DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Ana Moutinho Nascimento e Álvaro Caneira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., SAD, doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., ..., n.º..., ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a) e 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (“Portaria de Vinculação”).
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), referentes aos períodos mensais de agosto de 2018 a março de 2019, no valor global de € 293.345,83, com a consequente anulação, e a condenação da AT à entrega das quantias peticionadas a título de reembolso de IVA.
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega, em síntese, os seguintes vícios, de índole material e formal:
a) Déficit instrutório do procedimento, em virtude de a AT não ter considerado, nem se ter pronunciado, sobre a argumentação expendida em audição prévia, além de não ter admitido a produção da prova (testemunhal) aí arrolada pela Requerente, a seu ver imprescindível para a descoberta da verdade material, como era sua obrigação ao abrigo dos artigos 58.º e 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária (“LGT”);
b) Violação do dever de fundamentação dos atos tributários, nos termos dos artigos 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, 125.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e 63.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPIT”), por omissão dos concretos factos e fundamentos que sustentam as correções, considerando-os anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, ex vi artigos 2.º, alínea c) da LGT e 2.º, alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”);
c) Vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto:
i) Os serviços em causa, de observação e deteção de talentos desportivos e de compra e venda de jogadores e respetivos direitos económicos, foram efetivamente prestados à Requerente por intermediários – agentes de futebol – e por empresários desportivos. Constituem serviços essenciais aos objetivos da Requerente e integram a atividade por esta desenvolvida, não podendo o imposto incorrido deixar de ser considerado dedutível à luz do estatuído nos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, ambos do Código do IVA;
ii) A AT não fez prova, como lhe competia, dos pressupostos legitimadores da sua atuação, operando uma ilegal inversão do ónus da prova;
iii) O direito à dedução consagrado nas Diretivas IVA visa libertar os sujeitos passivos do ónus do IVA pago no âmbito das suas atividades económicas, por forma a garantir a neutralidade do imposto e não é suscetível de ser limitado, exceto nos casos nelas expressamente previstos. Para o Tribunal de Justiça a materialidade e veracidade das operações sobrepõe-se a questões formais e a dedução só pode ser recusada quando resulte de operação simulada;
iv) Ainda que assim não se entendesse, ou seja, que os serviços de intermediação desportiva tivessem sido prestados a terceiros e não à Requerente, conforme alega a AT, o IVA teria de ser dedutível por razões de razoabilidade com fundamentos idênticos aos constantes da Circular n.º 15/2011, do Gabinete do Diretor-geral dos Impostos, para efeitos de dedução do gasto em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”).
A Requerente invoca, em suporte da sua tese, as decisões arbitrais dos processos do CAAD n.º 345/2016-T, de 10 de janeiro de 2017, e n.º 29/2919-T, de 26 de novembro de 2019.
Juntou vinte e cinco documentos e indicou quatro testemunhas.
Em 17 de dezembro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT, em 20 de dezembro de 2019.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, tendo sido notificadas dessa designação em 5 de fevereiro de 2020, não se opuseram.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de março de 2020.
Na sequência de renúncia justificada às funções arbitrais da Exma. Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, árbitro presidente do tribunal arbitral coletivo constituído neste processo, o Presidente do Conselho Deontológico determinou, por despacho de 13 de março de 2020, a respetiva substituição pela Dra. Alexandra Coelho Martins, do que foram as partes notificadas, em 16 de março de 2020. A nomeação da árbitro presidente verificou-se em 16 de abril de 2020.
Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais, incluindo os arbitrais. Com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, cessou o efeito suspensivo e foi retomada a contagem dos prazos nos termos do respetivo artigo 6.º, i.e., a partir de 3 de junho.
Em 12 de junho de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho de notificação da AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT. Em 15 de julho de 2020, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”) e apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação.
Quanto à primeira, a Requerida sustenta a incompetência material do tribunal arbitral uma vez que, segundo entende, foram efetivamente sindicados atos de deferimento parcial de reembolsos de IVA solicitados pela Requerente, que configuram atos administrativos em matéria tributária, os quais estão fora do âmbito material da arbitragem tributária, nos termos do artigo 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação, pois não se subsumem à clássica definição de atos de liquidação. A legislação circunscreve a jurisdição arbitral ao conhecimento de atos de liquidação de tributos, de atos de determinação da matéria tributável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Argui que os documentos impugnados são erradamente apelidados de liquidações e traduzem, no campo “Reembolso Autorizado”, o montante a reembolsar e não o montante das correções efetuadas nos procedimentos inspetivos instaurados para apreciação da legitimidade do reembolso, não tendo a Requerente sido notificada de atos de liquidação expressando valores em dívida.
Em favor da sua posição, a Requerida invoca jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que o meio próprio para conhecer de atos de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA é a ação administrativa e não a impugnação judicial [de que a ação arbitral é sucedânea] e que as decisões de pedidos de reembolsos não comportam a apreciação da legalidade de atos tributários. Faz ainda referência à jurisprudência arbitral.
Defende, por outro lado, que a competência material sofre ainda limitações por força do estabelecido no artigo 2.º da Portaria de Vinculação, pelo que interpretação contrária seria inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, bem assim, do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição.
Por impugnação, a Requerida preconiza que o processo se resume quase exclusivamente a uma questão de prova: a de que as prestações de serviços de intermediação foram, na realidade prestadas à Requerente e no seu interesse (e do Clube) e não no dos jogadores objeto de intermediação.
Neste âmbito, sufragando as decisões dos procedimentos inspetivos, na origem das correções de IVA controvertidas, a Requerida defende que os intermediários, de acordo com a legislação aplicável, só podem agir em nome e por conta de uma das partes (o jogador ou o clube), encontrando-se proibida a “dupla representação”. Na sua perspetiva, nos casos em que a presunção de veracidade seja afastada, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova (artigo 74.º da LGT), não tendo, porém, a Requerente logrado trazer qualquer prova que infirmasse as conclusões dos Serviços de Inspeção Tributária e que corroborasse as suas declarações periódicas e correspetivos créditos de IVA cujo reembolso solicitou.
Rejeita o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente, afirmando que não só esta é clara e inequívoca, como a Requerente demonstrou ter compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão. Em qualquer caso, na hipotética falta ou insuficiência de fundamentação, cabia-lhe solicitar a emissão de certidão prevista no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Sobre o vício de instrução do procedimento inspetivo, salienta que os Serviços de Inspeção avaliam a relevância e utilidade das diligências requeridas pelos contribuintes, podendo aceitá-las ou recusá-las, consoante se revelem necessárias ou não à descoberta da verdade material, não sendo ilegal a rejeição de produção de prova testemunhal ocorrida em fase de direito de audição, que concorreria para a indesejável dilatação do prazo de conclusão da inspeção, para contrariar factos já consolidados.
Conclui pela procedência da exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido, por não provado, com as legais consequências.
Em 17 de julho de 2020, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para esta se pronunciar, querendo, sobre a matéria da exceção, e, por despacho de 23 de julho de 2020, determinou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com inquirição de testemunhas, designando, para esse efeito, a data de 6 de outubro de 2020.
Em 9 de setembro de 2020, após exercício do contraditório pela Requerente em relação à matéria de exceção e a indicação, por esta, da matéria à qual as testemunhas seriam ouvidas, o Tribunal Arbitral emitiu despacho no qual:
relegou o conhecimento da exceção suscitada para a decisão final:
determinou a notificação de três testemunhas;
dispensou a quarta testemunha, inspetor tributário, por manifestamente não ter conhecimento direto dos factos relevantes a provar pela Requerente; e
prorrogou por dois meses o prazo para a decisão arbitral ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a interposição de férias judiciais e as diligências instrutórias empreendidas.
Em 6 outubro de 2020, realizou-se no CAAD a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foi ouvida a segunda testemunha, prescindida a terceira e determinada a realização de nova audiência para inquirição da primeira testemunha, cujo depoimento foi considerado relevante para a descoberta da verdade material.
Em 16 de novembro de 2020, teve lugar a audiência de inquirição da primeira testemunha e as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixado o prazo para prolação da decisão arbitral. O Tribunal Arbitral advertiu a Requerente de que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o pagamento ao CAAD.
Em 27 de novembro de 2020, a Requerente apresentou alegações finais, nas quais mantém a posição enunciada no pedido de pronúncia arbitral, considerando-a sufragada pela prova produzida.
A Requerida apresentou alegações em 10 de dezembro de 2020 e conclui que a Requerente não conseguiu provar a efetividade das prestações de serviços de intermediação e de consultoria que subjazem às liquidações de IVA, em linha com o entendimento que já resultava da Resposta e do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
Por despacho de 4 de janeiro de 2021, o Tribunal determinou a prorrogação do prazo de prolação da decisão, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, resultante do prolongamento da atividade instrutória e da dimensão do processo.
II. SANEAMENTO
1. QUESTÃO PRÉVIA DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
A Requerida invoca a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, por considerar que são sindicados, nos presentes autos, atos de reembolso de IVA ao invés de atos de liquidação de imposto como previsto no artigo 2.º do RJAT. Segundo a Requerida, o legislador não previu, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação, a competência dos tribunais arbitrais para conhecer da legalidade do indeferimento de pedidos de reembolso, sustentando que interpretação normativa contrária viola o princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do duplo grau de decisão, decorrente dos artigos 20.º e 268.º da CRP .
Alicerça esta conclusão no entendimento de que os atos de indeferimento de pedidos de reembolso não se subsumem na definição clássica de ato de liquidação, enquanto prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coativa, exigida a detentores de capacidade contributiva.
Ainda na perspetiva da Requerida, os pedidos de reembolso consubstanciam uma das modalidades legalmente existentes para exercer o direito à dedução do imposto suportado, que, no caso vertente, “mais não traduzem que o resultado do acerto de contas entre o reembolso solicitado pela Requerente e as correções efetuadas pelos serviços de inspeção após se ter procedido à aferição da legitimidade dos referidos pedidos de reembolso” .
Contra a indicada tese, a Requerente contrapõe não ter sido notificada de quaisquer atos de deferimento de pedidos de reembolso mas de atos de liquidação de imposto, pretendendo com o pedido de pronúncia arbitral que o tribunal se pronuncie sobre “a (i)legalidade das correções efetuadas pela AT, as quais geraram, no que importa para o caso, a emissão de um ato de liquidação adicional de IVA”, sindicável nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março .
De acordo com a Requerente o que está em causa é a apreciação de verdadeiros atos de liquidação, desde logo, por a decisão do indeferimento do pedido de reembolso ser consequência de um ato de liquidação adicional de IVA .
Acrescenta a Requerente que ainda que se entendesse que as liquidações adicionais de imposto não configuram verdadeiras liquidações stricto sensu, deve-se entender que o apuramento do valor a corrigir, na sequência da inspeção tributária, e consequentemente o valor a ajustar em sede de reembolso de IVA, envolvem uma apreciação da legalidade do ato de liquidação primitivo, constituem per si um facto jurídico que determina uma alteração jurídica da situação da Requerente na medida em que daí resultou uma nova obrigação, donde resulta a competência da jurisdição arbitral .
Mais refere, que tendo sido notificada de atos identificados como atos de “liquidação adicional”, com a expressa menção da possibilidade de dedução de reclamação graciosa e de impugnação judicial, foram de facto praticados atos de liquidação, acrescentando que mesmo que assim não se entendesse, será de se adotar o entendimento de acordo com o qual, quando o administrado seja induzido à utilização de um errado meio processual por uma conduta da Administração, esta não pode pretender obstar ao conhecimento do mérito do pedido, com fundamento na inadequação do meio processual cuja utilização induziu, concluindo, assim, a Requerente pela improcedência da exceção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral .
Antes de mais, para resolver esta questão prévia, importa ter presente, quer o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, quer a natureza dos atos contestados.
A competência dos tribunais arbitrais fiscais é delimitada pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Em conformidade com o disposto no n.º 1 do indicado artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e, bem assim, a apreciação de pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Acrescenta o artigo 4.º do mesmo diploma que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. E aqueles serviços e organismos vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos casos que tenham por objeto a apreciação das acima identificadas pretensões, de valor não superior a € 10 000 000, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida .
Atendendo ao exposto, e em concreto ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, conclui-se que a jurisdição arbitral é inequivocamente competente para apreciar a legalidade de atos de liquidação de IVA.
Impõe-se, de seguida, determinar se os atos contestados são suscetíveis de ser qualificados como atos de liquidação.
Como é abordado, de forma clara, na decisão arbitral proferida no processo 660/2017-T, de 15 de setembro de 2020, a liquidação em sede de IVA é um ato complexo que deve ser considerado em sentido amplo, abrangendo quer as deduções e as regularizações de imposto, quer as liquidações administrativas decorrentes de atos de fiscalização e determinação oficiosa do imposto.
Acrescentando-se na indicada decisão que é “o caso das liquidações adicionais reguladas pelo art.º 87.º do CIVA, relativo ao "momento e modalidades do exercício do direito à dedução". No n.º 1 deste artigo, estipula-se que, sem prejuízo do caso das liquidações com base em presunções e métodos indiretos, a efetuar nos termos da LGT, a AT "procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos, quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença".
E no nº 5 deste mesmo artigo, diz-se que se "passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 250, este pode solicitar o seu reembolso".
Concluindo esta decisão que “Este surge assim, ao lado da dedução por subtração e do reporte, como modalidade de exercício do direito à dedução e, consequentemente, pode ser visto como elemento integrante da própria liquidação de imposto, distinguindo-se claramente de formas de devolução do imposto, como, vg., a restituição do IVA já pago aos partidos políticos ou à Igreja.” (Destacado nosso – v. ainda decisão arbitral proferida no Processo n.º 543/2018-T, em 6 de junho de 2019).
Com base neste entendimento, sustenta-se, ainda, naquela decisão arbitral, que é neste contexto que se deve interpretar a afirmação de que “um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse ato da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte, a liquidação do imposto.” (cf. JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES in «O que é a “garantia adequada” para efeitos do reembolso do IVA?», - Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. SALDANHA SANCHES, volume IV, pp. 276-277).
Ora, esta interpretação pode ser integralmente transposta para o caso vertente.
A Requerente impugna na presente ação a legalidade de atos de “Liquidação Adicional” emitidos em concretização de correções ao IVA por si deduzido efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária. Com efeito, na sequência das ações inspetivas, os Serviços de Inspeção identificaram imposto em falta (“imposto a pagar pelo sujeito passivo”), nos montantes respetivamente de € 198.585,83 e de € 94.760,00, que foram liquidados conforme os atos de liquidação juntos pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
A compensação do valor destas liquidações com o valor do crédito de IVA a favor da Requerente justifica o (in)deferimento (parcial) dos pedidos de reembolso. Ou seja, este indeferimento (parcial) dos pedidos de reembolso tem por pressuposto a emissão prévia de atos de liquidação adicional que concretizaram as correções determinadas em sede de inspeção tributária.
Os atos contestados, cuja anulação se peticiona, são assim verdadeiros e próprios atos de liquidação de imposto. E foi em relação a estes mesmos atos que a Requerente dirigiu o pedido anulatório que constitui o objeto desta ação, pelo que é de julgar improcedente a exceção de incompetência material invocada pela Requerida.
Por fim, cabe a este respeito referir que a Requerente, para além de peticionar a declaração de ilegalidade e de anulação dos atos de liquidação contestados, requer a condenação da AT a entregar as quantias peticionadas a título de reembolso de IVA.
JORGE LOPES DE SOUSA esclarece que “os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competências executivas, como resulta do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT” (cf. Jorge Lopes de Sousa – Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra, 2003, pág. 224), cabendo à Autoridade Tributária dar cumprimento ao dever de executar a decisão arbitral.
O processo arbitral, à semelhança do processo de impugnação judicial de que constitui alternativa, nos termos da autorização legislativa que antecedeu o RJAT, é essencialmente um contencioso de anulação, o que significa que a consequência regra para a declaração de ilegalidade do ato de liquidação é a anulação desse mesmo ato.
Assim, determinada a anulação (total ou parcial) dos atos de liquidação contestados, e na estrita medida dessa anulação, é à Autoridade Tributária que caberá, em execução dessa mesma anulação, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito” e “rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral“, conforme dispõe o artigo 24.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RJAT.
Dito de outro modo, é à Autoridade Tributária que caberá apurar o valor a reembolsar mediante a reversão das compensações efetuadas entre os valores ilegalmente liquidados e o crédito a favor da Requerente, pelo que este Tribunal não pode conhecer do pedido acessório de restituição das quantias peticionadas a título de reembolso de IVA. Mas o exposto não obsta a que caiba inequivocamente na competência material deste tribunal a apreciação da legalidade dos atos de liquidação subjacentes (aos quais, como se disse, expressamente se dirige o pedido anulatório principal deduzido no petitório), que conduziram ao apuramento de imposto em falta, posteriormente compensado com o crédito a favor da Requerente.
À face do exposto, considera-se este Tribunal Arbitral competente em razão da matéria para conhecer dos vícios imputados aos atos de liquidação de IVA (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT) e, no caso de a ação ser julgada procedente, no todo ou em parte, anulá-los em conformidade. Não se conhecerá, todavia, do segmento do pedido relativo à restituição das quantias peticionadas pelo Requerente “a título de reembolso de IVA”, por se inscrever dentro das competências da AT no âmbito dos atos e operações de execução do julgado anulatório.
2. DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal foi regularmente constituído (cf. 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
A. O A..., aqui Requerente, é uma sociedade anónima desportiva e exerce, desde 12 de abril de 2013, a atividade de clubes desportivos, sob o CAE 093120. Tem por objeto social “a participação nas competições desportivas profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol” – cf. RIT 2018 e RIT fev 2019.
B. A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA – cf. RIT 2018 e RIT fev 2019.
C. Até 31 de julho de 2019, os membros do conselho de administração da Requerente eram B..., C..., D..., E..., F..., tendo sido substituídos por outros, com efeitos a 1 de agosto de 2019 – cf. RIT 2018.
D. A Requerente contrata habitualmente os serviços de agentes e de empresas de intermediação que, junto dos atletas e de outros clubes, negoceiam tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo, de empréstimo (temporário) ou de um contrato de transferência que sirvam os seus interesses desportivos e financeiros. É frequente estarem em causa atletas e clubes estrangeiros – cf. documentos 13 a 25 juntos pela Requerente e depoimento das duas testemunhas inquiridas.
E. As negociações relativas à contratação, empréstimo ou transferência de atletas entre a Requerente e outros clubes, agentes e intermediários desportivos eram, à data dos factos [entre agosto de 2018 e março de 2019] realizadas direta e pessoalmente por D..., na qualidade de vice-presidente e membro do Conselho de Administração da Requerente, não tendo o administrador com o pelouro financeiro, E..., nem o jurista da Requerente, G..., qualquer contacto ou intervenção direta, quer na seleção dos jogadores, quer nas negociações tendentes à sua contratação, empréstimo ou transferência – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.
F. O planeamento desportivo incluindo o scouting (observação e deteção de talentos) era realizado pelo diretor desportivo, em articulação com o vice-presidente, com o apoio de consultores e entidades externas que prestavam esses serviços. Era prática regular a contratação pela Requerente de empresas de scouting e consultoria desportiva, tendo em vista a definição do perfil e características dos jogadores necessários para alcançar os seus objetivos desportivos e, bem assim, a identificação de potenciais candidatos, em Portugal e no estrangeiro, sendo usual a emissão de relatórios escritos – cf. depoimento das duas testemunhas inquiridas.
H..., LDA.
G. Em 1 de julho de 2016, a sociedade H..., LDA. celebrou com a Requerente um contrato de prestação de serviços, com termo em 30 de junho de 2018, mediante o qual, considerando ser “uma empresa com competência reconhecida na prospeção de jogadores e scouting em diversos Países da Europa e América” se obrigava a prestar a esta última “serviços de prospeção e observação de jogadores, designadamente em todos os países da Europa e da América, elaborando relatórios detalhados de jogadores sobre as suas capacidades físicas, técnicas e táticas com vista a uma eventual contratação por parte da A...” – cf. cláusula segunda do contrato junto pela Requerente como documento 15 e constante do RIT 2018.
H. Como contrapartida dos referidos serviços a prestar pela H..., LDA. foi acordado o pagamento, pela Requerente, da quantia de € 108.000,00 por cada época desportiva (2016/2017 e 2017/2018), no total de € 216.000,00, repartido em 24 prestações mensais – cf. cláusula terceira do contrato junto pela Requerente como documento 15 e constante do RIT 2018.
I. O contrato celebrado com a H..., LDA. previa que “[e]xceto se algo diverso for acordado pelas partes, todas as comunicações a realizar nos termos do presente contrato, serão feitas por escrito e enviadas por correio registado com aviso de receção para as moradas indicadas na identificação das partes supra” – cf. cláusula quinta do contrato junto pela Requerente como documento 15 e constante do RIT 2018.
J. Este contrato foi prorrogado até 30 de abril de 2019, por documento escrito datado de 1 de setembro de 2017, determinando-se que, “[p]elos serviços prestados pela H...no período compreendido entre 01.07.2018 e 30.04.2019, a A... obriga-se a pagar àquela a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), valor este que será pago em dez prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros)” – cf. Documento 15 junto pela Requerente.
K. Nos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018 e janeiro de 2019, a sociedade H..., LDA. faturou a Requerente, a título de serviços de consultoria desportiva e prospeção no âmbito da preparação da época 2017/2018, no valor mensal de € 7.500,00, acrescido de € 1.725,00 de IVA, perfazendo o valor global de € 55.350,00 – base tributável de € 45.000,00, acrescida de IVA liquidado de € 10.350,00) – cf. RIT 2018.
L. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, com referência a cada um dos meses em causa (no total de € 10.350,00 de IVA deduzido), na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
I..., LDA.
M. Em 4 de dezembro de 2017, a Requerente celebrou com a sociedade I..., LDA. um “Contrato de Intermediação”, com termo em 30 de janeiro de 2018, mediante o qual a primeira conferia a esta última, na qualidade de “Intermediário”, “os poderes para, em seu nome e em sua representação, negociar uma alteração ao contrato de trabalho” do jogador J..., visando a prorrogação do seu termo e a inclusão de uma cláusula de rescisão – cf. RIT 2018, cláusulas segunda e terceira do referido contrato.
N. Previa-se que, caso se concretizasse a contratação do jogador J..., nos termos referidos, como contrapartida dos serviços prestados, a Requerente pagaria à I..., LDA. o valor de € 10.000,00, acrescido de IVA, em dez prestações mensais de € 1.000,00 cada, contra a entrega da respetiva fatura – cf. RIT 2018, cláusula quarta do contrato celebrado com a I..., LDA..
O. A prorrogação do contrato de trabalho do jogador J... e o incremento da cláusula de rescisão vieram a concretizar-se com a celebração, em 13 de dezembro de 2017, da “Alteração do Contrato de Trabalho a Termo entre o Clube e o Jogador de Futebol Profissional” nos moldes preconizados na cláusula segunda do “Contrato de Intermediação” – cf. Documento 17 junto pela Requerente.
P. Em 11 de junho de 2018, foi celebrado novo contrato entre a Requerente e a sociedade I...., LDA., com termo em 31 de julho de 2018, mediante o qual aquela conferia a esta última, na qualidade de “Intermediário”, “os poderes para, em seu nome e em sua representação, negociar uma transferência temporária do referido jogador [J...] com termo a 30.06.2019, devendo a SAD/SDUQ para onde o jogador for transferido assegurar o pagamento da sua retribuição durante o período da cedência” – cf. RIT 2018, cláusulas segunda e terceira do novo contrato celebrado com a I..., LDA..
Q. Previa-se que, caso se concretizasse a transferência temporária do jogador J..., e como contrapartida dos serviços prestados, a Requerente pagaria à I..., LDA. o valor de € 15.000,00, acrescido de IVA, contra a entrega da respetiva fatura – cf. RIT 2018, cláusula quarta do novo contrato celebrado com a I..., LDA..
R. Esta transferência temporária veio a concretizar-se com a celebração, em 7 de julho de 2018, do “Acordo de Cedência Temporária de Direitos de Inscrição Desportiva”, nos moldes preconizados na cláusula segunda do “Contrato de Intermediação” – cf. Documento 16 junto pela Requerente.
S. Em 28 de setembro de 2018, a I..., LDA. emitiu duas faturas, no valor de € 10.000,00 cada, a que acresceu o correspondente IVA de € 2.300,00, perfazendo o total de € 24.600,00 – € 20.000.00 de base tributável e € 4.600,00 de IVA liquidado –, com os seguintes descritivos:
(a) Fatura 2018/22 – “Serviços de intermediação pela transferência temporária do jogador J..., conforme contrato celebrado em 11/06/2018”;
(b) Fatura 2018/23 – “Serviços de intermediação pela renovação do contrato de trabalho do atleta J... celebrado a 04.12.2017” – cf. RIT 2018.
T. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 4.600,00, na conta #2432217 – IVA Dedutível – Imobilizado 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 20) – cf. RIT 2018.
U. O jogador J... figura como um dos atletas agenciados/representados pela I..., LDA. na página que esta entidade disponibiliza na Internet – cf. RIT 2018 e consulta direta ao sítio https://www...
K..., LDA.
V. Em 15 de maio de 2018, a Requerente celebrou com a sociedade K..., LDA., um “Contrato de Intermediação”, com termo em 31 de agosto de 2018, para a promoção do atleta, junto da rede de contactos da K..., LDA., tendo em vista a “alienação definitiva, dos direitos federativos e/ou a alienação dos direitos económicos relativos ao ATLETA (a “TRANSFERÊNCIA”)” – cf. RIT 2018, cláusula primeira do referido contrato.
W. O contrato celebrado entre a Requerente e a K..., LDA. – esta na qualidade de “Intermediário” com exclusividade – previa o pagamento dos seguintes montantes por parte da Requerente à K..., LDA., “independentemente da existência ou prova de qualquer nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo intermediário e a transferência”:
(a) € 250.000,00, se o Intermediário conseguisse uma proposta pelo valor mínimo de € 1.000.000,00;
(b) € 500.000,00, se o Intermediário conseguisse uma proposta de valor igual ou superior a € 1.500.000,00;
(c) € 750.000,00, se o Intermediário conseguisse uma proposta de valor igual ou superior a € 2.000.000,00.
(d) 10% dos objetivos que eventualmente viessem a ser fixados no contrato de transferência e que fossem efetivamente recebidos pela Requerente, abatidos das importâncias que esta tivesse que pagar a terceiros por força dos mecanismos de solidariedade e de compensação por formação,
– cf. RIT 2018, cláusula segunda do referido contrato.
X. De acordo com o contrato celebrado com a K..., LDA., as quantias em causa, acrescidas de IVA à taxa em vigor, seriam devidas de forma proporcional em tantas parcelas quantos os pagamentos efetuados pelo terceiro adquirente, sendo cada parcela liquidada ao Intermediário nos 15 dias seguintes ao do seu recebimento por parte da Requerente – cf. RIT 2018, cláusula segunda do referido contrato.
Y. A transferência do jogador L... efetivou-se mediante Contrato de Transferência Internacional (“International Transfer Agreement”), de 31 de julho de 2018, para o clube inglês M...– cf. Documento 18 junto pela Requerente.
Z. Em 3 de setembro de 2018, a K..., LDA. emitiu uma fatura – FT 2018AT/12 – no valor de € 166.666,67, acrescida de IVA na importância de € 38.333,33, perfazendo o total de € 205.000,00, com o seguinte descritivo: “Primeira prestação de três da Comissão do Serviço de Intermediação da transferência do jogador L... . Conforme Alínea b), ponto 1), da Cláusula Segunda do Contrato de Intermediação datado de 15 de Maio de 2018” – cf. RIT 2018.
AA. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 38.333,33, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
BB. Em 13 de junho de 2018, a Requerente celebrou com a sociedade K..., LDA., um outro “Contrato de Intermediação”, com termo em 29 de junho de 2018, mediante o qual a primeira conferia a esta última, na qualidade de “Intermediário”, “os poderes para, em seu nome e em sua representação, negociar com o referido jogador [N...] a celebração com o Jogador de um contrato de trabalho desportivo válido para a época desportiva de 2018/2019, ou seja, com início a 01.07.2018 e termo a 30.06.2019.” – cf. RIT 2018, cláusulas primeira e segunda do referido contrato.
CC. Previa o contrato celebrado entre a Requerente e a K..., LDA. que, caso se concretizasse a contratação do jogador N..., como contrapartida dos serviços prestados, a Requerente pagaria à K..., LDA. o valor de € 20.000,00, acrescido de IVA, contra a entrega da respetiva fatura, no dia 30 de novembro de 2018 – cf. RIT 2018, cláusula quarta do referido contrato.
DD. Em 7 de janeiro de 2019, a K..., LDA. emitiu uma fatura – FT 2019AT/4 – no valor de € 20.000,00, acrescida de IVA na importância de € 4.600,00, perfazendo o total de € 24.600,00, com o seguinte descritivo: “Comissão do Serviço de Intermediação da transferência do jogador N... . Conforme Alínea 1. da Cláusula Quarta do Contrato de Intermediação datado de 13 de Junho de 2018” – cf. RIT 2018.
EE. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 4.600,00, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
FF. Em 15 de julho de 2019, foi celebrado contrato de trabalho a termo entre a Requerente e o jogador N...– cf. Documento 19 junto pela Requerente.
GG. Os jogadores L... e N... (N...) figuram como jogadores agenciados/representados pela K..., LDA. na página que esta entidade disponibiliza na Internet – cf. RIT 2018 e consulta direta ao sítio https://www...
O..., UNIPESSOAL, LDA.
HH. Em 27 de julho de 2018, a O..., UNIPESSOAL, LDA. emitiu uma fatura – FT 2018/2 – no valor de € 2.500,00, acrescida de IVA na importância de € 575,00, perfazendo o total de € 3.075,00, com o seguinte descritivo: “Compensação pela assinatura de contrato profissional do P...” – cf. RIT 2018.
II. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 575,00, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
JJ. Em 10 de janeiro de 2019, foi celebrado contrato de trabalho a termo entre a Requerente e o jogador P..., por quatro épocas desportivas (2018/2019, 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022), constando da cláusula sétima do contrato que “As partes declaram que o presente contrato foi celebrado sem a intervenção de Intermediário” – cf. RIT 2018 e Documento 20 junto pela Requerente.
Q..., LDA.
KK. Em 26 de junho de 2018, foi constituída a sociedade Q..., LDA., sendo uma quota de € 4.000,00, correspondente a 80% do capital da sociedade, detida por R..., casada com o jogador S...– cf. RIT 2018.
LL. No dia seguinte, 27 de junho de 2018, atento o interesse da Requerente na contratação do jogador S..., aquela celebrou com a sociedade Q..., LDA., um “Contrato de Intermediação”, com termo em 10 de julho de 2018, mediante o qual conferia a esta última, na qualidade de “Intermediário”, “os poderes para, em seu nome e em sua representação, negociar com o referido JOGADOR um futuro contrato de trabalho desportivo válido até 30.06.2022 e obter o seu acordo com vista à outorga do mesmo, nos termos e condições transmitidas ao INTERMEDIÁRIO.” – cf. RIT 2018 e RIT fevereiro 2019, cláusulas primeira e segunda do referido contrato.
MM. Previa o contrato celebrado com a Q..., LDA. que, se se concretizasse a contratação do jogador pretendido [S...] por via dos serviços prestados por esta, a Requerente pagar-lhe-ia a quantia de € 325.000,00, acrescida de IVA, em 36 prestações mensais (a primeira de € 10.000,00, e as restantes 35 de € 9.000,00) – cf. RIT 2018 e RIT fevereiro 2019, cláusula quarta do referido contrato.
NN. Em 1 de julho de 2018, o jogador S... celebrou um contrato de cedência de direitos de agenciamento com a Q..., LDA. mediante o qual esta se comprometeu a prestar serviços conexos com a promoção e desenvolvimento da atividade profissional daquele, em contrapartida do pagamento mensal de € 4.285,71, pelo período de 84 meses, perfazendo o valor total de € 360.000,00 – cf. RIT 2018.
OO. Em 2 de julho de 2018, foi celebrado contrato de trabalho a termo entre a Requerente e o jogador S..., por quatro épocas desportivas (2018/2019, 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022), constando da cláusula sétima do contrato que “as partes declaram que o presente contrato foi celebrado com a intervenção do Intermediário Q..., LDA.” – cf. Documento 13 junto pela Requerente.
PP. A Q..., LDA. emitiu à Requerente as seguintes faturas:
(a) Fatura FA A/1, de 10 de outubro de 2018, no valor de € 28.000,00, acrescido de IVA de € 6.440,00, perfazendo o total de € 34.440,00, com o descritivo de “Intermediação no agenciamento do jogador”;
(b) Fatura FA A/2, de 14 de novembro de 2018, no valor de € 18.000,00, acrescido de IVA de € 4.140,00, perfazendo o total de € 22.140,00, com o descritivo de “Intermediação no agenciamento do jogador”;
(c) Fatura FA A/3, de 5 de dezembro de 2018, no valor de € 9.000,00, acrescido de IVA de € 2.070,00, perfazendo o total de € 11.070,00, com o descritivo de “Intermediação no agenciamento do jogador”;
(d) Fatura FA 2019/1, de 3 de janeiro de 2019, no valor de € 9.000,00, acrescido de IVA de € 2.070,00, perfazendo o total de € 11.070,00, com o descritivo de “Intermediação no agenciamento do jogador”;
(e) Fatura FA 2019/3, de 4 de fevereiro de 2019, no valor de € 9.000,00, acrescido de IVA de € 2.070,00, perfazendo o total de € 11.070,00, com o descritivo de “Intermediação no agenciamento do jogador”,
(f) Fatura FA 2019/4, de 4 de março de 2019, no valor de € 9.000,00, acrescido de IVA de € 2.070,00, perfazendo o total de € 11.070,00, com o descritivo de “Intermediação no agenciamento do jogador”,
– cf. RIT 2018 e RIT fevereiro 2019.
QQ. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, com referência a cada um dos meses em causa (perfazendo o total de IVA deduzido € 18.860,00) na conta #2432217 – IVA Dedutível – Imobilizado 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 20) – cf. RIT 2018.
T...
RR. Em 20 de dezembro de 2017, atento o interesse da Requerente na contratação do jogador U..., aquela celebrou com T...um “Contrato de Intermediação”, com termo em 31 de janeiro de 2018, mediante o qual conferia a este último, na qualidade de “Intermediário”, “os poderes para, em seu nome e em sua representação, negociar com o referido jogador e com o atual clube a sua desvinculação a título definitivo, bem como, a celebração com o Jogador de um contrato de trabalho desportivo até 30.06.2021.” – cf. Documento 21 junto pela Requerente, cláusulas primeira a terceira do referido contrato.
SS. Previa o contrato celebrado com T... que, se se concretizasse a contratação do jogador pretendido [ U...], em virtude dos serviços prestados pelo intermediário, a Requerente pagar-lhe-ia a quantia de € 90.000,00, acrescida de IVA, nos seguintes montantes e prazos:
a) € 40.000,00, até 28 de fevereiro de 2018;
b) € 50.000,00, no dia 31 de julho de 2018,
– cf. Documento 21 junto pela Requerente, cláusula quarta do referido contrato.
TT. Em 23 de janeiro de 2018, foi celebrado contrato de trabalho a termo entre a Requerente e o jogador U..., por quatro épocas desportivas (2018/2019, 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022), constando da cláusula sexta do contrato que “as partes declaram que o presente contrato foi celebrado com a intervenção de Intermediário melhor identificado como terceiro outorgante [correspondente a T...] – cf. Documento 22 junto pela Requerente.
UU. Em 3 de outubro de 2018, T... emitiu à Requerente uma Fatura-recibo no valor de € 50.000,00, acrescido de IVA de € 11.500,00, com o seguinte descritivo: “Transferência Bancária NIB: PT50 ...” – cf. RIT 2018.
VV. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 11.600,00, na conta #2432217 – IVA Dedutível – Imobilizado 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 20) – cf. RIT 2018.
V..., LDA.
WW. Em 19 de maio de 2014, foi celebrado o acordo de “Revogação de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, entre a Requerente e o jogador W..., na condição de este vir a celebrar um contrato de trabalho desportivo com o X..., SAD, não sendo feita menção à existência de intermediação / intermediário no âmbito do mesmo – cf. RIT 2018, cláusulas segunda e terceira do acordo de revogação.
XX. Em 10 de outubro de 2018, a sociedade V..., LDA. emitiu à Requerente uma Fatura (FT 18/31) no valor de € 3.750,00, acrescido de IVA de € 862,50, com o seguinte descritivo: “Serviços de Intermediação Prestados relativamente ao Atleta W... conforme consta no ponto 6, Clausula Primeira, do Acordo celebrado em 19-05-2014”. A Cláusula 1.ª do Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho a Termo deste jogador não contém qualquer número e dispõe unicamente que “A A..., SAD e o Jogador celebraram um contrato de trabalho, registado na F.P.F. e na L.P.F.P, o qual tem o seu termo em 30 de Junho de 2017, pelo qual o Jogador se obrigou a exercer a sua actividade profissional ao serviço do A..., SAD.” – cf. RIT 2018.
YY. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 862,50, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
ZZ. O jogador W... figura como jogador agenciado/representado pela V..., LDA. (sob a marca “Y...”) na página que esta entidade disponibiliza na Internet – cf. RIT 2018 e consulta direta ao sítio https://www...
Z... UNIPESSOAL, LDA.
AAA. Em 28 de agosto de 2017, foi celebrado um “Contrato de Intermediação” entre a Requerente e a Z... , LDA., com termo em 31 de agosto de 2017, mediante o qual aquela nomeava e conferia a esta última “os poderes necessários para em seu nome, promover, diligenciar, negociar, contratar e intermediar uma futura transferência onerosa do Jogador [AA...] para Clube terceiro, bem como os poderes especiais necessários para (i) contactar em sua representação qualquer Clube, promovendo o Jogador tendo em vista a sua futura contratação e transferência, e (ii) intervir numa futura transferência do Jogador na qualidade de intermediário.” – cf. RIT 2018, cláusulas primeira e segunda do contrato.
BBB. De acordo com o contrato, “a decisão final relativamente a qualquer negociação pertence à A... SAD [a Requerente], e no caso de recusa de uma eventual proposta de transferência a Z... não lhe poderá exigir qualquer tipo de ressarcimento ou imputar responsabilidade” – cf. RIT 2018, cláusula primeira, n.º 3 do contrato.
CCC. Previa ainda o contrato que, se se confirmasse a transferência onerosa do jogador AA... para um Clube terceiro até 31 de agosto de 2017, como contrapartida pelos serviços prestados, a Requerente pagaria à Z... UNIPESSOAL, LDA. uma remuneração de € 550.000,00, acrescido de IVA, contra a entrega da respetiva fatura. Esta remuneração devia ser paga em duas prestações anuais iguais, de € 275.000,00 cada, vencendo-se a primeira em 10 de setembro de 2017 e a segunda em 10 de setembro de 2018 – cf. RIT 2018, cláusula terceira do contrato.
DDD. A transferência do jogador veio a concretizar-se com a celebração do Acordo de Transferência (“Transfer Agreement”), entre a Requerente e o BB..., contemplando a assinatura do contrato de trabalho deste último com o jogador AA..., com efeitos a partir de 31 de agosto de 2017 – cf. Documento 23 junto pela Requerente.
EEE. Em 23 de outubro de 2018, a Z... UNIPESSOAL, LDA. emitiu à Requerente uma fatura (FA 2018/10), no valor de € 275.000,00, acrescido do correspondente IVA de € 63.250,00, perfazendo o total de € 338.250,00, com o seguinte descritivo “intermediação da venda de AA...” – cf. RIT 2018.
FFF. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 63.250,00, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
CC...– UNIPESSOAL, LDA.
GGG. Em 4 de abril de 2018, a CC...– UNIPESSOAL, LDA. emitiu à Requerente uma fatura (FA 2018/1), no valor de € 7.500,00, acrescida de € 1.725,00 de IVA, perfazendo o total de € 9.225,00, com o seguinte descritivo “Consultadoria desportiva” – cf. RIT 2018.
HHH. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 1.725,00, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
DD... LIMITED
III. Em 1 de agosto de 2017, foi celebrado um “Contrato de Representação” entre a Requerente e a DD..., LIMITED, com termo em 1 de agosto de 2019 (vigência de 2 anos, renovável), mediante o qual aquela conferia a esta última, na qualidade de “Intermediário” com caráter de exclusividade, “os poderes para em seu nome e em sua representação, promover o jogador identificado na cláusula anterior [EE...] junto de Clubes e SADs, nacionais e estrangeiras, com vista à transmissão onerosa, no todo ou em parte, dos direitos económicos do aludido jogador.” – cf. RIT 2018, cláusulas primeira e segunda do contrato.
JJJ. De acordo com o contrato, se a Requerente, em virtude dos serviços prestados pelo Intermediário, sem necessidade de o mesmo ter que demonstrar a sua atividade, concretizasse a transmissão onerosa, no todo ou em parte, dos direitos federativos do jogador EE..., como contrapartida pelos serviços prestados comprometia-se a pagar à DD..., LIMITED, a título de honorários, o equivalente a 50% do valor líquido da transferência. Esta remuneração devia ser paga nos 5 dias úteis subsequentes ao recebimento do valor da transferência ou de cada uma das prestações estabelecidas no contrato de transferência – cf. RIT 2018, cláusula quarta do contrato.
KKK. A transferência do jogador veio a concretizar-se por via do “Contrato de Cedência Definitiva de Direitos Desportivos”, celebrado em 28 de dezembro de 2017 entre a Requerente, o X... e o jogador EE...– cf. Documento 24 junto pela Requerente.
LLL. Em 26 de outubro de 2018, a DD..., LIMITED emitiu à Requerente a fatura n.º 1 2018/11, no valor de € 200.000,00, acrescido do correspondente IVA de € 46.000,00, perfazendo o total de € 246.000,00, com o seguinte descritivo “Acordo referente ao jogador EE...– 1/3” – cf. RIT 2018.
MMM. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 63.250,00, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
NNN. O jogador EE... (“EE...”) figura como jogador agenciado/representado pela DD..., LIMITED na página que esta entidade disponibiliza na Internet – cf. RIT 2018 e consulta direta ao sítio http://www...
OOO. A Requerente celebrou ainda, com a mesma entidade – a DD..., LDA. –, em 26 de novembro de 2018, um “Contrato de Intermediação”, com termo em 31 de dezembro de 2018, mediante o qual a primeira conferia a esta última, na qualidade de “Intermediário”, “os poderes para, em seu nome e em sua representação, negociar” com o jogador FF...“a alteração do contrato de trabalho desportivo, prolongando-o até 30.06.2022 e aumentar o valor da cláusula de rescisão” – cf. RIT fevereiro 2019, cláusulas segunda e terceira do referido contrato.
PPP. Previa-se que, caso se efetivasse a alteração do contrato de trabalho do jogador FF..., por via dos serviços prestados pela DD..., LDA., até 31 de dezembro de 2018, a Requerente se obrigava a pagar àquela uma remuneração no valor de € 35.400,00, acrescido de IVA, em quatro prestações anuais:
a) € 3.000,00, em 28 de fevereiro de 2019;
b) € 8.400,00, em 30 de agosto de 2019;
c) €10.800,00, em 30 de agosto de 2020;
d) € 13.200,00, em 30 de agosto de 2021
– cf. RIT fevereiro 2019, cláusula quarta do contrato celebrado com a DD..., LDA..
QQQ. O “Contrato de Intermediação” estipulava constituir demonstração inequívoca da correta execução do mandato conferido ao intermediário a alteração do contrato de trabalho entre o jogador FF... e a Requerente, durante a vigência do contrato de intermediação. Se o jogador fosse transferido pela Requerente para Clube/SAD terceiro, antes do termo do pagamento das prestações que antecedem, as prestações vincendas não seriam devidas – cf. RIT fevereiro 2019, cláusulas terceira e quarta do referido contrato.
RRR. A prorrogação do contrato de trabalho do jogador FF... e o incremento da cláusula de rescisão vieram a concretizar-se com a celebração, em 11 de dezembro de 2018, da “Alteração do Contrato de Trabalho a Termo entre o Clube e Jogador de Futebol Profissional” nos moldes preconizados na cláusula segunda do “Contrato de Intermediação”, referido a cláusula sétima desta alteração do contrato que as “partes declaram que o presente contrato foi celebrado com a intervenção da intermediária DD..., LDA. em representação da A... SAD” – cf. Documento 14 junto pela Requerente.
SSS. Em 28 de fevereiro de 2019, a DD..., LDA. emitiu uma fatura, no valor de € 3.000,00, acrescida de IVA no valor de € 690,00, perfazendo o total de € 3.690,00 ––, com o seguinte descritivo: “Intermediação referente ao Jogador FF...– 1ª parte”
– cf. RIT fevereiro 2019.
TTT. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 690,00, na conta #2432217 – IVA Dedutível – Imobilizado 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 20) – cf. RIT fevereiro 2019.
GG..., S.A.
UUU. Em 8 de junho de 2018, a Requerente celebrou com a sociedade GG..., S.A. um Acordo, com termo em 15 de julho de 2018, mediante o qual, contratou esta entidade para a “assessorar nas negociações com a HH... SAD”, com vista à alienação do direito, de que era titular, a receber “a quantia correspondente a 30% (trinta por cento) da mais-valia líquida resultante de uma eventual transferência do jogador profissional II... («JOGADOR») para um terceiro clube/SAD a título definitivo, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, contra apresentação da respetiva fatura” se ocorresse na “vigência do contrato de trabalho desportivo do JOGADOR com a HH..., SAD”, com o objetivo de reforço da sua liquidez para preparação do plantel da época desportiva seguinte – cf. RIT fevereiro 2019, considerando A e cláusulas primeira e terceira do acordo.
VVV. Como remuneração dos referidos serviços, a Requerente comprometeu-se a pagar:
a) 200.000,00 €, caso a alienação do direito em causa fosse feita entre os 3.000.000,00 € e os 3.500.000,00 €, inclusive;
b) 400.000,00 €, caso a alienação do direito em apreço fosse feita acima dos 3.500.000,00 €,
ficando o pagamento condicionado ao facto de o jogador em questão [II...] não ser vendido pela HH..., SAD até 31 de janeiro de 2019
– cf. RIT fevereiro 2019, cláusula segunda do acordo.
WWW. Em 1 de julho de 2018, a Requerente concretizou a alienação, à HH..., SAD do direito de crédito acabado de referir – correspondente a 30% da mais-valia líquida resultante de uma eventual transferência do jogador profissional II... para um terceiro clube/SAD, a título definitivo, pelo valor de € 3.637.500,00, acrescido de IVA, sendo € 1.837.500,00 devidos 30 dias após a assinatura do acordo e € 1.800.000,00 365 dias após a assinatura do acordo (em qualquer caso, contra a apresentação da respetiva fatura) – cf. RIT fevereiro 2019, cláusula primeira do acordo com a HH..., SAD.
XXX. Em 3 de março de 2019, a GG..., S.A. faturou a Requerente (fatura n.º 1) o valor de € 400.000,00, acrescido de € 92.000,00 de IVA, a título de “Prestação de Serviços de Assessoria nas Negociações do Jogador II...” – cf. RIT fevereiro 2019.
YYY. Tendo a Requerente exercido o direito à dedução do imposto, no valor de € 92.000,00, na conta #2432317 – IVA Dedutível OBS 23% e através da inscrição na correspondente declaração periódica de IVA (campo 24) – cf. RIT 2018.
ZZZ. A Requerente solicitou o reembolso de IVA no valor de € 128.675,97 na declaração periódica relativa ao mês de fevereiro de 2019, tendo dado origem a uma inspeção externa, sob a ordem de serviço OI2019... de âmbito parcial, referente ao IVA do período de fevereiro de 2019 (201902), com o objetivo de verificação da legitimidade do pedido de reembolso – cf. RIT fev 2019.
AAAA. O crédito de IVA no valor de € 128.675,97 resultou do facto de as (principais) operações ativas da Requerente se reportarem a direitos de transmissão faturados a um sujeito passivo sediado na União Europeia, não sendo sujeitas a IVA em Portugal, por não se localizarem no território nacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do Código do IVA – cf. RIT fev 2019.
BBBB. O procedimento de inspeção ao período de fevereiro de 2019 teve início em 2 de maio de 2019 e culminou na proposta de correções ao IVA deduzido, no montante total de € 92.000,00, do que a Requerente foi notificada para exercício do direito de audição, tendo-se pronunciado no sentido de não serem devidas tais correções e solicitado que fossem ouvidas duas testemunhas, D...– cf. RIT fev 2019.
CCCC. A AT não deferiu a diligência de prova testemunhal solicitada, nem considerou procedentes os argumentos expendidos pela Requerente em sede de audição prévia, mantendo as correções projetadas com os seguintes fundamentos, extraídos do Relatório de Inspeção Tributária referente ao período de fevereiro de 2019 (RIT 2019):
“I – DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
1. Da ação inspetiva resultam as seguintes correções (descritas no ponto III deste relatório) ao imposto a pagar por parte do SP:
QUADRO 1 – RESUMO DAS CORREÇÕES EFETUADAS AO SP
IMPOSTO REFERÊNCIA CAMPO 201902
IMPOSTO A PAGAR 94.760,00 €
IVA III – 1.6 e III – 1.7 Campo 20 2.760,00 €
III – 1.5 Campo 24 92.000,00 €
2. Desta forma, somos da opinião de deferir parcialmente o pedido de reembolso de IVA do período de 1902 no montante de 33.915,97 € (128.675,97 € - 92.000,00 €).
[…]
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL
III – 1 INTERMEDIÁRIOS
III – 1.1. Enquadramento
[…]
III – 1.2. Circular 15/2011
[…]
III – 1.3. Evidência dos Serviços Prestados
[…]
49. […] quando o consumo do serviço não ocorre em representação do A... SAD [Requerente], não se podem considerar estes encargos como gastos fiscais do SP, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. Da mesma forma, tal como referido em 39.11, o IVA suportado por um Clube/SAD numa prestação de serviços de intermediação efetuada por um empresário desportivo, que não corresponda a um serviço efetivamente prestado ao Clube/SAD, não pode ser deduzido ao imposto incidente sobre as operações tributáveis efetuadas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e do artigo 20.º do CIVA.
[…]
52. Pelo exposto, somente se coloca em crise nos subpontos seguintes deste relatório, as situações em que a análise crítica dos factos recolhidos permitiu afastar a presunção da veracidade declarativa, e se demonstrou que o sujeito passivo não logrou comprovar que consumiu/adquiriu os serviços declarados e/ou que esses encargos seriam incorridos no interesse do SP, na prossecução das respetivas atividades, na obtenção dos seus rendimentos.
III – 1.4. Esclarecimentos Solicitados
53. Assim, e dado que quem reconhece e declara determinados encargos, deve estar em condições de deter ou poder reunir todos os elementos/documentos probatórios sobre as operações que os justificam (necessidade, adequação, ou a produção do resultado), o sujeito passivo foi notificado para comprovar que os gastos suportados foram incorridos no interesse da A... SAD, na prossecução das suas atividades.
54. De forma a obter os esclarecimentos essenciais sobre os negócios com as transferências de jogadores, o SP foi notificado […], para:
54.1.Comprovar inequivocamente a prestação dos serviços que foram adquiridos, tal como se encontra estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e do artigo 20.º, ambos do Código do IVA, ou seja justificar a que título foi suportado, descrevendo a sua natureza e em que consistiram, efetivamente, os serviços prestados, juntando todos os elementos de prova da sua realização (ex. cópia de quaisquer minutas de documentos elaborados no decorrer das negociações das condições do contrato de trabalho – salariais, anos de contrato – e/ou das condições de transferência – valor da transferência – troca de correspondência, faxes com as outras entidades envolvidas na negociação, ou outros documentos que demonstrem de forma inequívoca os serviços prestados que deram origem às faturas).
55. Em resposta ao solicitado […] apresentou a sua justificação para os factos bem como os documentos […] que possuía para evidenciar os negócios, que sendo relevantes em termos fiscais, fazem parte integrante deste relatório […].
55.1. No seu ponto 1, o SP afirma que «Os valores de IVA em apreço respeitam (…) ao IVA liquidado pelas entidades (…) aquando da emissão das faturas à aqui signatário pelos serviços por aquelas prestados (…) em cumprimento do que havia sido contratualizado entre as partes»;
55.2. Acrescenta, no ponto 6 que «jamais, em momento algum a signatária contratou os serviços de um terceiro, empresário desportivo no caso, que numa relação contratual agisse em representação e por conta de ambas as partes»;
55.3. «A signatária sempre procurou, como procura, cumprir os ditames legais que regulam a atividade a cujo seu objeto social se destina. Razão pela qual e desde que fosse do seu conhecimento, jamais a signatária contrataria os serviços de uma empresa que agisse em representação de mais do que uma parte na mesma relação contratual»;
55.4. Conclui no ponto 9 que «a signatária ao contratar as ditas empresas, fê-lo de consciência que estas agiam apenas e só em sua representação, só recebendo a remuneração acordada com a signatária nos respetivos contratos».
[…]
III – 1.5. GG... SA – II...
[…]
III – 1.6. Q... LDA – S…
[…]
III – 1.7. DD… LDA – FF…
[…]
III – 1.8. CONCLUSÕES
[…]
71. Pelo exposto anteriormente, tendo sido colocada em causa a presunção da veracidade declarativa caberia ao sujeito passivo o ónus da prova de que os encargos contabilizados corresponderiam inequivocamente a serviços prestados ao A... SAD e, caso fosse provada a sua existência, que corresponderiam a encargos incorridos no interesse da A... SAD para a obtenção dos seus rendimentos.
72. Donde, o sujeito passivo deveria poder, antes de mais, comprovar que os gastos contabilizados correspondiam a serviços efetivamente prestados ao A... SAD e, para o efeito, exibir documentos probatórios das negociações, relatórios preparados, faxes, correspondência trocada, reuniões agendadas com os intermediários, pois, não existem provas de que foi prestado um serviço ao A... SAD.
73. Mesmo depois de notificado para o efeito, o SP não juntou qualquer evidência justificativa dos serviços efetivamente prestados.
74. Assim, por não existir evidência dos serviços efetivamente prestados pelos empresários desportivos (na esfera das empresas identificadas anteriormente), nos termos de um contrato de representação, o IVA suportado na aquisição dos serviços não é dedutível nos termos do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e do artigo 20.º do CIVA, pelo que será de subtrair ao declarado na declaração periódica de IVA do mês de fevereiro do ano de 2019:
74.1. No campo 20 (Imobilizado) o valor de 2.760,00 € (III – 1.6 e III – 1.7).
74.1. No campo 24 (Outros Bens e Serviços) o valor de 92.000,00 € (III – 1.5).
[…]
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
[…]
85. Em 2 de agosto de 2019 foi recebido nesta Direção de Finanças, enviado pelo SP, em resposta ao nosso ofício n.º..., um requerimento ao qual coube a entrada n.º 2019... de 2019-09-02 na Direção de Finanças de ...), através do qual o SP vem exercer o direito de audição (Anexo IV – Folha 3).
86. No exercício do direito de audição quanto às correções propostas no ponto III do projeto de relatório, o SP afirma:
86.1.1. «considera a AT que o A... deveria comprovar que os gastos contabilizados correspondem a serviços efetivamente prestados».
86.1.1.1. Tal como se conclui no ponto III – 1.8 do relatório de inspeção.
86.1.2. «Olvidou-se, porém a AT que, para tanto, a fim de inverter o ónus da prova, incumbe-lhe colocar em causa a presunção de veracidade de que beneficiam as declarações dos contribuintes, o que manifestamente não logrou fazer.»
86.1.3. «In casu, a AT nenhum facto alegou ou prova aditou que seja suscetível de desmentir ou colocar em causa a veracidade das declarações do A... SAD, tendo a AT se limitado a levantar suspeições com base em meras intuições ou crenças e sem qualquer razão de ciência fáctica devidamente especificada e fundamentada.»
86.1.4. «A verdade é que, como se verá, os gastos contabilizados correspondem a serviços efetivamente prestados e integram a concreta atividade desenvolvida do A... SAD.»
86.1.4.1. As alegações do SP não estão de acordo com os factos referidos no relatório, mais concretamente no ponto III-1.3 e III-1.4. O SP não traz elementos e/ou documentos que provem as suas afirmações. A sua observação crítica do relatório não é materializada em evidências.
86.1.5. O SP refere que «o A... SAD tem por objeto a participação nas competições desportivas profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol».
86.1.6. Assim, «é pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da atividade dos contribuintes», pelo que «in casu, os serviços prestados pelos fornecedores GG..., SA (II...), Q... LDA (S...) e DD... , LDA (FF...), estão intrínseca e diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pelo A... SAD»
86.1.7. «E, por isso, as faturas emitidas dizem respeito a operações reais, facto que não foi indiciariamente abalado pela AT (que não aditou um único facto ou prova ao seu Projeto de RIT)!!!»
86.1.7.1. Notificado para apresentar evidências das operações, tal como referido anteriormente no ponto III-1.4, o SP não apresentou provas dos serviços efetivamente prestados.
86.1.8. Em relação à GG... SA, cujos factos se encontram elencados no ponto III-1.5 do relatório, afirma o SP em sede de audição:
86.1.8.1.1. Inicialmente transcreve o referido anteriormente no ponto 57 e acrescenta «dos esclarecimentos prestados resultou evidenciado que a sociedade GG... prestou assessoria ao A... SAD na venda dos 30% dos direitos sobre o jogador ao HH...»;
86.1.8.1.2. «Tendo intermediado o negócio que foi celebrado entre o A... SAD e HH...»;
86.1.8.1.3. «Nada! Absolutamente nada foi alegado pela AT que possa colocar em causa estas evidências!»
86.1.8.1.4. Tal como referido nos pontos 59 e 60, o SP não junta qualquer evidência justificativa dos serviços efetivamente prestados no âmbito da atividade do A... SAD. Os montantes pagos exigem prova efetiva dos serviços realizados, a identificação dos intervenientes e da negociação das propostas.
86.1.9. Quanto aos gastos suportados com a empresa Q..., em que as correções foram referidas no ponto III-1.6:
86.1.9.1.1. Da mesma forma, no início transcreve o referido anteriormente no ponto 62 e afirma que «dos esclarecimentos prestados resultou evidenciado que foi fruto da intervenção e negociação encetada pela sociedade Q... que o jogador S... decidiu sair do ... para vir jogar para o A... SAD, em detrimento de outras propostas que tinham colocadas por outros Clubes ao jogador»;
86.1.9.1.2. «Foi, assim, fruto dos serviços de intermediação da Q... que o negócio se concretizou, sendo-lhe assim devida a contratada comissão»;
86.1.9.1.3. «Nada! Absolutamente nada foi alegado pela AT que possa colocar em causa estas evidências!»
86.1.9.1.4. O que foi alegado pela AT está referido nos pontos 64 e 65 do relatório. O SP volta a não apresentar provas clarificadoras dos serviços realizados ao A..., quem e quando foram efetuados os serviços que constam das faturas.
86.1.8.1.5. Mais, credenciados pelos despachos externos n.º DI2019... e DI2019... pudemos verificar que o jogador S... cedeu os direitos de agenciamento à empresa Q... (com a intermediação de contratos de direitos desportivos e económicos), por contrato celebrado em 2018-07-01, coincidentemente com valores aproximados ao contrato celebrado entre esta e o A... SAD.
86.1.10. Relativamente aos gastos suportados com a empresa DD... Lda, em que as correções foram referidas no ponto III-1.7:
86.1.10.1. Transcreve o referido anteriormente no ponto 67, afirmando que «dos esclarecimentos prestados resultou evidenciado que a sociedade DD... prestou assessoria ao A... SAD na negociação encetada junto do jogador FF... com vista à renegociação do contrato»;
86.1.10.2. «O A... SAD pretendia obter do jogador a renovação do contrato, com prolongamento da cláusula de rescisão, evitando, assim, que o jogador pudesse sair livremente do Clube»;
86.1.10.3. «Este intermediário foi essencial na defesa dos interesses do A... SAD e na forma como logrou negociar com o jogador as alterações contratuais efetiva e concretamente pretendidas pela A... SAD»;
86.1.10.4. «Nada! Absolutamente nada foi alegado pela AT que possa colocar em causa estas evidências!»
86.1.10.5. O SP não apresenta nada que demonstre os serviços efetivamente realizados ao A... SAD. As conclusões foram referidas no ponto 69 e 70 do relatório.
86.1.11. O SP volta a não carrear para o processo qualquer evidência dos serviços efetivamente realizados. Verificamos que não existem atas de reuniões, troca de correspondência entre intervenientes e evidência da negociação de propostas.
86.1.12. Desta forma, mantemos as correções propostas.
86.2. Quanto à questão DA PROVA invocada pelo SP em sede de audição, «para prova dos factos alegados e, bem assim, da veracidade das operações vertidas nas faturas supramencionadas, requer-se a inquirição das seguintes testemunhas: a) D... b) G...».
86.2.1. «Todas as negociações foram encetadas com intervenção do Vice-Presidente D..., que pode, não só confirmar a veracidade das operações como explicar a forma como habitualmente as negociações são encetadas.» «Nos dias de hoje é inconcebível que a contratação/revogação de contrato/transferência/empréstimo de qualquer jogador ou equipa técnica seja realizada sem a intervenção de um agente que represente os interesses da SAD.»
86.2.2. «A prova documental desta prestação de serviços consubstancia-se no contrato celebrado e na fatura emitida, pois, como está bom de ver, nesta atividade é prática generalizada encetar as negociações presencialmente (em reuniões mantidas entre o A... SAD e seus intermediários/agentes) ou via telefónica (telefonemas ou SMS).
86.2.2.1. Sem que seja objeto de inspeção, denota-se nas afirmações efetuadas a ausência de regras de controlo interno, cujo intuito se desconhece, mas injustificável face à atividade desenvolvida pelo SP. Quais são os poderes negociais destinados aos intervenientes, locais e datas dos serviços, quem foram os agentes da intermediação (pessoas que os efetuaram concretamente) e a forma de determinação do preço do serviço adquirido. O SP aceita que não existam provas de qualquer diligência nas negociações, mesmo face ao referido no presente relatório, paga os honorários aos intermediários, aos valores apresentados, independentemente dos serviços que tenham sido realizados e as diligências na sua concretização.
86.2.3. No entanto, temos a referir que a audição de testemunhas pode ser requerida pela Contribuinte no procedimento, como diligência adicional.
86.2.4. Decorre do princípio do inquisitório que deverá inferir-se que é, naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade das diligências complementares requeridas pela interessada, ou seja, sobre a relevância para o procedimento (cfr. Acórdão do STA, de 2007-02-06, no processo n.º 0650/06).
86.3. Assim, a AT deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, mas cabe à Inspeção Tributária e Aduaneira ajuizar sobre a utilidade das diligências complementares requeridas.
86.4. Não estando vinculada à iniciativa da Contribuinte, a AT pode rejeitar as diligências por ele solicitadas no caso de, fundamentalmente, entender elas serem desprovidas de interesse para a resolução do procedimento, situação que se verifica no caso concreto.
86.5. Com efeito, no decurso do procedimento, o vice-presidente D... já referiu os mesmos argumentos referidos em 86.2.1 e 86.2.2, pelo que as diligências já se encontram esgotadas/realizadas por já terem sido efetuadas, e o SP não apresenta novos elementos/documentos em sede de audição. Quanto à segunda testemunha indicada, G..., o mesmo é prestador de serviços jurídicos ao SP, pelo que todos os factos e argumentos, não vinculando o SP, deveriam ser carreados ao processo em sede de audição. Não o tendo feito, assumimos que é para corroborar as afirmações referidas em 86.2.2.
86.6. As conclusões do relatório assentam em documentos que representam factos objetivos.
86.7. No entanto, remetendo para o referido com ponto 50 a 52, e até pelo que se refere no ponto 86.2.2.1, não se verifica uma inequívoca demonstração da prestação dos serviços adquiridos pelo SP, dos gastos suportados no desenvolvimento das suas atividades.
86.8. Assim, não foram acrescidos factos ou elementos ao teor do documento em que o SP exerceu o direito de audição no âmbito do presente procedimento.
86.9. Pelo exposto, mantemos todas as correções propostas. […]”
DDDD. Em 9 de maio de 2019, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA n.º..., relativa ao período de março de 2019, na qual apurou um crédito de IVA a seu favor, no valor de € 405.313, 50, tendo solicitado o seu reembolso integral. O crédito de IVA resultou do facto de as (principais) operações ativas da Requerente se reportarem a direitos de transmissão faturados a um sujeito passivo sediado na União Europeia, não sendo sujeitas a IVA em Portugal, por não se localizarem no território nacional, nos termos do artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do Código do IVA – cf. RIT 2018.
EEEE. Em 11 de junho de 2019, na sequência deste pedido de reembolso de IVA apresentado pela Requerente e com o objetivo de proceder à verificação da sua legitimidade, teve início um procedimento externo de inspeção de âmbito parcial, ao abrigo das seguintes ordens de serviço:
OI2019... – abrangendo o IVA dos períodos 201808, 201809, 201810, 201811 e 201812;
OI2019... – relativamente ao IVA do período de 201901;
OI2019... – para o IVA do período 201903
– cf. RIT 2018.
FFFF. O procedimento foi concluído com a proposta de correções ao IVA deduzido, no montante total de € 198.585,83 €, do que a Requerente foi notificada para exercício do direito de audição, tendo-se pronunciado no sentido de não serem devidas tais correções e solicitado que fossem ouvidas duas testemunhas, D... e G...– cf. RIT 2018.
GGGG. A AT não deferiu a diligência de prova testemunhal solicitada, nem acedeu aos argumentos expendidos pela Requerente em sede de audição prévia, mantendo as correções projetadas, com os seguintes fundamentos, extraídos do Relatório de Inspeção Tributária referente aos períodos de agosto a dezembro de 2018 e de janeiro e março de 2019 – cf. RIT 2018:
“I – DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
1. Da ação inspetiva resultam as seguintes correções (descritas pormenorizadamente no ponto III deste relatório) ao imposto a pagar por parte do SP:
QUADRO 1 – RESUMO DAS CORREÇÕES EFETUADAS AO SP
Ano Mês Prestador Serviços Referência Conta Campo Débito Total Campo Total DP
2018 8 H... III – 1.5 2432317 Campo 24 1.725,00 € 1.725,00 € 1.725,00 €
9 I... III – 1.6 2432217 Campo 20 2.300,00 € 4.600,00 €
45.233,33 €
I... III – 1.6 2.300,00 €
K... III – 1.7
2432317
Campo 24 38.333,33 €
40.633,33 €
H... III – 1.5 1.725,00 €
O... III – 1.8 575,00 €
10 H... III – 1.5
2432317
Campo 24 1.725,00 €
113.562,50 €
131.502,50 €
V... III – 1.11 862,50 €
Z... III – 1.12 63.250,00 €
CC... III – 1.13 1.725,00 €
DD... III – 1.14 46.000,00 €
Q... III – 1.9
2432217
Campo 20 6.440,00 €
17.940,00 €
T... III – 1.10 11.500,00 €
11 H... III – 1.5 2432317 Campo 24 1.725,00 € 1.725,00 € 5.865,00 €
Q... III – 1.9 2432217 Campo 20 4.140,00 € 4.140,00 €
12 Q... III – 1.9 2432217 Campo 20 2.070,00 € 2.070,00 € 3.795,00 €
H... III – 1.5 2432317 Campo 24 1.725,00 € 1.725,00 €
2019
1 Q... III – 1.9 2432217 Campo 20 2.070,00 € 2.070,00 €
8.395,00 €
H... III – 1.5 2432317 Campo 24 1.725,00 € 6.325,00 €
K... III – 1.7 4.600,00 €
3 Q... III – 1.9 2432217 Campo 20 2.070,00 € 2.070,00 € 2.070,00 €
TOTAL 198.585,83 €
2. Desta forma, somos da opinião de deferir parcialmente o pedido de reembolso de IVA do período de 1903 no montante de 206.727,67 € (405.313,50 € - 198.585,83 €).
[…]
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL
III – 1 INTERMEDIÁRIOS
III – 1.1. Enquadramento
[…]
III – 1.2. Circular 15/2011
[…]
III – 1.3. Evidência dos Serviços Prestados
[…]
52. […] quando o consumo do serviço não ocorre em representação do A... SAD [Requerente], não se podem considerar estes encargos como gastos fiscais do SP, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. Da mesma forma, tal como referido em 42.11, o IVA suportado por um Clube/SAD numa prestação de serviços de intermediação efetuada por um empresário desportivo, que não corresponda a um serviço efetivamente prestado ao Clube/SAD, não pode ser deduzido ao imposto incidente sobre as operações tributáveis efetuadas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e do artigo 20.º do CIVA.
[…]
55. Pelo exposto, somente se coloca em crise nos subpontos seguintes deste relatório, as situações em que a análise crítica dos factos recolhidos permitiu afastar a presunção da veracidade declarativa, e se demonstrou que o sujeito passivo não logrou comprovar que consumiu/adquiriu os serviços declarados e/ou que esses encargos seriam incorridos no interesse do SP, na prossecução das respetivas atividades, na obtenção dos seus rendimentos.
III – 1.4. Esclarecimentos Solicitados
56. Assim, e dado que quem reconhece e declara determinados encargos, deve estar em condições de deter ou poder reunir todos os elementos/documentos probatórios sobre as operações que os justificam (necessidade, adequação, ou a produção do resultado), o sujeito passivo foi notificado para comprovar que os gastos suportados foram incorridos no interesse da A... SAD, na prossecução das suas atividades.
57. De forma a obter os esclarecimentos essenciais sobre os negócios com as transferências de jogadores, o SP foi notificado […], para:
57.1. Comprovar inequivocamente a prestação dos serviços que foram adquiridos, tal como se encontra estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e do artigo 20.º, ambos do Código do IVA, ou seja justificar a que título foi suportado, descrevendo a sua natureza e em que consistiram, efetivamente, os serviços prestados, juntando todos os elementos de prova da sua realização (ex. cópia de quaisquer minutas de documentos elaborados no decorrer das negociações das condições do contrato de trabalho – salariais, anos de contrato – e/ou das condições de transferência – valor da transferência – troca de correspondência, faxes com as outras entidades envolvidas na negociação, ou outros documentos que demonstrem de forma inequívoca os serviços prestados que deram origem às faturas).
58. Em resposta ao solicitado […] apresentou «os elementos e esclarecimentos relacionados com despesas de prospeção e intermediação de jogadores» […] que possuía para evidenciar os negócios, que sendo relevantes em termos fiscais, fazem parte integrante deste relatório […].
59. Afirma o SP que:
59.1. «nos dias de hoje é inconcebível que a contratação/revogação de contrato/transferência/empréstimo de qualquer jogador ou equipa técnica seja realizada sem a intervenção de um agente que represente os interesses da SAD,
59.2 nos negócios estabelecidos na atividade desportiva de contratação/revogação de contrato/transferência/empréstimo podem ser concretizados sob variadíssimas formas e podem, por isso, formalizados sob variadíssimos tipos contratos,
59.3. os agentes/intermediários têm intervenção direta em toda a negociação encetada entre o jogador e o A... SAD ou entre outro clube e o A... SAD»;
59.4. «que é prática, mais do que generalizada, é que as negociações sejam encetadas com a intervenção de um agente que representa os interesses da SAD e contra esses factos inequívocos inexistem quaisquer argumentos que permitam concluir que o A... não é coadjuvado nas suas negociações».
59.4.1. No entanto, verificamos que não existem evidências na participação do A... nas negociações, dos seus representantes nas decisões das negociações, que a existirem, devem ter suporte documental.
59.5. «a prova documental desta prestação de serviços consubstancia-se no contrato celebrado e na fatura emitida, pois, como está bom de ver, nesta atividade é prática generalizada encetar as negociações presencialmente ou via telefónica,
59.6. por razões de sigilo e para evitar fugas de informação inexiste troca de comunicações escritas entre as partes, tanto mais que, como se disse, não é sequer pratica que as negociações sejam encetadas dessa forma»
59.6.1. As razões de sigilo e fugas de informação que o SP refere não justifica a inexistência de comunicações escritas entre as partes. Em todas as negociações solicitadas, entre os mais diversos agentes/intermediários/empresas de scouting/outros, nos diversos serviços prestados ao SP sob os quais foram solicitadas provas da realização dos serviços, não foram apresentadas evidências que não sejam os contratos e faturas.
59.6.2. Sem que seja objeto de inspeção, denota-se nas afirmações efetuadas a ausência de regras de controlo interno, cujo intuito se desconhece, mas injustificável face à atividade desenvolvida pelo SP. Quais são os poderes negociais destinados aos intervenientes, locais e datas dos serviços, quem foram os agentes da intermediação (pessoas que os efetuaram concretamente) e a forma de determinação do preço do serviço adquirido. O SP aceita que não existam provas de qualquer diligência nas negociações, mesmo face ao referido no presente relatório, paga os honorários aos intermediários, aos valores apresentados, independentemente dos serviços que tenham sido realizados e as diligências na sua concretização.
59.7. «caso se considere que os documentos ora juntos não são prova bastante da materialidade das operações, o que manifeste não se concede, deve ser promovida a inquirição da seguinte testemunha que tem conhecimento direto de todas as negociações encetadas entre jogadores, clubes e agentes/mediadores e dos serviços que foram prestados caso a caso: D..., a notificar na sede do A... SAD.»
59.7.1. Temos a referir que a audição de testemunhas pode ser requerida pela Contribuinte no procedimento, como diligência adicional.
59.7.2. Decorre do princípio do inquisitório que deverá inferir-se que é, naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade das diligências complementares requeridas pela interessada, ou seja, sobre a relevância para o procedimento (cfr. Acórdão do STA, de 2007-02-06, no processo n.º 0650/06).
59.7.3. Assim, a AT deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, mas cabe à Inspeção Tributária e Aduaneira ajuizar sobre a utilidade das diligências complementares requeridas.
59.7.4. Não estando vinculada à iniciativa do Contribuinte, a AT pode rejeitar as diligências por ele solicitadas no caso de, fundamentalmente, entender elas serem desprovidas de interesse para a resolução do procedimento, situação que se verifica no caso em concreto.
59.7.5. Com efeito, no decurso do procedimento, o vice-presidente D... (na data dos factos […]) já referiu os mesmos argumentos referidos em 59.5 e 59.6, pelo que as diligências já se encontram esgotadas/realizadas por já terem sido efetuadas, e o SP não apresenta novos elementos/documentos.
[…]
III – 1.5 H...
[…]
III – 1.6 I...
[…]
III – 1.7 K... LDA
[…]
III – 1.8 O... LDA
[…]
III – 1.9 Q... LDA
[…]
III – 1.10 T...
[…]
III – 1.11 V... LDA
[…]
III – 1.12 Z... Lda
[…]
III – 1.13 CC…– UNIPESSOAL LDA
[…]
III – 1.15. CONCLUSÕES
[…]
104. Pelo exposto anteriormente, tendo sido colocada em causa a presunção da veracidade declarativa caberia ao sujeito passivo o ónus da prova de que os encargos contabilizados corresponderiam inequivocamente a serviços prestados ao A... SAD e, caso fosse provada a sua existência, que corresponderiam a encargos incorridos no interesse da A... SAD para a obtenção dos seus rendimentos.
105. Donde, o sujeito passivo deveria poder, antes de mais, comprovar que os gastos contabilizados correspondiam a serviços efetivamente prestados ao A... SAD e, para o efeito, exibir documentos probatórios das negociações, relatórios preparados, faxes, correspondência trocada, reuniões agendadas com os intermediários, pois, não existem provas de que foi prestado um serviço ao A... SAD.
106. Mesmo depois de notificado para o efeito, o SP não juntou qualquer evidência justificativa dos serviços efetivamente prestados.
107. Nos casos identificados e referidos anteriormente, pela consulta aos sítios Internet dos agentes, pudemos verificar que estes eram empresários dos jogadores, contrariando as formas assumidas nos contratos apresentados, pelo que de acordo com o referido anteriormente […], o IVA constante das faturas não é dedutível, uma vez que os serviços são efetuados aos jogadores e não à SAD.
108. Assim, por não existir evidência dos serviços efetivamente prestados pelos empresários desportivos (na esfera das empresas identificadas anteriormente), nos termos de um contrato de representação, o IVA suportado na aquisição dos serviços não é dedutível nos termos do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e do artigo 20.º do CIVA, pelo que será de subtrair ao declarado nas declarações periódicas de IVA indicadas no quadro 1 os valores nele discriminados nos respetivos campos.
[…]
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
[…]
IX – 2. Audição Prévia
119. Em 26 de setembro de 2019 foi recebido nesta Direção de Finanças, enviado pelo SP, em resposta aos nossos ofícios n.º ... e ..., um requerimento (ao qual coube a entrada n.º 2019... de 2019-09-27 na Direção de Finanças de...), através do qual o SP vem exercer o direito de audição (Anexo III – Folhas 5 a 12).
120. No exercício do direito de audição, quanto às correções propostas no ponto III do projeto de relatório o SP afirma:
120.1.1. «considera a AT que o A... deveria comprovar que os gastos contabilizados correspondem a serviços efetivamente prestados».
120.1.1.1. Tal como se conclui no ponto III – 1.15 do relatório de inspeção.
120.1.2. «Olvidando-se, porém, a AT que, para tanto, a fim de inverter o ónus da prova, incumbe-lhe colocar em causa a presunção de veracidade de que beneficiam as declarações dos contribuintes, o que manifestamente não logrou fazer.»
120.1.2.1. A inversão do ónus da prova referida no ponto 49 e 50, sendo exigido ao SP a evidência dos serviços relativos aos gastos incorridos e do IVA suportado. Podemos afirmar que a prova não foi conseguida.
120.1.3. «In casu, a AT nenhum facto alegou ou prova aditou que seja suscetível de desmentir ou colocar em causa a veracidade das declarações do A... SAD, tendo a AT se limitado a levantar suspeições com base em meras intuições ou crenças e sem qualquer razão de ciência fáctica devidamente especificada e fundamentada.»
120.1.4. «A verdade é que, como se verá, os gastos contabilizados correspondem a serviços efetivamente prestados e integram a concreta atividade desenvolvida do A... SAD.»
120.2. «Nos negócios estabelecidos na atividade desportiva de contratação/revogação de contrato/transferência/empréstimo podem ser concretizados sob variadíssimas formas e podem, por isso, formalizados sob variadíssimos tipos contratos».
120.3. «É prática, mais do que generalizada, é que as negociações sejam encetadas com a intervenção de um agente que representa os interesses da SAD e contra esse facto inequívoco inexistem quaisquer argumentos que permitam concluir que o A... não é coadjuvado nas suas negociações».
120.3.1.1. As alegações do SP não estão de acordo com os factos referidos no relatório, mais concretamente no ponto III-1.3 e III-1.4. O SP não traz elementos e/ou documentos que provem as suas afirmações. A sua observação crítica do relatório não é materializada em evidências, refletindo apenas generalidades não demonstradas.
120.4. O SP refere que «O A... SAD tem por objeto a participação nas competições desportivas profissionais de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol».
120.5. Assim, «é pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da atividade dos contribuintes», pelo que «in casu, os serviços prestados pelos fornecedores mencionados no Projeto de RIT estão intrínseca e diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pelo A... SAD e, aliás.com concretas operações que foram identificadas pela AT, designadamente transferência/contratação de jogadores»
120.6. «E, por isso, as faturas emitidas dizem respeito a operações reais, facto que não foi indiciariamente abalado pela AT (que não aditou um único facto ou prova ao seu Projeto de RIT)!!!».
120.6.1. O SP volta a não apresentar provas clarificadoras dos serviços realizados ao A..., quem e quando foram efetuados os serviços que constam das faturas.
120.7. «Para que dúvidas não existissem quanto à materialidade das operações o A... SAD juntou ao procedimento prova documental bastante de suporte das faturas emitidas». «Tendo dado a conhecer à AT os contratos e prestação de serviços relativos às faturas».
120.8. «Desses documentos extraem-se todas as informações colocadas em causa pela DIREÇÃO DE FINANÇAS, a saber:
120.8.1. comprovação da prestação de serviços,
120.8.2. justificação do motivo e fundamento dos serviços, e a
120.8.3. descrição da natureza do serviço».
120.8.3.1. Notificado para apresentar evidências das operações, tal como referido anteriormente no ponto III-1.4, o SP não apresentou provas dos serviços efetivamente prestados.
120.8.4. O SP volta a não carrear para o processo qualquer evidência dos serviços efetivamente realizados ao A... SAD. Verificamos que não existem atas de reuniões, troca de correspondência entre intervenientes e evidência da negociação de propostas.
120.8.5. Desta forma, mantemos as correções propostas.
120.9. Quanto à questão DA PROVA invocada pelo SP em sede de audição, «para prova dos factos alegados e, bem assim, da veracidade das operações vertidas nas faturas supramencionadas, requer-se a inquirição das seguintes testemunhas: a) D... b) G...».
120.9.1. «Todos as negociações relacionadas com os serviços prestados, reflectidos nas sobreditas facturas, foram realizadas pelo, na altura Vice Presidente da SAD, D...», «pessoa que tem conhecimento directo de todas as negociações encetadas entre jogadores, clubes e agentes/mediadores e dos serviços que foram prestados caso a caso». «Da inquirição desta testemunha concatenada com os documentos juntos ao procedimento, resultará a explicação cabal da forma como cada um dos contratos foi negociada e concretizada».
120.9.2. «Acresce que, conforme já se informou anteriormente, nos dias de hoje é inconcebível que a contratação/revogação de contrato/transferência/empréstimo de qualquer jogador ou equipa técnica seja realizada sem a intervenção de um agente que represente os interesses da SAD».
120.9.3. «Os agentes/intermediários têm intervenção direta em toda a negociação encetada entre o jogador e o A... SAD ou entre outro clube e o A... SAD». «A prova documental desta prestação de serviços consubstancia-se no contrato celebrado e na fatura emitida, pois, como está bom de ver, nesta atividade é prática generalizada encetar as negociações presencialmente ou via telefónica.
120.9.4. «Por razões de sigilo e para evitar fugas de informação inexiste troca de comunicações escritas entre as partes, tanto mais que, como se disse, não é sequer pratica que as negociações sejam encetadas dessa forma».
120.10. Sobre as afirmações efetuadas pelo SP, estas já objeto de análise em III – 1.4, mais precisamente nos pontos 59.5 a 59.7, mas temos de salientar que o SP volta a não carrear para o processo qualquer evidência em sede de audição, apresentando prova inequívoca das diligências efetuadas pelos seus representantes nas negociações com os intermediários, como afirma, mas sem ter prova das mesmas.
120.11. Assim, não foram acrescidos factos ou elementos ao teor do documento em que o SP exerceu o direito de audição no âmbito do presente procedimento.
120.12. Pelo exposto, mantemos todas as correções propostas. […]”
HHHH. A Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA feitas com base nas correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária nos procedimentos inspetivos supra descritos:
a) Liquidação n.º ..., de 13 de setembro de 2019, no valor de € 94.760,00 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 3 junto pela Requerente;
b) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 1.725,00 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 5 junto pela Requerente;
c) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 45.233,33 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 6 junto pela Requerente;
d) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 131.502,50 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 7 junto pela Requerente;
e) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 5.865,00 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 8 junto pela Requerente;
f) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 3.795,00 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 9 junto pela Requerente;
g) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 8.395,00 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 10 junto pela Requerente;
h) Liquidação n.º..., de 14 de outubro de 2019, no valor de € 2.070,00 (ponto 3. “valor da correção”), notificada pelo Ofício n.º..., da Diretora-Geral da AT – cf. Documento 11 junto pela Requerente.
IIII. Todas as liquidações adicionais de IVA contêm a seguinte menção: “Da liquidação efetuada poderá deduzir, no prazo de 120 dias, reclamação graciosa a apresentar no competente Serviço de Finanças ou no prazo de três meses, impugnação judicial a apresentar nos competentes Tribunal Tributário ou Serviço de Finanças, nos termos dos artigos 70.º e 102.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).” – cf. Documentos 3, 5 e 6 a 11 juntos pela Requerente.
JJJJ. O IVA liquidado adicionalmente nas importâncias acima identificadas, perfazendo o total de € 293.345,83, foi objeto de compensação, diminuindo o valor do crédito de IVA declarado pela Requerente e originado a correspondente redução das importâncias reembolsadas à Requerente:
- O reembolso relativo à declaração de fevereiro de 2019 foi deferido somente no valor de € 33.915,97 (a Requerente tinha declarado e solicitado o crédito de € 128.675,97, resultando a diferença da correção de € 94.760,00 no âmbito do RIT fevereiro 2019) – cf. Documento 4 (demonstração de liquidação) junto pela Requerente;
- O reembolso relativo à declaração de maio de 2019 foi apenas deferido no valor de € 206.727,67 (a Requerente tinha declarado e solicitado o crédito de € 405.313,50, resultando a diferença da correção de € 198.585,83 no âmbito do RIT 2018) – cf. Documento 12 junto pela Requerente.
KKKK. As demonstrações de liquidação de IVA emitidas pela AT contêm a seguinte menção: “Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artºs 70º e 102º do CPPT.” – cf. Documentos 4 e 11 juntos pela Requerente.
LLLL. Inconformada com as liquidações de IVA de que foi alvo, a Requerente apresentou no CAAD, em 16 de dezembro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que G..., jurista da Requerente, que à data dos factos elaborava os contratos celebrados por aquela, tivesse conhecimento direto de e sobre todas as negociações entre jogadores, clubes e agentes mediadores (artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
Não se provou ser inconcebível que a contratação/revogação de contrato/transferência/empréstimo de qualquer jogador ou equipa técnica seja realizada sem a intervenção de um agente que represente os interesses da sociedade desportiva (artigos 16.º e 114.º do ppa), ou que os agentes/intermediários tenham intervenção direta em toda a negociação encetada entre o jogador e a Requerente ou entre esta e outro clube (artigo 116.º do ppa). Desde logo, nos próprios autos existem contratos sem intervenção de intermediário (P...).
Não se provou a forma como eram encetados os contactos e negociações com os agentes ou intermediários desportivos, jogadores e clubes, de origem ou destino (artigos 20.º, 117.º e 118.º do ppa), apenas que esses contactos e negociações eram centralizados na pessoa do vice-presidente, D... . Também não se provou que grande parte das contratações de jogadores eram propostas pelos próprios agentes e intermediários (artigo 127.º do ppa).
Apesar de alguns jogadores terem associação com entidades que intermediaram os contratos celebrados pela Requerente, não se provou que especificamente nesses contratos as entidades intermediárias estivessem, simultaneamente, a representar / agenciar os jogadores e a Requerente, conforme alegado pela Requerida.
Não se provou que os relatórios detalhados dos jogadores tenham sido elaborados pela H..., LDA. e transmitidos na altura vice-presidente em reuniões e almoços e que inúmeros jogadores indicados por aquela entidade tenham celebrado contrato de trabalho com a Requerente (artigos 193.º, 194.º e 203.º do ppa). Ou ainda, que no âmbito destes serviços de consultoria/scouting fosse prática encetar negociações presencialmente ou por via telefónica. De notar, aliás, que estas alegações factuais relativas a “negociações” (artigos 198.º a 201.º do ppa) nem fazem sentido no caso dos serviços de consultoria, pois nestes não está em causa uma atividade de intermediação na contratação ou transferência de jogadores.
De igual modo, não se provou que a H..., LDA. e a CC..., UNIPESSOAL, LDA. tenham prestado os serviços de consultoria desportiva faturados à Requerente (artigos 204.º a 209.º e 287.º e 293.º do ppa, respetivamente).
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
A prova testemunhal produzida, suportada nos depoimentos de E..., administrador financeiro da Requerente à data dos factos (deixou de ser administrador em julho de 2019), e de G..., assessor jurídico do conselho de administração e da direção do clube desde dezembro de 2014 (tendo cessado essas funções em dezembro de 2019), que aparentaram depor com isenção, não se revelou, porém, determinante para a fixação dos factos essenciais, corroborando somente o que já resultava da prova documental, assente nos contratos celebrados pela Requerente e nas faturas dos agentes/intermediários e prestadores de serviços de consultoria desportiva.
Constatou-se que as testemunhas não participaram ou tiveram conhecimento direto das negociações que foram desenvolvidas para a contratação ou transferência, definitiva ou temporária, dos jogadores de ou para a Requerente, nem participavam nas atividades de planeamento desportivo e scouting, apenas intervindo na esfera financeira (primeira testemunha) ou na elaboração dos contratos de acordo com as indicações pré-dadas (segunda testemunha), embora conhecessem de forma genérica a atividade da Requerente e fossem unânimes em indicar o então vice-presidente como a pessoa que realizava essas negociações que, contudo, a Requerente não arrolou como testemunha. A segunda testemunha afirmou mesmo que muitas vezes sabia da realização dos negócios através dos meios de comunicação social.
IV. DO DIREITO
1. QUESTÕES A DECIDIR
A Requerente imputa diversos vícios, formais e substantivos, aos atos de liquidação de IVA objeto da presente ação.
Considerando a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença e a ordem dos vícios indicada pela Requerente, importa apreciar, em primeiro lugar, o invocado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo depois apreciados, na medida em que o seu conhecimento não resulte prejudicado, o vício relativo à insuficiência instrutória do procedimento e o vício formal de fundamentação (artigo 124.º do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
No que se refere aos vícios de índole material, a principal questão que se coloca é a de aquilatar se foram prestados à Requerente os serviços de intermediação e consultoria desportiva subjacentes atos tributários impugnados e se o foram no seu próprio interesse (e não no dos jogadores objeto de intermediação), para o que importará ter em conta o regime de repartição do ónus probatório, previsto nos artigos 74.º e 75.º da LGT, e a disciplina constante dos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, ambos do Código do IVA.
2. VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Está subjacente aos atos tributários de liquidação de IVA aqui em discussão o afastamento da presunção de veracidade declarativa estatuída no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, em relação aos serviços de intermediação e de consultoria desportiva que a Requerente declarou ter adquirido a agentes e empresários desportivos.
No decurso dos procedimentos inspetivos realizados, a Requerida entendeu que a Requerente não satisfez os pedidos de esclarecimentos solicitados sobre essas operações [aquisição de serviços de intermediação e consultoria desportiva] e não os comprovou. Refere, para tanto, a ausência de quaisquer elementos documentais adicionais às faturas e contratos exibidos – tais como relatórios, faxes, ou trocas de correspondência –, pondo em crise a efetiva realização dos serviços.
Considera ainda a Requerida que, nos casos em que ocorreu “dupla representação”, os serviços foram prestados aos jogadores e não à Requerente, em virtude de os intermediários, por serem empresários dos jogadores, representarem os interesses destes e, de acordo com a legislação aplicável, apenas poderem agir em nome e por conta de uma das partes (o jogador ou o clube).
Conclui que, afastada a referida presunção de veracidade, cabia à Requerente, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, comprovar que adquiriu ou consumiu os serviços declarados, ou que os mesmos foram incorridos na prossecução da sua atividade e no seu interesse, o que, na sua perspetiva [da Requerida] aquela [Requerente] não logrou alcançar, falhando, assim, a necessária conexão com as operações tributáveis da Requerente, para que o IVA incorrido naqueles serviços pudesse ser deduzido, em conformidade com os requisitos estabelecidos nos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º do Código do IVA.
2.1. O DIREITO À DEDUÇÃO COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE DO SISTEMA COMUM DO IVA
A fonte originária do regime comum do IVA é o direito europeu vertido na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 , doravante designada por Diretiva IVA, produto do processo de harmonização de legislações previsto no artigo 113.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
A aplicabilidade do direito europeu está consagrada no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, pelo que a legislação nacional deve observar o paradigma da Diretiva, atendendo à interpretação da mesma pelo Tribunal de Justiça, a quem se deve o desenvolvimento jurisprudencial do princípio do primado, segundo o qual, nas relações entre o direito europeu e as legislações nacionais, aquele deve prevalecer sobre o direito nacional conflituante.
O princípio do sistema comum do IVA “consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.” O imposto exigível aos operadores económicos - sujeitos passivos do IVA – é determinado através do designado método indireto subtrativo: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
No tocante à dedução, esta é regida pelos artigos 167.º a 172.º da Diretiva IVA, transpostos pelos artigos 19.º a 22.º do Código do IVA, e constitui o elemento estruturante fundamental que assegura a neutralidade deste imposto.
Como, de forma reiterada, tem declarado o Tribunal de Justiça, “o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA”. O direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado” .
Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA, o sujeito passivo tem o direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes de imposto suportados na aquisição de bens e serviços, desde que uns e outros sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.
Este preceito foi acolhido nos Código do IVA, cujos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1 consagram que “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, [o] imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos” (artigo 19.º, n.º 1, alínea a)), conquanto esses bens e serviços se destinem / sejam afetos à realização de operações de “[t]ransmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas” (ou à realização das operações equiparadas constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º daquele Código).
Daqui flui que o direito à dedução pressupõe uma relação direta entre as aquisições de bens e serviços (inputs) e as operações realizadas pelo sujeito passivo (outputs) com direito a dedução. Como declarou o Tribunal de Justiça “Para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito, é, em princípio, necessária a existência de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução. Com efeito, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução.”
No entanto, segundo declara o mesmo Tribunal é também admitido “um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das despesas gerais deste último e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo. Tais custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.”
Acresce salientar, com relevo para a matéria em apreciação nos presentes autos, que o exercício do direito à dedução do IVA requer que as operações constantes das faturas das aquisições de bens e serviços se tenham efetivamente realizado nas condições nelas espelhadas, pois o IVA relativo a operações cuja realização não se demonstrou é indedutível, de acordo com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA e o artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA.
Efetivamente, os sujeitos passivos só podem deduzir o IVA nos bens e serviços utilizados para as necessidades das suas operações tributadas. Assim o confirma, de igual modo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual quando não se demonstre que uma operação de aquisição de um bem ou de um serviço foi realizada, ou que o foi sem conexão com as operações tributadas, o direito à dedução não se pode constituir .
Preconiza, a este respeito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2019, EN.SA, processo C-712/17, o seguinte:
“23. Com efeito, resulta deste artigo [168.º] que o sujeito passivo pode deduzir o IVA que onera os bens e os serviços que utiliza para as necessidades das suas operações tributadas. Noutros termos, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.º 36).
24. Ora, quando uma operação de aquisição de um bem ou de um serviço é fictícia, não pode ter qualquer elemento de conexão com as operações do sujeito passivo tributadas a jusante. Consequentemente, quando a realização efetiva da entrega de bens ou da prestação de serviços não existe, nenhum direito de dedução se pode constituir (Acórdão de 27 de junho de 2018, SGI e Valériane, C-459/17 e C-460/17, EU:C:2018:501, n.º 36).
25. Por conseguinte, é inerente ao mecanismo do IVA que uma operação fictícia não possa dar direito a nenhuma dedução deste imposto.”
Como assinalado no ponto 21 do despacho proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C-572/11, de 4 de julho de 2013, Menidzherski, cabe aos órgãos nacionais aferir o pressuposto de que as operações não se verificaram, concluindo-se que “para recusar ao sujeito passivo destinatário de uma fatura o direito de deduzir o IVA mencionado nessa fatura, é suficiente que a Administração demonstre que as operações a que essa fatura diz respeito não foram efetivamente realizadas” (ponto 47, do processo SGI, C-459/17).
Na verdade, a não dedução do IVA em operações simuladas ou fictícias constitui uma decorrência do princípio da neutralidade do IVA e não representa uma limitação ao mesmo, cabendo aos órgãos jurisdicionais nacionais a determinação do caráter fictício dessas operações, à face da prova produzida e, sendo o caso, da aplicação das regras de distribuição do ónus probatório .
2.2. SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO FATURADOS EM CONFORMIDADE COM OS CONTRATOS
Voltando ao caso concreto, ficou demonstrado nos autos que os serviços de intermediação faturados pelos prestadores (agentes e empresários desportivos) I..., LDA., K..., LDA. (em relação a L...), Q..., LDA., T..., Z..., DD... e GG..., S.A. foram formalizados por contrato escrito que identificam o jogador em causa e descrevem, com clareza, o objetivo da intermediação, a saber:
i) A renovação do contrato de trabalho do jogador e a inclusão ou incremento de uma cláusula de rescisão a favor da Requerente (casos de J... e FF..., intermediados pela I..., LDA. e pela DD..., respetivamente);
ii) A contratação do jogador (casos de S... e U..., intermediados pela Q..., LDA. e por T..., respetivamente);
iii) A transferência temporária (“empréstimo”) ou definitiva do jogador com contrato com a Requerente para outro clube (casos de L..., AA... e EE..., intermediados pela K..., LDA., Z... e DD..., respetivamente);
iv) A alienação do direito a receber uma percentagem da mais-valia líquida da transferência do jogador, tendo em vista a antecipação de liquidez (caso de II..., intermediado pela GG..., S.A.).
Os contratos em apreço foram celebrados por um período de vigência limitada e preveem expressamente que a obrigação de pagamento de uma comissão por parte da Requerente apenas nasce se, e só se, for concretizado o negócio/contrato que constitui objeto dos serviços de intermediação e dentro dos parâmetros, nomeadamente de valor, predefinidos no contrato de intermediação.
Ou seja, os contratos de intermediação visam unicamente um resultado específico que constitui condição sine qua non do nascimento da obrigação prestativa na esfera da Requerente, que só fica onerada e vinculada à remuneração dos prestadores/intermediários se estes alcançarem o objetivo a que se propuseram, nos exatos termos do contrato. Estes contratos de intermediação não fazem qualquer alusão à emissão de relatórios por parte dos intermediários desportivos.
Convém salientar que todas as operações – de contratação, transferência e empréstimo dos atletas – que os supra mencionados contratos de intermediação visavam foram, igualmente, reduzidas a contrato escrito quando concretizadas. Trata-se de operações veiculadas pelos meios de comunicação social e do conhecimento público. Os jogadores que as corporizaram têm existência real e jogaram no Clube da Requerente. Por outro lado, as faturas dos serviços de intermediação cujo IVA foi corrigido correspondem às condições contratualizadas e foram emitidas, conforme previsto, em momento posterior ao das contratações e das transferências dos jogadores.
Dada a atividade prosseguida pela Requerente, cujo objeto consiste na participação em competições desportivas profissionais de futebol e na organização de espetáculos desportivos, é inequívoco que as operações de contratação e transferência de jogadores se inserem no escopo da atividade e são inerentes ao normal desenvolvimento desta.
De igual modo, o recurso a intermediários para essas contratações e transferências, aqui em discussão, em particular quando se trate de jogadores estrangeiros (mas não só), afigura-se decorrente de uma normal decisão de gestão que não cabe nas atribuições e competências da AT avaliar.
Como acima assinalado, os serviços de intermediação desportiva vertentes não consubstanciaram uma obrigação de meios e de atividades. Dirigiram-se diretamente ao resultado final almejado: a contratação ou a transferência de jogadores.
Neste contexto, a conclusão, pela Requerida, de que a ausência de relatórios escritos, faxes ou correspondência revela (ou melhor dito, indicia) a não realização dos serviços não é de acompanhar. Desde logo, pelas evidências contundentes de que tais operações são efetivas, resultantes dos contratos celebrados (referimo-nos não só aos contratos de intermediação, mas, em especial, aos subsequentes contratos de trabalho ou de transferência que constituíam o objeto da intermediação), aliados à existência dos atletas concretos que jogaram sob a camisola da Requerente e que, à data dos factos, passaram a integrar o plantel ou foram transferidos. As circunstâncias descritas são usualmente enquadráveis na atividade de uma sociedade desportiva e não revestem caráter anormal ou de excecionalidade.
Adicionalmente, estando em causa serviços que só geram obrigações para o adquirente se for alcançado um determinado resultado, a elaboração de um relatório com a descrição das atividades desenvolvidas não se afigura curial. Nestas situações, é manifesto que o prestador tem de empenhar-se em realizar todas as ações que lhe permitam alcançar o resultado visado pelo contrato, pois sem ele não receberá qualquer remuneração. Remuneração que não está subordinada ao número de horas despendidas, ou tarefas empreendidas ou especificidades técnicas, eventualmente descritas/justificadas num relatório, mas sim, à materialização da finalidade negocial do contrato.
Nestes termos, a ausência de relatórios de “intermediação” não constitui fator de estranheza, não estando sequer prevista a sua elaboração e emissão nos contratos de intermediação celebrados.
Mais, provavelmente, em inúmeros casos, o intermediário nem sequer estaria(á) disposto a revelar em “relatórios” tais tarefas e ações, o que é compreensível, por forma a proteger e salvaguardar dados sensíveis (interlocutores chave, contactos realizados, canais de comunicação, entre outros) que constituem o know-how do seu negócio, que não quererá partilhar com o seu cliente e com terceiros.
No tocante à possibilidade de dupla representação, derivada de alguns dos prestadores agenciarem/representarem em simultâneo os atletas , a mesma não ficou demonstrada em relação aos contratos de intermediação analisados.
Porém, obiter dictum, sempre se dirá que ainda que se verificasse uma dupla representação da mesma não se retiraria ipso facto que os serviços de intermediação prestados não o fossem também em benefício e no interesse da Requerente e da sua atividade: o interesse em contratar ou em transferir o atleta em causa. Não existe uma relação inevitável (necessária) ou provável (contingente) de exclusão mútua no caso de dupla representação. A intermediação não é, por natureza, um recurso que não possa ser partilhado .
Os critérios substantivos que regem o direito à dedução do IVA são essencialmente dois. Por um lado, as prestações de serviços adquiridas devem ser efetivas, i.e., não podemos estar perante operações inexistentes/simuladas. Por outro lado, deve existir uma conexão direta entre os serviços adquiridos e a atividade [tributável] desenvolvida. Critérios que as operações acima identificadas satisfazem , pois a Requerente adquiriu aqueles serviços (de intermediação), porque era no seu interesse proceder à contratação de um determinado jogador ou à sua transferência.
É, de igual modo, irrelevante para a questão em discussão, relativa ao exercício do direito à dedução do IVA, a circunstância de a sociedade Q..., LDA., que interveio na contratação do jogador S..., ser detida, em 80%, pela mulher do jogador, ou de ter sido celebrado um contrato de promoção e desenvolvimento entre aquela sociedade e o jogador. A existência de relações especiais entre o jogador a sua mulher e a sociedade não reveste consequências para efeitos de IVA , nem está em causa a aplicação da cláusula geral anti abuso , que não foi invocada pela AT como fundamento das correções de IVA que constituem o objeto desta ação.
No tocante à argumentação da Requerente sobre os requisitos formais das faturas e a sua subalternidade aos requisitos materiais ou substantivos, afigura-se ser a mesma inaplicável à situação sub iudice, uma vez que as liquidações emitidas pela AT não se estribaram no incumprimento da forma legal das faturas.
Em síntese, a verificação dos requisitos materiais ou substantivos, que se reconduzem à conexão entre os bens e serviços adquiridos (inputs) efetivamente adquiridos e as operações tributáveis de transmissões de bens ou prestações de serviços (outputs) realizadas, constitui condição necessária e suficiente para fundar o exercício do direito à dedução do IVA, nos termos do disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA e nos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1 do Código deste imposto.
No caso concreto, a Requerente comprovou a efetividade dos serviços de intermediação adquiridos e a respetiva conexão com a atividade desportiva exercida de acordo com o seu objeto social, pelo que lhe assiste o direito à dedução do correspondente IVA, devendo as liquidações adicionais deste imposto ser, nessa medida, anuladas por violação das normas supra citadas.
2.3. SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DESPROVIDOS DE BASE CONTRATUAL VÁLIDA
Ao contrário do que se verificou nos serviços incluídos no ponto 2.2 que antecede, outros serviços de intermediação faturados à Requerente, cuja dedução do IVA foi corrigida pela AT, não têm suporte efetivo, em linha com a fundamentação dos Relatórios de Inspeção Tributária. São três as situações concretas em que, questionada para esclarecer os ditos serviços, a Requerente não logrou justificá-los. Vejamos.
a) Intermediação pela K..., LDA. – contratação do jogador N...
Em 13 de junho de 2018, foi celebrado um contrato de intermediação com a Requerente, tendo em vista a contratação do jogador referenciado, para a época desportiva 2018/2019, cuja contrapartida (a pagar pela Requerente) apenas seria devida com a contratação do jogador. Esse contrato terminou em 29 de junho de 2018, não constando dos autos qualquer contratação do jogador até essa data.
No ano seguinte, em 7 de janeiro de 2019, a K..., LDA. faturou € 20.000,00, acrescidos de € 4.600,00 de IVA à Requerente, a título de comissão do serviço de intermediação da transferência do jogador conforme alínea 1 da cláusula quarta do contrato de intermediação datado de 13 de junho de 2018. Porém, não só esse contrato (acima referido) estava caducado há mais de seis meses, como não foi feita prova do pressuposto dessa comissão à luz do estipulado no mesmo: a contratação do jogador até 29 de junho de 2018.
De acordo com os factos adquiridos nos autos, foi celebrado entre a Requerente e aquele jogador um contrato de trabalho a termo mais tarde, em 15 de julho de 2019, por cinco épocas desportivas, a iniciar-se em 2019/2020. Porém, a Requerente não demonstrou a vigência de qualquer contrato de intermediação relativo a essa contratação, que não se pode enquadrar no contrato celebrado no ano anterior, destinado à época desportiva 2018/2019 e há muito expirado.
Os factos apontados são suscetíveis de pôr em causa a efetividade dos serviços de intermediação faturados à Requerente, porquanto a fatura cujo IVA foi desconsiderado refere uma comissão que não era devida à luz do contrato de intermediação celebrado e invocado na própria fatura. A Requerente não conseguiu justificar os pressupostos dessa operação, nem o facto de pagar uma comissão mais de seis meses antes da contratação do atleta, quando o contrato de intermediação em causa, se estivesse em vigor, que não estava, previa que a comissão somente seria devida quando se concretizasse a contratação do jogador (v. artigos 75.º, n.º 1, alínea a) e 74.º, n.º 1 da LGT).
À face do exposto, o contribuinte não cumpriu os deveres que lhe cabiam de esclarecimento da sua situação tributária, tendo a Requerida demonstrado os pressupostos legitimadores da sua atuação, como postula a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nos acórdãos de 24 de abril de 2002, processo n.º 102/02, de 23 de outubro de 2002, processo n.º 1152/02, e de 27 de outubro de 2004, processo n.º 810/04 (v. também o acórdão do TCA Sul, de 1 de dezembro de 2017, processo n.º 06686/13). A liquidação não enferma, nesta matéria, do vício substantivo apreciado, devendo manter-se.
b) Intermediação pela O..., UNIPESSOAL, LDA. – contratação do jogador P...
A Requerente suportou uma compensação pela assinatura do contrato profissional deste jogador, no valor de € 2.500,00, acrescida de IVA de € 575,00, em conformidade com a fatura emitida em 27 de julho de 2018. Porém, o jogador em causa só assinou o contrato de trabalho no ano seguinte, em 10 de janeiro de 2019, e o contrato contém uma cláusula que atesta expressamente que o mesmo foi “celebrado sem a intervenção de Intermediário”.
Nestes termos, com base nas condições contratuais acordadas, a comissão que foi paga pela Requerente não era devida, não tendo esta conseguido apresentar justificação atendível para a mesma.
A atuação da AT não padece do vício invalidante suscitado pela Requerente, pois demonstrou os factos constitutivos do direito à liquidação por dedução indevida – a aceitação de uma fatura por serviços de intermediação que não foram prestados de acordo com o estipulado no contrato celebrado entre a própria Requerente com o jogador – não tendo a Requerente feito a contraprova que lhe competia.
c) Intermediação pela V..., LDA. (Y...) – Revogação do contrato de trabalho do jogador W...
A Requerente foi faturada, em 10 de outubro de 2018, por serviços de intermediação prestados “conforme consta no ponto 6. Clausula Primeira, do Acordo celebrado em 19-05-2014”, no valor de € 3.750,00, acrescido de IVA de € 862,50. O referido acordo respeita à “Revogação de Contrato de Trabalho a Termo Certo” outorgada, em 19 de maio de 2014, pela Requerente e pelo jogador.
Porém, a cláusula primeira desse acordo de revogação de contrato de trabalho não contém qualquer ponto 6, nem está prevista nesse contrato a prestação de serviços de intermediação ou o pagamento de uma comissão. Por outro lado, para além da inexistência de qualquer base contratual escrita, não é usual e suscita estranheza que os serviços alegadamente prestados em maio de 2014 venham a ser debitados depois de decorridos 4 anos e 5 meses. Circunstâncias que se consubstanciam factos-índice passíveis de inverter o ónus da prova, atento o disposto no artigo 75.º da LGT.
A Requerente não logrou fornecer uma explicação justificativa dos alegados serviços de intermediação, ónus que, à semelhança do que foi dito para as situações precedentes, sobre si impendia, não sofrendo as liquidações adicionais impugnadas do vício material de erro nos pressupostos quanto a este segmento.
2.4. SERVIÇOS DE CONSULTORIA DESPORTIVA
A Requerente foi faturada por serviços de consultoria desportiva (“scouting”) e prospeção de jogadores por duas sociedades, a H..., LDA. e a CC... UNIPESSOAL, LDA..
Em relação à primeira, a Requerente exibiu o contrato de prestação de serviços celebrado com esta sociedade, sendo que, em relação à segunda, não existe qualquer evidência de base contratual.
O contrato celebrado com a H... LDA. estipula de forma expressa que serão elaborados “relatórios detalhados de jogadores sobre as suas capacidades físicas, técnicas e táticas com vista a uma eventual contratação” e que todas as comunicações a realizar nos termos do contrato “serão feitas por escrito”. Solicitados esclarecimentos sobre os mencionados serviços, a Requerente limitou-se a fazer referência a relatórios verbais, que, porém, não ficaram demonstrados nos autos.
Interessa salientar que a natureza dos serviços alegadamente prestados, de consultoria, é distinta da dos serviços de intermediação (na contratação ou transferência de um jogador específico) em que o serviço adquirido se concentra e esgota no objetivo final (contratação ou transferência), independentemente do processo levado a efeito pelo prestador com vista à sua finalização. Diferentemente, nos serviços de consultoria de observação e identificação de talentos desportivos, é desenvolvida uma atividade em si mesma remunerada, sem dependência do resultado final de contratação do(s) jogador(es) identificado(s). Tal prestação de serviços, de acordo com a regulação contratual, devia constar de relatórios escritos, que, porém, não foram exibidos pela Requerente, como também não foi por esta alegada factualidade demonstrativa dos serviços concretos prestados.
A inexistência de relatórios escritos, em violação das obrigações assumidas no contrato pelo prestador e patenteadora de uma situação de incumprimento desse mesmo contrato, aliada ao não esclarecimento dos serviços concretos que foram prestados à Requerente constituem indícios passíveis de abalar a presunção de veracidade prevista no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, nos termos do n.º 2, alínea b) deste preceito. Cabia, assim, à Requerente o ónus de evidenciar os serviços específicos que lhe foram prestados. Porém não o fez, pelo que andou bem a Requerida ao corrigir a correspondente dedução do IVA, no valor de € 10.350,00 (calculado sobre a base tributável de € 45.000,00).
Em relação aos serviços de consultoria desportiva faturados pela CC... UNIPESSOAL, LDA. inexiste qualquer suporte contratual escrito. A Requerente, solicitada a prestar esclarecimentos e a comprovar as operações, não apresentou qualquer meio de prova – documental, testemunhal ou outro – que permitisse concluir pela prestação efetiva e concreta desses serviços. Deste modo, não cumpriu os deveres de esclarecimento contemplados no artigo 75.º, n.º 2, alínea b) da LGT, nem o ónus probandi daí derivado, nada havendo a censurar à correção do IVA deduzido, no valor de € 1.725,00 (calculado sobre a base tributável de € 7.500,00).
O entendimento perfilhado é consentâneo com a interpretação constante do Tribunal de Justiça acima mencionada no sentido de que uma fatura emitida que não assente numa operação com adesão à realidade (o que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar), não pode “dar direito a nenhuma dedução deste imposto” .
3. DO ALEGADO DÉFICIT INSTRUTÓRIO DO PROCEDIMENTO INSPETIVO
Segundo a Requerente, o procedimento inspetivo que conduziu às liquidações de IVA impugnadas enferma de invalidade por não ter sido admitida, pela Requerida, no direito de audição, a inquirição de testemunhas imprescindíveis para a descoberta da verdade material. Especificamente, a Requerente designa a testemunha D..., vice-presidente à data dos factos, como a pessoa que direta e pessoalmente intervinha “nesses negócios” e cuja audição seria fundamental para o apuramento dos factos.
Sucede que, como se pode constatar da fundamentação contida nos Relatórios de Inspeção Tributária, o vice-presidente D... já tinha sido contactado pessoalmente no decurso do procedimento inspetivo sobre a matéria em discussão, tendo a AT considerado que essa diligência se encontrava esgotada, por já ter sido efetuada e não terem sido apresentados novos elementos que justificassem a renovação da audição.
Em relação à outra testemunha indicada, G..., considerou a AT que sendo um prestador de serviços jurídicos, o mesmo não vinculava o sujeito passivo, para além de que, não tendo sido carreados factos novos, as suas declarações se limitariam a corroborar a tese da Requerente.
Importa referir que a decisão sobre a audição de testemunhas na fase procedimental cabe, naturalmente, ao órgão administrativo com competência para o efeito, que terá de ajuizar sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, poder que comporta alguma margem de discricionariedade, sem prejuízo do seu balizamento pelos princípios gerais que regem a atividade administrativa (v. artigos 55.º da LGT, 3.º a 12.º do CPA e 266.º da CRP).
Assim, tal decisão é apenas suscetível de controlo jurisprudencial negativo, não podendo o Tribunal substituir-se à Requerida para julgar da racionalidade das valorações efetuadas a não ser através de um juízo negativo de proporcionalidade. Na situação sub iudice, a Requerida fundamentou de forma adequada a posição que adotou e as razões invocadas para decidir como decidiu.
Neste contexto, afigura-se razoável concluir que não existindo novos factos trazidos ao direito de audição e tendo a testemunha principal sido ouvida no decurso do procedimento, não tivesse sido admitido o seu depoimento.
Julga-se, aliás, paradoxal que a Requerente tenha conferido tal ênfase à audição desta testemunha no decurso do procedimento inspetivo, quando nem sequer a arrolou no âmbito desta ação arbitral, o que parece confirmar o juízo discricionário da Requerida, no sentido de que tal audição seria dispensável.
Bem como, relativamente ao jurista da Requerente, se entende que o discurso fundamentador da Requerida para rejeitar a respetiva audição é adequando e justificado. O que foi corroborado pelo seu depoimento como testemunha na presente ação arbitral, tendo revelado que não teve qualquer intervenção direta ou contacto com a negociação dos serviços de intermediação e de consultoria desportiva cuja realização está em discussão nos presentes autos e com as respetivas entidades prestadoras, recebendo apenas as instruções necessárias por parte da administração da Requerente para a redação dos contratos.
À face do exposto, improcede a alegação de violação dos artigos 58.º e 60.º, n.º 7 da LGT, julgando-se não verificado o vício procedimental suscitado pela Requerente.
4. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Alega ainda a Requerente a nulidade dos Relatórios (de Inspeção) por serem totalmente omissos quanto aos factos e fundamentos concretos/específicos que sustentam as correções e a consequente anulabilidade das liquidações por falta de fundamentação.
Não assiste, contudo, razão à Requerente.
O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa . Um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de novembro de 2002, processo n.º 42180).
Compulsados os autos arbitrais, constata-se que os Relatórios de Inspeção contêm, com clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a Requerida alicerçou a correção de IVA, e que se prendem com o não esclarecimento das operações que deram origem a diversas faturas de gastos de serviços de intermediação e de consultoria desportiva suportados pela Requerente e, em consequência, com a inerente desaplicação da presunção de veracidade das suas declarações fiscais.
Não tendo a Requerente comprovado a materialidade das operações em causa, considerou a AT não estarem reunidos os pressupostos do exercício do direito à dedução, pelo que corrigiu o correspondente IVA deduzido pela Requerente. Adicionalmente, a Requerida entendeu que em relação a alguns serviços de intermediação, se verificava “dupla representação”, pelo que nestes casos entendeu não terem os mesmos sido prestados no interesse da Requerente, desautorizando a dedução do respetivo IVA.
O discurso justificativo da Requerida é coerente e os seus argumentos foram bem percecionados pela Requerente que contra os mesmos esgrimiu uma extensa oposição de 319 artigos e 133 páginas. A Requerente compreendeu os factos e o enquadramento técnico preconizado pela AT, entendeu o seu sentido e alcance.
Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que foi acima objeto de análise.
Pelas razões expostas, improcede a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), nomeadamente a relativa à aplicabilidade da Circular n.º 15/2011 do Gabinete do Diretor-Geral da AT, cujo entendimento, referente ao IRC e não ao IVA, em qualquer caso não vincularia este Tribunal.
EM SÍNTESE,
À face do acima exposto, os atos tributários de liquidação de IVA supra identificados, referentes aos períodos de agosto de 2018 a março de 2019, são parcialmente anulados, no valor de € 275.233,33, por vício de violação de lei (dos artigos 19.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1 do Código do IVA), em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, mantendo-se válida a parte da correção de € 18 112,50, referente a IVA indevidamente deduzido nas faturas das operações de seguida discriminadas, cuja demonstração não foi efetuada pela Requerente:
Serviços de intermediação desprovidos de base contratual válida (ponto 2.3 supra):
IVA de € 4.600,00 – fatura da K..., LDA. (no âmbito da contratação do jogador N...);
IVA € 575,00 – fatura da O..., LDA. (no âmbito da contratação do jogador P...);
IVA de € 862,50 – fatura da V..., LDA. (Y...) – (no âmbito da revogação do contrato de trabalho do jogador W...);
Serviços de Consultoria Desportiva (ponto 2.4 supra) – H..., LDA. (IVA de € 10.350,00) e CC... UNIPESSOAL, LDA. (IVA de € 1.725,00).
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente a questão prévia suscitada pela Requerida relativa à incompetência (material) do Tribunal Arbitral;
b) Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral com a consequente anulação parcial das liquidações adicionais de IVA supra melhor identificadas, no valor de € 275.233,33;
c) Não conhecer do pedido acessório de restituição das quantias peticionadas a título de reembolso de IVA, por se inscrever dentro das competências da AT no âmbito dos atos e operações de execução deste julgado anulatório,
Tudo com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 293.345,83 (duzentos e noventa e três mil, trezentos e quarenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos) correspondente ao valor das liquidações de IVA cuja anulação é peticionada pela Requerente – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 5.202,00, na proporção de € 4.881,04 (93,83%), a cargo da Requerida, e de € 320,96 (6,17%), a cargo da Requerente, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de janeiro de 2021
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Ana Moutinho Nascimento
Álvaro Caneira