo aqueles juros e comissões que estejam "diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida palas instituições e entidades referidas naquele normativo,"

Historicamente, a redação do art.º 7.º do CIS (antigo art.º 6C) sofreu sucessivas alterações.

Nestes termos, com a aprovação do Código do Imposto do Selo e Tabela anexa pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, o art.º 6.º do CIS, com a epígrafe "Outras isenções", apresentaria duas importantes e inovadoras isenções relativamente ao regime anterior, dispondo na alínea e) que "Os juros cobrados e a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de dezembro de 1997" e na alínea f) que "As comissões cobradas por instituições de crédito e outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de dezembro de 1997". Estabelecendo o n.º 2 do preceito que "O disposto nas alíneas f) e g) não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional".

Já o art.º 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2001, introduziria importantes novidades, a saber:

"Artigo 6.º

1 – (...)

e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

2 -O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas Instituições e entidades referidas naquelas alíneas,

3 - O disposto nas alíneas g) e h) não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional".

Observa-se nesta alteração (n.º 2, inegavelmente similar ao n.º 7 do art.º 7.º atualmente vigente) a preocupação do legislador em proceder a uma delimitação material da isenção concedida, fazendo, podemos dizer, uma interpretação autêntica das alíneas e) e f) ao precisar que as isenções previstas nestas duas normas se restringiam especificamente "às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito.

E por se presumir que esta foi sempre a vontade do legislador, a técnica legislativa empregue manteve-se na Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, que não tocou nos preceitos indicados.

Só decorridos dois anos sobre a alteração introduzida ao artigo 6.º (atual 7.º) entendeu o legislador que o sentido interpretativo dado às alíneas e) e f) estaria suficientemente consolidado, tendo, através da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei Orçamento do Estado para 2003), reposto no n.º 2 o texto inicial introduzido com a Lei nº 150/99, de 11 de setembro (alterada pelas Leis n.ºs 176-A/99, de 30 de dezembro e 109-B/2001, de 27 de dezembro) e renumerado o artigo.

Razão pela qual, o legislador fiscal, no âmbito da sua liberdade conformadora, acrescentou através do artigo 152.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS o qual estabelece que; "O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea".

As comissões em apreço, embora cobradas por e entre "Instituições de Crédito" não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre elas, pelo que se encontram sujeitas e não isentas do Imposto do Selo. Conforme resulta do texto legal o legislador não se limitou a alterar o artigo 7.º do CIS, introduzindo-lhe o novo n.º 7. Foi mais além e, sob a epígrafe "Disposição interpretativa no âmbito do Código do Imposto do Selo" estabeleceu no artigo 154.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 que as redações dadas ao n.º 1, n.º 3 e alínea b) do n.º 5, todos do artigo 2.º, ao n.º 8 do artigo 4.º e ao n.º 7 do artigo 7.º, todos do Código do Imposto do Selo e à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo têm carácter interpretativo.

Sob a epígrafe "Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas" estatui a 1.ª parte do n.º 1, do artigo 13.º do Código Civil que WA lei interpretativa integra-se na lei interpretada", retroagindo os seus efeitos à entrada em vigor da antiga lei, como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada, ressalvando-se os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada, por transação ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza. Considera-se lei interpretativa aquela através da qual o legislador, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela - citando a obra de Baptista Machado, sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil (Coimbra, 1968) - in Código Civil Anotado, Vol. l, 4.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 62 e 63 - "intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência pelos seus próprios meios poderia ter chegado" sendo uma declaração, feita pelo legislador, de que certa lei tem caráter interpretativo" equivalente "a uma cláusula de retroatividade". Ao ser atribuído um caráter interpretativo à norma de incidência em causa fez-se uma interpretação autêntica da norma interpretada, vinculativa para todos.

Nestes termos, temos de concluir que, a norma agora introduzida pela Lei Orçamento do Estado para 2016 (e o seu caráter interpretativo) não constitui qualquer novidade.

Aliás, tanto assim é que, sobre esta matéria, podemos atentar na decisão proferida no Acórdão n.º 2754/08, de 2010-09-21, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, onde é dito, quanto à questão da isenção da alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo, que " (.. J a única leitura que se nos afigura legitima, por coerente, do preceito em questão é que o mesmo se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a Mm. Juiz recorrida".

Em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 2016-06-15 (Processo n.º 0770/15), refere-se ainda que «Concordamos com o que foi expresso no Ac. do TC A Sul acima referido de que:

"(,..) De facto, não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objeto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias,

- Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do ali determinado, estariam isentas.

- Mas mais relevantemente do que isto é que se tomaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições. (,,.).

Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a sentença recorrida pelo que se torna despiciendo analisar a verificação ou não dos requisitos subjetivos alegados nas conclusões de recurso pois que temos logo de concluir que não se tratando, no caso, da concessão de qualquer tipo de crédito, nem, muito menos, o tipo de instituições elencadas na lei, não estavam as comissões aqui em causa isentas de Imposto de Se/o, a coberto do mencionado art.º 7.º, n.º 1, al. e), do C/S.

Preparando a decisão formulam-se as seguintes proposições:

a) A isenção concedida pelo art.º 7.º nº 1 al. e) do CISelo, na redacção do DL n.º287/2003NOV12, alterada pela Lei n.º 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização - o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo e por isso dela não beneficia o Banco recorrente quando está em causa a tributação de comissões por si recebidas pela atividade de mediação/angariação de seguros aos seus balções a favor de uma determinada Seguradora.

b) Os proventos desta atividade para efeitos de tributação enquadram-se, atualmente, na verba 22.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).».

E, em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 2016-06-29 (Processo n.º 01630/15), refere-se que «Com o Orçamento de Estado para o corrente ano de 2016, Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, cfr. artigo 152.º, o Legislador introduziu um n.º 7 naquele artigo 7.º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cfr. artigo 153.º [art.º 154.º].

Face à dúvida interpretativa existente em tomo do disposto naquele artigo 7.º, n.º 7, veio o legislador restringir a sua aplicação às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, excluindo, assim, expressamente, as comissões recebidas pelos Bancos a título de atividade de mediação de seguros.

E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13º, n.º 1, do Código Civil. Na verdade, "...a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado [e efetivamente adotaram no caso concreto] (...);", cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 246.

Não há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13.º do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer "novidade" no próprio texto da norma.

Sendo certo, também, que não se verifica qualquer uma das excepções a que aludem a 2a parte desse preceito legal, pelo que, o regime a aplicarão caso concreto é o do disposto naquele artigo 7º, n.º 7, mas com o sentido que lhe foi atribuído pela Lei Interpretativa, ou seja, de que aí não cabem as operações de mediação de seguros efetuadas pelos Bancos e, consequentemente, as mesmas não estão isentas da incidência e pagamento do Imposto de Selo nos termos desse mesmo preceito legal.».

Donde, e tendo-se sempre presente o enunciado no art.º 9.º do Código Civil e no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, temos de presumir que o legislador Fiscal, conhecedor desta matéria (como vimos), consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ao (ré) introduzir, com caráter interpretativo, o novo n º 7 no artigo 7.º do CIS. norma essa que, ao abordar o alcance da alínea e) do n º 1 do mesmo artigo, não obstante não introduza qualquer "novidade" no próprio texto da norma, acaba por esclarecer as dúvidas que eventualmente ainda houvesse sobre a sua interpretação.

e) Da síntese conclusiva

Face ao exposto, conclui-se que:

1. As comissões T Ml (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários];

2. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários estando sujeitas a IVA, encontram-se deste imposto isentas, nos termos da alínea c) do n.º 27) do art º 9.º do CIVA:

3. Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1.º do CIS;

4. O A... não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões TMI ou sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários;

5. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art º 2º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;

6. De acordo com o disposto no n.º 1 e na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito) na medida em que é o titular do interesse económico;

7. Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações (...)".

8. Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;

9. O n.º 1 do art.º 22.º do CIS remete as taxas de imposto para a TGIS;

10. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS;

11. As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, atento o disposto no n.º 7 do mesmo artigo.

Face ao que antecede, na medida em que, como anteriormente referido, no ano de 2016, o A... entendeu, indevidamente, que as comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, se encontravam fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição a Imposto do Selo ou isentas ao abrigo do art.º 7.º do CIS, e uma vez que o A... deveria ter liquidado Imposto do Selo relativamente às referidas comissões, foi, ao abrigo do princípio de colaboração plasmado nos n.ºs 1 e 4 do art.º 59.º da Lei Geral Tributária e princípio de cooperação consagrado nos artigos 9.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o Banco convidado a apurar o montante de Imposto do Selo a liquidar mensalmente relativamente a estas comissões.

Com efeito, na medida em que os diversos elementos (dados/informações) que possibilitavam o cálculo estavam na posse do banco (como, por exemplo, clientes subjetivamente isentos de Imposto do Selo), solicitámos-lhe que efetuasse uma "discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Selo que o Banco teria apurado, tendo por base a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, caso não tivesse considerado que as comissões (...) [acima referidas] estavam isentas de Imposto do Selo ao abrigo do artº7.º do respetivo Código ou fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto".

Contudo, o A... não procedeu à discriminação, por mês de cobrança, do valor do Imposto do Seto que teria apurado (caso não tivesse considerado as respetivas comissões como isentas de Imposto do Selo ao abrigo do art.º 7.º do respetivo Código ou fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto), alegando que "(...) não dispõe de tal quantificação precisamente em virtude da não sujeição e isenção consideradas em 2016 (...)" e que "(...) não pode o mesmo, entendendo que ao caso não cabia qualquer sujeição a Imposto do Selo (...) das comissões em causa [da Multilateral Interchange Fee, Interchange Fee relativa a pagamentos de serviços e Interchange Fee relativa a levantamentos], calcular, agora, em 2018, o imposto que seria devido em 2016 se tivesse diferente entendimento."

Deste modo, tendo o banco informado que em 2016 não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões aqui em apreço e, convidado a efetuar o cálculo do Imposto de Selo em falta, referiu que "(...) o A... não poderá corresponderão ora solicitado...", outra solução não resta aos Serviços de Inspeção Tributária que não seja, com base na discriminação mensal das comissões (acima referidas) cobradas em 2016 - informação esta que foi facultada pelo banco aos Serviços de Inspeção Tributária -, proceder ao apuramento do Imposto do Selo a liquidar.

Por conseguinte, tendo por base a informação mensal das comissões (acima referidas) cobradas em 2016, apurou-se Imposto do Selo em falta, no montante de € 1.168.948,43, em resultado da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4. da TGIS, à base tributável das comissões (melhor identificadas supra e no quadro infra) cobradas pelo A..., no valor total de € 29.223.710,68.

De forma a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artº 44.º do CIS, o Imposto do Selo apurado em falta deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído.

O Imposto do Selo apurado em falta, repartido por mês de cobrança, é apresentado no quadro infra:

 

Esta correção é efetuada nos termos e com os fundamentos acima melhor explanados

(...)

VII. INFRAÇÕES VERIFICADAS

As omissões ou inexatidões referidas no ponto III.1. do presente documento constituem infrações previstas e punidas pelo art.º 119.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

As omissões ou inexatidões referidas nos pontos III.2. e III.3. do presente documento, constituem infrações previstas e punidas pelo art.º 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho.

Pelas referidas omissões ou inexatidões descritas no ponto III deste documento será levantado o correspondente Auto de Notícia ou efetuado o Relatório Sucinto das Faltas Verificadas, caso o sujeito passivo apresente, antes da instauração do processo contra-ordenacional no Serviço Local de Finanças competente, o pedido de redução de coimas nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RGIT em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo.

Atentas as correções anteriormente expostas e, conforme demonstrado. tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que. ao abrigo do disposto no art.º 35.º da Lei Geral Tributária, art.º 40.º do Código do imposto do Selo e art.º 96.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, todos conjugados com o preceituado nos art.º 559.º e 562.º a 564.º, todos do Código Civil, se mostra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de

imposto em falta.

 

F.            Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2019..., datada de 30-12-2019, referente ao ano de 2016, e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., da mesma data (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

G.           Em 17-02-2020, o Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H.           Em 01-09-2020, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não se apurou quais foram os fundamentos das liquidações de juros compensatórios relativas posteriores ao mês de Agosto de 2016. Não são indicados no documento n.º 2 e a Administração Tributária não apresentou qualquer outro documento nem ele consta do processo administrativo.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

               

                A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correções ao Imposto do Selo apurado pelo Requerente no ano de 2016, entendendo que esta deveria ter liquidado Imposto do Selo, aplicando a verba 17.3.4 da TGIS, no âmbito da sua actividade relativamente à taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s correspondem a contraprestações pela prestação de serviços financeiros que não beneficiam da aplicação da isenção prevista na alínea e), do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

3.1. Posições essenciais das Partes

 

                O Requerente defende no presente processo, em suma, em geral:

– inexiste responsabilidade pelo seu pagamento na esfera do Requerente, pois, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g) do Código do Imposto do Selo, o titular do interesse económico é o cliente do banco, e por esse motivo é aquele – o cliente – o responsável pelo encargo do imposto;

– nem a TMI nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s prestação são serviços financeiros, para efeitos da verba 17.3.4. da TGIS, mas sim operações interbancárias;

 – a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo é aplicável na situação sub judice, tanto antes como depois do aditamento do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março;

– ainda que se entendesse que a norma limitadora da isenção é aplicável à TMI e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, sempre teria de se reconhecer que o n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, configura uma verdadeira norma inovatória, pelo que a sua aplicação ao período entre Janeiro e Março de 2016 consubstanciaria uma violação dos princípios da não retroatividade da lei fiscal, da proteção da confiança e da segurança jurídica;

– a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação, quanto aos períodos de Outubro a Dezembro e de falta dos pressupostos legais.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma,:

 

– a comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (TMI) e as comissões interbancárias em análise (cobradas pela utilização de Caixas Automáticos), encontram-se sujeitas a Imposto do Selo nos termos do n.º 1 do art.º 1.º do respetivo código (não sendo de aplicar o n.º 2 do art.º 1.º do CIS);

– de acordo com o disposto no n.º 1 e na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas “…restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras…”, quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito) na medida em que é o titular do interesse económico;

– verifica-se o pressuposto de natureza subjectiva que tem a ver com a qualificação de “instituição de crédito” que resulta do art.º 3.º do RGICSF, de que gozam os prestadores de serviços de pagamento/transferências (instituições de crédito e instituições de pagamento);

– nos termos da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas “…operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações(…)”;

– nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;

– o n.º 1 do art.º 22.º do CIS remete as taxas de imposto para a TGIS;

– a verba “17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras;

– não é aplicável a isenção da al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS na medida em que as comissões em apreço, embora cobradas por e entre bancos não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre eles;

– foi atribuída natureza interpretativa ao n.º 7 do artigo 7.º do CIS;

– a interpretação daquela norma de isenção era, no mínimo, dúbia, pois existia jurisprudência a afirmar que o elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, era o crédito concedido;

– a notificação de juros compensatórios em causa foi efetuada e devidamente fundamentada de acordo com a lei, esclarecendo o sujeito passivo das razões de facto e de direito que determinaram a liquidação.

 

3.2. Questão da inexistência de responsabilidade na esfera do Requerente e violação do disposto na alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS e no artigo 28.º da LGT

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do CIS estabelece o seguinte:

 

Artigo 2.º

Incidência subjectiva

 

1 - São sujeitos passivos do imposto:

(...)

c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes;

 

O artigo 3.º n.º 3, alínea g), do CIS estabelece o seguinte:

 

Artigo 3.º

Encargo do imposto

1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º

(...)

3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

(...)

f) Na concessão do crédito, o utilizador do crédito;

g) Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas;

 

                Este artigo foi alterado pela Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, que aditou a este artigo uma alínea h), mas não é aplicável a factos ocorridos em 2016, como decorre do artigo 12.º, n.º 1, da LGT. (   )

A primeira questão colocada pelo Requerente é a de saber se pode ser responsabilizada pelo pagamento do imposto do Selo.

O Requerente reconhece que é sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 2.º do CIS, mas defende que:

– à data dos factos (2016) os titulares desse interesse económico eram os clientes do Requerente no âmbito da Taxa Multilateral de Intercâmbio, por força do disposto na alínea g), do n.º 3, do artigo 3.º, do CIS, que considera titular do interesse económico nas “(…) restantes operações financeiras realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas.”;

– o pagamento do imposto deverá ser exigido aos clientes a quem as comissões foram cobradas, e não ao Requerente;

– está-se perante uma situação de substituição tributária sem retenção, à qual não se aplica o regime constante do artigo 28.º da Lei Geral Tributária (LGT);

– o responsável pelo pagamento do imposto nos casos de substituição sem retenção deverá ser o substituído – no caso em apreço, os clientes a quem foram cobradas as taxas em apreço;

– o Requerente não efetuou retenção de imposto;

– nem há responsabilidade tributária direta do substituto tributário por este não ter empregado na tarefa da cobrança a diligência que dele se deve esperar, pois a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento do encargo tributário de outrem sempre dependeria da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), culpa essa a demonstrar pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

– entendimento contrário ofende o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade [cf. artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)];

– a imposição a posteriori de um dever de pagamento de Imposto do Selo, a outrem que não o titular do interesse económico, sempre deveria ser acompanhada da concomitante possibilidade de o Requerente reaver junto dos seus clientes as quantias entregues ao Estado, o que, não sucede;

– a alteração legislativa produzida pela Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, apenas é aplicável a factos ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor, i.e., após 24-05-2017 e seria inconstitucional se se aplicasse a factos anteriores, por força do artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo que a incidência subjectiva é assegurada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.

Este artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do CIS estabelece que «são sujeitos passivos do imposto (...) entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações».

No Relatório da Inspecção Tributária afirma-se que «nos termos da alínea b) do n.º 1 do art º 2º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado».

O Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, não questiona sequer o enquadramento da sua situação nestas normas, reconhecendo expressamente no seu artigo 22.º que, «de facto, o Requerente será o sujeito passivo do imposto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS».

Assim, sendo sujeito do passivo do imposto, compete à Requerente a liquidação do imposto, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 23.º do CIS, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, se se encontrar em alguma das situações em que é devido Imposto do Selo.

Não é relevante, assim, para afastar a incidência subjectiva, apurar se o Requerente é sujeito passivo na qualidade de contribuinte direto ou substituto (duas das categorias previstas no n.º 3 do artigo 28.º da LGT), pois, em qualquer caso, independentemente de saber quem detém a titularidade do interesse económico da operação, é sobre o Requerente que recai o ónus de liquidar e é apenas a ele que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode exigir o pagamento do imposto. (   )

Por outro lado, de harmonia com o disposto na alínea h) do artigo 5.º do CIS, nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas a obrigação tributária considera-se constituída no momento da cobrança das comissões e contraprestações, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia exigir o pagamento do Imposto do Selo.

Resulta deste regime que se está, nas relações entre o Requerente e as entidades a quem cobra comissões ou contraprestações, não perante situação de substituição tributária (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), mas sim perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto, sendo este, por facilidade de cobrança, exigido a quem não é o titular do interesse económico, mas está numa situação em que lhe é possível transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas com este, ficando na disponibilidade do sujeito passivo efetuar ou não essa transferência, através da inclusão ou não do valor do imposto nos preços dos bens que lhe transmite ou dos serviços que lhe presta. (  )

Em situações deste tipo, «o único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico (acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 496/2017-T e 431/2018-T).

Assim, nem a alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nem o artigo 28.º da LGT são obstáculo à exigência do imposto ao Requerente (se se apurar que deve existir tributação).

Este regime não se afigura ser incompatível com o princípio da tributação com base na capacidade contributiva que é corolário do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), pois, como se referiu, não exclui a possibilidade de o Requerente transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas, designadamente meios cíveis.

De resto, a entender-se que era o Requerente quem tinha o dever de liquidar o Imposto do Selo nas situações em causa e tinha a consequente possibilidade de repercutir nos seus clientes as quantias pagas, através dos preços dos serviços que presta, a omissão de liquidação e repercussão serão condutas imputáveis apenas ao Requerente, pelo que não haverá qualquer fundamento para transferir para o Estado, com o afastamento da tributação, as consequências daquelas omissões.

Para além disso, a exigência do imposto ao Requerente e não aos seus clientes justifica-se por evidentes considerações de praticabilidade e a eficiência da tributação, que são também valores com relevo constitucional, em matéria tributária (   ).

Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma do vício que o Requerente lhe imputa, por hipotética violação das normas sobre a incidência subjectiva do Imposto do Selo.

 

 

3.3. Questão da errónea qualificação da TMI e das comissões interbancárias pela utilização de ATM’s e do erro de direito na interpretação da verba 17.3.4 da TGIS

 

As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos (ATM ou multibanco), relativas a operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos (detentores de ATM ou emissores de cartões bancários).

O regime dos pagamentos em terminais de pagamento e caixas automáticos está descrito no Caderno 10 do Banco de Portugal, publicitado em:

https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/10_terminais_de_pagamento_e_caixas_automaticos.pdf

O pagamento através de cartões bancários efectuados em Terminais de Pagamento Automático (TPA) inclui as seguintes etapas, sintetizadas no Relatório da Inspecção Tributária, com base no que consta da página 7 do referido Caderno 10:

iv.a) O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA e para a sua autenticação marca um código secreto ou é solicitada a sua assinatura;

iv.b) A informação é transmitida pelo adquirente (ou "acquirer") ao emissor do cartão, pedindo a respetiva automação;

iv.c) O emissor do cartão dá uma "garantia" de pagamento através de uma autorização;

iv.d) O adquirente (ou "acquirer") paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão, geralmente chamada de "taxa de serviço do comerciante".

iv.e) O adquirente (ou "acquirer") é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão geralmente intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (ou "multilateral interchange fee");

iv.f) O emissor do cartão cobra o valor da transação ao titular do cartão.

 

Assim, no âmbito dos procedimentos originados pelo pagamento de compras em TPA, depois do pagamento pelo adquirente (acquirer) (   ) ao comerciante, aquele é reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão (taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee).

No que concerne às operações em caixas automáticos, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «existindo um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, tal como referido aquando da análise dos TPA, também aqui é cobrada uma comissão - neste caso, pelo Banco detentor do ATM ao Banco detentor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) - pelo serviço prestado. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA e ATM ou caixas automáticas em operações de pagamentos com cartões, de levantamentos de numerário, de consultas de saldos ou de movimentos, de carregamentos telemóveis, de compra de bilhetes, de adesões a serviços, etc.».

O Requerente não procedeu a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões TMI, nem sobre as comissões interbancárias que cobrou pela utilização de Caixas Automáticas em operações efetuadas com cartões bancários.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção relativamente a estas comissões, por entender que elas também se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS, dizendo o seguinte, em conclusão:

•             1. As comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários, são comissões cobradas entre bancos [detentores de ATM ou emissores de cartões bancários];

•             2. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários estando sujeitas a IVA, encontram-se deste imposto isentas, nos termos da alínea c) do n.º 27) do art º 9.º do CIVA:

•             3. Estando isentas de IVA, as comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações (como as acima descritas) encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 1.º do CIS;

•             4. O A... não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões TMI ou sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações (como as acima descritas) efetuadas com cartões bancários;

•             5. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do art º 2º do CIS - "Incidência subjetiva", são sujeitos passivos de imposto as "Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", competindo-lhes pelo n.º 1 do art.º 23.º, 41.º, 43.º e n.º 1 do art.º 44.º, todos do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;

•             6. De acordo com o disposto no n.º 1 e na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º do CIS, nas "...restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras...", quem suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso a outra instituição financeira ou instituição de crédito) na medida em que é o titular do interesse económico;

•             7. Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas "...operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações...)"'.

•             8. Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CIS, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;

•             9. O n.º 1 do art.º 22.º do CIS remete as taxas de imposto para a TGIS;

•             10. As comissões TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões (como as acima referidas) têm pleno cabimento na verba 17.3.4 da TGIS;

•             As comissões acima referidas não se encontram abrangidas pela isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, atento o disposto no n.º 7 do mesmo artigo.

 

3.3.1. Erro de interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS

 

 O Requerente defende que «é errónea a interpretação dada pelos serviços de inspeção tributária à norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, dela se extraindo que as operações que estejam isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, utilizando de novo essa premissa como ponto de partida para a sujeição a Imposto do Selo, desta feita, da TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s».

Do artigo 1.º, n.º 2, do CIS apenas pode concluir-se que uma mesma operação não pode ser tributada cumulativamente em IVA e Imposto do Selo.

A interpretação adequada do Relatório da Inspecção Tributária é a de que a Autoridade Tributária e Aduaneira não entendeu que as operações estavam sujeitas a Imposto do Selo apenas por não serem tributadas em IVA, mas sim que, para além desta condição (delimitação negativa de incidência) era necessária a incidência resultante de previsão na Tabela Geral.

Confirmando que é esta interpretação correcta, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira se esforça por demonstrar, invocando normas do CIS, que há lugar a tributação, incluindo uma norma de incidência objectiva da Tabela Geral, que é a verba 17.3.4..

Por isso, devidamente interpretado o Relatório da Inspecção Tributária, não ocorre o erro de interpretação da lei que o Requerente invoca.

 

3.3.2. Questão do erro de enquadramento das comissões TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários na verba 17.3.4.

 

Como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as comissões TMI (taxa multilateral de intercâmbio) e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários se enquadram na verba 17.3.4 da TGIS.

Trata-se de quantias cobradas entre entidades financeiras de cuja actividade concertada decorre a disponibilização aos seus clientes da possibilidade de efetuarem pagamentos em Terminais de Pagamento Automático e realizarem várias operações em Caixas Automáticas (multibanco).

O Requerente alega, em suma, que as quantias em causa decorrem de convenção interbancária de colaboração recíproca e destinam-se a repartir custos, suportados por toda e qualquer instituição bancária, associados à tecnologia utilizada para pôr à disposição dos seus clientes operações automatizadas e que, entre bancos, não existe um específico vínculo jurídico, mas apenas a prática de actos de cooperação material, sustentados na convenção interbancária de colaboração recíproca celebrada, que não configura prestação de serviços e mais não visa do que uma repartição de custos nas relações interbancárias.

Defende ainda o Requerente que, a entender-se que as taxas referidas remuneram serviços realizados entre entidades bancárias, apenas a compensação líquida poderia assumir relevância e não todos os feixes multilaterais das taxas interbancárias.

O Requerente defende também que, estando-se perante factos ocorridos em 2016, não podem ser aplicadas aos ocorridos até 30-03-2016 as alterações legislativas posteriores, designadamente as introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016), por força da proibição constitucional da retroactividade de normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP).

Na redacção vigente em até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a verba 17.3.4. da TGIS estabelecia o seguinte:

 

17 - Operações financeiras:

(..)

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros ... 4%.

 

A Lei n.º 7-A/2016 deu a esta verba a seguinte redacção:

 

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%

O artigo 154.º da mesma Lei atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção.

Posteriormente, a Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, veio aditar uma alínea h) ao n.º 3 do artigo 3.º do CIS estabelecendo o seguinte:

3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:

 

h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;

 

3.3.2.1. Apreciação da questão à face do regime vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março

À face da redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, afigura-se que as comissões em causa, cobradas entre entidades bancárias, não eram enquadráveis na verba 17.3.4. da TGIS.

 Na verdade, fazia-se referência a «operações financeiras» e a «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» e o artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS estabelecia que «considera-se titular do interesse económico» «nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas».

Do conjunto destas normas, inferia-se que as «operações financeiras» a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, que eram os titulares do interesse económico que, neste tipo de actos sujeitos a Imposto do Selo, constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º do CIS.

Sendo assim, não haveria fundamento para tributar as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI), pois é manifesto que nesses pagamentos interbancários não havia qualquer relevância do interesse dos clientes.

Por outro lado, no que concerne à utilização de cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, «cobrar quaisquer encargos diretos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de Janeiro). Isto é, se é certo que, no que concerne às operações em caixas automáticas (ATM ou multibanco), havia prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias, também o é que, pela prestação destes, não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4.

 Neste contexto, é de concluir que a verba 17.3.4., na redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, não abrangia nem a TMI, nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Sendo assim, tem de se concluir que as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016 e pela Lei n.º 22/2017, atento o seu carácter inovador, não podiam ser aplicadas à situação em apreço, por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos.

Na verdade, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa.

Recentemente o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 751/2020, de 16-12-2020, proferido no processo n.º 843/19, afastou a admissibilidade de leis interpretativa em matéria de criação de impostos, decidindo «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, da norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado a este Código pelo artigo 152.º da citada da Lei n.º 7-A/2016, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos».

Embora este acórdão tenha por objecto a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, a sua fundamentação afasta generalizadamente a aplicação de normas interpretativas em matéria de interpretação de normas fiscais, ao dizer que «a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição».

Assim, na linha desta jurisprudência, por força do disposto no artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados», tem de ser recusada a aplicação daquele artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, bem como da nova redacção que nesta se deu à verba 17.3.4 da TGIS.

Estando afastada a possibilidade de aplicar a nova legislação, é de concluir, pelo que se referiu, que não se podem enquadrar na verba 17.3.4 da TGIS, vigente até à entrada em vigor da Lei n. 7-A/2016, a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Pelo exposto, a correção relativa à TMI e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários é ilegal, por enfermar de vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação de Imposto de Selo na parte em que tem como pressuposto as comissões que o Requerente cobrou entre 01-01-2016 e 30-03-2016, inclusive, a título de TMI e comissões interbancárias relativas à utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

As liquidações de juros compensatórios, enfermam de idêntica ilegalidade pelo que se justifica também a sua anulação, na parte em que tem como pressuposto a parte da liquidação de Imposto do Selo agora anulada.

Assim, fica prejudicado, por ser inútil [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT] o conhecimento das restantes questões relativas a estas liquidações, nas partes em que tem como pressuposto comissões cobradas até 30-03-2016.

 

3.3.2.2. Apreciação da questão à face do regime vigente após a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março

Como se referiu, a Lei n.º 7-A/2016 deu à verba 17.3.4. da TGIS a seguinte redacção:

 17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%

 

À face desta nova redacção, as «taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões» passaram a estar incluídas no âmbito de incidência desta norma, sendo englobadas no conceito de «outras comissões».

A fórmula utilizada aponta no sentido de o único elemento relevante para determinar a incidência objectiva é a relação das «taxas» ou «comissões» com operações de pagamento baseadas em cartões.

 Afigura-se que essa relação existe quer quanto à TMI, que tem subjacente o pagamento com cartões em TPA’s, quer quanto às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Por isso, é de concluir que as comissões referidas estão sujeitas a Imposto do Selo desde a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que ocorreu em 31-03-2016 (artigo 218.º desta Lei).

Por outro lado, resulta do texto da lei que a taxa prevista se aplica ao montante das comissões, não havendo qualquer suporte textual para aplicar a taxa apenas à compensação líquida que o Requerente aufere com as comissões referidas.

 

3.3.2.3. Questão da «inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s se incluem no âmbito da verba 17.3.4 da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva, do princípio da coerência sistemática e do princípio da justiça tributária»

 

                Incidindo o Imposto do Selo, à face da nova redacção da verba 17.3.4. da TGIS, sobre a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, a sua aplicação poderá ser afastada pela inconstitucionalidade, sendo isso que o Requerente defende, pelas seguintes razões, em suma:

– «a TMI e as comissões interbancárias pela utilização de ATM’s não manifestam factos relevadores de capacidade contributiva em sede de Imposto do Selo, pelo que a interpretação que as subsuma à verba 17.3.4 da TGIS deve ser considerada inconstitucional»;

– «não existe uma conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, conforme é pacificamente exigido para que se respeite o princípio da capacidade contributiva (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97)»;

– «o Imposto do Selo visa a tributação do consumo e, portanto, permitir a tributação da TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s (enquanto comissões auferidas pelo Requerente) em sede de Imposto do Selo seria permitir naquela sede a tributação de rendimento, violando gritantemente a finalidade daquele Imposto».

– «a administração tributária, ao identificar a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s como comissões pagas ao Requerente por um serviço financeiro e ao exigir o pagamento do Imposto do Selo, ora adicionalmente liquidado, ao Requerente ao invés de aos seus clientes [cf. alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, aplicável na data dos factos] está manifestamente a tratar aquelas alegadas comissões por serviço financeiro como rendimento, o que não se coaduna com a tributação em sede de Imposto do Selo»;

– «não são as próprias comissões que geram o incremento da capacidade contributiva, pois a tributação em sede de Imposto do Selo tem por escopo o consumo de operações financeiras sendo essas as que são tributadas nesta sede, ainda que por via das comissões cobradas, e não as comissões individualmente consideradas e sem suporte numa operação que caia no campo de incidência da tributação em sede do imposto em análise»;

 

– «o Imposto do Selo, ora em crise, é um imposto indireto, que incide sobre o consumo e que na vertente da tributação de operações financeiras visa tributar o rendimento manifestado pelos clientes das instituições bancárias através do consumo dessas mesmas operações financeiras»;

– o n.º 4 do artigo 104.º da CRP dispõe que “A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”, sendo frequente, na tributação do consumo, verificar-se o fenómeno da repercussão;

– «admitir que a disponibilidade da quantia recebida como TMI e de comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s revela capacidade contributiva que deve ser tributada em Imposto do Selo viola frontalmente os n.ºs 3 e 4 do artigo 104.º da CRP, de onde se retira o princípio da coerência sistemática»;

– «a interpretação que sujeita a Imposto do Selo nos termos da verba 17.3.4 da TGIS a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s auferidas pelo Requerente é manifestamente inconstitucional em violação dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP, os quais comportam o princípio da justiça tributária e da coerência sistemática, e bem assim do princípio da capacidade contributiva, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais».

 

                Afigura-se que esta tese do Requerente assenta em pressupostos errados.

                Na verdade, o Imposto do Selo não tem uma estrutura coerente, inserindo-se no seu âmbito de incidência situações de natureza completamente distinta, que inviabilizam que seja qualificado como imposto sobre o consumo, como pretende o Requerente.

                Com efeito, a norma geral de incidência estabelece que «o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens» (n.º 1 do artigo 1.º do CIS), e as situações incluídas na Tabela Geral do Imposto do Selo nem se limitam sequer a situações desses tipos, como sucede, por exemplo, com a mera detenção de património (verbas 28. e 29., vigentes em 2016, relativas à detenção de património imobiliário e mobiliário).

                Incluindo tributação de realidades manifestamente heterogéneas, o Imposto do Selo tem sido generalizadamente qualificado como um imposto de natureza residual, que inclui todas as situações reveladoras de capacidade contributiva que legislativamente se pretendem tributar que não são, como tal, incluídas no âmbito de incidência de outros impostos. Isto é, «através do imposto do selo, propriamente dito, visa-se tributar circulações de riqueza, de bens, de valores; sobretudo quando tais valores, ou bens, não tenham podido ser tributados por outra via». (   ) (   )

                Por isso, não valem em relação ao Imposto do Selo preocupações de coerência sistemática a que alude o Requerente, designadamente derivadas do facto de a tributação destas comissões não ser tributação do consumo, pois o âmbito de incidência objectiva do Imposto do Selo não se restringe a este tipo de tributação.

                Por outro lado, como se disse, embora o Imposto do Selo seja utilizado «sobretudo» para tributar valores ou bens que não tenham podido ser tributados por outra via, não há qualquer obstáculo constitucional a que seja utilizado para tributar factos que podiam ser tributados por outras vias.

                No que concerne ao princípio da tributação tendo em atenção a capacidade contributiva, que é afloramento do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), afigura-se que não é violado pela tributação das referidas comissões, pois elas revelam que quem as aufere dispõe de uma capacidade contributiva superior a quem não as recebe.

                Por outro lado, não há qualquer indício de que o montante dessas comissões seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações.

                Neste contexto, não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva.

                No que concerne ao artigo 104.º da CRP, afigura-se que não se coloca a questão da violação dos seus n.ºs 3 e 4, pois reportam-se à tributação do património e do consumo.

                No caso destas comissões, incidindo o Imposto do Selo sobre os proventos que advêm da realização de operações com cartões, está-se perante uma forma especial de tributação de rendimento, como afirma o Requerente. Esta tributação não é incompaginável com o n.º 2 do artigo 104.º da CRP, pois estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», não proibindo outras formas de tributação do rendimento, não baseadas no lucro tributável, inclusivamente com natureza de impostos de sobreposição. (   )

                Pelo exposto, a TMI e as comissões não são materialmente inconstitucionais.

 

                3.3.3. Questão «da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo por errónea interpretação da norma de isenção prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo»

               

                A Administração Tributária entendeu no Relatório da Inspecção Tributária que «não é aplicável a isenção a que alude a alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS na medida em que as comissões em apreço, embora cobradas por e entre bancos não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre eles».

                O Requerente defende que «caso se entenda que a TMI constitui uma comissão, o que apenas se admite por dever de patrocínio, então, tal comissão, bem como as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s ora em análise estarão isentas por se aplicar a isenção prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo».

                A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, estabelece o seguinte:

 

1 - São também isentos do imposto:

(...)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, aditou o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, sendo atribuída a esta norma natureza interpretativa, pelo artigo 154.º daquela Lei:

 

7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.

 

Esta norma interpretativa não pode ter aplicação retroactiva, pelo que já se referiu, e foi decidido pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 751/2020, de 16-12-2020, proferido no processo n.º 843/19, que afastou a admissibilidade de leis interpretativa em matéria de criação de impostos.

Mas, esta norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS é aplicável a partir da sua entrada em vigor, em 31-03-2016.

Como resulta do teor expresso desta norma, a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 7.º apenas se aplica às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito.

Relativamente às TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATMs até à entrada em vigor da lei n.º 7-A/2016, já se decidiu que não incide Imposto do Selo, pelo que não tem qualquer utilidade apreciar se se seria aplicável a isenção. Por isso, sendo proibido praticar actos inúteis [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT] fica prejudicado o conhecimento da questão da aplicabilidade e da isenção a comissões cobradas até 30-03-20166.

No que concerne à TMI e comissões interbancárias cobradas a partir de 31-03-2016, o novo n.º 7 do artigo 7.º do CIS afasta manifestamente a possibilidade de aplicação da isenção, pois a restringe às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, o que não é o caso.

 

3.4. Juros compensatórios

 

A Requerente suscita as questões da falta de fundamentação da liquidação quanto ao apuramento dos juros compensatórios quanto aos períodos de Outubro a Dezembro e a falta de pressupostos para liquidação dos juros compensatórios.

 

3.4.1. Questão da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios quanto às comissões cobradas nos meses de Outubro a Dezembro de 2016

 

Foram liquidados juros compensatórios no montante total de € 183.403,65 (documento n.º 2).

O Requerente diz que não está fundamentada a liquidação de juros compensatórios relativa ao período de Outubro a Dezembro de 2016.

A Administração Tributária diz que a liquidação está fundamentada.

Na verdade, como defende o Requerente, apenas se referem na liquidação que foi notificada ao Requerente os cálculos dos juros compensatórios até ao mês de Agosto de 2016, que totalizam € 129.169,72, sendo indicada a taxa e os períodos a que se reportam. (   )

Mas, o valor global de juros compensatórios liquidados é de € 183.493,65 e na liquidação não se encontra qualquer fundamentação para a liquidação de juros compensatórios no montante de € 54.233,93, correspondente à diferença entre aqueles dois valores.

O n.º 9 do artigo 35.º da LGT estabelece que «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas».

Neste caso, não foram fundamentadas liquidações no valor de € 54.233,93, em que se incluirão as que correspondem às comissões cobradas no período de Outubro a Dezembro de 2016, a que o Requerente imputa falta de fundamentação. (   )

Não se está perante uma mera deficiência de notificação susceptível de ser sanada através do procedimento previsto no artigo 37.º do CPPT, como sugere a Administração Tributária, pois o documento n.º 2 é a própria liquidação, não se tendo demonstrado que existam quaisquer outras liquidações para além das que foram juntas pelo Requerente no documento n.º 2. Nomeadamente, do processo administrativo não consta qualquer outra liquidação, nem foi junto qualquer outro documento pela Administração Tributária.

Assim, desconhecendo-se completamente a fundamentação das liquidações de juros compensatórios não indicadas no documento n.º 2 que terão o valor global de € 54.233,93, tem de se concluir que as liquidações relativas a Imposto do Selo relativo aos meses de Outubro a Dezembro enfermam de vício de falta de fundamentação, por violação do n.º 9 do artigo 35.º da LGT, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Assim, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, sendo de anular as liquidações de juros compensatórios referentes às comissões cobradas pelo Requerente entre Outubro e Dezembro de 2016.

 

 

3.4.2. Questão da falta de falta de pressupostos para liquidação dos juros compensatórios

 

O Requerente defende, à face do preceituado no n.º 1 do artigo 35.º da LGT, que. para serem liquidados juros compensatórios, é necessário que exista culpa do contribuinte.

A Administração Tributária defende que essa culpa existe quando a conduta do contribuinte constitui um facto qualificado por lei como ilícito.

No Relatório da Inspecção Tributária refere-se o seguinte, sobre as «Infrações verificadas» e juros compensatórios, no que aqui interessa:

 

VII. INFRAÇÕES VERIFICADAS

(...)

As omissões ou inexatidões referidas nos pontos III.2. e III.3. do presente documento, constituem infrações previstas e punidas pelo art.º 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho.

Pelas referidas omissões ou inexatidões descritas no ponto III deste documento será levantado o correspondente Auto de Notícia ou efetuado o Relatório Sucinto das Faltas Verificadas, caso o sujeito passivo apresente, antes da instauração do processo contra-ordenacional no Serviço Local de Finanças competente, o pedido de redução de coimas nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RGIT em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo.

Atentas as correções anteriormente expostas e, conforme demonstrado. tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que. ao abrigo do disposto no art.º 35.º da Lei Geral Tributária, art.º 40.º do Código do imposto do Selo e art.º 96.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, todos conjugados com o preceituado nos art.º 559.º e 562.º a 564.º, todos do Código Civil, se mostra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n." 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta.

 

Como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo». Isto, não propriamente porque a culpa se presuma, mas por ser «algo que em regra ou prima -facie, se liga ao carácter ilícito -típico do facto respectivo». Por isso, no plano da prática, demonstrado o enquadramento de uma conduta na previsão legal de um ilícito -típico, perguntar pela culpa «é no fundo perguntar se a culpa se encontra ou não em concreto excluída». (   )

Neste caso, afigura-se que o Requerente não agiu com a diligência devida, quanto à falta de liquidação de Imposto do Selo relativamente às comissões cobradas a partir de 31-03-2016, pois as normas da verba 17.3.4. e do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, são claras, respectivamente, quanto à aplicação daquela verba às comissões relativas a operações de pagamento baseadas em cartões e à não aplicação da isenção.

Assim, deve considerar-se culposa a falta de liquidação de Imposto do Selo quanto às comissões cobradas a partir de 31-03-2016.

Por outro lado, dessa falta de liquidação resultou atraso na liquidação, pois deveria ser feita acompanhada de pagamento até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que cada obrigação se constituiu (artigo 44.º, n.º 1, do CIS) e só foi efectuada em 2019 na sequência da inspecção.

Pelo exposto, as liquidações de juros compensatórios relativas a comissões cobradas a partir de 31-03-2016 não enfermam deste vício que o Requerente lhes imputa.

 

3.5. Conclusão

 

De harmonia com o exposto, conclui-se que:

– procede o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios relativas às TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s cobradas até 30-03-2016;

– improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de Imposto do Selo cobradas a partir de 31-03-2016 e às liquidações de juros compensatórios relativas a comissões cobradas entre aquela data e 30-09-2016;

– procede o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de juros compensatórios relativas às comissões cobradas nos meses Outubro a Dezembro de 2016.

             

                4. Restituição de quantia paga e juros indemnizatórios

 

                Em 17-02-2020, o Requerente efetuou o pagamento da quantia liquidada e pede o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito ao reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.           

 

4.1. Reembolso da quantia indevidamente paga

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto às partes das liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios respeitantes a taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's com cartões cobradas até 30-03-2016 e ainda quanto às liquidações de juros compensatórios relativas a comissões cobradas no período de 01-10-2016 a 31-12-2016, o Requerente tem direito à restituição das quantias correspondentes.

Não há elementos que permitam efectuar a quantificação exacta dos montantes a reembolsar, pois, por um lado, sendo o Imposto do Selo liquidado com referência a meses, não há elementos que permitam apurar quais as comissões cobradas no dia 31-03-2016, a que já se aplica o novo regime e, por outro lado, as liquidações de juros compensatórios têm pressupostos outras liquidações, para além das referentes à TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's com cartões, que são as únicas que são objecto do presente processo.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Os erros que afectam a liquidação de Imposto do Selo e as consequentes liquidações de juros compensatórios, relativas a comissões cobradas até 30-03-2016, que são anuladas por vício de violação de lei, são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as efectuou por sua iniciativa.

Relativamente às liquidações de juros compensatórios relativas a comissões cobradas no período de 01-10-2016 a 31-12-2016, sendo a anulação por vício de falta de fundamentação, o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, pois este só é reconhecido pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT quando a anulação se baseia em vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.

Na verdade, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa tem tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.

Na linha desta jurisprudência, sendo procedente o pedido de pronúncia arbitral apenas com fundamento em vícios de falta de fundamentação, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

Consequentemente, apenas relativamente às comissões cobradas referentes ao período de 01-01-2016 a 30-03-2016 o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, desde a data do pagamento indevido (17-02-2020), até ser reembolsado.

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outras que alterem a taxa legal) e, desde a data do pagamento, até ao integral reembolso.

Os montantes a reembolsar e os juros indemnizatórios deverão ser determinados em execução do presente acórdão, em conformidade com o preceituado no artigo 609º, n. 2, do CPC e no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

                                5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular parcialmente a liquidação de Imposto do Selo n.º 2019..., na parte em que tem subjacente as comissões de taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's com cartões cobradas até 30-03-2016, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019..., n.º 2019..., n.º 2019..., na parte em que têm como pressuposto aquelas comissões;

c)            Anular as liquidações de juros compensatórios referentes a comissões de taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's com cartões cobradas entre 01-10-2016 e 31-12-2016;

d)           Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso de quantias indevidamente pagas e condenar a Administração Tributária a reembolsar o Requerente das quantias pagas referentes às partes das liquidações que são anuladas, cujos montantes deverão ser determinados em execução do presente acórdão;

e)           Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária a pagá-los ao Requerente, calculados com base na quantia a reembolsar relativa a comissões cobradas até 30-03-2016.

f)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral nas partes restantes e absolver a Administração Tributária dos respectivos pedidos.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.327.731,08.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 18.054,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Na repartição da responsabilidade por custas, não havendo elementos que permitam uma quantificação exacta do vencimento do Requerente, far-se-á por aproximação.

O Requerente obtém vencimento

– quanto às liquidações de Imposto do Selo relativas aos meses de Janeiro (€ 98.736,97), Fevereiro (€ 83.945,74) e Março (€ 90.930,04), sendo que quanto a este último o vencimento reporta-se a 30 dias (o que corresponde proporcionalmente a € 87.996,81), o que perfaz vencimento quanto a € 270.679,52;

– quanto às liquidações de juros compensatórios relativas aos meses de Janeiro (€ 19.572,88), Fevereiro (€ 15.999,67) e Março (€ 17.914,28), o que perfaz € 53.486,82;

– quanto às liquidações de juros compensatórios relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, tiveram por base Imposto do Selo nos montantes de € 110.915,62, € 90.002,27 e € 105.460,59, respectivamente e a contagem dos juros compensatórios iniciou-se, considerando o prazo de pagamento previsto no artigo 44.º do CIS, nos dias 21-11-2016, 21-12-2016 e 23-01-2017, respectivamente;

– assim, considerando que a data final da contagem de juros compensatórios foi 26-12-2019, eles são contados durante 1130 dias quanto ao valor de € 110.915,62 (o que dá € 13.735,30 calculados com base em € 110.915,62 x 4% : 365 x 1130 dias), durante 1100 dias quanto ao valor de € 90.002,27 (o que dá € 10.849,59, calculados com base em € 90.002,27 x 4% : 365 x 1100 dias) e durante 1067 dias quanto ao valor de € 105.460,59 (o que dá € 12.331,67, calculados com base em € 105.460,59x 4% : 365 x 1067 dias), o que perfaz vencimento quanto ao valor de € 36.916,56.

 

Considerando o exposto, o Requerente obtém vencimento quanto a € 361.082.90 (€270.679,52 + € 53.486,82 + € 36.916,56).

Como o valor da causa é € 1.327.731,08 o Requerente obtém vencimento quanto a 27,20%.

 

Assim, a responsabilidade por custas é fixada a cargo do Requerente na percentagem de 72,80% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 27,20%.

 

8. Comunicação ao Ministério Público

 

Dê-se conhecimento da decisão ao Ministério Público, em face do decidido sobre a questão relativa à inconstitucionalidade do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

 

Lisboa, 13-01-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Rui Ferreira Rodrigues)

(A. Sérgio de Matos)