Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 331/2020-T
Data da decisão: 2021-01-18  ISV  
Valor do pedido: € 1.119,05
Tema: ISV – Admissão de veículo usado – Incidência sobre componente ambiental.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A sociedade A..., Ld.ª., com o número de identificação fiscal ..., com sede social em Rua dos ..., ..., ..., ...-... ... (doravante designado por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT),sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (adiante designada por Requerida).

2.            No pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 01.07.2020, a Requerente peticiona que os atos de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) relativos a veículos “importados” da Alemanha e da Bélgica, cujas Declaração Aduaneira de Veículo serão infra identificadas, sejam declarados ilegais na parte relativa às normas de incidência, componente ambiental e, consequentemente, aquelas liquidações sejam anuladas parcialmente, com fundamento em ilegalidade, por violação do artigo 110.º  do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

3.            A Requerente pede a restituição do Imposto sobre veículos (ISV) liquidado em excesso, no valor de € 1.119,05, e o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento indevido e até à data da sua efetiva restituição.

4.            A requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância das liquidações impugnadas terem sido efetuadas ao abrigo das normas dos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, e enfermarem de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

5.            Em 02.07.2020 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e em 10.07.2020 foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 24.08.2020 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

6.            Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 23.09.2020 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.

8.            Em 25.09.2020 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

9.            Em 25.10.2020, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. A Requerida defende-se por exceção e por impugnação e pugna que, face à exceção invocada deve ser absolvida do pedido, ou, então, atentas as razões invocadas, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente. Com a sua resposta a Requerida juntou o processo administrativo (PA).

10.          A Requerida alega que o cálculo do imposto sobre veículos consta do Quadro R das DAVs e foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, tendo sido calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV, tendo, igualmente, sido deduzida a percentagem de redução correspondente, conforme o disposto na tabela D constante do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º  42/2016, de 28 de dezembro (Lei de OE para 2017) prevista para os veículos usados.

11.          A Requerida argumenta, ainda, que o atual modelo de fiscalidade automóvel tem

em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente. Considera a interpretação, pugnada pela Requerente, uma desaplicação do direito europeu e internacional – do artigo 191.º  do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris - que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP , bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º  e do n.º 2 do artigo 103.º  da CRP. Concluindo a Requerida que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.

12.          Em face do conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, por despacho de 09.11.2020, o Tribunal arbitral decidiu: i) dispensar a produção de prova testemunhal; ii) dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; e iii) conhecer da exceção suscitada pela Requerida na decisão arbitral, bem como determinou às Partes a junção de alegações, o que veio a acontecer, quer por parte da Requerida, quer por parte da Requerente, em 24.11.2020.

 

II.            SANEAMENTO

13.          O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

14.          As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

15.          Não há nulidades, mas há que apreciar a exceção - caducidade do direito de ação – invocada pela Requerida.

16.          A Requerida considera que o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo, porquanto, a Requerida o apresentou em 01.07.2020, na sequência do despacho de indeferimento, com fundamento na sua intempestividade, do pedido de revisão, apresentado nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributário (LGT), contra oos atos de liquidação de ISV resultantes das DAVs apresentadas em 2019 junto da Alfândega de Leixões, relativos aos veículos com origem na Alemanha e na Bélgica.

17.          A Requerida alega que, uma vez que a Requerente formulou o pedido de revisão dos atos tributários de liquidação de ISV com fundamento em ilegalidade, o pedido de revisão teria de ter sido formulado no prazo da reclamação administrativa - 120 dias a contar do pagamento do imposto – conforme decorre da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

18.          A Requerente, nas suas alegações, considera que não existe qualquer caducidade do direito de ação, porquanto, no seu pedido de revisão dos atos tributários de liquidação de ISV invocou, genericamente, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e que este quando se refere a erro imputável aos serviços contempla o erro de direito, o que consubstancia uma ilegalidade, que nada mais é do que o fundamento por ela invocado no pedido de revisão formulado ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

19.          Compulsados os elementos oficiais que conduziram ao despacho de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários ao abrigo do artigo 78.º da LGT, verifica-se que este não foi liminarmente indeferido com fundamento em intempestividade, e que, uma vez apreciado o mérito do pedido, este foi indeferido, em síntese, com base nos fundamentos seguintes:

 “(…), o erro que vem imputado às liquidações de ISV reconduz-se a uma questão de direito.

Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, será de afastar, desde logo, a imputabilidade aos serviços da AT do imputado “erro” porquanto o ato tributário de liquidação visado, foi praticado nos termos do art.º 11.º do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num “julgamento” de conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no art.º 110.º do TFUE.

Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP e art.º 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP).

Assim, atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT.

Efetivamente, não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP e art.º 55.º da LGT).

Nesta conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT.”

20. Verifica-se, portanto, que o pedido de revisão do ato tributário foi indeferido em virtude de não ter sido reconhecido qualquer erro imputável aos serviços da AT e não com fundamento na sua intempestividade em face de, atenta a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, a ilegalidade só poder ser invocada com base naquele segmento da norma.

21. É certo que a Requerente no pedido de revisão que formulou invocou como fundamento a ilegalidade dos atos de liquidação, mas não afastou a possibilidade daquele vício decorrer de erro imputável aos serviços, e o que é facto é que os serviços da AT procederam à apreciação do mérito do pedido de revisão formulado pela Requerente, e apenas concluíram pela inexistência de erro de direito imputável aos serviços.

22. Acresce que, como bem invoca a Requerente no articulado das suas alegações, o erro imputável aos serviços previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT pode integrar, ou revestir apenas, matéria de direito, senão, vejamos o que é sobejamos reconhecido pela doutrina e firmado na jurisprudência do STA.

23. A propósito do erro de direito imputável aos serviços no sumário do acórdão do STA, proferido no processo n.º   01007/11, datado de 14.03.012, é referido que “i) A revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efetuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 7, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado. ii) E o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro.”

24. Verifica-se, assim, que o pedido de revisão dos atos tributário de liquidação de ISV formulado pela contribuinte é absolutamente integrável no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, normativo que foi invocado pela interessada e que conduziu a que o mérito do pedido tivesse sido apreciado pelos serviços, e o seu indeferimento tivesse tido por fundamento o não reconhecimento de erro imputável aos serviços.

25. Nesta conformidade, o pedido de revisão dos atos tributários, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, foi formulado pela Requerente no prazo legal, e tendo a interessada sido notificada da decisão de indeferimento em 29.05.2020, não se verifica a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral apresentado em 01.07.2020, pelo que improcede a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

26. Assim, passa-se à análise do mérito da causa.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III. 1. 1. Factos provados

 

26. Com base nos articulados e nos diversos elementos documentais que integram o processo arbitral, o Tribunal destaca os elementos factuais infra descritos que, não tendo sido contestados pelas Partes, se consideram provados:

26.1 A Requerente adquiriu na Alemanha e na Bélgica, e procedeu à sua introdução em Portugal, os veículos automóveis ligeiros usados seguintes:

 

Data entrada em território Nacional      

Matrícula           

Marca  

País de origem

09.10.2019          ...            ...            Alemanha

25.10.2019          ...            ...            Bélgica

21.10.2019          ...            ...            Alemanha

10.09.2019          ...            ...            Alemanha

03.09.2019          ...            ...            Alemanha

24.07.2019          ...            ...            Alemanha

22.04.2019          ...            ...            Bélgica

 

26.2 A primeira matrícula dos veículos foi registada nos respetivos países de origem.

26.3 A Requerente apresentou na Alfândega de Leixões as DAVs infra identificadas nas quais constam não só a identificação dos veículos, bem como os demais elementos necessários à liquidação do ISV:

Data      DAV       1.ª matrícula      ISV pago

21.12.2019          2019/... 25.07.2016          € 1.506,34

19.11.2019          2019/... 15.12.2015          € 1.965,82

25.10.2019          2019/... 11.08.2016          € 2.109,06

20.09.2019          2019/... 24.11.2015          € 1.559,67

05.09.2019          2019/... 30.06.2014          € 1.210,66

22.08.201\9        2019/... 27.02.2014          € 1.231,86

03.05.2019          2019/... 18.11.2015          E 1.965,82

Componentes do ISV liquidado

Valor

Componente cilindrada % Redução de Anos de uso – Componente cilindrada     Valor

Componente cilindrada com redução     Valor

Componente ambiental s/redução

€ 2.293,60           35%        € 1.490,84           € 15,50

€ 1.792,66           35%        € 1.165,23           € 800,59

€ 1.792,66           35%        € 1.165,23           € 943,83

€ 1.969,76           35%        € 1.280,34           € 279,33

€ 2.293,60           52%        € 1.100,93           € 109,73

€ 2.293,60           52%        € 1.100,93           € 130,93

€ 1.792.66           35%        € 1.165,23           € 800,59

 

26.4 Em face das disposições legais insertas nos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto sobre veículos, e com base nos elementos constantes das DAVs, foram efetuados os vários atos de liquidação do ISV, tendo resultado o valor global de € 14.228,54, componente cilindrada, que após a redução legal em função do número de anos dos veículos, esta componente passou a ser do valor de € 8.468,73. Em relação à componente ambiental foi liquidado imposto no valor de € 3.080,50. Ao contrário do que se verificou em relação à componente cilindrada, em relação à componente ambiental não foi efetuada qualquer redução e foi determinado o ISV a pagar pela Requerente no valor de € 11.549,23 =(8.468,73 + € 3.080,50).

26.5 A requerente procedeu ao pagamento integral do ISV no valor de € 11.549,23.

26.6 Em 31.03.2020, a Requerente apresentou um pedido de revisão dos atos tributários de liquidação do ISV (requerimento datado de 26.03.2020), nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a solicitar a anulação parcial dos atos de liquidação, com fundamento em ilegalidade, por considerar que a circunstância de, em função do número de anos dos veículos, não ter sido feita qualquer redução do ISV na componente ambiental, consubstancia uma violação do artigo 110.º do TFUE.

26.6 O pedido de revisão dos atos tributários, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, foi apreciado pelos serviços da AT e, por despacho de 19.05.2020, notificado à Requerente em 29.05.2020, foi indeferido.

26.7 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em, 01.07.2020.

 

III.1.2. Factos não provados

 

27. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

28. Em face do pedido de pronúncia arbitral a questão de direito que importa decidir é a de determinar se as normas do Código de Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, e subsequentes alterações legais, em concreto as normas do seu artigo 11.º, à data da pratica dos atos de liquidados impugnados, evidenciam uma ilegalidade por violação do artigo 110.º do TFEU ou se pelo contrário, como alega a Requerida, não existe qualquer ilegalidade, existe sim, é a prossecução de interesses no domínio ambiental, porquanto, a solução legal consagrada na legislação nacional não visa criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado interno único, tem sim, é a intenção de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no Protocolo de Quioto e no acordo de Paris, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

29. Acresce referir que a Requerida também alega que da interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, (…), direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais “amigos do ambiente” tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.

30. A Requerente alega que as normas do CISV, aplicáveis aos veículos portadores de matrículas comunitárias com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.

31. E que as normas do artigo 11.º do CISV aplicadas nos atos de liquidação impugnados conduz a que seja cobrado sobre os veículos "importados" de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

32. Em face das razões aduzidas na petição arbitral, e acima sumariadas, a Requerente conclui que devem ser parcialmente anulados os atos de liquidação impugnados com a condenação da Requerida a restituir à Requerente o valor do ISV cobrado em excesso, no valor de 1.119,05, acrescido de juros indemnizatórios a contar desde a data do pagamento indevido.

33. Por sua vez, a Requerida conclui que as liquidações de ISV, que aplicaram o artigo 11.º do CISV, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição. Destarte, tendo os atos impugnados sido efetuados de acordo com o direito nacional e comunitário, não enfermam de qualquer vício, devendo, consequentemente, as liquidações, na parte que vêm impugnadas, efetuadas pela identificada alfândega, manter-se na ordem jurídica.

34. De acordo com os normativos da alínea a), n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 3.º do  Código do Imposto sobre Veículos, estão sujeitos ao imposto, designadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros”, sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”.

35. E como resulta dos normativos do artigo 5.º do CISV, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por “admissão”, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional.

35. Por sua vez, de acordo com os normativos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 17.º do CISV, a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV), sendo que, para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros estão sujeitos ao processamento da declaração aduaneira de veículo (DAV).

36. Atentos os normativos do artigo 4.º do CISV, o imposto sobre veículos possui natureza específica, incidindo as suas taxas sobre uma base tributável constituída por uma componente cilindrada e por uma componente ambiental, sendo que a primeira estipula uma taxa consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda uma discriminação entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, (de forma positiva relativamente aos primeiros) prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

37. A ilegalidade dos atos de liquidados de ISV que a Requerente invoca tem por base o artigo 110.º do TFEU, na medida em que a tributação nacional será mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal provenientes de outros Estados-Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.

38. Na verdade, estabelece aquele preceito que "Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções."

39. Considera a Requerente que aquela norma comunitária é violada pela legislação nacional, em concreto, pelo artigo 11.º do CISV. Importa, assim, analisar a redação dos artigos 7.º e 11.º do CISV, na redação vigente à data da ocorrência dos factos tributários e no que concerne a veículos ligeiros de passageiros, movidos a gasóleo. A saber:

Artigo 7.º do CISV - Taxas normais – automóveis

1.            A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a)            Aos automóveis de passageiros

b)           (…)

 

   Componente ambiental

   Veículos a Gasóleo

 

Artigo 11.º Taxas – veículos usados

O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

 

2.            Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

(…)

40. Em relação aos atos de liquidação de ISV impugnados, e considerando que os veículos são provenientes de outro Estrado-Membro (Alemanha e Bélgica), a liquidação do ISV foi efetuada com observância da norma do artigo 11.º do CISV, sendo considerada uma redução (35% em 5 casos e 52% em 2 casos) na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo, em conformidade com o disposto naquele preceito legal.

41. Está, portanto, em causa determinar-se se a referida norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental, viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.

42. A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados "importados" de outro Estado-Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia.

43. Há que referir que, outrossim, por infração ao artigo do 110.º do TFEU, a Comissão Europeia pediu ao Tribunal de Justiça da União Europeia que declarasse que, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta o valor real destes e, em particular, que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem qualquer outra desvalorização desses veículos no caso de veículos com mais de cinco anos, a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.

44. Houve, portanto, lugar à instauração de um procedimento por infração contra o Estado Português que correu termos sob o processo C-200/15, tendo dado lugar ao acórdão do TJUE (sétima secção) de 16 de junho de 2016, ao abrigo do qual foi decido que “A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”

45. Em resultado desta decisão do TJUE, a legislação nacional foi alterada e no artigo 11.º do CISV, através da Lei n.º n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento de Estado para2017) foi introduzida nova redação, passando a contemplar a depreciação do valor do veículo antes de concluído um ano e posteriormente a cinco anos de uso. Porém, esta depreciação do valor dos veículos apenas é relevante, em termos de liquidação de ISV, na componente cilindrada, não se tendo verificado qualquer consideração da depreciação do valor do veículo usado para efeitos da componente ambiental, situação que na opinião da Requerente consubstancia uma ilegalidade por violação do artigo 110.º da TFUE, conforme já foi supra enunciado.

46. Atenta a sua relevância para a matéria em análise, vamos transcrever alguns pontos do acórdão do TJEU, referente ao processo C-200/15, a saber:

“12 A Comissão alega que a taxa do imposto sobre veículos usados admitidos em Portugal, calculada em função de uma tabela de percentagens fixas, não reflete de modo adequado a desvalorização destes veículos, uma vez que, como decorre do artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos, a desvalorização dos veículos utilizados há menos de um ano não é tomada em consideração e a desvalorização dos veículos com mais de cinco anos é limitada a 52%. No entendimento da Comissão, esta disposição é, pois, discriminatória.

13 A Comissão considera que, conforme o Tribunal de Justiça já referiu nos acórdãos de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin (C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78), e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia (C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 30), a depreciação de um veículo começa no momento da sua compra ou da sua entrada em serviço. Ora, devido ao artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, os veículos automóveis usados da União, com menos de um ano, admitidos em Portugal, são tributados como veículos novos, o que constitui, segundo a Comissão, uma violação do artigo 110.° TFUE.

14 Além disso, os veículos automóveis continuam a desvalorizar‑se depois de decorridos cinco anos de utilização, facto de que resulta que os veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, utilizados há mais de cinco anos, são sujeitos a um imposto de montante mais significativo do que os veículos automóveis usados similares inicialmente introduzidos no mercado em Portugal, o que também é contrário ao artigo 110.° TFUE.

15 Por outro lado, a Comissão salienta que, nos termos do artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos, na medida em que a liquidação provisória do montante desse imposto é efetuada com base na tabela de percentagens fixas prevista neste artigo, o sujeito passivo tem de pagar o imposto no prazo de dez dias úteis. Se este sujeito passivo considerar que este montante é excessivo, pode requerer, observando o

mesmo prazo, uma avaliação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do montante do imposto.

No entanto, a regulamentação portuguesa não prevê nenhum prazo para efetuar esta avaliação, pelo que a Administração nacional recebe o imposto em causa entre a data da sua liquidação provisória e a data da sua liquidação definitiva. Na prática, em todos os casos em que se trate de um veículo automóvel usado importado de outro Estado‑Membro para Portugal e com menos de um ano ou que tenha sofrido uma desvalorização superior a 52%, o sujeito passivo tem de requerer uma avaliação para verificar se o montante do imposto sobre veículos não excede o imposto residual incorporado no valor de veículos similares matriculados em Portugal e se este não é, assim, excessivo.

16 A Comissão recorda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, não basta, para evitar que um determinado sistema de tributação seja contrário ao artigo 110.° TFUE, que o proprietário de um veículo tenha possibilidade de requerer uma avaliação equitativa e, por outro, se a legislação nacional tiver previsto uma tabela de percentagens fixas, é necessário que esta tabela permita fixar o valor dos veículos usados num nível muito próximo do seu valor real e que o sujeito passivo possa contestar a aplicação desse método de cálculo. Ora, a tabela de percentagens fixas prevista no Código do Imposto sobre Veículos não permite fixar o valor dos veículos usados de acordo com estes requisitos, tanto mais que esta tabela foi organizada de acordo com um único critério, a saber, a idade do veículo, sem tomar em consideração a quilometragem.

17 A República Portuguesa pede que a ação seja julgada improcedente. Alega que o método de cálculo do imposto baseado na avaliação de cada veículo apresenta, como, no seu entender, o Tribunal de Justiça reconhece no seu acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente (C‑393/98, EU:C:2001:109), grandes dificuldades e gera custos elevados, quer para a Administração tributária quer para os contribuintes, bem como perdas de tempo e uma significativa carga burocrática. A elaboração de tabelas gerais que tenham em conta a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo também apresenta dificuldades.

18 A República Portuguesa, em execução do acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente (C‑393/98, EU:C:2001:109), adotou um sistema misto de tributação dos veículos automóveis usados provenientes de outros Estados‑Membros, baseado em dois modelos de cálculo do imposto, ou seja, numa tabela de percentagens fixas e numa avaliação dos veículos. Este sistema vigora desde 2002 e teve, além disso, o apoio implícito da Comissão no âmbito da execução do referido acórdão. Neste sistema, aplica‑se uma tabela de percentagens fixas à maioria dos veículos tributáveis, ao passo que a avaliação é efetuada, em princípio, para os veículos não especificados nesta tabela, se o sujeito passivo a requerer. A República Portuguesa procurou, assim, aproveitar as vantagens dos dois modelos de cálculo e reduzir os inconvenientes administrativos resultantes da avaliação de cada veículo importado, bem como as dificuldades de elaboração e aplicação de uma tabela exaustiva que tenha em conta todos os critérios acima referidos.

19 Por outro lado, ao contrário do que a Comissão afirma, o sujeito passivo não tem de pagar o imposto sobre veículos imediatamente, com base numa liquidação provisória do imposto. Esta última só se torna definitiva e este imposto só tem de ser pago se o sujeito passivo não requerer uma avaliação do veículo.

20 A República Portuguesa acrescenta que a criação dos escalões da tabela de percentagens fixas que figura no artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos teve por base razões de ordem prática, dado que a maioria dos veículos automóveis usados importados para Portugal e provenientes de outros Estados‑Membros são veículos que têm entre um e cinco anos. No que respeita aos outros veículos, o sujeito passivo terá mais interesse em requerer a sua avaliação, dado que este método de cálculo do imposto é, com maior probabilidade, mais favorável. Por outro lado, a aplicação da tabela de percentagens fixas mostra‑se, frequentemente, mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, nomeadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico.

21 Em conclusão, o sistema misto de tributação dos veículos usados está concebido de forma a excluir qualquer efeito discriminatório e garante que o montante do imposto devido não excede, em caso algum, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos automóveis usados similares matriculados no território nacional. É, por conseguinte, compatível com o artigo 110.° TFUE.

Apreciação do Tribunal de Justiça

22 A título preliminar, importa referir que a Comissão solicita, no petitum da petição, que figura no n.° 1 do presente acórdão, que seja declarado que a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território nacional, um método de cálculo da desvalorização destes veículos «que não tem em conta o valor real do veículo e, em particular, que não tem em conta a desvalorização antes de o veículo atingir 1 ano, nem qualquer outra desvalorização no caso de veículos com mais de 5 anos». A este respeito, embora a Comissão utilize a expressão «em particular», decorre do corpo da sua petição que a Comissão formula, na realidade, duas acusações, a saber, por um lado, para efeitos do cálculo do imposto sobre os veículos em causa, a não tomada em consideração da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há menos de um ano e, por outro, a determinação de um limite máximo de 52% da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos. Nestas circunstâncias, deve entender‑se que a ação intentada pela Comissão abrange estas duas acusações.

23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24 Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 25).

25 Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v.,designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados, mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados‑Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE.

32 A este respeito, não procede o argumento da República Portuguesa segundo o qual a aplicação da tabela de percentagens fixas é frequentemente mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, designadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico. Com efeito, ainda que esta afirmação procedesse, esta tabela continuaria a ser, pelo menos nalguns dos casos indicados no n.° 30 do presente acórdão, discriminatória.

33 Há também que rejeitar o argumento da República Portuguesa segundo o qual o sistema de tributação misto dos veículos usados, baseado numa tabela de percentagens fixas e, complementarmente, quando o sujeito passivo o pretenda, numa avaliação do veículo, está organizado de modo a excluir qualquer efeito discriminatório, pelo que é compatível com o artigo 110.° TFUE.

34 Com efeito, não basta, para evitar que um sistema de tributação seja contrário a este artigo, que o sujeito passivo tenha possibilidade de requerer uma avaliação do veículo em causa (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 41). Esta possibilidade não atenua o facto de que a tabela de percentagens fixas aplicável, a não ser que o sujeito passivo requeira uma avaliação do veículo, é discriminatória e não permite garantir que os veículos usados importados de outros Estados‑Membros sejam sujeitos a um imposto que não exceda o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.

35 Do mesmo modo, há que afastar os argumentos da República Portuguesa relativos ao facto de o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos assentar em razões de ordem prática, uma vez que, por um lado, a maioria dos veículos automóveis usados importados de outros Estados‑Membros para Portugal são veículos que têm entre um e cinco anos e que, por outro, tanto a aplicação do método de cálculo do imposto baseado na avaliação de todos os veículos automóveis em causa como a conceção e a aplicação de uma tabela que tenha exaustivamente em conta todos os critérios, tais como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, gerariam inconvenientes administrativos, custos elevados e perdas de tempo.

36 A este respeito, no que se refere às dificuldades práticas relacionadas com o cálculo do valor real dos veículos usados para efeitos de cálculo do imposto em litígio, admitindo que a existência dessas dificuldades possa ser comprovada, elas não podem justificar a aplicação de imposições internas discriminatórias em relação aos produtos originários de outros Estados‑Membros, contrárias ao artigo 110.° TFUE (v. acórdão de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 19).

37 Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles.

Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um Estado‑Membro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 29).

38 Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.ºs 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros superior à dos veículos similares já matriculados no Estado‑Membro em causa.

39 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.° 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 28).

40 Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

41 Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo110.° TFUE.”

48. No presente processo arbitral, e agora, o que está em causa é a não consideração para efeitos de determinação do valor tributável sujeito a ISV de qualquer desvalorização do valor dos veículos, em função do número de anos de uso, na componente ambiental.

49. Há que salientar que esta matéria tem vindo a ser sucessivamente apreciada em processo arbitrais. Nós acompanhamos o que tem sido decidido naqueles processos, dos quais se destacam os processos n.ºs 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 498/2019-T, 600/2019-T, 572/2019-T, 13/2020-/ e 34/2020-T.

50. A propósito da violação do artigo 110.º do TFEU, pela legislação nacional no domínio da tributação em sede de ISV, em virtude de, na componente ambiental, não ser considerada qualquer desvalorização do valor real do veículo, em função do número de anos de uso, há que salientar que a Comissão Europeia decidiu instaurar contra o Estado Português um procedimento por infração.

51. Há que sublinhar que esta decisão da Comissão Europeia não será estranha à decisão do legislador nacional no sentido de, através do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, introduzir alterações nos normativos no artigo 11.º do CISV, a fim de passar a ser considerado o número de anos de uso e a consequente desvalorização do valor do veículo também na componente ambiental.

52. Deste modo, em face das referidas alterações, os normativos do artigo 11.º do CISV passaram a integrar a redação seguinte:

Artigo 11.º - Taxas - veículos usados

1. O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

 

 

(…)

53. Poder-se-á considerar que a introdução destas alterações nos normativos do artigo 11.º do CISV consubstanciam, na verdade, o reconhecimento de que existia uma violação do artigo 110.º do TFUE, ou seja, a desconsideração da desvalorização do valor real do veículo na componente ambiental consubstanciava, efetivamente, uma ilegalidade, porquanto, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o direito comunitário, enquanto direito supranacional, integra a ordem jurídica interna e vincula o Estado Português, devendo a legislação nacional estar em conformidade com o direito comunitário.

54. Nestes termos, importa concluir que à data da prática dos atos de liquidação do ISV impugnados, os normativos do artigo 11.º do CISV eram incompatíveis com o artigo 110.º do TFEU, na medida em que sujeitava os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

55. Consequentemente, os atos de liquidação de ISV impugnados, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontram-se feridos de ilegalidade devendo ser anulados. Porém, restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, devem os referidos atos de liquidação ser parcialmente anulados, no valor global de € 1.119,05, o que se determina.

 

IV.          JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

56. Conjuntamente com a anulação parcial dos atos de liquidação do ISV, e o consequente reembolso do valor pago indevidamente, a Requerente requere, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

57. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

58. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

59. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

60. No caso dos autos, é manifesto que os serviços da AT se limitaram a aplicar a lei vigente, porém, o sistema jurídico é unitário, e nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o direito comunitário faz parte integrante da ordem jurídica interna, pelo que a não consideração da desvalorização do valor real do veículo e a consequente redução do valor tributável na componente ambiental, consubstanciou uma violação do artigo 110.º do TFEU, ilegalidade que já se encontra sanada por via das alterações introduzidas nos normativos do artigo 11.º do CISV, através do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2021).

Assim, importa concluir que a violação do artigo 110.º do TFEU consubstanciou um erro de direito imputável aos serviços ou organismos do Estado português, logo, também aos serviços da AT.

61. Por todas as razões supras enunciadas, a Requerente efetuou um pagamento de ISV de valor superior ao que efetivamente deveria ter pago, pelo que, atenta a ilegalidade da norma em que se fundaram as liquidações de ISV impugnadas, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

V.           DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente;

b) Anular parcialmente as liquidações de ISV impugnadas e condenar a AT a devolver à Requerente o valor de imposto pago em excesso, no montante global de € 1.119,05, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido atá à data de emissão da nota de crédito;

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.119,05 (mil cento e dezanove euros e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 306,00 (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de janeiro de 2021

 

O Árbitro

Jesuíno Alcântara Martins